Primeira Carta de São João
Prefácio
A pessoa que empreende a leitura sistemática da 1Jo, de
início, se depara com a dificuldade extrema de entender de que João está
querendo falar. O exôrdio é uma exclamação emocionada de quem tenta explicar a
novidade daquilo que ele chegou a entender. A sua análise se torna
impossível porque falta a compreensão do conteúdo de toda a carta e da
convicção que o inspira. A duras penas, voltando continuamente a corrigir as
análises das perícopes que se seguem, alcança-se a profunda emoção que levou
João a se dirigir aos fiéis das suas comunidades. Movido pela mais séria
preocupação de Apóstolo queria que aqueles que dele tinham recebido a mensagem
de Jesus, nela perseverassem pela prática da purificação dos pecados, da observância
dos mandamentos dele, a fim de ter em si a caridade divina, e estivessem em
condições de guardar a fé em Jesus Cristo Filho de Deus. As retomadas sobre os
temas apresentados na primeira parte da carta são fundamentais para uma mais
completa compreensão da doutrina que João quer transmitir. Difícil, todavia,
continua o entendimento da linguagem que o Apóstolo utiliza. Entendida a
motivação da carta, detectados os temas e decifrada a linguagem, no fim, a
carta acaba se revelando a mais preciosa exposição do caminho da vida cristã.
Essas serão as etapas pelas quais necessariamente terá que passar quem quer
chegar a dominar o pensamento de João. Há momentos em que tornam-se necessárias
análises detalhadas, porque há textos que as exigem seja pela dificuldade da
linguagem, com pela importância da doutrina.
(1) 1Jo Introdução
Chave de leitura
Estamos diante de uma carta. Seu autor é o Apóstolo João. Sua preocupação pastoral é aquela de promover a vida cristã nos fiéis.
Para João, a vida cristã é um reflexo da própria Vida Trinitária. É Amor, que pode ser constatado pela obra da Redenção. Deus entrega o Filho à Morte. O Filho dá a vida pelos irmãos. O cristão, enquanto vive dando a vida pelos irmãos, realiza em si a vida de Deus. O Espírito que é a Verdade é aquele que lhe faz compreender tanto a natureza do Amor que está em Deus, como, também, a natureza do reflexo desse amor nele.
Foi à luz do Espírito que os Apóstolos chegaram à compreensão da Pessoa divina de Jesus. Tudo o que dele ouviram e viram, contemplaram e apalparam, os levaram, pela ação do Espírito, a compreender a condição de Jesus no seu princípio, isto é, a compreender que ele é, em Deus, “Aquele que é desde o princípio” (2,13), como o é o Pai (Ap 1,4). Jesus é o Cristo da profecia, que é Vida, como o Pai e o Espírito, que é, portanto, o Verdadeiro. É por ele que estamos no Verdadeiro.
À luz dessas verdades, às quais nos conduz o Espírito que Jesus nos mereceu com a sua Morte, compreendemos a grandeza da nossa vocação de sermos filhos, chamados a ver a Deus como ele é. Por isso, devemos viver a purificação dos pecados no Sangue de Cristo. Ela nos levará à plena caridade (2Pd 1,3-10). Trata-se de uma exigência ilustrada por uma metáfora que explicita a natureza do Verdadeiro. Deus é luz. Nós não podemos mais caminhar nas trevas, isto é, compactuar com o pecado. Aliás esse é o critério pelo qual podemos dizer se somos de Deus ou do diabo.
Ao mesmo tempo em que nos preocupamos com a purificação dos pecados, devemos viver segundo os mandamentos que Jesus nos deixou porque esta é a condição para permanecermos nele e, por ele, em Deus. Quem não vive segundo os mandamentos que Cristo nos deixou não tem em si o amor de Deus, porque, de fato, não ama o irmão.
Há uma terceira condição que deve ser vivida para que permaneçamos em Deus e Deus em nós: crer que Jesus é o Filho. Esta é uma verdade à qual os Apóstolos chegaram pelo testemunho que o Espírito deu a eles quando contemplaram Jesus na sua condição gloriosa de ressuscitado e tocaram nele para se certificar que não era um espírito. Desse mesmo Jesus,o Espírito fez compreender a João que, transpassado pela lança e jorrando do seu lado aberto a Água da vida fruto do seu sacrifício, realizava em si a figura do Filho do Homem, a Glória de Iahweh, o Novo Templo. A atitude que nos garante a vida eterna pela fé em Jesus Filho de Deus é a nossa comunhão de fé com os Apóstolos. De fato, abraçamos essa fé diante da doutrina que nos transmitiram e nós a abraçamos porque selados pelo mesmo Espírito que levou os Apóstolos a crer.
A forma de exposição que João adotou
Afirmou, em primeiro lugar, a condição divina de Jesus e a apresentou com os termos do prólogo de Jo 1.
Deixou claro, desde o início, a condição de testemunha em que ele e os outros Apóstolos foram constituídos.
Acenou à importância que deve ser dada à vida divina recebida pela pregação apostólica.
A vida divina que compreendemos pela ação do Espírito da Verdade deve ser cultivada em nós segundo a Verdade, porque Deus é Luz.
Reconheceremos que ela de fato vive em nós se estivermos vivendo o mandamento novo de Jesus: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Ama o seu irmão aquele que pratica os mandamentos que Jesus nos deixou, resumidos no mandamento do amor ao irmão. É então que andamos na Luz.
Lembrados que recebemos o perdão dos pecados no Nome de Jesus, que estamos em comunhão de vida com “Aquele que é desde o princípio”, que por Ele vencemos o Maligno,
lembrados que estamos em comunhão com o Pai e com o Filho e que a Palavra nos torna fortes contra o Maligno,
radicalizemos contra o mundo, não deixando sermos subjugados pelas concupiscências,
para preservar em nós o amor de Deus, fazendo a vontade de Deus.
Fiquem os fiéis com a doutrina que abraçaram em virtude da ação do mesmo Espírito que se revelava nas palavras dos Apóstolos quando anunciavam a Boa Nova. Não se deixem desencaminhar por falsos profetas para não serem encontrados longe de Cristo no Dia da sua Vinda.
Através de uma retomada (2,29-3,10), João aprofunda a análise da doutrina da purificação dos pecados (1,8-2,2). Ela é condição de vida eterna em nós e de vida em Deus, quando o veremos face a face.
3,11-24 É outra retomada pela qual aprofunda o que tratou do novo mandamento em 2,3-11.
4,1-6 É uma terceira retomada pela qual reafirma o valor do testemunho do Espírito nos Apóstolos.
4,7-5,4a Define a natureza do Amor de Deus em nós
5,4b-13 Proclama que a fé em Jesus Filho de Deus é fruto do Espírito que testemunha nos Apóstolos e naqueles que acatam a sua doutrina.
5,14-17 Não é para rezar para aqueles que cometem o pecado que conduz à morte: o pecado da apostasia.
5,18-21 João nos lembra, mais uma vez a nossa condição, por estarmos em Cristo, e a obrigação de amar o irmão. Temos a vida eterna, não nos deixemos subjugar novamente pelo Diabo mentiroso desde o princípio.
1Jo e Evangelho de João
A exegese da terminologia da 1Jo se encontra no Evangelho de João, a ponto de ser impossível entender a carta sem estarmos familiarizados com ele. Jo 1,1-18 nos ilustra a Palavra da vida, a Vida, Vida eterna enquanto se manifesta. Jo 3 nos fala do amor de Deus que, para a salvação do mundo, entrega o Filho como vítima de expiação dos pecados. Jo 13 nos fala do amor aos irmãos como condição de estarmos em Cristo. Jo 14 nos fala das condições da perfeita caridade, do Espírito que conduz a toda verdade,da observância dos mandamentos para que em nós o Pai e o Filho possam estabelecer sua morada. Jo 15 nos fala dos mandamentos e, particularmente do amor ao irmão para que permaneçamos em Cristo e, segundo a vontade do Pai, produzamos muitos frutos. Jo 16 nos explicita como o Espírito testemunhará em nós contra o mundo, que Jesus é o Cristo e como, pela fé em Jesus, vencemos o mundo. Jo 19,34 nos explica de que forma João pode falar de Jesus como Messias, porque nele vê o Templo do qual sai a Água da vida que jorra do lado direito do altar do templo. Jo 20 nos descreve de que forma os Apóstolos chegaram à plena compreensão de Jesus.
Visão teológica de João
Deus é o Verdadeiro. Nele temos o Pai que, no seu amor, envia o Filho, que também é, com o Pai, o Verdadeiro. Um com o Pai e o Filho temos o Espírito que é a Verdade.
Segundo a ação trinitária somos chamados a participar da vida do Verdadeiro. Ela acontece quando o Pai envia o Filho que, ao dar a vida pelos seus, nos merece o Espírito.
É o Espírito que opera em nós a vida do Verdadeiro, nos conduzindo a toda a verdade, realizando em nós a purificação dos pecados e a observância dos mandamentos que permite em nós a plenitude da caridade.
Os exercícios ascéticos são: 1) em relação à purificação dos pecados, a resposta à ação do Espírito que opera em nós com os seus dons, até nos fazer produzir os frutos próprios da caridade; 2) em relação ao amor aos irmãos, a observância dos mandamentos, que permitem a vida divina em nós; 3º) em relação à fé, a fidelidade à Palavra, aprofundada pelo Espírito, em comunhão com os Apóstolos.
O Espírito conduziu os Apóstolos, por primeiro, à compreensão da Palavra da Vida e da natureza da sua obra redentora, da necessidade da purificação diante da santidade de Deus à qual somos chamados, a entender a natureza da vida de amor em nós, segundo o dinamismo da purificação e da prática dos mandamentos que Cristo nos deixou.
Dessa forma, fica entendido que não há outro caminho para ser de Deus a não ser a fidelidade àquilo que os Apóstolos foram chamados a anunciar, segundo o testemunho com que o Espírito os marcou.
A vida cristã é uma vida de caridade, fundamentada na fé em Jesus Cristo Filho de Deus. O fiel reconhece na Morte de Jesus o seu princípio e o motivo da sua purificação. Vê na implementação dos mandamentos de Cristo a condição do Amor de Deus nele.
(2)
1Jo Conteúdo
Pela
simples leitura da carta temos o seguinte conteúdo:
1,1-4 João escreve para
exortar os fiéis a guardar a sua comunhão de fé com os Apóstolos para que
estejam em comunhão de vida com o Pai e seu Filho Jesus Cristo, a Palavra da
Vida, a Vida que se manifestou: “Voltada para o Pai, nos apareceu” (v. 2).
Dela, os Apóstolos, nos dão testemunho na condição de quem esteve com Jesus
desde o princípio: de tudo o que ouviram, viram com seus olhos (Jo 19,34),
contemplaram e suas mãos apalparam (Jo 20,27s).
1,5-2,2 Porque Deus é
Luz, devemos andar segundo a verdade. A vida divina então estará em nós.
Torna-se necessário a purificação dos pecados para que a Palavra habite em nós
(2,15; 5,18). Tudo está fundamentado no amor que Deus revelou ao destinar o
Filho como vítima de expiação. Pela purificação alcançamos a caridade com Deus
e com os irmãos.
2,3-11 O Verdadeiro está
naquele que guarda os mandamentos porque nele o amor é perfeito. O mandamento
do amor os resume em si. Juntamente com a purificação, nos torna luz no Senhor.
2,12-14 Síntese das
verdades a serem guardadas
Recebemos o perdão dos pecados no Nome da Palavra da Vida, Aquele que é desde o
princípio, o Filho, Deus verdadeiro, Vida eterna (5,20), que nos torna
vitoriosos sobre o Maligno. Estamos em comunhão de vida com o Pai e seu Filho;
a Palavra que permanece em nós nos torna fortes contra o Maligno.
2,15-17 O mundo é o
inimigo que devemos vencer. Nele não está o amor do Pai. Se voltássemos a
amá-lo, as concupiscências voltariam a nos subjugar e nós pereceríamos. Somente
fazendo a vontade do Pai é que permanecemos eternamente.
2,18-28 Fundamentados na
Verdade a que o Espírito os levou em virtude da pregação dos Apóstolos, os
fiéis não devem dar ouvidos aos que negam ser Jesus o Cristo. Os anticristos
não falam segundo o Espírito, pelo contrário, revelam ser do mundo que já pecou
em não reconhecer em Jesus o Messias (Jo 16,8).
A fidelidade ao Espírito que, em nós, dá testemunho que Jesus é o Cristo, é
mais uma condição de vida eterna, juntamente com a purificação dos pecados e a
observância dos mandamentos.
2,29-3,10 João retoma o
tema da purificação dos pecados (1,8-2,2).
Nascemos
de Deus que é justo. Nos tornamos filhos, destinados a vê-lo e conhecê-lo como
ele é. Por isso temos que nos tornar puros como ele é puro, lembrando, também,
que a vítima de expiação era sem pecado.
O pecado nos escraviza ao demônio. Somos estirpe de Deus e, por isso, não
podemos pecar. Quem pratica a justiça é de Deus, quem peca é do demônio.
3,11-24 Por meio de outra
retomada, João desenvolve o tema do amor aos irmãos, apresentado em 2, 3-11. A
vida de caridade é o termo último da ação de Deus em nós. O fiel se distingue
do mundo porque ama o irmão. O Modelo é Cristo que deu a vida pelos irmãos. O
fiel é chamado, por sua vez, a dar a vida pelos irmãos. A partir da nossa
sensibilidade com o necessitado, devemos amar até o nosso coração não mais nos
acusar de omissão. Isto ocorre quando guardamos os mandamentos.
Vida eterna em nós é crer em Jesus Filho de Deus e observar os seus
mandamentos. Nós o sabemos pelo Espírito que Deus nos deu (Jo 14,15-17).
4,1-6
Em virtude da unção do Espírito que leva a crer que Jesus é o Cristo, os fiéis
já sabem quem é de Deus e quem é do mundo. Os Apóstolos têm a mais
profunda convicção de estar testemunhando a verdade.
4,7-5,4a A caridade
4,7-13
Chamados a ver e conhecer a Deus devemos cultivar a vida divina em nós,
amando-nos uns aos outros (o que implica andar na Luz, guardando a Palavra,
2,10.5). Devemos aplicar em nós o dinamismo da vida em Deus, que se revelou
enviando o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados. Pelo
Espírito que vive em nós, reconhecemos, então “que permanecemos nele e ele em
nós” (4,13).
4,14-16 Pelo
Espírito chegamos a contemplar e a testemunhar que “o Pai enviou o seu Filho
como Salvador do mundo”. Quem na base do testemunho dos Apóstolos, confessa que
Jesus é o Filho de Deus, “Deus permanece nele e ele em Deus” (4,15).
4,17-18 A perfeição do
amor é indicada pela falta de temor.
4, 19-21 O amor ao irmão
é a verdadeira condição para estarmos em Deus.
5,1 Em síntese, nisto
consiste o amor de Deus: crer que Jesus é o Cristo (4,15). Isto levará
necessariamente a amar “o que nasceu de Deus”.
5,2 A natureza do amor
de Deus constitui-se em confessar que Jesus é o Filho de Deus (4,15) e amar o
irmão (4,21).
5,3 O amor ao irmão,
reflexo do amor de Deus em nós, se realiza pela observância dos mandamentos
(2,3) que, longe de ser pesados,
5,4a ... nos tornam
vitoriosos sobre o mundo: “Nós sabemos que passamos da morte para a vida”
(3,14).
5,4b-13 A fé
5,4b Por tudo aquilo que
praticamos, fé em Jesus Cristo e observância aos mandamentos, pelo fato que nos
permite continuar a ser estirpe de Deus,
vencemos o mundo “todo sob o poder do Maligno” (5,19).
5,5 O mundo só pode ser
vencido pela fé em Jesus, reconhecido na sua condição divina.
5,6 Pela sua Morte de
Cruz realizou a nossa redenção. João viu com seus olhos e, mais tarde, movido
pelo Espírito da Verdade, entendeu que a Glória de Iahweh fazia jorrar a água
da Vida do seu Templo. Esse é o testemunho que Deus deu do seu Filho e que os Apóstolos experimentaram diante do
ressuscitado que apalparam com suas mãos e contemplaram como Senhor e Deus.
5,10 Aquele que, em
comunhão de fé com os Apóstolos, crê que Jesus é o Filho de Deus, tem em si o
testemunho que o Espírito dá.
5,11 O Filho é Vida
eterna: “Deus o enviou ao mundo para que vivamos por ele” (4,9).
5,12 Numa clara alusão à
abertura da carta, onde diz que a Palavra da Vida, a Vida, é Vida eterna, João volta
a afirmar que “quem tem o Filho tem a vida”.
5,13 De posse da fé no
Filho de Deus, os fiéis devem levar à perfeição a vida eterna que está neles
atendendo ao amor que o Apóstolo tem por eles.
5,14-21 Síntese final
5,14 O sinal da perfeita
caridade é a confiança de sermos atendidos sempre.
5,16 Não rezem pelos que
negam ser Jesus o Cristo. É um pecado que não será perdoado (2Jo 10).
5,18 O Gerado é capaz de
nos proteger do Maligno pelos mandamentos que guardamos (2,13.14b; 5,3-4).
5,20 O Filho, pelo Espírito
que nos mereceu com a sua imolação de
cruz, nos levou à plena comunhão de vida com o Deus verdadeiro.
5,21 Precavemo-nos dos
ídolos (1Tss 1,9).
(3)1Jo
Exôrdio (1,1-4)
A carta se abre com a declaração de João de ser ele, juntamente com os outros
Apóstolos, testemunha da condição divina de Jesus. Jesus é o Cristo de Deus, o
Filho, em Deus voltado para o Pai, a Palavra criadora, a Vida, que ao se
manifestar, devido a sua condição divina, tornou-se Vida eterna para nós.
Os Apóstolos podem dar testemunho em virtude do Espírito que o Filho de Deus
lhes comunicou.
A comunhão de fé com eles é condição de comunhão de vida com o Pai e o Filho. É
nessa condição que João nos exorta a não avançar, e sim, a permanecer na
doutrina de Cristo e dessa forma possuir o Pai e o Filho (2Jo 9).
Os fiéis levarão à plena alegria os Apóstolos se puserem em prática o que eles anunciam. De fato, é sob a
lida do Espírito Santo que dão testemunho de tudo o que ouviram, viram com seus
próprios olhos, contemplaram e suas mãos apalparam. Trata-se da Palavra da
Vida, d’Aquele que não podiam compreender, porque o Espírito não os tinha ainda
conduzido a toda verdade, d’Aquele que não podiam seguir, porque neles ainda
não tinha amadurecido a caridade, em favor de quem, agora, podem testemunhar
porque chegaram a reconhecer nele o seu “Senhor e Deus”, a Palavra que desde
sempre existe em Deus e que é Deus, pela qual tudo foi criado, que é Vida, Luz
para os homens. Os que a acolhem tornam-se filhos de Deus, sua estirpe. Por
Jesus Cristo nos vieram a graça e a verdade (Jo 1,1-18).
As palavras do exôrdio querem ser uma apresentação do conteúdo da doutrina da
fé dos Apóstolos, daquilo que chegaram a compreender de Jesus Cristo, o Filho
que veio e que, pelo Espírito que nos mereceu pela sua Morte de Cruz, nos deu a
compreensão para chegarmos a conhecer o Verdadeiro (5,20). Nele estamos quando
vivemos a caridade, porque, então, estamos na Luz. Olhando para o nosso modelo
que é Jesus, que nos ensinou a dar a vida pelos irmãos, para termos em nós a
vida no seu mais alto grau, reconhecendo-nos
pecadores, nos purificamos no seu Sangue. Então estamos em Jesus Cristo, Deus
Verdadeiro, Vida eterna.
Trata-se de verdades que os Apóstolos chegaram a contemplar e que consideram,
quando abraçadas segundo a moção do Espírito que nos ungiu, e, pelo mesmo
Espírito vividas, condição de vencer o mundo. Crer que Jesus é o Filho de Deus
e ter em nós o amor aos irmãos, pela caridade que conquistamos pela purificação
e pela observância dos mandamentos, é vida eterna. Enquanto vivemos em Cristo,
fortes na sua palavra que permanece em nós, somos vitoriosos contra o Maligno.
Nutrimos a fé quando aprofundamos a compreensão de Deus que é a Bondade que age
no amor, que se revela na sua misericórdia. O Resplendor dessa Glória é o Filho
que se manifestou e realizou a salvação. O Espírito que é a Verdade, merecido
por Jesus Cristo, é o vivificador. Por Ele, quando praticamos os mandamentos do
Pai que são manifestados pelos mandamentos do Filho, e desenvolvemos os dons do
Espírito, produzimos muitos frutos e o Pai é glorificado. Pelo Espírito da
Verdade, estamos, então, em Cristo o Verdadeiro e, por ele, estamos no Pai.
João desenvolve o seu pensamento à luz da visão do Pai que age pelo Filho. O
ilumina o Espírito merecido pelo Filho.
1,1 O que era desde o princípio.
João está se referindo à condição divina de Jesus que chegou a entender pela
ação do Espírito que Jesus prometera (Jo 14). O pronome relativo neutro
inicial, da mesma forma que os outros pronomes relativos neutros que se
seguem, estão relacionados à Palavra da Vida. João está se referindo à condição
divina que a Vida que se manifestou possui desde sempre.
1,1 ... o que ouvimos É a primeira especificação de tudo o
que João pode testemunhar. Trata-se de tudo aquilo que Jesus ensinou e que os
Apóstolos chegaram a compreender pelo Espírito que Cristo mereceu com a sua
imolação.
1,1 ... o que vimos com nossos olhos É a segunda especificação. Trata-se de
Jesus ressuscitado de quem os Apóstolos são testemunhas.
1,1 ... o que contemplamos e nossas mãos
apalparam Clara referência à
visão de Jesus ressuscitado que levou os Apóstolos à fé no seu “Senhor e Deus”.
1,1 ... da Palavra da Vida. Iluminado
pelo Espírito, João detectou no quadro da criação apresentado em linguagem
antropomórfica de Gn 1,3, a figura de Jesus na sua condição divina. Jo 1,1 diz
“No princípio era a Palavra e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era
Deus... Ela era a Vida”.
Comentário. 1Jo 1,1 descreve a fé à qual os Apóstolos chegaram pela ação divina
do Espírito que os levou a entender a condição divina de Jesus.
1,2 E a Vida se manifestou Trata-se da “Palavra que estava com Deus,
desde o princípio. Ela era a Vida” que realizou a sua teofania entre nós. Jo
1,1 relaciona esse termo à Palavra que desde sempre existiu, que “estava com
Deus, que “era Deus”. Palavra criadora, “Ela era a Vida e a Vida era a Luz dos
homens” (Jo 1,4s).1,2 E nós vimos Os Apóstolos chegaram a
entendê-la claramente.
1,2 ... e testemunhamos O Espírito dá testemunho neles de que
Jesus é a Vida.
1,2 ... e a vós anunciamos Segundo a certeza à qual chegaram pelo
Espírito da Verdade, enviado por Jesus, constituído Senhor, no-la anunciam.
1,2 ... a Vida eterna Outra maneira de descrever a condição
divina de Jesus. O termo “eterna” ilustra o que João disse no início da Palavra
da vida: “o que era desde o princípio”.
1,2 Que estava com o Pai É a visão que João tem de Jesus,
enquanto contemplado em Deus.
1,2 ... e a nós se manifestou
Trata-se da forma pela qual o “Unigênito Deus” se revelou aos homens a começar
pelos Apóstolos
Comentário. 1Jo 1,2 descreve a natureza divina de Jesus, Palavra da Vida: “Vida
eterna voltada para o Pai”.
1,3 O que vimos e ouvimos Trata-se da doutrina que os Apóstolos
adquiriram pela ação do Espírito, acerca da “Vida eterna voltada para o Pai”.
1,3 ... anunciamos a vós, também
É a função específica dos Apóstolos escolhidos para serem testemunhas. A
doutrina que receberam de Cristo Jesus, no-la transmitem segundo a condição na
qual foram constituídos (4,6). Ela é fruto da ação do “Espírito que é a
verdade” que, prometido por Jesus, eles receberam após sua ressurreição (Jo
20,22; Lc 24, 44-49).
1,3 Para que vós também estejais
conosco em comunhão com Deus Os
Apóstolos agem movidos pela obrigação que deriva da sua missão. Visam a
participação dos fiéis à vida de Deus. Ela depende da profissão de fé em Jesus que
se revelou o Cristo, Filho de Deus. O reconhecimento da condição divina de
Jesus, a observância da sua mensagem, que os Apóstolos dele receberam e
fielmente nos transmitiram (Hb 2,3-4), nos põem em condições de plena comunhão
de vida com Deus, pela ação do mesmo Espírito que constituiu os Apóstolos
testemunhas do Verdadeiro.
1,3
E a
nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo É a vida que Deus, nos seu desígnio,
por livre determinação de sua vontade, nos oferece, tendo-nos predestinados a
sermos seus filhos adotivos em Jesus Cristo (Ef 1,6), à qual chama os homens
pelo testemunho dos Apóstolos.
Comentário. 1Jo 1,3 especifica qual é a função dos Apóstolos: anunciar o
Mistério de Jesus para que os fiéis participem com eles da vida de Deus.
1,4 E estas coisas nós escrevemos para
que a nossa alegria seja completa João,
movido por zelo pastoral de Apóstolo, quer que aqueles, que pela sua pregação
gerou à vida, continuem vivendo a perfeição da caridade. Ele sabe que, pelo
carisma que lhe é próprio, na condição de Apóstolo, pode colher algum fruto,
enquanto se une às assembléias dos ouvintes na partilha da sua fé. À semelhança
de Paulo e do autor do Apocalipse, quer que os fiéis promovam continuamente a
perfeição da caridade para que permaneçam em comunhão de vida com o Pai e
o Filho; uma comunhão que será alcançada por eles se viverem em tudo a mensagem
que Jesus Cristo deixou.
A esse respeito, Paulo expressa os seus sentimentos em Fl 2,1: “Dêem testemunho
em Cristo, me consolem com a manifestação da sua caridade, aquela pela qual o
Espírito os põe em comunhão de vida uns com os outros, tenham em meu favor
sentimentos de comiseração. Levem a minha alegria à sua plenitude vivendo, em
tudo, a mensagem do Filho, Jesus Cristo, o Deus verdadeiro”! No caso de Paulo,
a expectativa estava limitada a uma superação de rivalidades, para que fosse
restabelecida a unidade entre fiéis e os seus presbíteros e diáconos. No caso
de João a expectativa era muito mais angustiante, diante do perigo da queda do
primeiro amor e da falta do seguimento de Jesus pela observância dos seus
mandamentos e diante do perigo das falsas doutrinas de falsos profetas que
negavam ser Jesus o Cristo.
Comentário
O exôrdio apresenta o processo pelo qual os Apóstolos chegaram à fé na
divindade de Jesus. Na condição de testemunhas, enviadas para anunciar a Boa
Nova da salvação, nos exortam a viver a mensagem de Jesus Cristo.
A forma exortativa: “Filhinhos isto vos escrevo... “ estará a indicar, ao longo
da carta, a doutrina que os fiéis devem implementar, enquanto relembrará a
preocupação pastoral do Apóstolo à qual os fiéis devem corresponder.
Desde já podemos notar que João, juntamente com os outros Apóstolos, age sob a
ação do Espírito. Por ele, os Apóstolos chegaram a reconhecer em Jesus a
condição divina e se tornaram anunciadores daquilo que testemunharam.
Convencidos da sua função podem declarar que estarão em comunhão de vida com
Deus somente aqueles que estarão em comunhão de fé como eles. Enfim, proclamam
que a implementação da doutrina que eles receberam de Jesus e nos transmitem é
condição de vida eterna.
A abertura da carta está relacionada ao Evangelho de João nos seguintes pontos:
1º) “O que vimos com nossos olhos, o que contemplamos e nossas mãos apalparam
da Palavra da vida”. Essas palavras lembram a visão do Senhor ressuscitado e o
prólogo de Jo. 2º) “que estava voltada para o Pai e nos apareceu”. São palavras
relacionadas ao prólogo de Jo (1,18).
Por esses elementos é possível entender porque João se expressa com tanta
convicção acerca do valor do seu testemunho sobre Jesus Filho de Deus. Ele,
juntamente com os outros Apóstolos, passaram de uma condição de incompreensão,
a ponto de Jesus afirmar que então não podiam segui-lo (Jo 13,33), à posse de
toda a verdade, pela ação do Espírito.
A sua segurança é tão grande que podem afirmar que a nossa comunhão de fé com
eles é condição de comunhão nossa com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo.
A carta é fruto do mais profundo testemunho em virtude da unção que o Espírito
realizou neles para se tornarem anunciadores da obra da salvação que Deus
realizou pelo Filho que enviou ao mundo como vítima de expiação dos nossos
pecados.
Os fiéis, pela fé que abraçaram, ao ouvirem as palavras dos Apóstolos, estão em
condições de manter a sua adesão ao Apostolo e testemunhar (5,1): “Deus nos deu
a vida eterna e esta vida está no Filho” (5,11).
1Jo é uma proclamação de fé do Apóstolo. O leitor e os ouvintes são chamados a
ele se unir para que levem à plenitude a sua alegria ao ver que o seu trabalho
de pastor não foi perdido (2Jo 9).
A condição de anunciadores da mensagem de Jesus em virtude do testemunho do
qual são capazes, porque o Espírito os conduziu a toda verdade, torna toda a
sua doutrina fruto do Espírito (3,24; 4,13). Os Apóstolos podem proclamar que
tem a vida eterna quem crê no Filho (5,12) e afirmar com a mesma convicção que
alcançam a vida eterna somente os que se purificam no sangue de Cristo e
observam os seus mandamentos.
27 de Dezembro Tempo do Natal
Reflexão
1Jo 1,1-4 nos coloca diante dos
fundamentos da doutrina que João irá expor na sua Carta:
1º) Jesus Cristo é a Vida. Isto pode
ser ilustrado por Gn1,1-3. Lá, o autor descrevia, em linguagem antropomórfica,
a ação criadora do Único Deus existente, fundamentado na intuição de que o
homem é “imagem e semelhança de Deus” (Gn 1,26). João, diante da Vida que se manifestou,
atribui a Jesus, segundo o próprio ensinamento do Mestre, a condição de Filho, e
o define a “Vida que estava com o Pai”. Em Jo 1,1-5 temos a explicitação. Jesus
é, portanto, a Palavra que estava com Deus e que era Deus. Ela é o Criador de
tudo o que existe e a sua Providência, enquanto sustenta todas as coisas no seu
existir. Na condição de Luz que brilha nas trevas em virtude da sua manifestação
na carne, é princípio de vida para os que o acolhem (Jo 1,12), porque ele é Vida, uma vez
que existe desde sempre.
2º) Os Apóstolos anunciam tudo o que
chegaram a entender de Jesus Cristo, na condição de testemunhas que o Espírito
constituiu, a eles fazendo ver claramente que Jesus é a Palavra da Vida, a Vida
que se manifestou, Vida eterna.
3º) A comunhão de fé com eles é
condição de comunhão de vida com o Pai e seu Filho Jesus Cristo.
4º) Os fiéis serão bem-aventurados
se observarem a mensagem de Jesus Cristo que o Apóstolo pretende transmitir com
o seu escrito.
(4)1Jo
A mensagem de Jesus (1,5-7)
1,5 Esta é mensagem que ouvimos dele Começa a explicitação da doutrina que
os Apóstolos ouviram de Jesus e da qual dão testemunho por ter chegado à sua plena compreensão pela ação do Espírito Santo
(Jo 14,26).1,5 ... e vos anunciamos Na condição de testemunhas
constituídas por Deus, no-la transmitem (Hb 2,3s).
1,5 Deus é Luz e nele não há treva
alguma É a doutrina de Jesus
resumida num axioma. A princípio ela implica o seguinte compromisso moral:
aquele que abraçou a fé em Cristo e se tornou luz no Senhor, não pode mais
pecar (5,18).
1,6 Se dissermos que estamos em
comunhão com Ele e andamos nas trevas, mentimos. Há uma incompatibilidade
total entre vida divina e o pecado.
1,6 ... e não praticamos a verdade Pecar é renegar o Verdadeiro.
1,7 É quando caminhamos na luz como ele
está na luz João explicita essa condição, que aqui propõe em forma temática, seja quando fala
da purificação dos pecados, como quando fala da observância dos mandamentos e
da adesão à doutrina à qual nos levou o Espírito Santo, todas condição de vida eterna em nós.
1,7 ... que estamos em comunhão uns com os
outros É aquele que põe em
prática as palavras de Cristo Jesus que tem em si a vida divina, condição para
estar em comunhão com Deus.
1,7 ... e o Sangue de Jesus, seu Filho, nos
purifica de todo pecado Saímos
das trevas do pecado em virtude da Morte de Cristo. Por meio dele nos tornamos
luz. Estamos em condição de proceder numa contínua purificação até chegarmos à
condição gloriosa do Senhor ressuscitado.
Comentário
Já
estão definidos o que é vida divina em nós e qual é o caminho da sua
realização: é Luz divina em nós, que permite a plena comunhão com Deus. Isso
acontece pelo dinamismo da purificação dos pecados, a observância dos
mandamentos e a fé em Jesus Cristo Filho de Deus, em comunhão com os Apóstolos.
A sua realidade, como um todo, se constitui no amor ao
irmão, reflexo da vida de Deus, que é amor, em nós.
(5)1Jo A purificação dos pecados (1,8-2,2): “Meus filhinhos,
isto vos escrevo para que não pequeis” (2,1)
1,8 “Se dissermos que
não temos pecado”. É uma advertência que encontramos, também, em 2Pe 1,9,
momento em que Pedro, também, exorta a viver a purificação dos pecados.
1,8 “Enganamo-nos a
nós mesmos”. É verdade que sepultados na Morte com Cristo, ressurgimos para
uma vida nova (Rm 6,4). Ela contudo deve desenvolver-se até se tornar uma vida
gloriosa como a é a do Senhor glorificado. Isto acontece “juntando à fé a
virtude.. “ (2Pd 1,3 ss).
1,8 “e a Verdade não
está em nós”. Porque em nós não está se processando a purificação pelo
despojamento do homem velho para nos revestirmos do homem novo. Permanecendo a
treva do pecado, não vemos nem conhecemos a Deus (3,6).
1,9 “Se confessarmos
nossos pecados”. O reconhecimento da nossa condição pecadora é fruto da
contemplação da grandiosidade do Desígnio que Deus realizou em Cristo que
tornou vítima de expiação, para que crescendo segundo os dons do Espírito
produzamos frutos de vida eterna. Trata-se de reconhecer a nossa condição
pecadora que somente Deus pode restaurar e reconhecer na ação trinitária da
nossa redenção a sua única condição de realização.
1,9 “Ele é fiel e
justo”. Diante do homem que se reconhece pecador, aquele que “enviou seu
Filho como Salvador do mundo (4,14), fiel ao seu juramento, nos
justifica.
1,9 “para perdoar os
nossos pecados e purificar de toda injustiça”. É vontade de Deus nos
reconciliar com ele e nos santificar no Sangue de Jesus, seu Filho (Ef 1,13s).
1,10 “Se dissermos
que não pecamos fazemo-lo mentiroso”. Negar a necessidade de nos
purificarmos dos pecados significa desconhecer tudo o que a Revelação diz sobre
o homem.
1,10 “e a sua Palavra
não está em nós”. Nesse caso, certamente, não estamos em comunhão com a
Palavra, o Filho de Deus que veio “e nos deu a inteligência para conhecermos o
Verdadeiro” (5,20). Uma vez que não estamos no seu Filho “Deus verdadeiro e
Vida eterna”, não estamos em comunhão de vida com o Pai.
2,1 “Meus filhinhos, isto
vos escrevo para que não pequeis”. É o tema da perícope, posto no seu
centro.
2,1 “Mas, se alguém
pecar”. Trata-se do caso de omissão na prática da purificação dos pecados.
2,1 “temos como
advogado, junto do Pai, Jesus Cristo, o justo”. Grande síntese doutrinal!
Aquele que nos justificou pela Redenção, sentou-se à direita da Majestade, na
condição de Filho (Hb 1,3) e intercede por nós, na condição de Sumo Sacerdote
(6,20).
2,2 “Ele é a vítima
de expiação pelos nossos pecados”. É o Filho que “ao entrar no mundo diz ao
Pai: ‘Não te foram aceitos os sacrifícios e os holocaustos –está escrito no
Livro- eis que venho, ó Pai, para fazer a tua vontade’ (Hb 10,5).
2,2 “E não somente
pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo”. A Redenção é o Gratuito
divino oferecido a todos indistintamente porque Deus na sua sabedoria “encerrou
todos na desobediência para a todos fazer misericórdia (Rm 11,32).
Comentário
João conclui a sua argumentação com a visão central da fé cristã: o Sumo
Sacerdote que entrou no céu com o seu Sangue e intercede por nós. Essa visão
está diante de uma outra visão, a de Deus na sua condição de Luz que nos chama a participar. A purificação dos pecados, em
relação à caridade que deve viver em nós, é um dos aspectos. Devem-se juntar a
ela a observância dos mandamentos, em vista da perfeita caridade, o ódio ao
mundo para não recairmos sob o jugo do Maligno e a fidelidade à pregação
apostólica em vista de uma fé perfeita.
28 de Dezembro Tempo do Natal
Reflexão (1Jo 1,5-2,2)
João inicia a exposição da mensagem de Jesus com um
princípio geral: ”Deus é luz”. O fiel tem o compromisso de andar na luz. Para
não recair nas obras das trevas deve viver “juntando à fé a virtude, à virtude
o autodomínio, ao autodomínio a constância, à constância a piedade, à piedade o
amor fraterno, ao amor fraterno a caridade” (2Pd 1,5-7). Esse processo é
chamado pela Igreja apostólica de purificação dos pecados. Quem o realiza é Jesus
Cristo. Nós devemos, todavia, nos purificar no seu sangue. Nos motiva o amor
que Jesus mostrou ter para conosco, os benefícios da nossa reconciliação com
Deus, os frutos do Espírito que brotam pela prática dos seus dons, a
constatação da vida de Jesus Cristo em nós, enquanto nos associamos à sua
Paixão, perseverantes na tribulação, a caridade que o amor fraterno promove em
nós., O nosso empenho na prática das virtudes exigidas pelo exercício ascético
da purificação dos pecados, provoca a ação da “Testemunha fiel”, do Justo que
se santificou por nós (Jo 17,19).
Caso o fiel falhe nos seu
compromisso de não voltar ao pecado, sempre pode confiar na compreensão de
Jesus Cristo que continuamente media em nosso favor diante do Pai, uma vez que
entrou no santuário do céu com o seu sangue e intercede por nós (Hb 9,24). O
próprio Jesus lembra nas cartas às sete igrejas da Ásia (Ap 2-3) que devemos
nos converter e que nos repreende porque nos ama. É fundamental que o fiel viva
a perfeição da caridade para que seja reconhecido pelo Senhor das igrejas
diante de seu Pai (3,5).
(6)1Jo A observância dos mandamentos de Cristo, condição de plena
comunhão com Deus (2,3-11) “Vos escrevo um novo
mandamento” (2,8)
2,3 E sabemos que o conhecemos por
isto: se guardamos os seus mandamentos. O conhecimento é dinâmico. Depende
da observância dos mandamentos.
2,4 Aquele que diz: “Eu o conheço”, mas
não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e a Verdade não está nele.
Faltando a observância dos mandamentos, não estamos no Verdadeiro porque não
permanecemos no Filho. Vivemos servindo ao pecado pela prática de tudo o que se
opõe à Verdade.
2,5 Mas o que guarda a sua palavra,
nesse, verdadeiramente, o amor de Deus está realizado. É a vivência dos
mandamentos de Cristo que origina a vida de Deus em nós. A metáfora que Jesus
utiliza para explicar essa verdade é aquela de fazer sua morada com o Pai
naquele que observa os seus mandamentos (Jo 14, 22)
2,6 Aquele que diz que permanece nele,
deve também andar como ele andou. Jesus Cristo é o Modelo. Ele observou os
mandamentos do Pai (Jo 15, 10).
2,7 O amor ao irmão é um
preceito antigo. Faz parte da Palavra que os Apóstolos escutaram desde o
início. Ele inclui em si todos os mandamentos que Jesus nos deixou.
2,8 “O novo mandamento”,
a todos resume. Ele realiza nos fiéis a Verdade que está em Deus. Por ele, a
treva se dissipa e a Luz verdadeira aparece.
2,9 Quem não vive uma
vida de amor ao irmão, embora diga estar na luz, de fato, está ainda na treva.
Realiza-se em nós o amor aos irmãos quando observamos os mandamentos, com a
disposição de dar a vida pelos irmãos.
2,10 Está na Luz aquele
que ama o seu irmão. Nele cessa qualquer perigo de tropeçar.
2,11 Quem conduz uma
vida de falta de amor ao irmão caminha nas trevas, sem saber por onde anda
porque as trevas o cegaram. Aquele que está nas trevas “é um cego, um míope”
(2Pd 1,9), que tropeça e não sabe por onde anda.
29 de Dezembro Tempo do Natal
Reflexão (1Jo 2,3-11)
O princípio geral da mensagem de
Jesus: “Deus é luz” tem a sua aplicação prática na “purificação dos pecados”.
Este é o primeiro ponto da doutrina que João está expondo. O segundo ponto: “O
que ama o seu irmão permanece na luz” (2,10), quer apresentar qual é o fruto da
“purificação dos pecados”. As virtudes praticadas nos levam à caridade, isto é
à posse da vida divina. De fato estamos andando como Cristo andou (2,6), porque
vivemos em tudo os mandamentos que ele nos deixou. Quando a sua doutrina é por
nós praticada, estamos “em comunhão com Deus Pai e com o seu Filho Jesus
Cristo” (1,3). O segundo ponto é, portanto, uma explicitação do primeiro. Nos
diz como devemos desenvolver as virtudes que 2Pd 1,5-7 nos relacionou.
Jesus apresenta em si o ideal que o
cristão é chamado a viver. Os seus mandamentos permitem que se desenvolva em
nós o homem novo. Permitem que se realize em nós a vitória sobre o mundo, para
que viva em nós o amor de Deus, em toda sabedoria. As etapas do seu
desenvolvimento incluem: 1º) o aprofundamento da fé, pela reflexão, sugerida
pelas Escrituras, sobre o Mistério que em Cristo se realizou; 2º) o
desenvolvimento dos dons do Espírito que, pelo entendimento do Mistério,
promove o espírito de conselho, que, por sua vez, nos põe em condição de
discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que é agradável e perfeito
(Rm 12,2); 3º) a condição de dar testemunho da Palavra e de Jesus Cristo,
animados pelo espírito de fortaleza; 4º) a compreensão das verdades reveladas
dentro de uma visão global do Desígnio d’ Aquele que, por livre determinação da
sua vontade, nos predestinou a sermos seus filhos adotivos em Jesus Cristo; 5º)
a celebração comovida de tudo aquilo que Deus realizou em nosso favor, em espírito
de piedade; 6º) uma vida em santidade e justiça diante dele, compenetrados por
um temor reverencial.
Cl 1,10-12 nos revela que, pelos
dons do Espírito, devidamente desenvolvidos, estamos em condições de
produzirmos frutos, sempre pela ação de Jesus, “o Fiel e Justo”, “a Verdadeira
Videira” (Jo 15,1). Esses frutos são relacionados em Gl 5, 22s.: “amor,
alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão,
autodomínio”.
Resumindo:
Anda na Luz, permanece em Deus, conhece a Deus, tem em si a vida eterna, aquele
que se purifica dos pecados e observa os mandamentos de Jesus. Trata-se de um vasto trabalho ascético a que somos chamados, condição da vida divina em nós, princípio da nossa esperança de herdarmos a vida eterna.
(7)
1Jo Devemos radicalizar contra o mundo (2,12-17)
Como
conclusão da reflexão que contemplou Jesus na sua condição divina, princípio de
nossa comunhão com o Verdadeiro (5,20), e na sua condição humana, o Filho Jesus
Cristo, vítima de expiação dos nossos pecados, João volta a nos exortar para
estar à altura da nossa vocação.
É da seguinte forma que João sintetiza as profundas motivações da vida cristã:
A- Perspectiva
cristológica:
1º) Alcançamos a
remissão dos pecados em virtude da Morte de Jesus Cristo. 2º) Estamos em
comunhão de vida com “Aquele que é desde o princípio”.
3º) Por ele alcançamos a condição definitiva de vencermos o Maligno.
B- Perspectiva
Trinitária:
1º) Estamos em comunhão
com o Pai.
2º) Estamos em comunhão
com “Aquele que é desde o princípio”.
3º) A Palavra nos torna fortes, vencedores do Maligno (2, 12-14).
Tudo
isso nos motiva a não amar o mundo que nos levaria à perda da nossa comunhão de
vida com Deus; nos torna capazes de resistir às concupiscências da carne, da
cobiça do ouro, da ambição do poder, enquanto nos torna sempre mais morada do
Pai com o Filho, no Espírito.
Todas essas recomendações são insistentemente sugeridas por João porque ele,
juntamente com os outros Apóstolos, tem a responsabilidade de precaver os fiéis
de enveredar falsos caminhos.
Já
foi lembrado ao comentar Jo 1,4, que devemos interpretar o insistente refrão
“Eu vos escrevo...” com as palavras de Paulo em Fl 2,1-2. Para Paulo, os
filipenses continuariam a estar à altura da vida em Cristo, porque viveriam
segundo a caridade de Cristo, no cuidado de estar em comunhão com ele,
preocupados em consolá-lo levando à plenitude a sua alegria tendo os mesmos
sentimentos, todos vivendo o mesmo amor, em pleno acordo, tendo o mesmo
pensamento, deixando de lado dissensões e vanglória, na humildade reconhecendo
os outros possuidores de valores superiores aos seus. João lembra, em primeiro
lugar, a Glória e o Poder que se revelaram na obra da redenção. Em segundo
lugar, lembra que, pela fé chegamos a conhecer “Aquele que é”, que era desde o
princípio. Em terceiro lugar, lembra a condição de liberdade e dignidade porque
libertados da escravidão do Maligno (Rm 8 ). Em quarto lugar lembra a comunhão
de vida que gozamos com o Pai e com o Filho. Em quinto lugar, novamente, a
condição de liberdade do Maligno porque observando os seus mandamentos e
vivendo a purificação, a Palavra da vida permanece em nós. Por tudo isso, João
nos exorta a em nada compactuar com o mundo “que passa com as suas
concupiscências’ (2,17). “O que faz a vontade de Deus permanece eternamente”.
Isso levará o seu coração à plenitude da alegria.
Exegese
2,12 Os fiéis levarão o
Apóstolo à completa alegria se sempre crerem no Nome do Filho de Deus (5,13).
Por Ele os pecados foram perdoados (2,2). Trata-se do mistério central da
Redenção (Jo 3; Rm 3,21-26; Fl 2, 6-11; Hb 1,3).
2,13 Os fiéis levarão o
Apóstolo à completa alegria se permanecerem em comunhão com o Filho, “Aquele
que é desde o princípio”; se, por ele, forem sempre vencedores do Mal;
2,14 ... se permanecerem
em comunhão de vida com o Pai, pelo amor. Se permanecerem em comunhão de vida
com o Filho, “Aquele que é desde o princípio”. Se permanecer neles a Palavra
anunciada pelos Apóstolos e que posta em prática, nos torna vencedores do
Mal (2,14c; 5,4b).
2,15 Temos que
radicalizar, nada aceitando do que há no mundo para não perdermos a comunhão de
vida com Deus. No mundo não está a vida de amor promovida pela purificação dos
pecados, pela observância dos mandamentos.
2,16 No mundo temos as
concupiscências que subjugam os homens ao Maligno.
2,17 Somente aquele que
faz a vontade do Pai é que permanece para sempre, porque nele permanece a vida
do Verdadeiro (5,20). Em Rm 12,2 temos um paralelo ilustrativo: “Não vos
conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente (purificação
dos pecados), a fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é
bom, agradável e perfeito”.
(8)
1Jo O testemunho do Espírito (2,18-28) “Filhinhos, permanecei nele”
(2,28).
Os
anticristos que negam ser Jesus o Cristo é uma questão acrescentada à
apresentação das obrigações deduzidas da mensagem de Jesus, às quais os fiéis
devem ater-se para estar em comunhão de fé com o Apóstolos e, com isso, em
comunhão de vida com o Pai e o Filho.
É o que nos permite
aprofundar a ênfase com que João apresenta a importância da comunhão de fé dos
fiéis com aqueles que foram constituídos testemunhas da Palavra da Vida para
anunciá-la afirmando ser Jesus o Cristo o Filho de Deus.
A
questão força o Apóstolo a argumentar em profundidade sobre aquilo que afirmara
no exôrdio. Por que, então, os fiéis não devem escutar esses homens que se
revelam ser do mundo e não membros da Igreja? É porque os fiéis devem
lembrar que quando abraçaram a fé o fizeram na base da ação do mesmo Espírito
que movia os Apóstolos a anunciar que Jesus era o Cristo, o Filho de Deus,
vítima de expiação dos nossos pecados. Em virtude da unção que então receberam
e que os levou a toda ciência, devem continuar a crer no que abraçaram desde o princípio. Não há mais necessidade que
outros os ensinem. Os Apóstolos são o divisor de águas entre espírito e
espírito. Por eles é possível “reconhecer o espírito da verdade e o espírito do
erro” (4,6): “Quem conhece a Deus nos ouve, quem não é de Deus não nos ouve” (ibid.).
Paráfrase.
Para permanecer em Jesus Cristo e no Pai, além de estar em comunhão uns com os
outros pela purificação no sangue dele e observando os seus mandamentos, porque
somente então amamos os irmãos e realmente estamos em comunhão com eles, devemos
nos precaver daqueles que negam que Jesus é o Cristo. Eles são os
anticristos dos últimos tempos que devemos rebater com o testemunho do Espírito
que está em nós desde o momento que abraçamos a fé em Jesus Cristo. Tendo
recebido a sua unção, possuímos a inteligência para o conhecimento do
Verdadeiro (5,20) e possuímos toda a ciência da Verdade, “porque o Espírito é a
Verdade” (5,6b). Se abraçamos a mentira que deles o mundo acolheu, estaremos
longe de Cristo quando da sua vinda. Uma vez que a unção do Espírito chegou aos
fiéis pela pregação dos Apóstolos, somente aquele que está em comunhão com eles
tem o Espírito, conhece a Verdade e vive em comunhão com Jesus Cristo e o Pai.
Exegese
2,18 João abre esse seu
ensinamento em nome de Cristo Jesus com o termo “filhinhos”, enquanto se dirige
a quem gerou à fé e quer ver perseverar nela.
2,18 Utiliza a linguagem
apocalíptica, falando de “ultima hora” e vinda do “anticristo”, para sinalizar
a condição definitiva que a opção de cada fiel implica diante dos anticristos.
Uma vez que o Filho de Deus veio na carne e realizou a nossa redenção, não
haverá outra chance de salvação. Quem tiver permanecido em comunhão com
ele, atendo-se à doutrina dos Apóstolos, pode ficar confiante que não
será envergonhado no dia da Vinda do Senhor (v.28).
2,19 Os que negam ser
Jesus o Cristo, somente podiam ser dos que chegaram a abraçar a doutrina
pregada pelos Apóstolos, mas que, ao tomarem outros rumos mostraram não serem,
de fato, “dos nossos” (2,19), do contrário, teriam permanecido conosco.
2,20 Os fiéis podem
distinguir a cada um em virtude da unção do Santo, pela compreensão que
receberam do Mistério.
2,21 Sabem qual é a
verdade e que toda falsidade não procede da verdade, do Espírito do Verdadeiro
(5,6). Não é necessário que voltem a receber a instrução dos Apóstolos.
31 de Dezembro Tempo do Natal
Reflexão (Jo 2,18-21)
No exôrdio, João falou do testemunho
dos Apóstolos e declarou que os fiéis devem estar em comunhão de fé com eles
para estarem em comunhão de vida com o Pai e o Filho. Pos essa perícope
explicita a origem do testemunho. Os Apóstolos falaram movidos pelo Espírito.
As suas palavras suscitaram o testemunho naqueles que deram a sua adesão de fé,
reconhecendo em Jesus o Filho, a Palavra da Vida, a Vida que se manifestou,
Vida eterna. Os fiéis têm que se ater a esse testemunho para viver em toda ciência.
Desconhecerão, então, os que negam ser Jesus o Cristo.
Pela argumentação, resulta que os Apóstolos
são o divisor de águas entre verdade e mentira. Quem não se atém à verdade
testemunhada pelos Apóstolos se exclui da comunhão de fé com a Igreja, renega a
verdade. Caso chegue a negar que Jesus é o Cristo, o Redentor, o Filho que o
Pai enviou nega a mais alta condição de salvação que Deus oferece. Não haverá
outra condição de salvação porque esta é a última: “Agora, nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho” (Hb 1,2).
O anticristo é uma figura que
representa a condição de quem nega ser
Jesus o Cristo. Ela tem sua origem no meio dos que chegaram a conhecer o Cristo
mas não permaneceram fiéis ao testemunho do Espírito, neles suscitado pelas
palavras dos Apóstolos. Foram além da doutrina dos Apóstolos, perdendo, dessa
forma, as condições de estar em comunhão com o Pai e seu Filho, Jesus Cristo
(2Jo 9).
2,22 “Quem é falso
se não aquele que nega ser Jesus o Cristo”? “Eis o anticristo”. Aqui fala o
Apóstolo no ímpeto do espírito da profecia para reafirmar a doutrina
fundamental da qual ninguém deve se afastar (2Jo 9). O mesmo ímpeto voltará a
se manifestar em 4,6.
2,23 Quem nega o Filho
nem o Pai terá. Quem confessa o Filho tem, também, o Pai.
2,24 “O que vós ouvistes
desde o início, que em vós permaneça! Se em vós permanece o que ouvistes desde
o início, permanecereis no Filho e no Pai”.
2,25 “E esta é a
promessa que Ele nos fez: a vida eterna”. Professar a fé em Jesus
Cristo é a terceira condição que João lembra para termos em nós a vida eterna.
A vida cristã implica: 1º) andar na luz pela prática da purificação dos pecados
e da observância dos mandamentos de Cristo; 2º) vencer o mundo, não deixando
que as concupiscências nos dominem; 3º) estar em comunhão de fé com os Apóstolos,
sem ir além da doutrina que abraçamos movidos pelo Espírito.
2,26 “Isto vos escrevi”
Equivale à seguinte expressão: “Se há alguma consolação em Cristo, pela
comunhão no Espírito, completai a minha alegria permanecendo firme na doutrina
que nós, os Apóstolos, vos transmitimos”. A isto se referia João, em termos
gerais, no exôrdio.
2,27 Quanto a vós, a
unção que dele (do Espírito Santo) recebestes, permanece em vós e não
tendes necessidade que alguém vos ensine. Da forma que a sua unção vos ensina
acerca de tudo, e ela é da verdade e não da mentira, uma vez que assim vos
instruiu, permanecei nele.
2,28 “E agora,
filhinhos, permanecei nele, para que quando Ele se manifestar, estejamos
confiantes e não sejamos envergonhados por ele no dia da sua parusia”.
Comentário
As palavras do Apóstolo adquirem uma acentuação peculiar porque a verdade
negada pelos anticristos é fundamental para qualquer outra doutrina. Ao lembrar
aos fiéis que devem se ater ao impulso do Espírito, os Apóstolos nos revelam
que a doutrina que ensinaram é fruto do Espírito. É algo que chegaram a
compreender sob a ação d’ Aquele que Jesus prometeu que a eles enviaria para
que os levasse a conhecer toda a verdade. São as palavras que eles pronunciaram
e que produziram frutos de conversão pela ação do Espírito.
2 de Janeiro Tempo do Natal
Reflexão
A Pessoa divina do Espírito Santo
marcou a vida dos Apóstolos em virtude da sua vocação. Por ele constataram que
podiam interpretar as Escrituras e dar testemunho de Cristo diante dos
tribunais. Além disso, presenciaram à sua ação nos ouvintes das suas palavras.
Pela fidelidade à sua missão, chegaram até a experimentar a alegria, o mesmo
fruto que o Espírito suscitou em Jesus, enquanto vivia a sua Paixão. Dele
repletos, experimentaram a sua eficaz energia em todas as boas obras que
empreenderam. Pelo Espírito, portanto, João, pode nos instruir com segurança
sobre a condição divina de Jesus Cristo e indicar o caminho para seguí-lo e,
diante dos anticristos, propor a doutrina dos Apóstolos como condição segura de
estar na verdade.
De fato, é fácil, uma vez captada a
doutrina sobre a condição divina de Jesus, deslizar, de forma imperceptível, do
campo da fé para o campo da razão, essa segunda acabando de ser considerada
como instrumento único da verdade. De fato, a adesão de fé dos Apóstolos,
embora parta dos sinais que Deus concede, tem como fundamento único a Pessoa
divina. Uma vez que foram dadas as provas suficientes para crer, o objeto da fé
é acolhido sem mais que a razão procure a sua explicação. Trata-se de uma
verdade que Deus revela e o seu fundamento é a autoridade do Santo e
Verdadeiro. Nessa condição, o Cristo crucificado é Poder de Deus e Sabedoria de
Deus. É redenção porque, em Jesus, a sua humanidade o tornou vítima sacrifical
que, na condição de Filho, oferece ao Pai. Da mesma forma, o Memorial que Jesus
institui da sua Morte, torna presente o seu sacrifício, do qual participamos
pela comunhão na “sua carne dada para a vida do mundo”.
(9) 1Jo
Purificação dos pecados, primeira retomada (2,29-3,10) “Filhinhos, que ninguém
vos desencaminhe” (3,7).
Em
2,29, João retoma o tema da purificação (1,8-2,2) voltando a rememorar-nos a sua necessidade para sermos luz em Deus. Contudo,
após lembrar que o amor de Deus nos
tornou seus filhos, apresenta uma segunda motivação para vivermos a nossa
purificação: porque filhos, destinados a vê-lo como ele é, devemos “ser puros
como ele é puro”. A nossa purificação se inspira sempre na Morte de Cristo que
veio para tirar o pecado, o que indica que há uma incompatibilidade total entre
a condição de quem nasceu de Deus e o pecado, que é iniquidade e, portanto,
injustiça e perversão.
Por isso, João exorta a não pecar para não voltarmos à condição inicial,
descrita por Gn 3, de reféns da mentira. Lembra também que uma vez que nascemos
de Deus, é evidente que não podemos mais compactuar com o pecado porque,
segundo a natureza adquirida de estirpe de Deus, não podemos mais pecar. O
pecado nos tornaria novamente filhos do diabo (3,10).
Exegese
2,29 “Pois que sabeis
que ele é justo”. O fiel sabe, a princípio, que Deus é o Justo (Is 45,21).
Nele não há mancha alguma.
2,29 “reconhecei que
todo aquele que pratica a justiça nasce dele”. Estamos diante de um
imperativo pelo qual João considera categórica a sua afirmação: somente
permanece na condição de estirpe de Deus quem pratica a justiça. Aquele que
nasceu de Deus por ter dado a sua adesão de fé à Palavra que se fez carne e que
é Luz, vive unido a Deus somente se vive segundo a justificação que, Jesus
Cristo, o Filho de Deus, realizou, aceitando ser vítima de expiação pelos
nossos pecados. Dessa forma, criou as condições para que desapareçam as obras
do demônio. A nossa filiação divina está ligada à nossa permanência em Deus.
Quem volta ao pecado deixa de ver a Deus e de permanecer nele: “O Espírito
Santo se retira quando sobrevém a injustiça” (Sb 1,5). Nós somos estirpe de Deus
(não nascemos do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas
de Deus): uma analogia ousada, que mostra a riqueza do dom e a sua condição
relativa à nossa prática de justiça.
3,1 “Vede que prova
de amor nos deu o Pai”. A motivação que João está para expor para que
vivamos a justiça pela qual nos justificou no seu Filho, o Justo, que se tornou
“vítima de expiação pelos nossos pecados” (2,2), é o máximo da expressão do
amor de Deus para conosco.
3,1 “Que sejamos
chamados filhos de Deus”. A filiação divina é o gratuito divino. Nela a
criatura humana se torna filha de Deus, adotada no Amado (Ef 1,6). Ela se
fundamenta na ‘potência obediencial’ que Deus explora movido pelo amor e a misericórdia.
3,1 “E nós o somos”.
Sempre, porque o Filho de Deus se tornou vítima de expiação pelos nossos
pecados. Nele nós cremos. Por isso nascemos de Deus pela justificação do Justo.
A filiação divina que o batismo nos conseguiu, aqui na terra, já é participação
da vida divina. Por isso, pela fé, já estamos em condições de ver a Deus,
enquanto esperamos vê-lo na visão (Hb 11,1).
3,1 “Eis por que o
mundo não nos conhece”. A partir da manifestação da Palavra como Glória de
Iahweh, Filho do Homem, se criaram dois mundos: o da carne e o do Espírito. O
mundo da carne não tem, de fato, nenhuma comunhão de vida com os que são do
Espírito: “tudo o que há no mundo..não vem do Pai” (2,16).
3,1 “Porque não o
conheceu”. O mundo não aceita Jesus. O próprio Jesus o condenou a não mais
vê-lo (Jo 14,19). Havendo uma incompatibilidade entre o mundo e Jesus é
evidente que o mundo odeia os que são de Cristo.
3,2 “Caríssimos,
desde já somos filhos de Deus”. A filiação divina é uma realidade que o
fiel nunca deve esquecer, fruto da Misericórdia divina, da imolação do Filho e
da comunicação do Espírito. Pela ação trinitária passamos das trevas para a
luz, fomos purificados, justificados, divinizados, tornados filhos adotivos no
Amado (Ef 1,6), herdeiros do Reino.
3,2 “mas o que nós
seremos ainda não se manifestou”. Existe em nós a mesma Glória que Jesus,
embora ainda na condição de servo, já possuía e que se manifestaria na carne
somente após sua ressurreição. Da mesma forma que a Humanidade de Cristo
precisou caminhar, na obediência, até a imolação, para receber do Pai a
resposta à sua invocação, mediante o chamado: “Tu és meu Filho eu te constituo
Dia”, assim, cada fiel deve esperar o chamado à ressurreição gloriosa para
poder entrar na Glória do Céu. Patenteia-se, nesta reflexão, a importância da
contínua santificação para superar toda e cada tentação com sabedoria, o que
nos permite afastar qualquer titubeação diante da conveniência do que nos
é proposto, como o foi para Jesus que não hesitou em endurecer a sua face e subir para Jerusalém, onde aceitou
o cálice que o Pai lhe oferecia e deu testemunho da verdade.
3,2 “Sabemos que por
ocasião desta manifestação”. O termo manifestação está relacionado à Glória
(Jo 2,11). Isto significa que se trata do momento em que a nossa condição de
filhos de Deus será revelada, da mesma forma que foi revelada a condição de
Cristo pela sua Ressurreição (Rm 1,4).
3,2 “seremos semelhantes
a Ele”. A nossa semelhança com Deus, na vida gloriosa do céu, passa pela nossa
semelhança com Jesus Cristo, Modelo de todo e cada fiel que chega a herdar a
salvação.
3,2 “porque o veremos
tal como ele é”. A semelhança não é na linha do corpo mas do espírito que
irá refletir tudo o que Deus é. A este ponto entendemos porque o fiel, enquanto
vive na terra deve se tornar puro como Deus é puro, e porque a sua purificação
deve acontecer no Sangue de Cristo. Somente vivendo em nós a sua imolação é que
teremos afastado do nosso espírito qualquer diafragma que impeça a visão de
Deus. Modelo desse comportamento é Cristo que chegou até perdoar aos seus
inimigos do alto da Cruz. Resulta que as Bem-Aventuranças foram por ele
vividas, como toda a Lei que levou à perfeição tornando-o perfeito como o Pai
celeste (Mt 5).
3,3 “Todo o que nele
tem esta esperança”. João pensa nos cristãos perfeitamente engajados na sua
santificação, quais descritos pelas tipificações do AT, em Hb 11, que na
perseverança aguardam a redenção do seu corpo (Rm 8,23-25); nos que,
justificados pela fé, promovem a sua glorificação na esperança, certos que a
tribulação é a sua condição ideal (Rm 5,1-4).
3,3 “purifica-se a si
mesmo”. O dom da filiação divina, uma vez que está sujeito a um
desenvolvimento exige uma contínua vigilância para que possa crescer sem quedas
ou recaídas, enquanto procura a estatura adulta de Cristo.
3,3 “como também ele
é puro”. Uma condição que, como vimos, tem em Cristo Jesus o Modelo.
3,4 “Todo o que
comete pecado”. Depois de ter apresentado a meta à qual tende a vida do
justificado, são João quer mostrar toda a gravidade do pecado, motivado até
pelos erros de falsos doutores que tentam desencaminhar os fiéis com suas
doutrinas.
3,4 “comete também a
iniquidade”. Se o pecado é um ato que o homem comete por fraqueza e
ignorância e, por isso, Deus é misericordioso com o pecador, ele não deixa de
provocar uma condição de iniquidade porque é praticado na rebeldia e na ambição
de ser igual a Deus.
3,4 “porque o pecado
é a iniquidade” De fato é a expressão de uma mente perversa que não
respeita os caminhos de Deus e, numa presunção descabida, procura os seus
caminhos de realização. A iniquidade que está por baixo do pecado é amplamente
analisada por Paulo em Rm 1,18-32. O pecado afasta a criatura do Criador. A
criatura se dirige seguindo vãos arrazoados do seu coração. Prova é a sua
idolatria. No homem que vive longe de Deus entra a desestruturação moral, que o
leva a praticar toda sorte de injustiça, até tornando-o arrogante diante de
Deus.
3,5 Mas sabeis que se manifestou para
tirar os pecados João, aqui,
apresenta as motivações mais profundas para que vivamos a nossa justificação:
houve uma parusia do “Unigênito Deus” que estava voltado para o Pai e que se
manifestou (1,2; Jo 1,14) e que o Pai tornou “vítima de expiação pelos nossos
pecados” (4,10).
3,5 e nele não há pecado É a condição de Jesus que deve se
tornar nossa, de forma definitiva pela purificação no seu sangue (1,7).
3,6 todo aquele que permanece nele não
peca Trata-se de uma
afirmação que resume tudo o que foi ensinado, até aqui, pela carta. Quem vive a
purificação dos pecados, quem observa os mandamentos, quem reconhece que Jesus
é o Cristo, o Filho de Deus tem a vida eterna em si.
3,6 Todo aquele que peca não o viu nem
o conheceu Quem não pratica o
que Jesus ensinou, não tem a vida eterna em si.
3 de Janeiro Tempo do Natal
Reflexão
O testemunho do Espírito sugere aos
Apóstolos que os que são justificados por Deus são, em primeiro lugar luz no
Senhor. Uma condição que depende daquela de ser Luz o próprio Deus. O fiel,
diante do histórico da sua condição frágil, reconhece que manterá a sua
condição de luz no Senhor somente se “se purificar continuamente no Sangue de Cristo”.
Encontra a sua motivação ao contemplar a grandiosa obra da sua redenção e ao
reconhecer que tem que se purificar porque verá a Deus face a face. Para João,
nunca verá e conhecerá a Deus aquele que não se purifica; e sustenta a sua
afirmação categórica apresentando o que é o pecado, a condição perversa da sua
origem e a condição de escravidão a que nos reduz.
3,7 Filhinhos, ninguém vos desencaminhe Mais um alerta do Apóstolo contra
falsos doutores.
3,7 Aquele que pratica a justiça é
justo É a prática da justiça
que nos torna justos.
3,7 como Ele é justo Pela prática da justiça somos
semelhantes ao Justo.
3,8 Aquele que pratica o que é pecado é
estirpe do diabo O pecado tem
sua origem na rebelião que o diabo provoca.
3,8 De fato, desde o princípio o diabo
peca A origem do pecado está
descrita em Gn 3, mediante a figura da serpente, o diabo, satanás (Ap 12,9), sinal da
rebeldia do homem contra o seu Criador (Jo 8,44).
3,8 Para isso se manifestou o Filho de
Deus, para destruir as obras do diabo Ao
realizar o Plano de Deus, o Filho quis o fim das consequências da rebeldia. A
justificação que Cristo Jesus nos mereceu, “se revela da fé para a fé”, isto é
da obediência aos mandamentos de Deus.
3,9 Todo aquele que nasce de Deus, não
faz o pecado É inadmissível
pensar que o pecado seja compatível na vida daquele que se tornou filho de
Deus. O que não exclui a possibilidade de pecar por fragilidade (2,1).
3,9 Porque nele está o sêmen dele.
“Não nasceram da carne, mas de Deus”.
3,9 Não pode pecar porque nasceu de
Deus Há uma obrigação moral
3,10 Nisto se manifestam os filhos de
Deus e os filhos do diabo Existe,
portanto, uma distinção clara entre os filhos de Deus e os que não o são. A
opção pelo pecado torna a pessoa estirpe do diabo. A opção pela justiça mantém o fiel na condição de estirpe de Deus.
3,10 Todo aquele que não pratica a
justiça não vem de Deus É a
sentença conclusiva da argumentação iniciada em 2,29.
3,10 Nem aquele que não ama o seu irmão É um gancho para introduzir a retomada
sobre o mandamento do amor ao irmão já tratado em 2,3-11. Este, também, é
condição para estar em Deus.
4 de Janeiro Tempo do Natal
Reflexão
Pela encarnação Jesus assume a natureza humana, em tudo igual à nossa. Em virtude da união hipostática, quem a conduz na sua realização é a pessoa do Verbo. Enquanto cresce em idade, ele cresce em sabedoria que acarreta uma condição sempre crescente de graça, até chegar ao máximo da sua glorificação. Nós podemos acompanhá-lo caso vivamos como seus verdadeiros discípulos, sequiosos por conhecer a Verdade, ambicionando, por Ela, a plena condição de liberdade. Isto nos é possível, uma vez que, pelo batismo, nascemos de Deus. Esta é a verdadeira motivação: não cometemos o pecado porque ele mancha a nossa condição de filhos de Deus, merecida pela imolação do Filho de Deus. Pelo pecado voltaríamos à condição miserável de escravos do Mal que comporta a falta de toda e qualquer condição de ver e conhecer a Deus.
(10) 1Jo A observância dos mandamentos de Cristo, condição de plena comunhão com Deus (2,3-11). Primeira retomada (3,11-24): "Vos escrevo um novo mandamento" (2,8).
Resumo.
Aquele
que não ama o seu irmão não é de Deus, porque as suas obras são más. Tem em si
um espírito homicida, como Caim. A vida eterna não permanece nele. Permanece
naquele que guarda os mandamentos de Deus. Esta é a forma prática de dar a vida
pelos irmãos, como Cristo a deu. Não basta amar por palavras, temos que agir
segundo o Espírito. Então saberemos que permanecemos em Deus e o nosso coração
de nada nos acusará porque teremos toda confiança nele.
Análise.
Como aconteceu
quando tratou, pela primeira vez da Vida cristã (1,5-2,11), aqui, também, João
une os dois aspectos que a compõem: purificação dos pecados e a observância dos mandamentos. São aspectos da comunhão de
vida entre os irmãos, reflexo da própria Caridade Trinitária. Quando falta a
observância dos mandamentos, a Vida eterna já não permanece em nós porque
estamos praticando obras de morte, como quando nos tornamos insensíveis diante
das necessidades materiais dos irmãos. A confiança que teremos em Deus será a
prova de que o nosso coração não nos acusa de nada diante dele porque o
Espírito do Verdadeiro permanecerá em nós.
3,11 Porque este é o anúncio que
escutastes desde o início. É o início da explicação do que foi afirmado na
conclusão do tema da purificação dos pecados (3,10).
3,11 que nos amemos uns aos outros É o mandamento de Cristo que sintetiza
em si todos os outros mandamentos (Jo 13,34) e que nos torna filhos de Deus.
3,12 Não como Caim. Ele era do mal e matou o seu
irmão. João assume esta figura, em oposição a Abel para caracterizar
aquele que, por omitir-se naquilo que Deus ordena, acaba afundando no mal.
3,12 E por que o matou? Porque as suas
obras eram más. Caim é visto como o protótipo da descendência pecadora.
Depois da rebeldia de Adão, se rebela à voz da sua consciência. Dessa forma
mostra que é realmente do mal, filho do diabo (3,10).
3,12 enquanto as do seu irmão eram
justas. Aqui Abel é assumido, a princípio, como o protótipo do homem justo
que age segundo os mandamentos de Deus.
3,13 Não vos admireis, irmãos, se o
mundo vos odeia. João está relacionando os fiéis à figura de Abel. O termo
“mundo” é extremamente abrangente. Contempla o homem rebelde ao seu Deus,
caminhando pelas veredas sintetizadas nas concupiscências da carne,
cupidez de ouro, soberba da vida. Jesus declarou que nunca mais o verá porque o
odiou sem motivo, não tem em si o amor de Deus, enquanto procura sua própria
glória. Declarou, também que não conhecerá o Espírito Santo, porque é inimigo
da verdade (Jo 14;16),
3,14 Sabemos que passamos da morte para
a vida, porque amamos os irmãos A
vida está naqueles que vivem segundo as exigências dos mandamentos de Cristo.
Portanto, os que permanecem em Deus estão em comunhão de vida com os irmãos.
3,14 Aquele que não ama permanece na
morte A condição de morte é
ditada pela falta de amor, condição específica da vida em Deus.
3,15 Todo aquele que odeia o seu irmão é
um homicida. A figura de Caim
inspira esta afirmação. João vê na forma de morte daquele que não ama uma condição
moral que prejudica o irmão, da mesma forma que o mundo odiou a Jesus (Jo
15,25). Tudo começa quando o homem não permite que a sua palavra penetrasse
nele (Jo 5, 46).
3,15 E sabeis que todo homicida já não
tem em si a vida eterna Trata-se
de uma advertência para indicar qual é o fim daquele que não quer observar os
mandamentos de Cristo. Na argumentação que João está expondo, existe um claro
paralelismo com a controvérsia de Jesus com os fariseus no Evangelho de João.
3,16 Nisto conhecemos o amor: ele deu
sua vida por nós Jesus se
torna o modelo do verdadeiro amor (Jo 15, ).
3,16 E nós também devemos dar
nossa vida pelos irmãos É a
condição da verdadeira realização do amor, que promove em nós os ideais de
Cristo Jesus.
3,17 Se alguém, possuindo os bens deste
mundo, vê seu irmão na necessidade e lhe fecha as entranhas, como permaneceria
nele o amor de Deus? Trata-se
de uma caracterização. Quando o fiel nem disso é capaz, de partilhar seus bens
com o necessitado, não pode pensar de ter em si o amor de Deus. Contudo, o amor
ao irmão não se limita a um gesto de misericórdia ocasional, implica a
observância dos mandamentos de Deus (Jo 15,10)
3,18 Filhinhos, não amemos com palavras
nem com a língua, mas com ações e em verdade É aquilo que João tinha dito desde o
começo, quando abordou pela primeira vez o preceito do amor (2,4-5).
3,19 Nisto saberemos que somos da
verdade, e diante dele tranqüilizaremos o nosso coração... Quem vive a verdadeira caridade,
amando o irmão “andando como ele andou” (2,6) está em plena comunhão de vida
com Deus.
3,20 ... se o nosso coração vier a nos
condenar. É a condição
de quem ainda não vive plenamente o mandamento que Jesus nos deixou.
3,20 ... porque Deus é maior que o nosso
coração... O nosso
coração estará tranqüilo quando estiver vivendo como Deus ama.
3,20 ... e conhece todas as coisas. Ele
é o único critério da vida perfeita.
3,21 Amados É o mesmo termo de “filhinhos”
e expressa o desejo que os fiéis vivam à altura da sua vocação, para se tornar
merecedores da vida eterna, vivendo segundo a mensagem que Jesus nos deixou
(1,4-5).
3,21 Se o nosso coração não nos condena,
temos confiança diante de Deus Quando
tivermos visto desaparecer toda intranqüilidade do nosso coração por estarmos
vivendo a perfeita caridade, teremos confiança em Deus.
4 de Janeiro Tempo do Natal
Reflexão
Estamos diante de uma perícope da
qual devemos notar o estilo literário. Não podemos lê-la a ela aplicando a
nossa lógica. Segundo a nossa lógica, ela constitui-se em frases interligadas
pela simples relação ao mesmo tema ou por palavras gancho. Não vemos uma lógica
sintática segundo a qual as frases estariam ligadas por uma razão
argumentativa. De fato, estamos diante de uma argumentação na qual os
pronunciamentos são sínteses de conceitos já desenvolvidos e que agora estão
ligados entre si de forma alusiva. 3,11, por si já aponta para a natureza da
argumentação, enquanto lembra que os leitores estão lendo algo que já sabem. A
figura de Caim, portanto, é uma citação alusiva a uma figura paradigmática. Ela
é clássica para ilustrar o ódio em
contraste com o amor. Para acentuar a condição de iniqüidade na figura
de Caim, João a ele atribui todo o que é obra má (coisa que nem a Escritura a
ele atribui) (3,12). Essa condição que priva aquele que não ama da vida divina
e pode ser comparado a Caim, torna o sujeito membro do mundo. A alusão, que
parece sem sentido, de fato, quer completar a visão de condição iníqua em que
se encontra quem não vive segundo os mandamentos de Cristo (3,13). A condição
privilegiada em que se encontra aquele que ama o irmão, colocada de forma antagônica
em relação à condição desastrada em que se encontra quem ‘odeia’ o irmão,
resulta, então, ser o objetivo da argumentação de João (3,14). João protela,
então, a sua argumentação, que consegue ressaltar quanto Deus detesta aquele
que não ama o seu irmão: é um homicida que em si não tem vida eterna (3,15). A
condição de virtude, de santidade de quem vive o amor aos irmãos pode ser
avaliada pelo exemplo que Cristo nos deixou (3,16).
A tipificação que João introduz em
3,17 quer ser o início da argumentação dos versículos que se seguem. Enquanto
nos espelhamos num gesto de misericórdia, podemos melhor compreender que
devemos abraçar o mandamento do amor aos irmãos incluindo todos os aspectos do
seu dinamismo (3,18). No amor ao irmão está a perfeição da nossa vida diante de
Deus. É verdade que nunca seremos perfeitos diante dele. O importante é que ele
esteja satisfeito com a nossa atitude (3,20). Na condição de quem vive
realmente segundo a verdade, teremos toda confiança em Deus.
3,22 E tudo o que lhe
pedimos recebemos dele, porque guardamos seus mandamentos e fazemos o que lhe é
agradável. Jo 14,13-15
ajuda a entender esse ponto.
3,23 Este é o seu mandamento. A
vontade daquele que conhece todas as coisas (v. 20).
3,23 Crer no nome do seu
Filho Jesus Cristo Trata-se
da nossa adesão de fé à Palavra que se fez carne, condição da nossa filiação
divina (Jo 1,12).
3,23 ... e amar-nos uns aos outros. É o
teste do nosso conhecimento de Deus (Jo 15,17).
3,23... conforme o mandamento que ele nos
deu. Jo 13, 34
3,24 Aquele que guarda seus mandamentos
permanece em Deus e Deus nele. Jo
13, 35. O termo “permanecer”, em Jo 15, indica especificamente a presença do
Espírito que é mantida pela observância dos mandamentos.
3,24 ... e nisto reconhecemos que ele
permanece em nós, pelo Espírito que nos deu. Deus faz sua morada naqueles que
crêem em Jesus, Filho de Deus, entendem a necessidade da purificação dos
pecados e a observância dos mandamentos de Cristo, condição de caridade. A
presença não é física, como poderiam insinuar as metáforas que a ilustram. Ela
é dinâmica. Nós estamos em Cristo, permanecemos nele, enquanto cremos nele,
vivemos a adoção filial que nos mereceu, observamos os seus mandamentos. O Pai
faz em nós sua morada enquanto vivemos a nossa condição filial em Cristo. O
Espírito age enquanto observamos os mandamentos de Cristo (Jo 14,15-17). Por
ele produzimos muitos frutos (Gl 5,22s). A explicação desse
versículo vem logo em seguida. Pela palavra gancho “amor”, João ligou a
retomada sobre o “novo mandamento”, à retomada sobre a purificação dos pecados.
Agora, a retomada sobre o “testemunho do Espírito” é feita com 3,24. Isto nos
ajuda a entender quanto a doutrina de Jesus depende do testemunho dos Apóstolos
que garante a mensagem de Jesus em toda a sua integridade, seja quanto à
importância da purificação dos pecados como a observância dos mandamentos de
Cristo Jesus para guardamos a vida eterna em nós.
(11) 1Jo O testemunho do Espírito (2,18-28). Primeira
retomada: sua importância (4,1-6).
Paráfrase. É preciso discernir entre o verdadeiro espírito de profecia e
o falso que se manifesta em muitos falsos
profetas. Eles não têm o Espírito de Deus porque negam que “Jesus Cristo veio
na carne”. Pelo testemunho do Espírito que está em nós, maior do que o espírito
dos que são do mundo podemos vencer os anticristos. Temos certeza que os que
conhecem a Deus nos ouvem. Não nos ouvem os que não o conhecem.
Análise. João já se estendeu sobre o testemunho do Espírito, quando
apresentou o problema dos anticristos em 2,18-28. Agora sublinha a
superioridade do testemunho do Espírito que está nele, nos outros Apóstolos e
em todos aqueles que estão em comunhão de fé com eles. Os falsos profetas têm o
espírito “que está no mundo” (4,4). Trata-se do espírito do erro que não pode
resistir ao Espírito da Verdade. João fala aos cristãos na força do testemunho
do Espírito que sabe estar nele e nos outros Apóstolos, em virtude da vocação e
missão recebida de anunciar aquilo que viram, ouviram, contemplaram e apalparam
e que o Espírito Santo lhes fez entender (5,20). Compreendemos, agora, que o
exôrdio da Carta tinha o intuito claro de embasar não somente a argumentação
sobre a natureza da vida cristã, como também a exortação a se ater ao testemunho
do Espírito, suscitado no fiel
pela da pregação apostólica.
Comentário
Aquela certeza que se manifestava desde o exôrdio e que tinha encontrado uma
primeira explicação no caso dos anticristos, aqui se manifesta de forma
enfática porque é exatamente aquilo que negam os anticristos, mas
que os Apóstolos, professam, que é o fundamento da sua convicção. Foi
pela ação do Espírito Santo que a ela chegaram. Quando poderiam ter eles
pensado ser Jesus a Palavra da vida, o “Unigênito Deus” que se manifestou? Por
isso podem declarar que “Todo aquele que não confessa Jesus não é de Deus”
(4,3).
4,1 Amados Nesse apelo ecoa, mais uma vez, o
ardente desejo do Apóstolo, embutido na exortação inicial: “E isto vos
escrevemos para que a nossa alegria seja completa” (1,4).
4,1 ... não acrediteis em qualquer espírito Uma
vez que o fiel dá sua adesão de fé àquilo que ouve dos Apóstolos que falam segundo o
testemunho do Espírito, pelo fato de que ela foi provocada nele pelo mesmo
Espírito, qualquer outra explicação sobre a doutrina aprendida dos Apóstolos
deve ser descartada.
4,1 ... mas examinais os espíritos É preciso
aplicar uma análise atenta naquilo que esses espíritos estão anunciando, para
ver o quanto avançam em
relação àquilo que os Apóstolos proclamaram (2Jo 9).
4,1 ... para ver se são de Deus O ponto
de partida para a análise é a doutrina que os Apóstolos anunciaram e que os
fiéis acataram movidos pelo Espírito, claro sinal da sua origem divina.
4,1 ... pois muitos falsos profetas vieram ao mundo Essa
afirmação de João estabelece que os que diferem da doutrina que os Apóstolos
anunciaram não são de Deus. Os Apóstolos têm certeza que dão testemunho em nome
de Deus, porque chegaram à compreensão da verdade que anunciam iluminados pelo
Espírito que é a Verdade. Lembram aos fiéis que foi segundo o mesmo Espírito
que deram a sua adesão de fé à mensagem que eles anunciaram. Os que negam a
necessidade da purificação dos pecados, da observância dos mandamentos de
Cristo e a condição divina do mesmo, não falam segundo o Espírito de Deus.
4,2 Nisto reconhecemos o Espírito de Deus João
está para anunciar o critério para distinguir entre espírito e espírito.
4,2 ... todo espírito que confessa que Jesus
Cristo veio na carne é de Deus É a verdade à qual chegaram os
Apóstolos, na força do Espírito da Verdade que Jesus prometeu e enviou.
Portanto, são de Deus, os que guardam a sua comunhão de fé com os Apóstolos que
professam ser Jesus o Cristo, o Filho de Deus, a Palavra da vida que se
manifestou na carne.
4,3 ... e todo espírito que não confessa Jesus não é de
Deus É a conclusão da argumentação de João, à qual convida os fiéis a
dar a sua adesão.
4,3 ... é este o espírito do anticristo Aquele
que se nega a aceitar que Jesus é o Filho, o Cristo de Deus, é um
anti-Cristo, que os Apóstolos, em virtude do testemunho que está neles, não
podem reconhecer ser um espírito que fala em nome de Deus..
4,3 Dele ouvistes dizer que ele virá Paulo, em
1Tss fala da sua vinda, em termos apocalípticos. João mostra de que forma a
figura se realiza.
4,3 ... e agora ele já está no mundo Os homens
que, depois de ter acolhido o testemunho dos Apóstolos, foram além do seu
ensinamento, proclamando que Jesus não é o Cristo, constituem-se no Anticristo.
4,4 Vós, filhinhos, sois de Deus João lembra
com ternura o momento da sua adesão à pregação apostólica e a unção que
receberam, pela qual deram sua adesão à doutrina dos Apóstolos e acreditaram
que Jesus é o Cristo.
4,4 ... e vós os vencestes Na força do Espírito
serão sempre vencedores.
4,4 Porque o que está em vós O testemunho que
claramente vem de Deus
4,4 ... é maior do que aquele que está no mundo O
testemunho que surgiu no espírito dos que após ter acolhido a pregação
apostólica, anunciaram a sua própria doutrina, tem sua origem de um
espírito que renega o que antes abraçou.Trata-se de uma convicção certamente
inferior àquela que o Espírito da Verdade suscitou pela pregação dos que têm
absoluta certeza que chegaram a ver claramente que Jesus era o Cristo, o Filho
de Deus.
4,5 Eles são do mundo Eles pensam segundo o
homem terreno.
4,5 por isso falam segundo o mundo Falam como
aqueles que são da terra.
4,5 ... e o mundo os ouve Quem não pensa
segundo a fé e sim, conduzido por convicções humanas, dá a sua adesão.
4,6 Nós somos de Deus O discurso dos apóstolos
nasce de uma ação direta do Espírito, porque deram a sua adesão de fé à
mensagem de Jesus, em virtude da sua ressurreição e da moção do Espírito. Os
Apóstolos que foram constituídos testemunhas da Palavra da Vida que se
manifestou, são o órgão necessário para que os que ouve as suas palavras,
recebam, por sua vez, a unção do Espírito.
4,6 Quem conhece a Deus nos ouve Os que
chegaram à plena comunhão com Deus, em virtude da sua adesão ao testemunho dos
Apóstolos, que lhes mereceu a unção do Espírito, sempre reconhecerão que
estarão no Verdadeiro se estiverem em comunhão de fé com eles.
4,6 ... quem não é de Deus não nos ouve Os
que renegam a fé, por renegarem a verdade recebida
pela ação do Espírito da Verdade, perdem a condição de estar em sintonia com a
doutrina apostólica.
4,6 Nisto reconhecemos o Espírito da Verdade e o
espírito do erro É a frase conclusiva da argumentação do Apóstolo. É
da Verdade todo aquele que dá a sua adesão àquilo que o Espírito enviado por
Jesus revelou aos Apóstolos e a todos aqueles que estão em comunhão de fé com
eles. São guiados pelo espírito do erro todos aqueles que não estão em comunhão
de fé com os Apóstolos, condição necessária para estar em comunhão com o
Espírito que é a verdade.
7 de Janeiro Tempo do Natal
Reflexão (3,22-4,6)
Embora
v.22 esteja ligado à argumentação anterior, ele faz parte, também, da nova
argumentação, que é uma retomada sobre o Espírito, de quem João falou,
implicitamente, no exôrdio, e manifestamente em 2,18-28. Por esta retomada
chegamos a entender que é o Espírito Santo aquele que conduz os Apóstolos na
sua missão de anunciar e testemunhar e que lhes dá plena segurança, a ponto de
João declarar que somente os que estão em comunhão de fé com eles estão em
comunhão de vida com o Pai e o seu Filho Jesus Cristo. Pelo Espírito que eles
receberam e que os fiéis têm em si a partir da sua adesão de fé à doutrina que
pregaram, sabem, com toda certeza que Jesus é o Cristo, o Filho que veio na
carne e que a observância do mandamento novo que lhes deu é condição de vida
eterna. Os que negam as verdades que ouviram dos Apóstolos estão tomados pelo
espírito do erro porque foram além daquilo que os Apóstolos ensinaram, levados
por argumentações humanas. O seu pensamento, confrontado com o pensamento dos
Apóstolos resulta ser de nenhum peso, um ensinamento falso. Falta-lhes o
embasamento que está nos Apóstolos que, lembrados de tudo pelo Espírito,
chegaram a toda Verdade. Neles está o testemunho “a respeito do pecado, da
justiça e do julgamento” (Jo 16,8-11). Os que se atêm ao testemunho dos
Apóstolos, vencem o testemunho dos falsos profetas que falam segundo o
pensamento da terra. É o mundo que os escuta.
(12) Vida cristã (I) Paráfrase (4,7-5,12)
A
vida cristã é vida de amor aos irmãos. Permanece em Deus e o conhece aquele que
ama o irmão. Aquele que não ama deixa de permanecer e conhecer a Deus (vv.
7-8).
Deus, que é amor, manifestou o seu amor enviando o seu Filho Unigênito como
vítima de expiação dos nossos pecados (vv. 9-10).
Por isso devemos nos amar. Aliás, é dessa forma que contemplamos a Deus, porque
permanece em nós (vv. 11-12). Esse é o sentido de “nos
tornarmos sua morada”.
A segunda condição para
permanecermos em Deus é guardar fidelidade ao Espírito que recebemos. Por ele
contemplamos e testemunhamos que o Pai enviou o seu Filho como Salvador do
mundo (vv. 13-15).
Reconhecemos, portanto o amor de Deus e nele acreditamos: Deus é amor (vv.
9-10), aquele que permanece no amor (vv. 11-12) permanece em Deus (v. 16).
Permanecemos em Deus quando cremos que Jesus é o Filho de Deus, quando
observamos os mandamentos que nos deixou e quando amamos os irmãos.
Atingimos a perfeição do amor quando expelimos o temor porque, então, somos, desde já Aquele que veremos face a face
(vv. 17-18).
Amemo-nos, portanto, nos espelhando no amor que Deus manifestou. Não ama a Deus
quem não ama o seu irmão porque não poderá vê-lo se não ama o irmão que vê (vv.
19-21).
Em resumo, é estirpe de Deus quem crê que Jesus é o Cristo. Nessa caso ama ao
que gerou e aquele que dele nasceu (5,1)
Amamos os filhos de Deus quando amamos a Deus e guardamos os mandamentos (v.
2).
Pela observância dos mandamentos, enquanto amamos os irmãos, amamos a Deus e
vencemos o mundo (vv. 3-4a).
A
vida cristã tem o seu fundamento na fé. Alcançamos a perfeita caridade quando
promovemos a fé que nos levou a crer que Jesus é o Filho de Deus. A fé nele nos
leva a observar os seus mandamentos, condição de amar verdadeiramente os
irmãos(v. 5b).
Jesus
veio no poder do Espírito para que vivamos a partir do batismo. É o Espírito
que disso dá testemunho em nós. Cristo Jesus, com a sua Morte, fez com que o
Espírito nos purificasse pela Água.
O
testemunho do Espírito está em nós; primeiramente nos Apóstolos e depois, pela
sua pregação, nos fiéis. Esse testemunho é maior que qualquer
testemunho humano. Ele está em todos aqueles que chegaram a crer que Jesus é o
Filho de Deus (v. 9-10a).
Os
que deixaram de crer estão renegando o testemunho que Deus, pelo Espírito, que
é a Verdade, neles suscitou. O exôrdio da Carta assim resume tudo: Deus nos deu
a vida eterna e esta vida está no Filho (1,2). Quem tem o Filho, tem a vida (v.
12).
A
carta foi escrita para que os fiéis guardem a vida eterna que alcançaram pela
fé na pregação dos Apóstolos, firmes no testemunho que o Espírito suscitou
neles. Pelo Espírito crêem no Nome d o Filho de Deus.
Vida cristã (II)
Caridade (4,7-5,4a).
4,7 Aquele que ama o
irmão tem em si o amor que está em Deus, que o torna estirpe de Deus e seu conhecedor.
4,8 Aquele que não ama
não chega a “conhecer a Deus”, porque ele é Amor.
4,9 Deus mostrou o seu
amor por nós enviando o seu “Filho único”. Não se importou com a sua humilhação
e morte de cruz, visando somente a nossa filiação divina.
4,10 Deus revelou o seu
amor enviando o seu Filho que se tornou vitima de expiação pelos nossos
pecados.
8 de Janeiro Tempo do Natal
Reflexão (4,7-10)
A vida cristã é “amor aos irmãos”
que reflete em nós o amor que está em Deus. Quem não ama, portanto, não conhece
a Deus porque nele não vive a vida de Deus. Esse é o tema que João desenvolverá,
apresentado de forma positiva em 4,7 e
de forma negativa em 4,8. O ilustra o quadro representado em 4,9-10. Vemos Deus
no ato de enviar ao mundo o seu Filho, o Amado, e, em seguida, esse mesmo Filho
que se torna vítima de expiação pelos pecados dos homens. O quadro ilustrativo
do amor de Deus tem seu comentário em Rm 5,6-8. Nessa perspectiva, o Reino se
realiza enquanto na Cidade celeste entram aqueles que venceram o Dragão lavando
suas vestes no Sangue do Cordeiro (Ap 12,11; 7,14). Eles triunfam com a Testemunha
fiel, o Primogênito entre os mortos, o Príncipe dos reis da terra. João
expressa essa sua convicção dizendo: “Eu João, vosso irmão e companheiro na
tribulação, na realeza e na perseverança em Jesus” (1,9). Jesus encontrou, para
a sua humanidade, o caminho da sua realização na elevação de cruz. Realizou o máximo
do amor pela entrega da sua vida em favor dos irmãos (Jo 15,13). Esse mesmo
caminho ele quer que os seus discípulos percorram para participar da sua Glória.
4,11 O nosso amor deve
estar alinhado ao amor com que Deus atua, pelo dinamismo do amor aos irmãos.
4,12a Chegamos a contemplar
a Deus...
4,12b quando nos amamos uns
aos outros.
4,12b Deus, então, permanece em nós porque
em nós se concretizou o seu amor.
4,13 Nisto reconhecemos que permanecemos
nele e ele em nós: ele nos
deu seu Espírito O fruto da
perfeita caridade é o Espírito com as suas manifestações. Delas, a mais alta é
a do próprio amor ao próximo.
4,14 E nós contemplamos e testemunhamos
que o Pai enviou seu Filho como Salvador do mundo Esse é o primeiro fruto que o Espírito produz em
nós e fruto que amadureceu a partir da conversão, pela pregação daqueles que o Espírito levou a
reconhecer em Jesus o Cristo Filho de Deus.
4,15 Os que se atêm à
pregação dos Apóstolos e, pela unção do Espírito que receberam, professam ser
Jesus o Filho de Deus, têm em si a vida eterna.
4,16 A fé, contudo, é o ponto de partida
para chegar a permanecer em Deus. Nasce do impulso do Espírito. É o início da
caridade que tem seu desenvolvimento no amor ao irmão através da purificação
dos pecados e a observância dos mandamentos.
4,17-18 Teste da
perfeita caridade será a falta de temor com que enfrentaremos o julgamento,
porque não há temor no amor.
9 de Janeiro Tempo do Natal
Reflexão (4,11-18)
A amor que vem de Deus, somente se repete em nós quando
vivemos o dinamismo do amor aos irmãos (v.11). Essa é a forma pela qual
contemplamos a Deus, isto é, vivemos em comunhão com ele (v.12). Tudo isto
ocorre pela ação do Espírito que Deus Pai efundiu abundantemente após ter sido
merecido pela imolação que Cristo Jesus fez de si (v.13). Pelo Espírito, os Apóstolos
puderam reconhecer o Filho na condição de Senhor e Deus, e pela suas chagas,
que era o Salvador do mundo (v.14). Quando, portanto, pelo Espírito, em união
com os Apóstolos, reconhecemos em Jesus o Filho de Deus, Deus permanece em nós
e nós em Deus (v.15). Pelo cultivo da nossa fé, através do dom do entendimento
e dos outros dons, experimentamos o amor de Deus pela prática da purificação
dos pecados e da observância dos mandamentos de Cristo (v.16). O sentimento de
plena confiança é sinal de perfeita
caridade em nós (17) porque “não há temos no amor” (v.18).
4,19-21 Essa exortação
final conclui a retomada sobre o mandamento do amor. Por ela, João tentou
motivar o amor ao irmão à luz do amor que Deus manifestou pelo Filho, que deu a
vida por nós.
5,1-4a Síntese
Vida
cristã é vida dos que crêem em Deus. Por isso “andam na luz”: “purificam-se de
toda injustiça”, “guardam os mandamentos de Cristo”. São estirpe de Deus,
chamados a ver a Deus. Por isso não pecam porque o pecado voltaria a
escravizá-los ao espírito do mal, o que os tornaria novamente iníquos.
Apresentada a vida cristã e a sua importância, João, ilustra a sua excelência.
É vida de Deus em nós. Quem ama o irmão ama como Deus amou. Quando o cristão
entra em plena comunhão de vida com Deus, pelo Espírito, está em condição de
contemplar a vida de Caridade que está em Deus. Nele está, também, a plena
confiança para o dia do julgamento. Em 5,1-4, João resume a natureza da vida de
amor que está no cristão: “O fiel é semente de Deus quem está em comunhão de
vida com “O que gerou” e com “O Gerado por Deus” (5,18). Ama os irmãos porque
observa os mandamentos. É estirpe de Deus mais forte que o mundo.
Análise
5,1 Todo o que crê que Jesus é o Cristo
nasceu de Deus A exegese está
em Jo 1,13
5,1 ... e todo o que ama ao que gerou ama também o que dele nasceu Isto, a princípio, porque a vida de fé implica o dinamismo
do amor aos irmãos.
5,2 Nisto reconhecemos que amamos os
filhos de Deus: quando amamos a Deus e guardamos os seus mandamentos É a explicação de 5,1, na sua segunda
parte. O amor aos irmãos não pode prescindir da nossa fé em Jesus Cristo. Ele
se concretiza pela observância dos seus mandamentos (Jo 14)
5,3 Pois este é o amor de Deus:
observar os seus mandamentos É
a forma (3,24) pela qual a vida divina permanece em nós (4,12) e nós
conhecemos a Deus (4,8).
5,3 E os seus mandamentos não são
pesados Estas palavras
introduzem o conceito de vitória sobre o mundo, que a observância dos mandamentos
nos propicia. A explicação está, mais uma vez em Jo 14.
5,4 Pois todo o que nasceu de Deus
João está se referindo a tudo aquilo que explicou de 5,1 até 5,3. Aquele que
tem em si a vida eterna, isto é permanece
em Deus porque crê
que Jesus, é o Filho de Deus e observa os seus mandamentos...
5,4a ... vence o mundo O mundo é a realidade perversa que
chega a odiar a Jesus e merece a sua rejeição. O fiel não
pode compactuar com ele, contudo, dele se liberta
somente pela fé em Jesus Cristo, acatando, no Espírito, a sua doutrina.
Vida cristã (III)
b)
Fé (5,4b-13)
5,4b E esta é a vitória que venceu o
mundo: a nossa fé É o segundo tema da Vida cristã. A nossa fé é
vitoriosa, isto é, nos liberta dos tentáculos do Maligno que aprisionam o
mundo, em virtude da nossa adesão à Pessoa divina de Jesus e à sua mensagem.
5,5 Quem é o vencedor do mundo, senão
aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus? De fato, guardando os
mandamentos de Cristo Jesus, nos livramos das concupiscências do mundo. Dessa
forma, temos em nós o amor de Deus.
5,6 Este é que veio pela água e pelo
sangue: Jesus Cristo Vemos
nessa afirmação uma alusão a Jo 3, onde Jesus anuncia a sua Morte que dará
origem a uma regeneração do homem pela ação do Espírito, que a água do batismo
simboliza. Quando Jesus morre na Cruz, o quadro de Jo 19,34 retrata essa
verdade: Jesus é o Cordeiro imolado no altar do Novo Templo do qual sai a água
da Vida (Ez 47).
5,6 Não com a água somente, mas com a
água e o sangue Jesus se
caracteriza como realizador da profecia, tipificada pelo precursor. João
Batista negou ser o Cristo, afirmando que batizava somente pela água. Aquele
que viria após ele, mas que existia antes dele, sobre quem repousa o Espírito,
é o Filho de Deus que batiza no Espírito. Ele é o Cordeiro de Deus que tira o
pecado do mundo. O Filho do Homem, a Gloria de Iahweh, pelo sangue do seu
sacrifício, lava os nossos pecados. A água passou da condição de sinal de
ablução a sinal sensível da graça invisível.
5,6 E é o Espírito que testemunha
porque o Espírito é a Verdade O
Espírito, que é a Verdade, disso dá testemunho pelo o Apóstolo que chegou a
entender claramente o que viu aos pés da Cruz. Viu e acreditou que Jesus é o
“Eu sou” (Jo 8,24.28)
5,7-8 Porque três são os que testemunham,
o Espírito, a água e o sangue Pelo
Espírito, surgiu em João o testemunho diante da Morte de Jesus, ao compreender o sentido da água e do sangue que saiam do lado direito do
Cordeiro pascal transpassado.
5,9 Se aceitamos o testemunho dos
homens, o testemunho de Deus é maior. João está se referindo ao testemunho
que o Espírito suscitou nele, por quem chegou a toda verdade, seja por ter
compreendido as Escrituras, seja por ter compreendido o que Jesus disse a
Nicodemos (Jo 3).
5,9 Pois este é o testemunho de
Deus: testemunho que deu de seu Filho Não
há dúvidas acerca do testemunho de Deus que João proclama. Pelo Espírito, dá
testemunho do valor redentor da Morte de Cristo: a água e o sangue que saem do
lado direito de Cristo morto na Cruz (Jo 19,34), simbolizam o Espírito merecido
pela imolação, enquanto realizam a profecia de Ez 47,1.
5,10 Aquele que dá a sua
adesão de fé ao testemunho dos Apóstolos experimenta em si o testemunho do
Espírito.
5,10b Aquele que não
acolhe o testemunho do Espírito vai contra o Verdadeiro, Aquele que, pelo seu
Espírito, está dando testemunho do seu Filho.
5,11 Este é o testemunho
do Espírito em nós: Deus nos deu a vida eterna e esta vida está no seu Filho. É
na base desse testemunho que João e os outros Apóstolos chegaram à fé
proclamada em 1,1-3. Dela desejam que os fiéis não se afastem, porque é
condição de vida eterna (1,4).
5,12 Quem acolhe o Filho
tem a vida (Jo 1,13). Quem não acolhe o Filho de Deus a perde (Jo 3,18).
5,13 Isto vos escrevo:
saibam todos os que crêem na Vida que se manifestou, que eles têm a vida
eterna, porque acreditaram no Nome do Filho de Deus. Jesus é o “Eu sou”. Nele
se manifestou a Glória da Divindade. Nela nós cremos em virtude das obras que
realizou.
Comentário
No exôrdio, João lembrou a maneira pela qual os
Apóstolos chegaram à fé na divindade de Jesus. Foi no momento em que ele
mostrou as suas chagas gloriosas. Aqui revela qual foi a sua experiência. Pelo
que viu no Calvário, acreditou. Isto acontece sob a ação do Espírito que é a
Verdade (5,6b)
Diante da forma pela qual o Espírito agiu nele,aquilo que os anticristos pregam
não tem peso algum. Os fiéis, diante disso, advertem que também os outros
pontos da mensagem de Jesus são ensinados pelos Apóstolos sob a inspiração do
Espírito Santo. Se é fundamental confessar que Jesus é o Cristo, é também
condição de vida eterna andar na luz praticando a purificação e os mandamentos
de Cristo. É pelo Espírito que compreendemos e contemplamos admirados que “o
Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo: aquele que confessar que Jesus é
o Filho de Deus, Deus permanece nele e ele em Deus “(4,15). Mas é também pelo
Espírito que “temos reconhecido o amor de Deus por nós e nele acreditamos”
(4,16). Por isso permanecemos no amor pela observância dos mandamentos; e nisto
reconhecemos que Deus permanece em nós pelo Espírito que nos deu” (3,24; 4,13).
(15) Parte conclusiva
(5,14-21)
Vida
cristã (2,3-11; 3,11-24; 4,7-5,4a). Terceira retomada (5,14-17).
a) O teste da sua perfeição (5,14-15)
Paráfrase. Deus ouve os que lhe pedem um favor segundo a sua vontade. Mas
isto acontece quando a sua vida, em nós, é perfeita.
Análise. Quando, em nós a vida divina se tornou perfeita no amor, porque
vivemos em comunhão uns com os outros, pela perfeita caridade e comunhão de fé
com os Apóstolos, somente saberemos pedir o que necessitamos para realizar
obras que glorifiquem o Filho e, por ele, o Pai. Certamente isto nos será
concedido. E, uma vez concedido, nos mostrará que estamos em perfeita comunhão
de vida com Deus.
b) Oração pelos que pecam (5,16-17)
Paráfrase. Quem ama o irmão reza pelo irmão que não vive à altura da sua
vocação. A oração é inútil em favor daqueles que já não são mais dos nossos. Se
tornaram anticristos, renegando o testemunho do Espírito da Verdade.
Análise. Para João, o pecado é tão prejudicial à vida do cristão que, no
seu amor por ele, deseja que todos aqueles que têm em si o amor perfeito rezem
por aqueles que deixaram de se purificar no sangue de Jesus Cristo. Ao mesmo
tempo, não nutre esperança alguma de salvação por aqueles que deixaram de ser
dos nossos, “porque não eram dos nossos” (cf. Hb 6,4-8).
Síntese
final
5,18 Nós sabemos que todo aquele que nasceu
de Deus não peca (3,6.9). Na
condição de filhos adotivos, nossa natureza divina está diametralmente em
oposição com o pecado. Enquanto vivemos a purificação dos pecados e a
observância dos mandamentos, o Espírito, que o Filho Cristo Jesus
mereceu, permanece em nós (3,23-24)”. Quando deixamos de “andar como ele andou”
(2,6) recaímos na condição de quem nunca viu nem conheceu a Deus (3,6.10).
5,18 O Gerado por Deus o guarda A purificação é o processo dinâmico
que visa estabelecer de forma sempre mais definitiva a vida eterna em nós. A
observância dos mandamentos de Cristo é a condição de estarmos nele. Nessas
condições, Aquele que nos reconciliou com Deus, pela sua palavra que permanece
em nós, nos torna vencedores do Maligno.
5,19 Nós sabemos que somos de Deus Enquanto atribuímos aos Apóstolos essa
afirmação, vemos sintetizado nela tudo aquilo que eles tentaram nos dizer da
sua transformação, pela ação do Espírito, pela prática da purificação e do amor
aos irmãos. Enquanto a escutamos como uma proclamação da condição de todo e
qualquer fiel que deu a sua adesão de fé à sua pregação, reconhecemos o apelo
do Apóstolo a viver na fidelidade à doutrina abraçada
5,19 ... e que o mundo inteiro está
sobe o poder do Maligno
5,20 Quem nasce de Deus
porque acolhe a Palavra pelo anúncio dos Apóstolos, recebe, do Espírito, os
seus sete dons que são capazes de levá-lo à plena união com Deus. Do
entendimento, pelo Espírito, chegamos ao conhecimento. Pela observância
dos mandamentos, nos tornamos morada do Pai e do Filho, no Espírito. O Caminho
é Cristo. Permanecendo nele, nos tornamos seus discípulos e nos amamos uns aos
outros (Jo 15).
5,20 Sabemos que o Filho de Deus veio e
nos deu o entendimento para conhecermos o Verdadeiro. A Encarnação da
Palavra da Vida é o Caminho da Verdade com a qual estabelecemos plena comunhão
de vida pelo Espírito quando guardamos os mandamentos de Jesus Cristo.
5,20 Estamos, agora, no verdadeiro, no
seu Filho, Jesus Cristo Mantida
a nossa identidade, somos, agora, filhos adotivos no Amado. Com Cristo formamos
um só corpo e, santificados pelo seu Espírito da Verdade, estamos em comunhão
de vida com o Pai.
5,20 Este é o verdadeiro Deus e vida
eterna O Deus cristão é
trinitário e constituído pelo Filho na condição de Palavra que veio na carne.
Ele é o “Eu sou” do próprio Deus, na condição do homem Cristo Jesus. Nele está
a “vida eterna” (v.11) para todos os que crêem nele.
5,21 Filhos,
não deixeis que a vida idolátrica vos contamine É
vida idolátrica a rebeldia (1Sm 15,23), a cupidez do ouro (Cl 3,5),
servir às paixões da carne e a ambição desmedida (1Pd 4,3). “Mas agora,
libertos do pecado e postos a serviço de Deus, tendes vosso fruto para a
santificação e, como desfecho, a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm
6,22; cf. 1Ts 1,10).
04/09/12
Tema
“Filhinhos, não deixei que a vida idolátrica vos contamine”
A exortação final da primeira carta de João, “Filhinhos, não deixeis que a vida
idolátrica vos contamine” (1Jo 5,21), nos permite estabelecer a posição
antagônica de dois pólos: o da verdadeira religião e o da falsa religião. Gn 3
é a reflexão sapiencial que ilustra essa polaridade que, por sua vez será
explicitada ao longo de toda a Escritura sagrada e que terá a sua definição nas
palavras de Jesus nos discurso da Última Ceia, isto é no momento que
imediatamente precede a sua Morte redentora: ”O príncipe deste mundo nada pode
contra mim. Eu vos digo tudo isso para que saibais que amo o Pai”. Essas
palavras nos revelam que Jesus é o verdadeiro adão que realiza em si a virtude
da verdadeira religião, enquanto os outros ”avermelhados”, os "tirados do
barro", acabam sob o domínio do Maligno,a quem prestam o seu culto com as
suas obras más. Jesus vive a verdadeira religião na santidade (Jo 8,46), separado
do mundo e atuando uma imolação que o santifica, que o torna o sacrifício de
expiação, a vítima, portanto, separada para Deus; condição que lhe permite
alcançar as condições da sua máxima glorificação. Essa sua ação o torna o Sumo
sacerdote que entrou no santuário do céu com o seu sangue, como lembra a Carta
aos Hebreus. São Paulo, escrevendo a Timóteo, comenta dessa forma a condição de
Jesus, o Filho que, realizada a purificação dos pecados sentou-se à direita da
majestade de Deus: “Temos um único mediador entre Deus e os homens, o homem
Cristo Jesus que se deu em resgate por todos” (1Tm 2,6 ).
A religião que o homem decaído persegue é exatamente oposta. Ele é a criatura,
criada “à imagem e semelhança do Criador”, na qual, como primeira manifestação
do seu espírito, desponta a ambição desmedida que o leva à rebelião, numa
aspiração insensata de ser igual a Deus. A desobediência o despoja, de
imediato, da sua condição de herdeiro do reino. Expulso do Éden, a sua conduta,
sempre manchada pela desobediência ao Criador, que a narrativa do pecado de
Caim caracteriza, o leva a se tornar uma estirpe da qual Deus se arrepende: “O
homem é só carne, vou varrê-lo da face da terra” (Gn 6,5-7).
Essa condição, da qual Deus, na fidelidade ao seu amor, porque ele é a Bondade,
quer libertar a sua criatura, está resumida no termo mundo. À luz de Gn 3, é
visto como que dominado pelo Maligno, cuja descrição está em Ap 12, onde é
lembrado com todos os seus epítetos. A figura do Dragão que é, também, o Diabo,
Satanás, a Antiga Serpente, sugere o termo idolatria. Temos, dessa forma as
expressões, que caracterizam a situação em que se encontra o homem. Ele é o
mundo subjugado ao Maligno. O Diabo é príncipe deste mundo, a quem o homem
presta o seu culto. O culto tem uma expressão claramente idolátrica quando por
ele definimos a atitude, no homem, de adoração a ídolos. Idolatria, todavia, é,
também, toda outra forma de pecado. Isto é evidente quando ouvimos Paulo
definir idolatria a cupidez do ouro (Cl 3,5). Mas o Apóstolo São João, na sua
Carta, nos adverte que voltamos a ser do diabo todas as vezes que pecamos (1Jo
3,8), até o pecado nos levar à morte. De fato, é então que, tendo abandonado a
purificação dos pecados que promoveria em nós a caridade, voltamos a ser
trevas, o mundo no qual não está o amor de Deus, porque subjugados novamente ao
Maligno pelos tentáculos das concupiscências da carne, da cupidez do ouro e da
soberba da vida (1Jo 2,16).
Para entender o pensamento da 1Jo é
preciso relacionar a carta ao Evangelho de João e, mais particularmente, a Jo
14-16, onde se fala de mundo e da vitória de Jesus sobre ele, através do
Espírito. Isto, porque os Apóstolos viram em si mesmos a transformação que se
operou neles com a ressurreição de Jesus. Receberam o Espírito e, por ele se
tornaram capazes de compreender o Mistério do Filho de Deus e, pelo mesmo,
viver o amor aos irmãos.
O termo “mundo” aparece, a primeira vez, em 2,15 e é insistentemente analisado.
O mundo deve ser radicalmente negligenciado (cf. Tg 1,27). Quem o escuta é
subjugado pelas concupiscências e acaba privado do amor de Deus, porque
envereda o caminho do que é falso. É preciso fazer a vontade de Deus porque é
então que permanecemos em Deus (2,15-17).
O termo “mundo” volta a aparecer em 4,1-6 e indica o lugar onde se refugiam os
anticristos e aqueles que os escutam. Esses encarnam a forma mais ameaçadora
porque com o seu testemunho minam os fundamentos da Vida. Jesus no-la mereceu
com a sua Morte. Pelo seu Espírito, os Apóstolos o reconheceram como o Cristo,
o Filho. Em virtude do seu testemunho, os fiéis deram a sua adesão de fé à
mesma doutrina. Caso dêem sua adesão de fé ao testemunho dos anticristos, não
tendo mais o Filho, perdem a comunhão de vida com o Pai.
A vitória sobre o mundo acontece quando vivemos os mandamentos de Cristo,
porque é então que a vida de Deus está em nós. Ela é fruto da nossa adesão de
fé ao Filho, sob a ação do Espírito.
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