Mariologia
Índice
1 - O Plano de Deus (Rm 8, 28-30).
2 – Maria no Plano de Deus ( Is 7,14; Gn 3,15; Mt 1,18-23;
Lc 1,26-38).
3 – A santidade de Maria reconhecida pela Igreja apostólica.
4 – A Descendência da Mulher é o Cordeiro imolado que tira o pecado do mundo (Jo 1,29).
5– A Imaculada Conceição. Maria pré-remida em vista dos
méritos do seu Filho para ser digna habitação dele.
6– A virgindade de Maria (Mt 1,18-23). Maria e as mulheres
estéreis ao longo da História da salvação.
7– A Anunciação, momento da vocação de Maria à Maternidade
divina. A consciência que ela teve da sua vocação.
8– A visitação: a Arca da Aliança. A saudação de Isabel,
João estremece no ventre da Mãe.
O Magnificat. Maria primícias da sorte de todos os que temem o Senhor. A visão escatológica da segunda parte.
8– O nascimento de Jesus. A visita dos pastores. Maria
guarda tudo no seu coração.
10- A apresentação de Jesus ao templo. Anúncio da paixão,
para Maria, junto ao Filho.
11- O reencontro de Jesus no templo: momento em que Jesus se
torna para Maria o Caminho para a casa do Pai.
12- O Silêncio de Nazaré
13- As bodas de Caná. Maria medianeira do Espírito que
somente Jesus é capaz de dar. Maria acompanha Jesus na sua vida pública.
14- Maria e os irmãos de Jesus procuram a Jesus. Os irmãos
de Jesus. O elogio de Jesus.
15- Maria aos pés da Cruz: a Mulher, figura da humanidade
redimida e da nossa condição de corredentores.
16- Maria assunta ao céu: primícias, entre os remidos, da
criação.
17- Maria coroada Rainha: condição definitiva de toda
criatura.
18- Maria figura da Igreja, no sofrimento e na glorificação
(Ap 12; 21).
19- Maria na teologia da Igreja segundo o Concílio Vaticano
II (LG VIII).
20 - Síntese
1 – O Plano de Deus (Rm 8, 28-30).
Para entender a grandeza de Maria,
ela deve ser considerada dentro do Plano de Deus.
Ao criar o homem Deus quis que fosse
o mediador da louvação que parte da criação e sobe até o Criador. Por esse
caminho, o homem encontraria a sua glorificação que Deus lhe concederia após
ter experimentado a sua obediência como sinal da sua imolação. Na contemplação
da criação o homem encontraria o motivo da sua louvação ao Criador que se
revela Sabedoria, Poder, Beleza e Bondade em tudo o que ele suscita para
existir.
Para que essa forma de glorificação
refulgisse em todo o seu esplendor, Deus permitiu a culpa do homem, de forma
que a sua glorificação acontecesse pela fé num Redentor capaz de uma obediência
e de uma imolação bem mais perfeita daquela que lhe pudesse oferecer a simples criatura
humana. Dessa forma Deus seria glorificado de forma perfeita em virtude da
perfeição do Mediador e resplandeceria mais ainda a gratuidade do dom.
O Plano de Deus se realiza,
portanto, pela Redenção, não visando somente os frutos da Redenção, como,
também, a divinização do homem. São Paulo no-lo sintetiza dessa forma: “Aquele que de antemão nos conheceu nos predestinou para
sermos conformes à imagem do seu Filho. Aqueles que predestinou, também chamou.
Aqueles que chamou, também, justificou, aqueles que justificou, também,
glorificou” (Rm 8,28-30).
Deus
que ama com amor infinito a criatura na qual pensa desde a eternidade, querendo
para ela o máximo do seu amor, porque ele é a Caridade, no momento que a chama
à existência, quer que chegue a ser conforme “à imagem do seu Filho”. Isto
significa que, se é por causa da culpa do homem que se torna necessária uma
Redenção, o intuito de uma Encarnação não se limita ao perdão dos pecados; ela
visa, além disso, a configuração do homem ao Filho, isto é a sua divinização
(Ef 1,5).
Embora o homem frustre, desde o seu início, o
Plano de Deus, pela culpa, Deus a supera pela justificação gratuita, para que a
própria Redenção seja a condição suprema da revelação da sua Caridade. Pela
Cruz todo o amor do Pai é revelado, enquanto doa ao mundo o Filho; todo o amor
do Filho é atuado, enquanto se imola pelos irmãos; e o Espírito é comunicado
aos homens para que toda a caridade da Vida Trinitária flua em cada redimido.
Pela Redenção o fiel tem em si o
penhor da sua imortalidade que se manifestará pela ressurreição na
carne. É a vida do Senhor ressuscitado que lhe é comunicada pelo Espírito doado
sem medida. Cabe, contudo, ao fiel viver a sua condição divina através de uma
contínua purificação dos seus pecados, para que, tendo-se tornado puro como
Deus é puro, possa vê-lo e conhecê-lo, quando entrar na vida eterna (1Jo 3,2-3).
Maria é o modelo perfeito de todo e
cada filho de Deus porque, pré-remida, cultiva em si os dons do Espírito até
chegar a experimentar os frutos do Espírito. Devemos invocá-la para que nos
obtenha essa graça. Então honraremos o Criador com nossa vida, da forma que o
honrou Maria.
A condição pecadora em que o homem
se reconhece, esclarece ainda mais o âmago do qual Deus o tira enquanto o
diviniza. É o âmago que a própria Maria reconhece no Magnificat: “... porque
olhou à humildade da sua serva”. Trata-se de uma condição da qual a criatura
pode ser precavida, como resgatada. É certo que, no primeiro caso, o dom é
muito maior porque permite à natureza humana corresponder à ação do Espírito
Santo segundo uma potencialidade que foi preservada de ser ferida mortalmente.
2 – Maria
no Plano de Deus ( Is 7,14; Gn 3,15; Mt 1,18-23; Lc 1,26-38).
Quando acompanhamos a linha
pedagógica de Deus que se revela, notamos que Maria começa a aparecer no Plano
de Deus no momento em que o próprio Deus
anuncia, pelo profeta Isaias, a vinda de um rei que estabelecerá o seu reino na
Terra prometida, em lugar dos reis terrenos de Judá que não confiam no Senhor:
“Eis que a jovem mãe dará à luz um filho e o chamará Emanuel” (Is 7,14). Nessa
profecia, toda a importância é dada ao filho dela, o Grande, Deus forte,
Conselheiro admirável, Príncipe da Paz (9); sobre quem repousará o Espírito do
Senhor (11). O segundo momento da revelação que lembra Maria é o do Gn 3,15 (fruto de uma reflexão teológica que vê, na história de Israel, o paradigma da história de toda a humanidade):
“Inimizade levantarei entre ti e a Mulher, entre a tua descendência e a dela.
Ela te esmagará a cabeça”. É em
Maria que Deus dá origem à Descendência, de forma que é nela que vemos atuar-se,
por primeiro, o fruto da redenção. Isto constitui-se numa especificação
importante em relação à “jovem mãe” de Is 7,14. O terceiro momento é o da
vocação de Maria à maternidade divina que acontece por obra do Espírito Santo (Mt 1,18-23).
O Messias, que foi anunciado Deus forte, Conselheiro Admirável, Pai eterno,
Príncipe da paz e que vem com o Espírito, nasce dela. Maria vê que é nela que se
atua Is 7,14, exatamente da forma da qual fala Gabriel, na Anunciação. É a partir dela que é restabelecida a incompatibilidade da
humanidade com a Serpente, em virtude da Descendência que dela nasce, Jesus, tipificado na figura de Noé, o ancestral de uma humanidade que renasce. Lucas vê,
então, nela, a filha de Sião que, restabelecida, por graça, na sua condição
virginal, se torna morada do Santo, do Filho de Deus, qual se revelou Jesus com
a sua ressurreição (Rm 1,4).
A
partir dessa consciência, embora embrional, da sua maternidade divina, Maria,
na condição de Imaculada Conceição, como fiel discípula do Pai, no Espírito,
acompanha o Filho de Deus que se fez carne, na sua caminhada rumo à
glorificação, na condição de Modelo e Princípio. Ela é a Mulher que, na
condição de mãe, agrada o próprio Filho-Messias, fazendo em tudo a vontade do
Pai. Ela é aquela que lê, ouve e guarda a Palavra no seu coração desde o
momento em que contempla, com os pastores, o Menino deitado na manjedoura.
Is
7,14.
Devido
a sua fundamental importância em relação ao próprio Jesus, do qual são
desvendadas as prerrogativas na condição de Rei de Israel, e ao fato de que na
História de Israel, pedagogicamente, Deus revela, pela primeira vez, algo sobre a
Mulher que o concebe e dá à luz, esse texto, não só deve ser analisado nas suas
palavras, como, também, interpretado no contexto de todo o livro chamado "Livro
do Emanuel".
A
profecia de Isaías sobre o Emanuel está incrustada num contexto teológico que
vai de Is 7 até Is 12. Trata-se de um contexto teológico, porque construído por
um redator final através do acostamento de profecias atribuídas ao profeta Isaías, distribuídas ao longo de mais de um século. A coletânea visa elucidar a
doutrina da confiança em Deus, porque somente nele está a nossa salvação. Essa
doutrina é tipificada com a história de Israel no tempo de Acaz, e anuncia
condições posteriores ao próprio Reino de Judá.
O
primeiro ensinamento é dado por gestos que o próprio Iahweh, isto é o Deus de
Israel que já se manifestou capaz de realizar o que anunciava, dita ao seu
profeta: é no fim do canal da piscina superior, isto é tendo à vista as águas
calmas e vitais, que Isaías e o seu filho Sear Iasub ( ישוב שאר), que significa "Um Resto voltará" (Is 7,3), terão que encontrar o rei Acaz. O nome profético do
filho de Isaias nos induz a ver nele, também, um sinal profético, como também
nas águas calmas que voltarão a ser lembradas no momento em que Deus
pronunciará o castigo contra Acaz por não ter confiado nele. Em Deus, capaz de
operar prodígios, deve Israel confiar porque nele está a vida; o povo que nele
não confia perecerá; contudo, Deus, na sua misericórdia salvará para si um
Resto. Estamos diante da doutrina já pregada por Oseias. Acompanhado por esses
sinais o profeta proclama a ineficácia da ameaça dos reis da Síria e do Reino
do Norte.
Diante
da desconfiança do rei, torna-se necessária uma segunda intervenção profética.
Dessa forma, a obstinação do rei se torna prova de um castigo merecido que, por
sua vez, se constituirá em fundamento da própria profecia da “jovem que
conceberá e dará à luz um filho e por-lhe-á o nome de Emanuel”. Esta prova
ficará de pé, juntamente com uma segunda prova, cuja realização ocorreu cedo, e
que foi anunciada através de um segundo filho de Isaias que, diante de
testemunhas, recebe o nome de “Pronto-saque-próxima-pilhagem” (Is 8,4. Cf. nota de rodapé d) BJ).
A
reflexão teológica de quem compôs o Livro do Emanuel visa proclamar que,
certamente, acontecerá que “uma jovem dará à luz um filho e por-lhe-á o nome de
Emanuel”. A prova de que isso acontecerá são os dois fatos que Isaías profetizou e que o hebreu já conhece atuados quando lê o Livro do Emanuel.
O
anúncio profético tem como sinais os dois testemunhos de Isaías,
metaforicamente representados pelos seus filhos. A destruição do Reino do Norte
logo acontece. A destruição de Judá e Jerusalém, também, acabou se realizando e
é claramente mencionada: “Visto que este povo desprezou as águas de Siloé, que
corre mansa...” (Is 8,6-8)
Em
oposição ao fracasso de Israel
desencaminhado pelos seus reis e chefes, que abandona o seu Santo, a sua Pedra
de refúgio, Deus anuncia um filho que “traz o cetro do principado” para
estabelecer o Reino na Terra prometida. Ele tem títulos divinos (9,5) e sobre ele
repousará o Espírito do Senhor. Estabelecerá a paz (11).
“Grita
jubilosa, ó Sião, a princesa, porque é grande no meio de ti o Santo de Israel”
(Is12,6). É na perspectiva do triunfo do Emanuel que deve ser considerada a
jovem mãe. As prerrogativas dela encontram uma inicial explicitação em Gn 3,15.
Somadas à característica inicial que lhe dá Isaias, de ser a Sião que resgatada
da sua culpa volta a rejubilar-se no seu Santo, repetida por Sofonias (3,14) e Zacarias,
(2,14), reconhecidas por Lucas, revelam a sua condição dentro do Plano da
Salvação que Deus, na sua misericórdia,quer levar em frente de forma
sapientíssima. É a reflexão teológico-sapiencial da Igreja apostólica que
descobrirá toda a grandeza de Maria quando souber da condição divina de Jesus.
Verá, então, todo o sentido da interpretação da tradição judaica, até
codificada na LXX, que traduziu o termo ´almah
com a palavra parthenos.
Enquanto Deus suscita do nada a
criação, para atuar a Redenção da humanidade, assume como ponto de partida a humanidade já existente,
nela suscitando uma Descendência. A pessoa que permite o nascimento daquele que
é o Salvador é Maria. Por ela, a profecia de Gn 3,15 assume, então, toda a sua
significação. Dirigindo-se à serpente, Deus diz: “Porei
incompatibilidade entre ti e a Mulher, entre a tua descendência e a dela. Ele te esmagará a cabeça e tu tentarás, em vão, morder-lhe o calcanhar”.
De fato, como poderia existir
novamente uma incompatibilidade entre a humanidade vencida e a Serpente, chamada
também de Dragão, Satanás e Diabo (Ap 12,9), uma vez que o homem, a partir da
primeira desobediência, conheceu somente o caminho da degeneração? Isto se
explica a partir do momento em que a Palavra, que, no seio do Pai, está voltada
para o Pai, e é, portanto, Deus, se faz carne. Maria é a Mulher que concebe o
Verbo por obra do Espírito Santo porque a potência do Altíssimo a cobre com a
sua sombra. Ao conceber e ao dar à luz o Filho de Deus, Maria é a criatura
humana que coopera com Deus parar dar início ao seu Plano sapientíssimo pelo qual
a humanidade chegará ao máximo da sua glorificação. Isto nos permite ver que
Maria nos representa. Enquanto cumpre a missão à qual é chamada, nos dignifica.
Na obra da Redenção, enquanto a
natureza humana que o Verbo assume é a primeira a usufruir a glória de Deus,
contudo, não porque remida e sim, porque unida hipostaticamente ao Verbo, Maria
é a primeira, entre os redimidos, a usufruir a graça da Redenção em virtude do
privilégio da sua imaculada concepção.
A grandeza de Maria está no fato de
que, por ter sido escolhida para ser a Mãe do Redentor, recebeu o privilégio de
uma pré-redenção, em vista dos méritos do seu Filho. A profecia, portanto,
anuncia nela, além da maneira surpreendente segundo a qual Deus chama a
humanidade a cooperar com a divindade, também, os primeiros frutos da salvação,
pela qual, a humanidade reencontra a sua condição de relação harmônica com
Deus. De fato, o Redentor influi positivamente sobre cada homem, porque é de
condição divina, tendo-se tornado, pela Encarnação, membro da estirpe humana. À
semelhança de Maria, nós também somos “como que as primícias entre as suas
criaturas”, enquanto gerados pela mesma “Palavra da Verdade” (Tg 1,18).
Maria
faz parte do Plano de Deus a partir do momento em que Deus decide dar
continuidade na divinização do homem, usando com ele de misericórdia. Ao atuar
o seu Plano por meio de uma criatura, enquanto ele mesmo se faz criatura, vemos
que, por Maria a humanidade toda é dignificada. Reconhecemos, contudo que Maria
recebe um tratamento privilegiado, em vista da sua própria função, a de ser a
Mãe, segundo a carne, do Filho de Deus. Dessa forma, enquanto se revela
cooperadora com Deus na obra da redenção, em virtude da sua vocação, pelos
privilégios da sua imaculada conceição se apresenta a nós numa condição
eminente de santidade que supera a de todos os santos. Por causa disso, sempre
tendo presente a vontade unilateral de Deus de dignificar o homem, Maria,
enquanto coopera na obra da redenção, concebendo, nutrindo e dando à luz o
Filho de Deus, e enquanto atua tudo isso numa condição eminente de santidade,
embora essa santidade tenha como fonte os méritos do Filho, o Redentor, pelo
qual foi pré-remida, pode ser invocada com o título de Medianeira de todas as
graças, ainda mais que o Papa Paulo VI, no ano de 1965, já a proclamou Mãe da
Igreja. De fato, todos os santos são nossos intercessores, sempre segundo a
linha da vontade unilateral de Deus que quis nos dignificar chamando a
humanidade a cooperar na obra da sua própria redenção; mas Maria supera a todos
pela sua eminente santidade e em função da sua condição de Mãe do Redentor.
Através
das prerrogativas de Maria podemos descobrir as nossas: somos chamados a gerar,
pela Palavra acolhida, testemunhada e anunciada, outros filhos da Igreja e podemos
completar em nossa carne “o que falta à Paixão de Cristo” ( Cl 1,24). Pelo
exemplo de Maria vemos como realizá-las de forma plena.
Esquema expositivo
1 - Maria entra no Plano de Deus a partir do momento em que Deus decide atuá-lo
na Misericórdia
2 - Gn 3,15 nos anuncia que a Descendência vai pertencer à mesma humanidade que
precisa ser remida
3
- O mistério que a profecia de Gn 3,15 esconde, e que somente é desvendado pela
Encarnação do Verbo
4 - Em Maria, chamada à Maternidade divina, nos é dado ver quanto Deus dignifica
a Humanidade, chamada a cooperar com Deus.
5 - Em Jesus, O Verbo eterno que assume a nossa condição humana, podemos ver
quanto Deus santifica a Humanidade.
Tudo
acontece de forma eminente em Maria porque ela coopera como Mãe do Redentor que
concebe e dá á luz e porque, em vista da sua Maternidade divina, ela é
santificada por uma pré-redenção.
6 - Na maternidade divina de Maria já temos o fundamento do título com a qual a
invocamos ‘Medianeira de todas as graças’. Na sua pré-redenção temos o
fundamento do título de ‘Maria concebida sem mancha de pecado original’ e de ‘Rainha
de todos os santos’.
3 - A Santidade de Maria
reconhecida pela Igreja apostólica
Com
a Ressurreição de Jesus, os Apóstolos, guiados pelo Espírito Santo, chegam à plena convicção que Jesus é, de fato, o Filho de Deus, manifestado abertamente
com poder (Rm 1,4). A Ressurreição lhes explica o sentido da Paixão: era a realização da
Profecia. Por sua vez o Servo de Iahweh, morto e ressuscitado explica o
sentido messiânico de toda a sua pregação.
Surgiu
então a questão: quem é Maria, a mãe de Jesus que esteve com eles no dia de
Pentecostes, a quem Jesus entregou João aos pés da Cruz, que participou de toda
a atividade messiânica do Filho, que viveu com ele a vida toda no silêncio de
Nazaré, que o gerou?
À
luz da profecia que Jesus atuou, resultou, em primeiro lugar que Maria era a
Virgem que deu à luz o Emanuel. Mas qual Virgem? A profecia de Sofonias
respondia dizendo que era Maria a realização da figura da Virgem Filha de Sião
à qual toda culpa tinha sido perdoada e na qual o Santo voltaria a habitar. O
sentido espiritual sugerido pela profecia de Sofonias remetia à profecia de Gn
3,15, que fala da Mulher à qual toda culpa é perdoada e que é reconstituída na
sua condição original em virtude da sua própria Descendência.
Ao
aplicar as profecias acima citadas à mãe de Jesus, conhecido pela Igreja de
condição divina, elas se tornavam evidentes na sua significação e a condição
virginal de Maria se tornava óbvia. Quem dela tinha nascido não precisava da
relação humana do marido com a sua mulher por ser ele de condição pré-existente,
ele mesmo querendo vir ao mundo. Mateus e Lucas a afirmam categoricamente
quando nos dizem que Maria concebeu por obra do Espírito Santo antes que
coabitasse com José. Foi a partir da Anunciação que Maria recebe no coração e
no corpo o Filho de Deus e o acompanha em todos os momentos da sua ação
redentora.
Mateus,
ao nos informar da vocação de José à função de esposo de Maria e, com isso, de
elemento realizador da promessa de uma descendência feita a Davi, torna
evidente a função desse justo dentro do Plano de Deus. Não é difícil pensar que
ambos, Maria e José, consagraram a sua vida à causa do Filho, diante de tudo o
que dele sabiam seja por revelação como por experiência própria.
Disso tudo, é fácil deduzir a virgindade de Maria também depois que concebeu Jesus e como
José consentiu em perpetuar a condição virginal de Maria diante da experiência
direta da revelação do Anjo que o chamava a assumir Maria como esposa enquanto
lhe esclarecia a origem divina do Filho dela e de tudo o que vinha conhecendo, quanto a Jesus e a Maria enquanto os eventos evoluíam.
4 – A
Descendência da Mulher é o Cordeiro imolado que tira o pecado do mundo (Jo 1,29).
Quando o Verbo assume a natureza
humana, ao realizar o mistério da Encarnação, a humanidade, que a potência do
Espírito criador suscita no seio de Maria, é uma coisa nova, uma nova criação,
embora concebida por uma criatura. Por ela, o Verbo nasce no tempo, assumindo a
nossa condição, concebido e dado à luz por Maria. É neste novo Adão em quem Deus se compraz, porque ele é o Cordeiro imolado que o
Pai contempla desde a criação do mundo (1Pd 1,19s). Desde o momento em
que o Filho entra no mundo, a sua disposição é de imolação: “Não te foram
aceitos os sacrifícios e os holocaustos. Ao entrar no mundo eu disse: ‘Eis-me
aqui -está escrito no Livro- para fazer, oh Deus, a vossa vontade” (Hb 10,5). Jesus
se torna o Servo de Iahweh que todas as manhãs escuta com o ouvido do
discípulo, que dedica a sua vida à causa do Pai, sempre fazendo a sua vontade,
destinado a levar a salvação até os confins da terra e que, enfim, carrega
sobre si as nossas culpas.
É esse é o Cordeiro que João Batista
apresenta aos seus discípulos: “Que era antes de mim, que batiza no Espírito e
que é o filho do Deus” (Jo 1,29). Jesus, ao sofrer a Paixão na Sexta-feira da
véspera da Páscoa hebraica, se torna o Cordeiro Pascal e, da sua imolação, nos
dá o memorial perpétuo para que o celebremos, para sempre, enquanto, agora, o
contemplamos na condição de Filho do Homem para sempre glorificado. Ap 4-5 é a
perfeita apresentação da Pessoa de Jesus na condição de Filho do Homem-Cordeiro
imolado. Ele é o Filho do Homem de Ez 1, sentado no trono de safira, acima da
abóbada celeste, “fogo dos quadris para baixo, fogo dos quadris para cima”, e
que agora se apresenta com as características da divindade unida à humanidade:
“O que estava sentado no trono tinha o aspecto de uma pedra de jaspe e cornalina” (Ap 4,3). De condição divina, o
Cordeiro imolado, recebe a mesma adoração dos anjos que louvam o Pai clamando
: “Santo, Santo, Santo” (v.8). É ele que, depois de ter vingado os seus
mártires, desposa a Humanidade glorificada, a Igreja que lavou as suas vestes
no sangue do Cordeiro. Ela se tornou a Mulher, a Esposa do Cordeiro que desce
do Céu vestida da Glória de Deus. A primeira a usufruir toda a obra do Cordeiro foi Maria, na condição de Mãe, a qual, por um dom gratuito, pôde participar de
forma singular da obra redentora do seu Filho, pela sua imaculada concepção, e
que, desde o momento da Anunciação, guardou todas as coisas no seu coração.
Jesus, por tudo isso, é o: “Único
Mediador entre Deus e os homens que se deu em resgate por todos” (1Tm 2,5). É
por ele que somos reconciliados e é por ele que somos santificados.
Gn 3,15 é
uma profecia que anuncia de forma temática o Plano de Deus sobre o homem. É
apresentado o próprio Deus criador determinado em levar em frente o seu
desígnio não obstante a culpa do homem e o objetivo da sua ação redentora, o
realizador do Plano e o ato pelo qual o Redentor realizará o Plano de Deus.
O seu
mistério é desvendado a partir do momento em que a descendência da Mulher é
revelada na sua condição divina. A primeira a saber disto, entre as criaturas, é
Maria, até porque é por ela que a Humanidade começa a voltar à sua condição
original.
Pela
Encarnação vemos quanto a Humanidade é dignificada, a ponto de ser chamada a
cooperar na obra da redenção. Maria o é de forma eminente, enquanto é escolhida
para ser a Mãe do Redentor.
Pela
santificação que o Verbo encarnado atua, enquanto a aplica de forma
privilegiada à Mãe, vemos como Maria excede, em santidade, todos os santos.
A Redenção
é atuada pela Descendência através do esmagamento da cabeça da
serpente.Contudo, isso se realizará de forma inesperada para os homens porque
esses verão a serpente esmagar a própria Descendência, levantando sobre ela o
seu calcanhar, através de Judas (Jo 13,18), das autoridades religiosas das quais
Jesus diz ter como pai o demônio. Contudo, em vão tentarão agir contra aquele
que é o ‘Eu sou’, porque será pela elevação da Cruz que todos o reconhecerão
como o Filho que sempre quis fazer a vontade do Pai.
Pela
Cruz será manifestada toda a caridade da Vida Trinitária.
5 – A
Imaculada Conceição. Maria pré-remida em vista dos méritos do seu Filho para
ser digna habitação dele.
Em
Gn 3,15 distinguimos: 1º) Deus que, na sua vontade soberana, se determina em perseguir a divinização do homem não obstante
a culpa; 2º) a Descendência como instrumento principal para a realização de uma
Redenção. Por causa disso podemos notar neste uma condição divina, única capaz
de reverter o quadro criado pela culpa; 3º) a Mulher que usufrui da obra da
Descendência. Ela pré-figura Maria, enquanto é dela
que nasce a Descendência que esmaga a cabeça da serpente. Pelo fato que a
Mulher usufrui da ação da Descendência, vemos que a humanidade tem condições de
salvação. Maria, por primeira, conhece essa salvação. A conhece na
condição de quem é preservada da culpa, para ser digna habitação do Filho. Trata-se de uma pré-redenção da qual legitimamos a existência pelo fato que, de
forma estrita, a profecia fala de uma incompatibilidade da mãe e do Filho, em
relação à serpente. Quanto ao resto da humanidade, a Descendência atua a
redenção pelo processo do oferecimento da sua vida.
Quando ouvimos Pedro falar de uma ação redentora do cordeiro imolado, "conhecido antes da fundação do mundo", ação portanto que se aplica, necessariamente, a todo e cada homem que veio ao mundo antes de Cristo Jesus, a nossa intuição já cogita na possibilidade, por parte de Deus, de ter agido, "em vista dos méritos do seu Filho", de forma singular, em relação a Maria.
O
privilégio da imaculada conceição nos permite ver qual é a eminente condição de
santidade que Maria possui desde o início da sua existência. Podemos
estabelecer uma hierarquia e pensar: 1º) na Humanidade que a Palavra criou para
si no momento da sua Encarnação: uma humanidade nova, em tudo igual à nossa
exceto o pecado, concebida no seio de Maria por obra do Espírito Santo, a
criatura nova, em condições de realizar a nossa redenção; 2º) em Maria
concebida sem mancha de pecado, em vista dos méritos da Palavra que
nela se fez carne; 3º) em cada um de nós, que, pelos méritos de Cristo recebemos
a condição de filhos de Deus, pelo batismo, pela qual toda culpa é perdoada e é
dada a condição de viver segundo os ideais da criatura dentro do Plano de Deus,
restaurada por graça.
Maria, da mesma forma que nós, precisou da Redenção. Contudo, o que Cristo Jesus mereceu para
todo e cada membro da humanidade, foi dado a Maria de uma forma singular. Ela
não conheceu o pecado, enquanto nós o conhecemos, no mínimo porque membros de
uma humanidade incapaz de viver em harmonia com o seu Criador. Maria sempre foi
contemplada por Deus na condição de cheia de graça, pelos méritos de Cristo, e
em condições de responder plenamente aos impulsos do Espírito para crescer
harmoniosamente na vida divina pela obediência, na fé, na caridade e na esperança.
O Espírito, que também nós recebemos pelo batismo, nela agiu, dela recebendo uma resposta harmônica, da qual a tornou capaz a vontade santificante
do seu filho. Nela, portanto há a disponibilidade da obediência generosa à
vontade de Deus, à semelhança do Filho, a visão sobrenatural da história, que
acentua os verdadeiros valores que glorificam o homem enquanto procura a glória
de Deus. São condições que desenvolvem a função de mediação da criatura chamada
à maternidade divina e a santidade outorgada pela pré-redenção. Já não
estranhamos a atitude de Maria de guardar tudo no seu coração. Os valores da
economia divina são os seus valores, as realidades, as mais preciosas que
acolhe com extrema piedade, enquanto se apresentam na sua vida.
O
Autor da santidade de Maria é Aquele que dela vai nascer e que Gn 3,15 define
como a Descendência que o próprio Deus suscita e que vai nascer como membro da
própria humanidade.
Pela
forma pela qual as profecias se realizam em Jesus, que nenhum pensamento humano
poderia desvendar, podemos facilmente reconhecer em Jesus de Maria o Messias
esperado por Israel. Foi a reflexão apostólica que nos apresentou Jesus na sua
messianidade, enquanto realizador da Profecia, de forma que, para nós não há
nenhum risco em aceitar a divindade de Cristo pelo fato que ele a proclamou de
si como “Aquele que o Pai consagrou e enviou ao mundo”. Vemos, pelo contrário,
que toda profecia adquire sua plena significação em Cristo, o que confirma de
maneira segura a Verdade que Cristo nos anunciou pela pregação dos Apóstolos.
6 – A virgindade de Maria (Is 7,14; Mt
1,18-23) e as mulheres estéreis ao longo da História da salvação.
A
virgindade de Maria é o mistério da nossa fé que nos ajuda a entender de que
forma Jesus é nosso irmão e, ao mesmo tempo, o nosso Salvador. É anunciada por
Is 7,14 e interpretada para nós por Mt 1,18-23.
“Eis que
uma virgem concebeu e dará à luz um filho e por-lhe-á o nome de Emanuel” (Is
7,14). O anúncio é misterioso, incompreensível até para o profeta, embora conheça
as figuras das mulheres estéreis dos Patriarcas, Sara, Rebeca e Raquel, da mãe de
Sansão e de Samuel. É verdade que nada é impossível para Deus. Contudo, uma
maternidade virginal escapa totalmente à experiência humana. Vemos um reflexo
dessa incerteza do profeta na própria ambigüidade do termo que ele usa: em
lugar de betulah utiliza o termo almah. A interpretação de Mateus não
deixa dúvidas de que se trata de uma profecia sendo que o evangelista a vê,
surpreendente e admiravelmente realizada em Maria, que ele proclama a mãe de
Jesus, por obra do Espírito Santo, por ter concebido antes que ela e José coabitassem
(Mt 1,18). Mateus é insistente em repetir que em Maria houve uma ação direta e
criadora do Espírito Santo: “o que nela foi gerado é obra do Espírito Santo” (v.
20). A profecia realizada é a explicação da mesma, enquanto é patenteada toda a
sua conveniência: “A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe,
comprometida em casamento com José, antes que coabitassem achou-se grávida pelo
Espírito Santo...O Anjo do Senhor manifestou-se a José dizendo: ‘Ela dará à luz
um filho e tu o chamarás com o nome de Jesus pois ele salvará o seu povo dos
seus pecados.’ Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor havia
dito pelo profeta: Eis que a virgem concebeu e dará à luz um filho e o chamarão
com o nome de Emanuel” (Mt 1,18-23).
O que
justifica o mistério da concepção virginal em Maria é a condição divina de
Jesus Cristo. A Igreja reconhece em Jesus a realização da figura do Emanuel.
Diante do conhecimento pleno da divindade de Jesus, a partir da Ressurreição e
da eminente santidade de Maria, que a Igreja apostólica reconhece, não foi
difícil reconhecer, em Maria, a Virgem da profecia de Is 7,14 e aceitar o
testemunho da mesma, enquanto revelava o mistério da sua virginal concepção a
José, confirmada pelo próprio testemunho de José de ter recebido, em visão, a
ordem de acolher Maria como a Virgem da qual iria nascer aquele que ele
chamaria com o nome de Jesus.
Jesus,
porque Pessoa divina, não podia nascer “do sangue e da carne”. Fosse ele simplesmente homem, não poderia
ter-nos remidos, porque os seus atos não seriam divinos.Tivesse Deus adotado um
homem como filho, ainda não poderia nos transmitir a graça, porque é somente
Deus que pode transmitir ao homem a sua condição divina. O Verbo, então assume
a sua carne no seio de uma Virgem da qual é filho porque nela concebido e por
ela gerado. Com isto começamos a entender que a cooperação humana sempre está
aquém das atuações divinas. Contudo, Deus
a quer, porque quer associar o homem, da forma mais plena e possível, a si, na
realização do seu Plano. Maria é Mãe de Deus por ter concebido e dado à luz a
Jesus, o Verbo eterno que nela se fez carne, por obra do Espírito Santo. Jesus,
gerado pelo Pai, na eternidade, é gerado pelo Espírito, no tempo, enquanto este suscita, em Maria, a nova
criatura que, por Maria recebe a carne, unida hipostaticamente ao Verbo. A Ssma.
Trindade volta a agir numa obra criadora que, contudo, agora, tem Maria como
cooperadora. É assim que se deu o mistério da Encarnação e é nessas condições
que resplandece a Maternidade divina de Maria.
De fato, Maria
viveu a sua vocação à maternidade divina pela fé, caridade, esperança e
obediência, na condição de concebida sem mancha de pecado original, portanto, enriquecida
pela graça de Deus para ser digna habitação do seu Filho. Quando Maria recebe a
vocação para ser a Mãe de Deus, ela já está vivendo, num harmônico
desenvolvimento, a sua configuração a Cristo sacerdote, profeta e rei, as
virtudes teologais da fé, caridade e esperança e os dons do Espírito Santo. Diz
o Concílio do Vaticano II, na Constituição dogmática “Cristo luz dos povos”
que: “A Virgem Maria, na Anunciação do anjo, recebeu o Verbo de Deus no coração
e no corpo e trouxe ao mundo a Vida” (Compêndio do Vaticano segundo, n. 141).
Não é esta uma atitude de consagração total a Deus?
Mais uma
vez vemos que a profecia se realiza de forma surpreendente a respeito de Jesus.
Quem poderia pensar de que forma se realizariam as palavras de Is 7,14? A
respeito de Maria notamos que ela está diretamente envolvida enquanto dela é
explicada, por Mateus, a condição de Mãe do Emanuel. Essa profecia, relacionada
a Gn 3,15 é um grande passo na revelação de como se atuará a Redenção: a Descendência
é o Emanuel, a Mulher, figura da humanidade, tem como representante a Virgem
Maria. Contudo, tudo é mistério divino, cuja atuação por Cristo e Maria explica
a maneira da sua realização, embora nos seja impossível entender a sua
natureza. A sua conveniência, todavia, é admirável.
Uma luz é
projetada sobre o mistério quando pensamos sobre a maneira segundo a qual o
sábio hebreu descreve a atuação do Plano de Deus. A Descendência que Deus
suscita desde o início é continuada, ao longo da história humana, porque Deus a
quer. Dependesse do homem, ela estaria muitas vezes interrompida por mulheres
estéreis. Vencendo a esterilidade, Deus revela que é ele que está atuando com
força irresistível. Nada é impossível para Deus: “háipalé‘ méihwáh dabar” (Gn 18,14). Quando, na plenitude dos tempos,
isto é, no tempo determinado por Deus, afinal, a figura se realiza, a condição
virginal da Mulher, da qual nasce a Descendência prometida, revela a natureza ,
divina daquele que se encarna, a iniciativa exclusiva de Deus na atuação do seu
Plano, a nova criação que é instaurada. Estamos diante de uma revelação pela
qual vemos que a divindade irrompe na esfera da humanidade e os evidentes
sinais de tudo isto são a Palavra que se faz carne e a Virgem que concebe
Aquele que vai remir o seu povo dos seus pecados.
Pode haver
uma consagração maior a Deus daquela da qual foi capaz Maria ao aceitar a sua
Maternidade virginal, misteriosa, antes de mais nada, para ela, incompreensível
até para um justo como o seu esposo José, enquanto consagrava a sua pessoa à
causa da Redenção por estar sendo chamada a ser a Mãe do Emanuel? Enquanto essa
consagração se fortalece diante da proclamação profética de Isabel, da visita
dos pastores e dos magos, das palavras de Simeão, de Jesus no Templo, dizemos
que a sua virgindade foi continuada até debaixo da Cruz, momento em que é
revelada em toda a sua fecundidade, ao ser Maria chamada a ser a Mãe da Igreja.
A virgindade de Maria (argumento apologético)
Quem
afirma que Jesus teve irmãos e irmãs, fundamentando sua argumentação sobre as
palavras do evangelista Marcos: “ Não é este o carpinteiro, o filho de Maria,
irmão de Tiago, Joset, Judas e Simão? E suas irmãs não estão aqui
entre nós?” deveria explicar como Jesus, na hora da sua morte precisou entregar
a João a sua mãe dizendo: “Mulher eis o teu filho!” e acrescentando: “Eis a tua
mãe” Jo 19,26.
O
mesmo evangelista Marcos nos diz que, no Calvário, “estavam ali algumas
mulheres, olhando de longe. Entre elas, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago o
Menor, e de Joset,” (Mc 15,40). Marcos volta a repetir o nome de
‘Maria, mãe de Joset’ quando fala das mulheres que estavam presentes ao
sepultamento de Jesus (v.47). Nesse caso, estamos diante de uma identidade
de um nome repetido três vezes e que
indica um filho de uma Maria que certamente não é a mãe de Jesus.
São
João nos diz que “Perto da cruz de Jesus, permaneciam de pé sua mãe, a irmã de
sua mãe, Maria mulher de Clopas, e Maria Madalena”. Enquanto aqui o nome da mãe
de Jesus é acrescentado às duas outras Marias, João está citando exatamente as
mulheres de Mc 15,40): Maria Madalena e Maria mãe de Tiago e de Joset. Disso
resulta que Tiago e Joset não são filhos da mãe de Jesus e sim, primos irmãos
de Jesus enquanto são filhos da irmã de Maria.
Mc
6,3 não pode ser aduzido como prova de que Maria teve outros filhos do
casamento com José porque a intenção de Marcos é de falar da incredulidade da
pátria, da parentela e da casa de Jesus (v. 4). Não estando preocupado com a
questão da virgindade de Maria, simplesmente se expressou da forma que qualquer
hebreus utilizaria em falar dos familiares de Jesus ao citar os seus
primos-irmão.
O
fundamento da fé cristã na virgindade de Maria, no que diz respeito à concepção
divina de Jesus Cristo, está em Mt 1,18-23 e Lc 1, 26-38. A maternidade
virginal de Maria é uma prerrogativa ligada à natureza da pessoa divina do
Filho de Deus que pré-existe à sua condição de filho de homem. É afirmada, por
Mt e Lc, como prerrogativa real em Maria (Mt 1,18; Lc 1,27).
7- A Anunciação (Lc
1,26-38), momento da vocação de Maria à Maternidade divina. A consciência que ela teve da sua vocação.
Premissa
– Quando abordamos os textos dos Evangelhos de Mateus e Lucas nos seus
respectivos primeiros dois capítulos, devemos lembrar que são reflexões sapienciais sobre a origem histórica de Jesus. Trata-se de um último
aprofundamento sobre a Pessoa daquele que, depois de ter vivido com os
Apóstolos a sua missão messiânica “se manifestou abertamente Filho de Deus com
poder, pela sua ressurreição dos mortos” (Rm 1,4). A luz da Ressurreição já deu
sentido à Paixão e Morte sofrida por Jesus, que os próprios discípulos seus não
conseguiam interpretar, quando Jesus a anunciava como destino do Filho do
Homem, imbuídos como estavam de ideias distorcidas acerca do Messias. Mais
ainda, à luz da Ressurreição foi possível ver, em tudo o que Jesus fez e
ensinou, o início da obra Redentora que culminou com a sua Morte de Cruz.
Mateus e Lucas procuraram, então, descobrir a manifestação da Divindade e Messianidade
de Jesus na sua origem. Os dois evangelistas se integram. Mateus vem primeiro;
Lucas desenvolve, de Mateus, os aspectos que acha oportuno ser explicados.
Mt
1,18-23
Quando
reconduzimos o texto à escrita originária vemos que Mt 1,1 diz assim: “História
de Jesus o Cristo”. O termo ‘história’ responde a uma pergunta: “Quem é, na
verdade, Jesus que se revelou o Cristo do Senhor?” Pela genealogia que se segue
resulta, para Mateus, que Jesus é o realizador da Descendência prometida. É
aquele que esmagou a cabeça da Serpente e que redimiu a Mulher da qual teve
origem (Gn 3,15). Nesse conceito já está implícita a divindade de Jesus. A
história dele não pode prescindir desta característica.
A
divindade de Jesus se revela, também, na forma pela qual teve origem como
homem. Ele nasceu da Virgem Maria, a qual, embora desposada com José, antes que
coabitassem, achou-se grávida do Espírito Santo (Mt 1,18). Pela maternidade
virginal de Maria, explica Mateus, cumpriu-se “o que o Senhor tinha dito pelo
profeta: Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho e o chamarão com o
nome de Emanuel” (v.23). O que é impossível para o homem se revela uma
realidade quando se chega a entender que Jesus é Deus. João explicará o
acontecimento no prólogo do seu evangelho e no exôrdio da sua primeira carta. O
Unigênito Deus vem e se torna um de nós. Em linguagem antropomórfica,
inspirando-se em Gn 1, 1-5, é a Palavra que se fez carne. A Vida, diz em 1Jo, 1,2, utilizando um termo que define a sua condição divina (1Jo 5,20c).
A
essa altura, Lucas acha oportuno explicar de que forma Maria “achou-se grávida
do Espírito Santo”.
Lc
1, 26-38
Introdução
- A análise de Lucas quer determinar todos os conteúdos do momento em que Deus,
por revelação, chama Maria a ser a Mãe do seu Cristo, o Filho que consagrou e
enviou ao mundo (Jo 10,36).
Em
primeiro lugar, Gabriel diz a Maria que ela é “a Virgem, a Filha de Sião” (Sf
3,14s). Está falando a uma virgem, mas quer que ela entenda a sua virgindade
como figura de uma purificação que nela aconteceu e que a torna, diante de
Deus, digna de ser a morada do Santo. Por essa revelação, Maria entende que ela
é a Mulher cuja Descendência é capaz de vencer a Serpente, porque ela é o
Santo.
À
intuição de Maria, o Anjo acrescenta uma confirmação: ela é a Virgem que conceberá
e dará à luz um filho, realizando-se nela a profecia de Is 7,14. Aliás, o nome
que ela dará ao seu filho é a explicação, num contexto de redenção, qual
sugerida antes por Gn 3,15, de Emanuel.
Sendo
que a forma com que Deus está atuando com ela difere totalmente da maneira da
qual Maria tem conhecimento pelas Escrituras, no que diz respeito a mulheres
estéreis que, por intervenção divina, deram continuidade à Descendência, ela
pergunta: “Como?”.
Deus
explora a natural limitação da criatura para mais amplamente ilustrar o
mistério que vai realizar. Pela explicação, Maria entende que só pode ser da
maneira que Deus revela, em se tratando do Santo. A essa altura Maria vê
claramente a condição divina da Descendência e do Messias anunciado como Grande
e Filho do Altíssimo.
Deus,
contudo, não deixa de dar a Maria uma prova e a ela anuncia a gravidez de
Isabel. Não é só uma prova, é, também, um esclarecimento de que Deus está
levando em frente o seu Plano. A criatura pode confiar nele: “Háipaléh méihwáh
dabar”: o que é que excede a Palavra de Iahweh, que Iahweh não possa realizar?
(Gn 18,14)
Análise
textual
1,26. “No sexto mês”. O sentido
literal e teológico dessa indicação cronológica nos é dado no v.36s: “... e
este é o sexto mês para aquela que chamavam de estéril. Para Deus, com efeito, nada é impossível (Gn 18,14)”. Literalmente vemos que é marcado um
tempo que diz respeito ao nascimento de João que nasce depois que “Maria
permaneceu com Isabel mais ou menos três meses” (v.56). Teologicamente, é
apresentada a intervenção definitiva de Deus na história do homem para que a
criação do homem, que se realizou no sexto dia, seja reconduzida à sua condição
original. De fato, a gravidez de Isabel está a indicar mais uma intervenção de
Deus na história do homem para levar em frente a sua promessa de uma
Descendência que restabeleceria a incompatibilidade entre a Humanidade (a
Mulher) e a Serpente e que a Encarnação do Verbo realizaria (Gn 3,15).
1,26. “... o Anjo Gabriel”. O
nome do Anjo, ‘Gabriel = Deus é o meu forte guerreiro’, nos diz que estamos
diante do próprio Deus que está se revelando a Maria. Encontramos essa figura
do Anjo que representa o próprio Deus em Gn 16,7-13;22,11;
Ex 3,2; Jz 2,1. ‘El Guibór’ é o mesmo Anjo que se apresenta a Zacarias
no Templo. É Deus, portanto que está levando em frente o seu Plano de forma
irresistível em favor de Israel (Lc 1, 69-75).
1,26. “... foi enviado por Deus”.
É o sentido da palavra anjo (do grego: anghello). O Anjo é o próprio Deus
enquanto se manifesta.
1,26. “...a uma cidade da Galileia chamada Nazaré”. Trata-se de uma especificação geográfica da qual
Lucas gosta porque quer ser preciso na informação (1,3).
1,27. “..., a uma virgem”. A
especificação é importante para Lucas, sendo que a repete logo em seguida “...
e o nome da virgem era Maria”. Ela é, também, o primeiro elemento que
relacionado às palavras “eis que conceberá e darás à luz um filho” (v.31),
indicam que, para Lucas, como o é para Mateus, a anunciação é a realização da
profecia de Is 7,14.
1,27. “...desposada com um varão
chamado José, da casa de Davi”. A figura de José é importante para determinar a
estirpe davídica à qual Jesus vai pertencer, em virtude da ligação jurídica
determinada pelo fato de estar Maria ‘desposada’ a José. Qualquer que seja a origem
do filho de Maria, a partir do momento em que ela está desposada com José, ele
será da descendência davídica. É por isso que o Anjo, por revelação, depois de
ter explicado a José a origem do filho da sua noiva, o chama à missão de ser
esposo de Maria. Como homem justo que era, diante da maternidade divina de
Maria, José queria retirar-se, por não saber qual seria a sua função dentro da
nova condição em que se encontrava a sua noiva. É Maria que comunica a José a
sua condição de Mãe de Jesus o Cristo. Diante disso José não vê como um ato
jurídico de anulação de casamento possa evitar difamar Maria. É o Anjo,
portanto, que resolve a situação, enquanto confirma a José aquilo que tinha
chegado a saber de Maria. A comunicação ‘em sonho’ é o testemunho divino da
verdade que Maria lhe tinha dito. José dela precisava em se tratando de um
verdadeiro mistério que só podia ser compreendido pelo testemunho do Espírito
(Mt 1,20s).
1,27. “...; e o nome da Virgem
era Maria”. Lucas quer identificar aquela que na Igreja era conhecida como a
Mãe do Senhor ressuscitado, com aquela que, por vocação divina foi chamada a
ser a Mãe dele, na condição de virgem porque foi por ela que se realizou a
profecia de Isaias: “Eis que a Virgem conceberá e dará a luz um filho e o
chamarão com o nome de Emanuel” (Is 7,14). Prova disso é o próprio Jesus que
com a sua ressurreição se revelou o Emanuel. Maria só pode ser a Virgem da
profecia. Embora “comprometida em casamento com José, antes que coabitassem
achou-se grávida pelo Espírito Santo” (Mt 1,18).
1,28. “Entrando onde ela estava”.
Trata-se da casa de Maria, na “cidade da Galiléia, chamada Nazaré” (v.26).
1,28. “..., disse-lhe:
‘Alegra-te, cheia de graça’. São palavras que Lucas toma de Sf 3,14s pelas
quais Maria resulta ser a Filha de Sião à qual o Senhor perdoou toda culpa e
que voltou ser a virgem que ele quer novamente desposar no amor. A condição
virginal de Maria está antes de tudo na sua alma.
1,28. “O Senhor está contigo!”.
Trata-se como que de uma sigla que indica que se trata de uma visão de Iahweh
(Jz 6,12).
1,29. “Ela ficou intrigada com
esta palavra e pôs-se a pensar qual seria o significado da saudação”. Lucas,
através do quadro que está criando, quer analisar o que Maria experimentou no
momento da Anunciação. A perplexidade nasce da clara relação que as palavras do
anjo tem com a profecia de Sofonias e que Maria, segundo o esquema teológico da
exposição de Lucas, naturalmente, ainda não pode entender. A solução da questão
será dada a partir do momento em que o Anjo diz a Maria que o filho dela terá
que se chamar com o nome de Jesus, porque, como explicou o Anjo a José “ele
salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1,21). A explicação se tornará cabal
após o Anjo dizer que ela conceberá por obra do Espírito Santo e que o Filho será
o Santo. Contudo, pela ligação que Lucas faz da Anunciação com Sofonias, somos
chamados a advertir que Sf 3,14s remete
a Gn 3,15 que fala da Mulher (Israel, figura da humanidade) que Deus resgatará
da condição de escravidão da Serpente por meio da sua Descendência. Também para
esta profecia o inexplicável dependerá das palavras do Anjo que se seguirão no
quadro da Anunciação.
1,30. “O Anjo , porém,
acrescentou: ‘Não tenhas medo, Maria! Encontraste graça junto de Deus’. São
formas de saudações que, juntamente com “O Senhor está contigo” se encontram
nas aparições de Iahweh aos seus servos. Isso indica que Maria foi chamada a
ser Mãe de Jesus por meio de uma visão sobrenatural do próprio Deus de Israel.
1,31. “Eis que conceberás e darás
à luz um filho e o chamarás de Jesus”. Essa frase é a repetição literal das
palavras do profeta Isaias: “Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho e
o chamarão de Emanuel” (Is 7,14). A Maria, portanto foi dado entender que
nela se atuava a profecia, porque ela era a Virgem, e, também, porque poderia atuar-se o mistério: porque o Filho era de condição
divina. Segundo a exposição de Lucas essa última verdade ainda não está
totalmente explicada. Disso resulta que o sentido de cada parte do quadro da Anunciação
deve ser completado com os conteúdos das outras partes que lhe dizem respeito e
que o sentido global é a verdade que Lucas quer definir que, para ele, foi o
que Maria entendeu no momento da Anunciação.
A
citação remete, também, às palavras do Senhor a Abraão quando promete o
nascimento do filho da promessa. Maria entende, portanto, que pelo Filho da
Virgem, de condição divina, atuar-se-á a figura do Descendente, o qual, sempre
em virtude da sua condição divina, reverterá a condição da Mulher da qual se
fala em Gn 3,15. Por estas ligações ditadas por uma reflexão sapiencial
resultou para Maria e mais tarde, para a Igreja, que Ela era a Virgem da qual
nasceria o filho da promessa que realizaria a figura da Descendência da Mulher,
de condição pura, digna morada do Emanuel.
1,32. “Ele será grande”. ‘Grande’
é um título divino, que, na boca do Anjo, é o primeiro reservado a Jesus. É o
começo da ilustração da condição divina do filho de Maria, que deve ser
relacionado ao de Emanuel, implicitamente citado.
1,32. “...será chamado Filho do
Altíssimo”. Trata-se de um título messiânico, como o explicam as palavras que
se seguem. O rei de Israel recebia esse título por causa da sua unção e da sua
função.
1,32. “ ..., e o Senhor Deus lhe
dará o trono de Davi, seu Pai”. A descendência jurídica por parte de José
justificava plenamente essas palavras diante dos cristãos de origem judaica,
embora eles entendessem que se tratava
de um artifício literário exigido pela forma adotada para ilustrar a vontade de
Deus de resgatar o homem da sua culpa.
1,33. “...;ele reinará na casa de
Jacó para sempre e o seu reinado não terá fim”. Uma referência clara à profecia
de Jacó sobre Judá (Gn 49,10) e que diz respeito ao Messias.
1,34. “Maria, porém, disse ao
Anjo: Como é que vai ser isso, se eu não conheço homem algum?”. A pergunta tem
a sua origem nas palavras do Anjo que a relacionava, ao mesmo tempo, à Virgem
da profecia de Isaias e à história das mulheres estéreis que Iahweh tinha
agraciado para que gerassem em vista da continuação do Plano da Salvação. Todas
elas tiveram os descendentes dos seus maridos por relação natural. Como poderia
ser isso com ela, se devia ser a Virgem?
1,35. “O Anjo respondeu”. O Anjo,
é bom notá-lo, é o Deus de Israel. Começa a apresentação da ação da Trindade
Santa em Maria.
1,35. “...:O Espírito Santo virá
sobre ti”. É Deus, Espírito, que vai agir em Maria, o Espírito do Pai e do
Filho. É o Espírito criador que, na criação paira sobre o oceano para gerar a
vida.
1,35. “..., e o Poder do
Altíssimo te cobrirá com a sua sombra”. É a figura da Nuvem que envolve o
Templo no momento da sua consagração, indicando a presença do Senhor. Uma
presença definitiva, em Maria, porque Cristo se torna para sempre o Templo de
Deus entre os homens, enquanto Maria é a sua Arca.
1,35. “...; por isso o Santo que
nascer de ti”. Jesus é o próprio Iahweh, o Santo de Israel, Aquele que volta a
habitar com a humanidade, por meio da Mulher,
à qual foi perdoada a culpa, da qual foi cancelado o pecado.
1,35. “...será chamado Filho de
Deus”. Um título que deve ser entendido em seu sentido pleno porque ele é o
Santo de Israel. Nessa condição o Descendente da Mulher restabelece a condição
original por uma vitória sobre a Serpente, o Emanuel que nasce da Virgem.
Aliás, podemos afirmar que a virgindade de Maria é até a única condição da
criatura para contribuir para a Encarnação do Verbo pré-existente. Deus não
podia nascer de uma união marital, somente se encarnar. Uma vez que escolheu
assumir a nossa condição humana, só era possível a encarnação mediante uma
Virgem que o gerasse. Gerado ‘ab aeterno’ segundo a natureza divina, foi gerado
no tempo, segundo a natureza humana, por Maria. Repetimos mais uma vez que sob
esse ponto de vista, a linha genealógica não deve se tornar decisiva para
provar a messianidade de Jesus. Ela tem o seu peso enquanto é um recurso
literário que ajuda a entender o Plano de Deus. A condição messiânica de Jesus,
como o mesmo Jesus insiste em afirmar em João é provada pelo testemunho de João
Batista, as obras, as Escrituras.
1,36. “Também Isabel, tua
parenta, concebeu um filho na velhice”. Não se trata de um mero sinal. É a
vontade de Lucas de interpretar a concepção virginal de Maria à luz do Plano de
Deus que se perpetuou em virtude da intervenção gratuita de Deus na história
sobre mulheres estéreis.
1,36. “..., e este é o sexto
mês”. O sexto mês de uma gestação de uma mulher que era estéril e que se tornou
grávida pela ação de Deus é uma interpretação teológica da Anunciação que
ocorre no sexto mês, na plenitude dos tempos, isto é no tempo que lembra a
criação do homem. Deus volta a intervir na criação para restaurar o homem
decaído. Os sinais são o próprio momento que ele escolhe, a fecundidade de uma
estéril, a concepção virginal de Maria.
1,36. “... daquela que chamavam
estéril”.
1,37. “Para Deus, com efeito,
nada é impossível”. Deus pronunciou essas palavras quando da promessa que ele
fez a Abraão que logo Sara conceberia o filho da promessa. (Gn 18,14). Não
temos mais dúvidas que Lucas viu na Anunciação a realização do Plano de Deus de
suscitar uma Descendência, como tinha prometido desde a culpa de Adão e que
vinha realizando através do povo de Israel, chamado em Abraão.
1,38. “Disse, então, Maria: ‘Eu
sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!’”. Pela Anunciação
Maria viu claramente por visão sobrenatural quais eram todas as implicações da
sua vocação e se colocou ao serviço do Senhor que lhe falava e da Palavra
criadora que, por ela, queria se tornar nosso irmão.
1,38. “E o Anjo retirou-se”. É o
sinal final que quer definir a Anunciação
uma aparição de Iahweh (Gn 18,33).
Reflexão
À
luz do Senhor ressuscitado, a Anunciação é o momento em que, chegada a
plenitude dos tempos, Deus envia o seu Filho nascido da Mulher (Gl 4,4). É o
tempo em que Deus quer levar a termo a criação do homem, num contexto de
redenção.
Na
Anunciação Lucas viu em Maria realizar-se a Profecia de Is 7,14: a Virgem que
concebe e dá à luz o Emanuel. Realiza-se, também, Gn 3,15 porque Maria é a
humanidade que Deus voltou a santificar para ser a Virgem, Filha de Sião (Sf
3,14s). A virgindade de Maria é postulada para realizar a Descendência porque
quem vai nascer de Maria pré-existe. O mistério da concepção virginal está no
fato que nós não sabemos compreender de que forma Deus suscitou a natureza
humana que o Verbo de Deus assumiu. Não foi por um ato criador como no início
da criação. Foi um ato no qual Deus quis que a humanidade cooperasse, na pessoa
de Maria, que concebeu e deu à luz o filho de Deus. Não temos, contudo,
parâmetros para entender de que forma Maria contribuiu ao dar origem à natureza
humana que o Verbo assumiu.
Is 7,14
A
profecia, na qual Maria, Mãe de Deus, é mencionada como jovem mãe daquele ao
qual ela dá o nome de “Conosco Deus”, deve ser entendida no contexto do Livro
do Emanuel (Is 7-12). Lembramos que o pleno entendimento do mesmo exige o
conhecimento de Is 6.
Premissa
– O anúncio, o mais importante, e que diz respeito à realização do seu Plano,
Deus o dá fundamentando-o em dois fatos da história que ele anuncia e faz
acontecer: a destruição de Samaria e de Judá. Nesse contexto nos é dado,
contudo, conhecer a fidelidade de Deus no seu amor. A condição de castigo e que
é condição do anúncio de salvação revela os sentimentos de Deus que, em Oseias,
resultam ser do esposo que ama a sua esposa e se angustia diante da
infidelidade, enquanto se contorcem suas vísceras ao ter que castigá-la.
O
momento do anúncio – Todos os recursos para uma conversão de Israel estão
esgotados. Deus envia, então, o seu profeta para que ao proclamar o último
apelo mediante o próprio anúncio do castigo definitivo, fique patente a culpa
de Israel ao rebelar-se contra o enviado.
A
forma do anúncio – Ao rei que se recusa, o profeta anuncia o Plano de Deus. Os
motivos de credibilidade serão os dois testemunhos do profeta: a Samaria será
destruída; por certo isto acontecerá e dela é prova a derrota de Damasco e
Samaria. Judá, também, será destruída. As águas do Eufrates a inundarão como um
dilúvio. Ao mesmo tempo, Deus quer que, enquanto é anunciado o castigo
definitivo, o povo, por ele advirta a urgência em se converter acatando o
testemunho e aceitando a instrução (8,20.16).
Ensinamento
– A atitude de Deus é sempre misericordiosa: 1º) anuncia o “El conosco"; 2º) dá
o sinal a Acaz para ter confiança nele: os reinos do Norte e de Damasco serão
derrotados; 3º) dá a Judá o fundamento para esperar pelo Messias: um Resto
voltará.
Os
castigos caem sobre o homem porque se obstina em não confiar em Deus. A história ensina que,
não usasse Deus de misericórdia, não haveria chance para o homem. A rama que
brota da cepa de uma floresta desbastada é fruto da ação exclusiva e gratuita
de Deus.
Immanú
El
Emanuel
é um título divino que Isaias dá ao Messias no momento em que revela uma intervenção
futura na história de Israel, por parte de Deus, da qual serão provas os
castigos da deportação que atingirão seja o reino do norte como o reino do sul.
Ele substituirá os indignos descendentes da casa de Davi para reinar na terra
que Deus deu a Israel (Is 7,14). As prerrogativas do Emanuel são de ser
Conselheiro admirável, Deus forte, Pai dos tempos, Príncipe da Paz (9,5) e de
possuir a plenitude do Espírito (11,1s).
O
mesmo São Mateus que cita o Emanuel quando fala da maternidade divina de Maria
(Mt 1,18-23), volta a citá-lo quando começa a falar da atividade messiânica de
Jesus, querendo, dessa forma, nos dizer que, em Jesus devemos notar as
prerrogativas das quais fala Isaías quando anuncia a grande luz que iluminou o
país de Zabulon e os país de Neftali. O filho da jovem mãe chamado a
estabelecer o Reino do Pai, é Conselheiro admirável, isto é, aquele que tem uma
sabedoria acima de toda expectativa (Pv 8,22-31; Sb 7,22-8,1); Deus forte, isto
é, Iahweh (Sl 28, 8-10; Ap 18,8); Pai eterno (Jo 1,30; 8,68); Príncipe da Paz (Jo 20,21; 14, 27.16s). Os títulos são proféticos e adquirem toda a sua
significação à luz de Jesus Cristo que se proclamou rei diante de Pôncio
Pilatos e que sobre sua cabeça, na Cruz, tinha a inscrição profética “Rei dos
Judeus”, como a Palavra voltada para o
Pai (Jo 1,1), que a Carta aos hebreus diz ser o Filho pelo qual o universo foi
criado; a Sabedoria, portanto,que desde sempre está com o Pai como “mestre de
obra” da criação (Pv 8,30), admirável (Sb 7,22s). Em Lucas, Jesus se declara o
forte guerreiro que expulsa Satanás na condição de mais forte que estabelece o
Reino na potência do Espírito” (Lc 11,20-22). É a única força capaz de vencer o
príncipe deste mundo, que nada pode contra ele (Jo 14,30). No Apocalipse o
próprio Jesus se declara Aquele que é, o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último,
o Princípio e o Fim (22,13), palavras que a liturgia do Sábado santo completa
dizendo: “a ele o tempo e a eternidade...”. A paz, enfim, que Jesus estabelece,
reconciliando o mundo com o Pai, revelam toda a sua condição divina. Toda a
criação volta a estar em harmonia com Deus, sobretudo o homem que já não estava
mais em paz nem consigo mesmo, nem com a criação nem com Deus.
“A
grande visão ultrapassa tudo quanto se possa dizer dos reis que sucedem a Davi:
não há falta nem limitação nesta paz e justiça que se ampliam no espaço e no
tempo; Deus mesmo faz nascer um menino e lhe impõe nome sobre-humano. Somente
dito de Cristo é que este oráculo adquire seu pleno sentido; até então tinha
sido antes esperança e anseio, ideal não realizado, no entanto, ideal crido e
desejado, e desta forma tensão para o futuro, como anúncio e preparação”
(Alonso Shökel, Profetas I, ed.
Paulinas, pg 160).
O
Emanuel, que nasce da jovem mãe para substituir a indigna descendência da casa
de Davi, à qual, todavia, Deus permanece fiel, e para estabelecer o Reino de
Deus na terra prometida, de forma definitiva, registra mais uma prerrogativa que deve ser somada às que os títulos extraordinários de Is 9,5 lembram. Guia-o o Espírito do
Senhor, que é lembrado por três vezes na sua ação: Espírito de sabedoria e
entendimento; Espírito de conselho e fortaleza; Espírito de ciência e temor. O sétimo dom do Espírito é lembrado com uma palavra que tem a mesma raiz
de ‘Espírito’ que quer, contudo sublinhar o que desta vez parte do Messias e se
eleva a Deus: a sua fragrância no temor de Iahweh. Nessa construção literal
temos: 1º) o dinamismo do Espírito (lembrado cinco vezes); o sentido
estritamente divino da sua ação (enquanto é lembrado por três vezes de forma
direta em relação aos dons que efunde ); 3º) o dom septenário (com o último dos
dons escondido na raiz da palavra ‘espírito’).
Is
7,14 relacionado a Gn 3,15
A
profecia de Gn 3,15, que cronologicamente vem depois de Is 7,14, nos explica a
relação de dependência, no que diz respeito à sua santificação, da mãe do
Filho. Is 7,14 nos fala da dignidade, em si, da Mãe, ao sabermos todos os
títulos divinos do Filho dela. Mas é Gn 3,15 que nos revela de onde vem a sua
condição para ser a digna habitação dele. Sf 3,14 com Zc 3,14 são os que nos
dizem como a Mulher chegou à condição santa. Ela é a Sião à qual toda culpa foi
perdoada e que deve alegrar-se porque o Santo de Israel, o grande, quer voltar
a habitar no seu meio (Is 12,6)
Questão: Maria teve consciência
da sua maternidade divina no momento da Anunciação?
Argumentação
À
luz dos textos acima analisados, negar que Maria teve conhecimento da sua
vocação à Maternidade divina no momento da Anunciação é negar a finalidade da
própria Anunciação. A Anunciação, em si, é o momento em que Deus comunica a
Maria a sua vontade de torná-la a Mãe de Deus. Não é possível pensar que Maria
não teve conhecimento da natureza da missão à qual estava sendo chamada. Se podemos, através de uma análise teológica,
distinguir níveis de percepção quanto ao mistério que é comunicado, isto não
nos autoriza a afirmar que, no momento da Anunciação, Maria não teve
conhecimento algum de que aquele que Deus queria que nela fosse concebido e que
ela devia dar à luz fosse o Filho de Deus. Uma coisa é dizer que a intensidade
do conhecimento que Maria teve da condição divina do seu Filho não foi a mesma
daquela que experimentou posteriormente e outra coisa é dizer que não teve
nenhum conhecimento. Não podemos esquecer que estamos diante de uma revelação
pela qual é Deus comunica a Maria a sua vontade de torná-la a Mãe do Filho e
Deus. Consequentemente não podemos analisá-la como se fosse, simplesmente uma
comunicação a Maria que ela entenderia segundo a sua mera capacidade de
raciocínio humano. A condição de entendimento de Maria, que ela possuía como
criatura, era, simplesmente, naquele momento, a condição que a tornava
consciente do que estava acontecendo por revelação. Maria entendeu o que Deus
lhe comunicava em virtude do dom do Espírito Santo, o dom do entendimento, e
desenvolveu aquilo que lhe era comunicado por revelação pelo dom do espírito de
sabedoria e revelação. De fato, toda comunicação de Deus é capaz de transmitir
aos seus servos o que ele quer que eles saibam. Seria muito estranho se a
Anunciação ficasse frustrada na sua finalidade e Maria estivesse assumindo uma
missão sem saber da natureza da mesma. Maria, então, teria chegado ao
conhecimento da sua maternidade divina somente pela saudação de Isabel? O Espírito
Santo ter-se-ia omitido de iluminá-la sobre esta verdade para que ela a
soubesse somente quando inspiraria Isabel?
Sabemos,
contudo, que o entendimento, embora se processe de forma sobrenatural, é
limitado pelas circunstâncias históricas durante as quais acontece. No caso da
Anunciação, é evidente que Maria não pôde ter o mesmo entendimento da divindade
do seu Filho qual ela teve após a Ressurreição de Jesus. Contudo constatamos a
profunda conveniência de ver que o seu início está no momento da Anunciação,
desenvolvendo, em seguida, de forma harmônica, enquanto ela acompanhava, com a
sua reflexão, a revelação do Filho, que atuava, no tempo, os mistérios da nossa
Redenção. O embrião desse conhecimento acontece exatamente no momento da
Anunciação. A Lumen Gentium nos diz
que Maria recebeu no seu coração e no seu corpo o Verbo de Deus (n.53). Se o
embrião da humanidade de Jesus está nela por obra do Espírito santo, porque não
pode estar no seu espírito o entendimento da sua natureza, por iluminação do
mesmo Espírito?
Precisamos
advertir que Maria, sem que ela o soubesse, em virtude dos méritos do seu
filho, já era a Mulher de Gn 3,15. Nela já vivia uma condição de total
incompatibilidade com a Serpente. O mistério da divindade do filho que devia
nascer dela já vivia nela por aquilo que já tinha produzido nela. Esse mistério
se concretizava na sua configuração a Cristo, na plenitude dos dons do Espírito
e nas virtudes teologais da fé, caridade e esperança. É essa condição de
criatura nova, constituída numa condição de santidade privilegiada, que
permitiu a Maria, no Espírito santo, de reconhecer naquele que nela se
encarnava, a Divindade que assumia a condição humana. Devido à sua imaculada
concepção, pelo mesmo dom, pelo qual Deus podia comunicar a Maria o sentido
pleno da sua verdade, Maria estava em perfeitas condições de poder entender o
que exatamente Deus estava lhe pedindo. Certamente pôde ver que o seu filho era
o Messias esperado. Mas é exatamente essa clara consciência que ela teve da
condição messiânica do seu filho que a colocou em condições de entender que se
tratava de uma encarnação de Iahweh porque ela estava presenciando em si mesma
a realização das Escrituras, enquanto ela era, até, um dos elementos que a
própria profecia anunciava. Não devemos estranhar essa possibilidade em Maria
quando sabemos que qualquer manifestação de Iahweh era conhecida por um hebreu
como manifestação do “anjo de Iahweh”. Enquanto as outras manifestações sempre
foram transeuntes, a que se daria pela sua Encarnação seria permanente. Estava
se realizando a profecia e Ml 3,1.
Mt 1,18 é
específico nesse ponto quando diz que a mãe de Jesus teve plena consciência de
ser a Mãe do Cristo, por ação do Espírito Santo. É segundo esses termos que
José é informado por Maria. Vemos que José, homem justo, entende perfeitamente
que está diante de uma intervenção peculiar divina sobre a sua noiva, a ponto
de se convencer que deve retirar-se diante de tanto mistério porque não sabe
qual é o caminho que Deus vai empreender com Maria.
A revelação
que João Batista recebe quando vê Jesus passar na sua frente e pela qual,
mediante uma progressiva iluminação do Espírito Santo, chega a proclamar que
ele é o Filho de Deus, é muito ilustrativa para entender o que aconteceu na
Anunciação. É o Espírito que, em primeiro lugar, faz com que João reconheça, em
Jesus o Messias, Cordeiro de Deus. O mesmo Espírito lhe faz entender que Jesus
não é só o Messias e sim, também, Aquele que existe antes dele e que possui o
Espírito sem medida. O que podia João entender da divindade de Jesus? Contudo,
a ele o Espírito revela seja a pré-existência do mesmo, como a plenitude do
Espírito que ele possui e, até a sua filiação divina. Tudo acontece por
revelação. Não se trata de verdades que possam se objeto de entendimento humano.
São verdades que são abraçadas em virtude do dom da fé que o servo de Deus
possui e pelas qual ele entra de posse de um conhecimento único de Deus. A
razão humana é somente o elemento que permite ao homem ter consciência do que está acontecendo de
forma sobrenatural. Sabemos, ao mesmo tempo, que o conhecimento que João tem de
Jesus, no início da vida pública do Messias, esteve sujeito a uma evolução,
tanto é verdade que amadureceu quando Jesus lhe mandou dizer que podia se
convencer de que ele era o Messias, ao refletir sobre os sinais que ele
realizava. Assim foi de Maria que, aliás, viveu a revelação que Deus lhe fazia
no momento da Anunciação em condições bem mais intensas e perfeitas, devido à
condição de relação única que ela teve com o Messias.
Desenvolvimento
da análise textual
Premissa – Os Evangelhos da
Infância de Jesus são uma reflexão sapiencial da Igreja Apostólica sobre o
Senhor ressuscitado. Depois de ter entendido, à luz da Ressurreição o sentido
da Paixão do Senhor e da sua vida messiânica como momentos da revelação do
Verbo que se fez carne, as comunidades eclesiais de Mateus e Lucas quiseram ver
de que forma o Verbo de Deus se revelava a partir da sua Encarnação. Além de
conhecer Jesus na sua condição divina, a Igreja já tinha plena consciência da
eminente santidade da Mãe de Deus, Maria Ssma. Não era difícil ver que se o
Emanuel da profecia de Is 7,14 era Jesus, Maria só podia ser a Virgem que o
concebeu e o deu à luz.
Fica,
contudo a questão: em que sentido era entendida a virgindade de Maria? A esse
respeito notamos que seja Mt 1,18.20 como Lc 1,27.34 são claros em afirmar que
se trata de uma virgindade também física que contudo deve ser entendida
sobretudo no seu valor teológico. Se Deus, para realizar a sua promessa de uma Descendência
vencedora da Serpente, interveio, ao longo da História da Salvação, para que
mulheres estéreis concebessem e dessem à luz, deveria necessariamente promover
uma maternidade virginal para o seu Filho porque, na condição de pré-existente,
não poderia nascer da carne e sangue, mas somente por uma ação criadora do
Espírito Santo. Maria, portanto concebeu e deu à luz um filho numa condição
virginal e a sua concepção virginal de Jesus, Filho de Deus, era a explicação
da profecia, humanamente inexplicável. Mateus e Lucas, portanto, a expõem com
precisão doutrinal.
Mt,
1,18-23 - Para Mateus, Jesus, filho de Davi, filho de Abraão, é visto, antes de
mais nada, como a Descendência que se realiza por meio de José, filho de Jacó.
A sua origem, contudo, não acontece por causa de José, porque é dela que
nasce “Jesus, chamado Cristo” (Mt 1,17).
O nascimento de Jesus Cristo, além de ser, para Mateus, a atuação da
Descendência, é, também, o princípio de uma nova criação. A atua o próprio
Jesus Cristo ao entrar no mundo: “A origem de Jesus Cristo”. O genitivo é
subjetivo. A originalidade do gesto está sinalizada pela concepção sua no seio
virginal de Maria. Não podia ser de outra forma a partir do momento que o Verbo
eterno quis assumir a condição humana tornando-se, em tudo, igual a nós. É,
portanto, concebido e dado à luz por Maria que concebe por obra do Espírito
Santo. A concepção virginal é real porque Mateus é preciso em declará-la para
que não haja duvidas de interpretação: “Maria sua Mãe, comprometida em casamento
com José, antes que coabitassem achou-se grávida pelo Espírito Santo”. Uma ação
trinitária está na origem da Maternidade divina de Maria: se realiza a profecia
da Descendência, o Verbo entra no mundo e o Espírito Santo suscita no seio de
Maria a Humanidade que o Verbo assume. Realiza-se, também a profecia de Is 7,14
que, afinal, será entendida pela Igreja após a Ressurreição. Permanece,
contudo, o mistério porque não nos é dado saber de que forma a humanidade
contribuiu para a Encarnação do Verbo. Certamente foi uma forma ativa, cuja
natureza, contudo nos escapa porque não temos categorias para ilustrá-la. As
Escrituras nos falam de Maria que concebeu e deu à luz, o que significa que
Maria é realmente a Mãe de Jesus Cristo, segundo a carne. Qual foi, contudo, a
maneira pela qual a criatura concebeu o Filho de Deus? Embora a Palavra dê a si
mesma a origem, ela está ligada a Davi e a Abraão. Talvez a função de José seja
explicativa quanto à forma de participação do homem. Contudo, com Maria há uma
peculiaridade que vai além da participação de José, embora não torne tão
decisiva a função de Maria quanto a ação do próprio Verbo que, por sua vontade
entra no mundo. Trata-se mais de uma dignificação da humanidade enquanto é
chamada a cooperar com a divindade. A cooperação é real, mas é a ação divina do
Verbo que a torna possível.
Lc
1,26-38
Se
Mateus é preciso em definir a concepção virginal de Jesus Cristo em Maria e
claro em relacionar a Anunciação com a profecia de Is 7,14, através da
narrativa da visão de José, é Lc 1,26-38 que define os elementos da mesma.
Lucas se alinha com Mateus em afirmar a virgindade de Maria repetindo,
propositalmente, o termo ‘virgem’ no v.27 e colocando na boca de Maria a
pergunta ao Anjo sobre o ‘como será isto se não conheço homem algum?’ que é uma
declaração aberta da condição virginal de Maria no momento da Anunciação. Maria
se acha grávida por obra do Espírito Santo porque o próprio Deus, em visão, lhe
diz que : “O Espírito Santo virá sobre ti e a Potência do Altíssimo te cobrirá
com a sua sombra”. Também, enquanto Mateus não diz quem é Jesus Cristo, Lucas
especifica que Maria foi informada pelo Anjo que “o Santo que nascer de ti será
chamado Filho de Deus”. Dessa forma, as últimas palavras do Anjo não deixam
dúvidas quanto à origem de Jesus, e nisto se alinha com Mateus que diz: “Maria
achou-se grávida por obra do Espírito Santo”, e especificam a condição divina
por meio de termos que assumem uma significação pregnante. Nisso, também, Lucas
se alinha a Mateus que assim se expressa: “A origem de Jesus Cristo foi assim”.
A
contribuição da narrativa de Lc 1,26-38 está, também, no fato que determina
todos os conteúdos da visão que Maria teve no momento da Anunciação. Pelas
primeiras palavras do Anjo ela entendeu que ela era a filha de Sião. Foi algo
que a deixou pensativa porque ainda não podia entender a sua significação. De
fato o sentido se torna claro com as últimas palavras do Anjo que falam de
Jesus como do Santo. Aproveitamos esse momento para notar qual é o sentido específico
do termo ‘santo’ na Anunciação: não há mais dúvidas que para Lucas tem o
sentido de Iahweh, o Santo, que vem habitar em Maria, porque a Filha de Sião já
está purificada das suas culpas. Quando, enfim Maria entende o significado das
palavras iniciais da saudação, ela chega a entender que nela, em virtude da
condição salvadora do seu filho, se realiza a figura da Mulher de Gn 3,15.
Quando
o Anjo procede dizendo “Não tenhas medo Maria, eis que conceberás e darás à luz
um filho e o chamarás com o nome de Jesus”, Maria entende que aquele que vai
nascer dela é a realização do Filho da promessa, cuja figura é Isaac. ‘Não
tenhas medo’, enquanto lembra as aparições de Iahweh a Gedeão, ao marido da mãe
de Sansão, são palavras que indicam a Maria que está diante de uma visão de
Deus. ‘Eis que conceberás e darás à luz um filho’ indicam a Maria que Deus vai
intervir para realizar o que a Deus é impossível. Contudo, enquanto Maria se
relaciona com as mulheres estéreis da Escritura, vê que o seu caso se diferencia
porque ela “não conhece homem algum”. Quando o Anjo responde que conceberá por
obra do Espírito Santo, Maria entende que é por Ela que se realiza Is 7,14.
Vemos,
dessa forma que há um crescendo na revelação de Jesus como Filho de Deus,
enquanto em Maria cresce o entendimento do mistério que Deus lhe revela. Tudo é
confuso quando o Anjo a define a Virgem, Filha de Sião na qual o Santo quer
voltar a habitar. Algo se esclarece quando o Anjo lhe faz entender que nela se
realiza a figura da Descendência prometida, enquanto começa a ser revelada a
sua condição divina pelo nome que terá que lhe dar. Os títulos que, em seguida,
o Anjo atribui a Jesus são messiânicos; contudo o título de ‘Grande’ tem uma
clara conotação divina. Quando o impasse quanto à maneira pela qual Virgem Maria conceberá é resolvido pelas
últimas palavras do Anjo, Maria entende claramente que ela é, não somente a
Filha de Sião, como, também, que o Messias que dela vai nascer é de origem
divina e que ela é a Virgem que dará à luz o Emanuel; entende, enfim que o
Emanuel é a causa da sua condição de ter sido purificada ao ponto do Santo
querer vir fazer nela a sua morada.
Reflexão
“Eis
a serva do Senhor”: é a condição perfeita da criatura quanto à sua
realização. Basta pensar em Jesus que disse, na condição de Deus feito homem:
“O Filho do Homem não veio para ser servido mas para servir e dar a sua vida
por muitos”. A segunda parte da frase indica que é exatamente na imolação o
máximo da realização, momento em que a criatura reconhece que o máximo de
serviço a Deus é a sua disposição à imolação.
A
santidade de Maria se torna clara quando vemos a sua específica vocação: a
maternidade divina; a forma pela qual Deus a realiza: ela é a Virgem, que pura,
por ter sido preservada do pecado, é a Filha de Sião que Deus volta a amar e na
qual quer habitar. É dessa forma que nela se realiza a profecia de Gn 3,15.
Resulta
que Maria é a realização de figura de Mulher que a Descendência
pré-redime porque destina a ser a sua Mãe segundo a carne.
Nessas
condições, Maria é capaz, de uma forma singular, de acompanhar a ação do
Verbo feito carne no seu processo de glorificação da sua humanidade e que
é, ao mesmo tempo, princípio de santificação de cada homem. Ninguém, como
Maria, foi capaz de ver e usufruir as condições de santidade que Jesus
oferecia, de forma que, sobretudo a partir da ressurreição do Senhor é por ele
transformada de glória em glória pela ação do seu Espírito (2Cor 3,18s). Se
torna, dessa forma a Mãe da igreja, a Corredentora (Cl 1,24), por excelência e,
segundo nos ensina a alegoria das Bodas de Caná, a Medianeira de todas as
graças porque, é pela sua súplica que o Israel de Deus recebe o Espírito.
8– A visitação(Lc 1,39-56): Maria, Arca da Aliança. A
saudação de Isabel, João estremece no ventre da Mãe.
A
visitação é mais um quadro pelo qual Lucas expressa a sua teologia sobre a
origem de Jesus, à luz da Ressurreição. Trata-se de um verdadeiro midrash
agádico.
Aquela
que concebeu o Santo, o Filho de Deus, a Virgem Filha de Sião é contemplada como
Arca da Aliança que peregrina pelos montes da Judeia carregando em si a
Presença do Deus de Israel. A presença da Arca faz estremecer João, no seio da
mãe, e faz exclamar, num grande grito, Isabel. Lucas quer reproduzir a cena do
grito de guerra do acampamento de Israel quando a Arca do Deus dos exércitos
chega para salvar os hebreus dos seus inimigos. Pelo grito, Maria vê em Isabel
mais uma mulher da descendência que chega a dar à luz por intervenção
divina.
O
quadro foi construído para sublinhar a relação histórica entre o precursor João
e Jesus, qual se manifestou em Israel no tempo da vida messiânica de Jesus.
Pelo
quadro vemos ilustrada a natureza divina de Jesus, a maternidade divina de
Maria e a função de João em relação a Jesus.
Pelo
canto do ‘Magnificat’, Maria interpreta os sentimentos do povo de Deus que, sob a inspiração do Espírito Santo, adverte a presença do Filho de Deus nela
concebido. Isabel que reconhece o seu Senhor e o menino que estremece no seio
da mãe são claros sinais do evento grandioso da Encarnação que começou pela
Anunciação. Maria exulta porque o Senhor nela operou maravilhas. Considera a sua condição de criatura chamada ao serviço de Deus, que será
chamada bendita por todas as gerações. Contudo, Maria sabe que, com ela,
somente se iniciou uma manifestação de amor sobre todos aqueles que chegam a
temer o Senhor, nos quais, também, o Senhor operará maravilhas.
No
fim dos tempos , “com braço poderoso e mão forte” Deus vai dispersar os soberbos, derrubar os poderosos e exaltar os que nele confiaram e viveram o seu
serviço. Os míseros serão saciados. Todo Israel será acolhido no seio de
Abraão, na fidelidade de Deus no seu amor.
O
“Magnificat” é uma nova versão do hino que Ana, a mãe de Samuel profere depois
de ter apresentado ao templo, em Silo, o filho que tinha pedido a Deus, por ser
ela estéril. Por si, 1Sm 2,1-10 é o hino de um rei depois da vitória sobre
adversários que somente por uma
intervenção de Iahweh, o Santo, poderiam ser vencidos. Expressa a exultância do
rei e a natureza da vitória. Utiliza metáforas para descrevê-la, e exalta o Senhor através de quadros de ricos que se empregam por um pão e de poderosos
humilhados e humildes exaltados. De fato Iahweh é o Senhor da terra. Ele deu
força ao rei e glorificou a força do seu ungido.
O
hino une Ana a Isabel, enquanto, em Maria, se realiza de forma excelente o que
Deus já realizou com elas. Tudo é obra do Deus de Israel pela ação do seu
Ungido.
Análise textual
1,46. O hino de Maria é a
resposta ao pronunciamento profético de Isabel: “A Mãe do meu Senhor me veio
visitar”. O paralelismo é estabelecido pela relação do verbo ‘engrandece’ com o
‘grande grito’ que Isabel solta. Isso indica que estamos num contexto de
exaltação daquele que é Grande e grandes coisas fez em Maria e está pronto a
fazer “de geração em geração sobre aqueles que o temem”. Pela visita de
Gabriel, Maria foi chamada a ser a Mãe de Deus, como resulta claro pelas palavras finais do Anjo, depois de ter mencionado a divindade de
Jesus quando a saudou evocando a Virgem Filha de Sião, a Israel purificada das suas
culpas que voltou a ser digna habitação do Santo, a Mulher, portanto, que a
Descendência resgatou do domínio da Serpente; quando lhe fez entender que ela
era a Virgem de Is 7,14 que daria à luz e conceberia o Emanuel, cuja condição
divina estava explicitada no nome que ela devia dar ao seu Filho; quando, ao
declarar que o seu filho seria o Messias, o Filho do Altíssimo, da descendência
de Davi, em primeiro lugar o Anjo lhe dizia que ele seria “grande”; quando,
enfim, Gabriel, à pergunta de Maria que relembrava as experiências das mulheres
estéreis que conceberam e deram à luz em virtude de uma intervenção divina, de
como aconteceria isso com ela, não conhecendo homem algum, o Anjo torna a sua
virgindade mais uma prova da divindade daquele que dela devia nascer. Não podia
nascer de união marital quem pré-existe à sua condição humana, podendo só
assumir a natureza humana que seria hipostáticamente unida à Pessoa do Verbo.
Com isso está definido o mistério. A Humanidade é de fato chamada a cooperar
com a Divindade. A forma pela qual é chamada por Deus a cooperar continua um
mistério porque o homem, até depois da verdade ter sido revelada, não possui
categorias humanas que a possam interpretar.
v.47 A exultância de Maria é
motivada seja pela condição divina do seu Filho, como, também, pela
extraordinariedade com que Deus atuou a salvação. A exultância é o sentimento que o
homem experimenta diante de Deus que, embora seja poderoso, não é despótico e sim, salvador e age em seu favor.
v.48 Realmente, como poderia Deus ter visitado de
tal forma a sua criatura a ponto de dignificá-la, glorificá-la com tão grandes
dons: purificação e Maternidade divina. O termo ‘serva’ se relaciona com
‘servidor’ referido a Israel. Maria representa o povo dos humildes que o Deus
fiel não abandona no seu amor. A exaltação das gerações não é gratuita porque
Maria supera, em santidade, todos os santos. Pré-redimida, recebeu no seu coração
os mistérios e a eles se associou.
v.49 Aqui Maria exalta a condição divina daquele
que a glorificou. Ele é o Onipotente para quem nada é impossível, é Grande e as
suas ações são divinas. Ser o Todo-poderoso que faz grandes coisas significa
ser o Santo que nas suas obras revela suas prerrogativas.
v.50 O Santo, embora grande, porque sua natureza é
Caridade, só pode agir no amor. A misericórdia que Maria experimentou de forma
peculiar é para todos. Basta viver a resposta a Deus que chama, segundo o seu
Plano, todos os homens.
v.51 Com a presença do Emanuel, realizador da
Descendência, uma ação divina irresistível, que a Maternidade virginal de Maria
sinaliza, está em ato. Dela, a libertação do Egito, a volta de Babilônia são
meras figuras. Estamos no tempo do fim. Após o breve tempo deixado ao
perseguidor, este chegará ao seu fim (Dn 8,25b): o poder blasfemo dos reis da terra,
cujo símbolo é Nabucodonosor, será disperso, como palha pelo vento.
v.52 As cidades terrenas serão destruídas,
enquanto os que confiaram no Senhor serão exaltados.
v.53 Os que viveram sequiosos de se saciar de
justiça serão, enfim, saciados (Sl 22), enquanto os ricos ficarão sem nada
porque as riquezas não podem comprar a vida (Sl 49).
v.54 Com Jesus, a realização da Descendência, toda
a misericórdia de Deus será revelada, ao Israel que se comportou como fiel
servidor.
Para
ter uma percepção ainda mais precisa das grandes coisas que Deus operou em
Maria, devemos partir do fim do ‘Magnificat’ e remontar até o momento em que a
Misericórdia se estende de geração em geração depois da grandiosa eclosão com a Encarnação e os seus
primeiros frutos: Maria.
Deus,
a Bondade, desde a culpa do homem quer atuar na misericórdia, suscitando a
Descendência. Abraão é o momento da escolha de Israel em cuja história está
refletido o comportamento de Deus com o homem. Com Maria torna-se manifesto o
que Deus quer fazer com os homens. Esgotados os recursos da sua misericórdia,
haverá um julgamento. Os que confiaram e perseveraram no testemunho serão
exaltados e saciados (Sl 149; 22). Os de ambição desmedida, os prepotentes e os
idólatras do ouro serão destruídos.
9 – O nascimento de Jesus. A
visita dos pastores. Maria guarda tudo no seu coração.
O nascimento de Jesus se dá no escondimento. Não deixa,
contudo, de ter características messiânicas, porque acontece em Belém da
Judéia, conforme a profecia de Miquéias, como lembram os escribas ao rei
Herodes quando da visita dos magos. O seu sentido é marcado por Lucas com a
narrativa da visita dos pastores aos quais o Anjo do Senhor anuncia: “Nasceu-vos hoje um Salvador que é o Cristo-Senhor” (Lc 2,11). Maria medita sobre Jesus na manjedoura, porque
realmente da Virgem nasceu um filho, ele é, portanto, aquele que foi concebido
pelo Espírito, o Santo, o Filho de Deus e o contempla enquanto é visitado pelos
pastores. Realizou-se a Palavra do Senhor. Mateus ilustra a condição divina do
filho de Maria, concebido por obra do Espírito Santo, ao qual José deve dar o
nome para que se realize a profecia de Natã, com a adoração dos Magos.
Consegue, também, por esse midrash, explicar que Jesus não é somente o rei dos judeus e
sim de todos os povos.
10- A Apresentação de Jesus ao Templo (Lc 2,22-40)
A apresentação
de Jesus ao Templo e caracterizada por uma profecia de Simeão: “... e a ti uma
espada transpassará tua alma”. À vocação de Maria à Maternidade divina é
acrescentada a vocação à imolação. Essa profecia se atua aos pés da Cruz, no
momento em que Jesus chama a Mulher a assumir o filho. Maria é associada à obra
da Redenção. Os pecados caíram sobre Jesus e sobre Maria que Jesus quis
associar à sua Paixão.
A espada é
o símbolo do castigo de Deus sobre Jerusalém por causa dos seus crimes (Ez 5).
Ela cai sobre a Virgem, a Filha de Sião, Rainha dos mártires é Maria que se
associa a Jesus.
O caminho
da santificação de Maria nos revela a pessoa de Jesus: o Santo, o filho de
Deus,a Palavra voltada para o Pai, Luz da Luz, Vida, Testemunha da verdade, o
qual, ao assumir a carne em Maria é o Emanuel, Jesus que realiza as profecias
da Descendência, do Messias, Grande, Filho do Altíssimo. O entendimento da
divindade do filho se agiganta em Maria depois de ter iniciado com o anúncio do
Anjo.
11) O reencontro de Jesus no Templo
A narrativa
é uma reflexão sapiencial, a sexta de sete contidas em Lc 1-2. A Igreja já
conhece o Senhor ressuscitado, o sentido da sua paixão, da sua atividade
messiânica. Mateus e Lucas o ilustram voltando às origens de Jesus, não porque
a eles interessem como crônica e sim, par utilizá-las como ponto de partida
para refletir sobre a sua condição divino-messiânica. Em Lucas a reflexão
midráshica se estende até João Batista, anunciado pelo Anjo, que nasce de uma estéril,
que estremece no seio da mãe. De fato o que se conhece de João é a sua vocação
ao profetismo, no deserto, enquanto vive asceticamente e cuja atividade
repercutiu em toda a Palestina. Sabe-se do seu testemunho e do elogio que Jesus
fez dele. É a sua grandeza que legitima a reflexão midrashica que, por sua vez, serve
para enaltecer a figura de Jesus.
À luz da
condição divina manifestada pela Ressurreiçâo, a origem de Jesus é vista como
realização da Profecia. Para Mateus se realiza Is 7,14; Mq 5; Oséias. Para
Lucas se realiza Sf 3,14s; Gn 3,15; Is 7,14; 9; 11.
A partir do
nascimento e com a apresentação ao templo, Lucas acompanha a revelação de Jesus
com a reflexão de Maria que guarda tudo no seu coração. São descobertas que
permitem a evolução do entendimento embrional que Maria adquiriu no momento da
Anunciação: o Santo, aquele que o Pai consagrou e enviou ao mundo, que Maria
conhece pelas figuras do rei ungido, do sumo sacerdote, consagrado ao Senhor,
do profeta, Servo de Iahweh; o filho de Deus que é rei de Israel que dela nasce
e que de José recebe a descendência davídica, mas que nasce como Emanuel, da
Virgem como o Santo que vem morar na filha de Sião, e, portanto, a Descedência
que santifica a Mulher.
Na apresentação
ao templo há uma profecia que interpreta a condição de Maria aos pés da Cruz.
No
reencontro de Jesus temos o ensinamento de tudo o que a igreja deve aprender do
desaparecimento de Jesus com a sua Páscoa. Jesus viveu a sua missão sujeito à
Lei: resgatado como primogênito, circuncidado, conhecedor das Escrituras,
visitante do Templo nas páscoas hebraicas. Mas a Igreja, a partir de Maria,
após sua Paixão não deve mais procurá-lo movida por aspirações terrenas. Não
pode ser a Madalena que quer segurar o seu Mestre. Com a Madalena, devemos nos
preocupar com Aquele que subiu ao Pai. É lá que nos preparou uma morada. Aliás,
deveríamos nos alegrar porque fez isso conosco, sendo que a sua imolação foi o
momento da sua glorificação, da manifestação da Bondade e da comunicação do
Espírito.
Vemos assim
que Maria teve que crescer na fé como o ilustra esse episódio, o momento em que
ela procura, com os irmãos de Jesus, o filho, o momento aos pés da Cruz, a tumba
vazia. É o Espírito dado à igreja, merecido por Cristo na Cruz,que faz enfim,
ver toda da Verdade.
Maria que
caminha seguindo a Cristo torna-se o nosso modelo de vida cristã.
A reflexão
pós-pascal de Lucas assume o quadro do jovem hebreu que sobe ao templo para nos
ensinar qual deve ser a atitude devota dos fiéis , segundo o exemplo de José e
Maria. Com a sua Páscoa, Jesus subiu definitivamente para o céu. Não adianta
procurá-lo segundo uma expectativa humana, como fazia a Madalena, não obstante
todo o seu amor por Jesus. É preciso considerar as Páscoas instituídas nos seus
diferentes sentidos. A Páscoa hebraica é figura da páscoa de Cristo. A páscoa
de Cristo é figura da Páscoa eterna. Para anteciparmos o sentido da Páscoa
eterna, temos que acompanhar, com José e Maria, tudo aquilo que Jesus realizou
com a sua submissão, figura da sua definitiva imolação.
A narrativa
que entrelaça os momentos de uma das páscoas hebraicas celebradas por Cristo
com os ensinamentos da última Páscoa, é uma narrativa alegórica. Ela quer ser uma
reflexão sobre a Páscoa do Senhor que devia voltar para o Pai e lá permanecer.
Os fieis devem compreender qual foi o sentido da vida do Senhor aqui na terra:
ela foi uma Páscoa. Assim devem viver os fiéis, fazendo da sua vida uma
imolação, um sacrifício espiritual. Contudo,
isto é possível somente pela reflexão sapiencial sobre a pessoa de Jesus
Cristo, a ele aplicando a Profecia. Disso resulta que Jesus, ao celebrar a sua
Páscoa “entrou uma vez por todas no céu”. Com isso consagrou o Templo de Deus
com a sua morte. É para lá que devemos caminhar enquanto Jesus nos instrui em
cada Eucaristia, momento em que nos ensina as Escrituras e parte o pão para
nós. O Espírito, então nos é dado sem medida pela Palavra que revela o Pai e
que “para nós e para nossa salvação” se imola.
12) O silêncio de Nazaré
Não fosse a
reflexão teológica de Mateus e Lucas que até pesquisaram sobre as origens de
Jesus (Mt 1-2;Lc 1-2), conheceríamos a Pessoa de Cristo somente a partir do seu
Batismo no Rio Jordão. Isto significa que os mistérios da nossa salvação
amadureceram no silêncio e na reflexão de trinta anos.
Em Nazaré
viveu José com a sua esposa e o filho Jesus que crescia em idade, sabedoria e
graça no exercício fiel da piedade hebraica, no trabalho para o seu sustento e
na reflexão sobre as Escrituras. O carpinteiro de Nazaré, quando entrou na vida
messiânica surpreendeu pela sua instrução (Mc 6,2). O conhecimento de Jesus era
partilhado por Maria e José. O aprofundamento visava a interpretação da
Profecia. Quando Jesus recebe a investidura messiânica e profética, então a
bagagem do conhecimento bíblico se torna o campo da sua interpretação profética.
Abriu Isaias e, após ter lido disse:
“Hoje cumpriu-se aos vossos ouvidos a palavra que acabais de ouvir. Entendemos, desse modo, a vida de Maria que, após a revelação da Anunciação, cultivou na fé o
mistério da condição divina do filho. De fato ela é surpreendida pela sua ação
messiânica, embora, mais uma vez, guarde tudo no seu coração (Mc 3,31). Na fé
vive a Paixão do filho, embora o tenha acompanhado na sua vida pública, a partir
das Bodas de Caná, e feito tesouro dos seus ensinamentos a ponto de estar com o
discípulo amado aos pés da Cruz, quando, pelo contrário os outros Apóstolos
tinham fugido.
O silêncio,
portanto, é a constante da vida cristã. É ao longo de uma vida tranquila que
devemos desenvolver. Os valores estão ali com toda a sua preciosidade: a
Redenção (pela Descendência), a Pessoa de Jesus (o Emanuel), a Presença do
Santo. Eles são o fundamento da nossa louvação, o motivo da nossa obediência, o
objeto do nosso testemunho.
13) As Bodas de Caná
Depois
de ter apresentado Jesus em toda a sua dignidade divina como Palavra criadora
do Pai que se fez carne para que os homens entrem em plena comunhão de vida com
Deus; depois de ter fundamentado a missão messiânica de Jesus citando o
testemunho de João Batista que o proclamou o Cordeiro de Deus, Aquele que vem
na potência do Espírito e que é o Filho de Deus, o Evangelista São João quer
ilustrar o título que Jesus atribuiu a si mesmo de “Filho do homem” (Jo 1,51),
título que sintetiza o aspecto divino e messiânico do Verbo encarnado. O faz
apresentando sinais dos quais a transformação da água em vinho ao longo da
celebração das núpcias em Caná da Galileia é o primeiro. Pelo fato que o
próprio João chama de “sinais”(Jo 20,30) os milagres que ele apresenta ao longo
do seu Evangelho, é evidente que para ele, mais importante do próprio milagre
que Cristo realizou é o ensinamento que ele contém. No caso das Bodas de Caná,
São João apresenta muitos detalhes porque quer fazer da narrativa em torno do
núcleo do milagre uma verdadeira apresentação teológica da própria Morte de
Cristo na Cruz. A glória divina da Bondade do Pai que refulge em todo esplendor
na manifestação suprema do seu Amor que exalta a humanidade do Filho ao ponto
de torná-la plenamente participante da Vida divina pela ressurreição, tem o seu
primeiro lampejo nas Bodas de Caná (Jo 2,11). Ao transformar a água em vinho,
Jesus antecipava a presença do Espírito na sua vida messiânica de forma que os
homens pudessem ver qual seria a verdadeira ação do Espírito na sua Igreja que,
em figura, os milagres que ele operava, anunciavam. Também Maria Ssma. adquire
toda a sua importância no Plano da salvação porque nas Bodas de Caná é
apresentada como a realizadora da figura da Mulher anunciada por Deus logo no
início da História da Salvação: “Porei inimizade entre ti e a Mulher”(Gn 3,15).
As Bodas de Caná, na intenção do evangelista São João, são uma verdadeira
alegoria da Morte de Cristo. Aquilo que apresentará no capítulo dezenove pela
cruz, descrição de um fato histórico, embora todo imbuído de teologia
bíblica, aqui é antecipado através de
uma narrativa gaudiosa, de cunho sapiencial, para que resulte toda a
significação da Morte de Cristo: o momento das Núpcias do Verbo encarnado com a humanidade. Novamente lá estará Maria Ssma. na figura da Mulher,
explicitando-se ainda mais o sentido da sua missão no Plano de Deus. Naquela
“hora”, a verdadeira, para a qual o
Verbo veio a mundo, será dado o Espírito
(Jo 19,30).
Tratando-se
de uma alegoria, a narrativa sapiencial das Bodas de Caná deve ser analisada em
cada sua metáfora. O primeiro simbolismo está nas palavras que a introduzem:
“No terceiro dia...” (Jo 2,1). É o dia em que Iahweh opera a Redenção em favor
de um povo sem esperança porque destruído pelos seus pecados, cheio de
perversões e iniquidades que obrigaram a Deus a enviar os seus castigos. Mas
agora a culpa está expiada e Deus quer voltar a desposar a sua Amada e a ser o
seu Deus no meio do povo que, na sua ira, tinha chamado “Não povo meu” (Os
2,25). “Vinde retornemos a Iahweh. Porque ele despedaçou ele nos curará; ele
feriu, ele nos ligará a ferida. Depois de dois dias nos fará reviver, no
terceiro dia nos restabelecerá” (Os 6,2).
Por
isso mesmo, a Morte de Cristo deve ser interpretada como “um casamento” (Jo
2,1), É o momento das Núpcias do Cordeiro anunciado por João Batista (Jo 1,29).
O presente das núpcias é o Espírito que traz a alegria a uma humanidade que já
não o tem mais, tendo-o Deus retirado dela por causa dos seus pecados (Gn 6,3).
A medianeira desse dom é Maria que está no meio do seu povo, como membro da
estirpe humana que ela é, mas que, pelo
privilégio da sua concepção imaculada, na condição de Mãe de toda a vida,
porque foi dessa maneira que a saudou Adão quando escutou o brado da salvação prometida
à Mulher. À Mãe, Jesus responde que a hora em
que o Espírito será dado aos homens será o momento da sua glorificação na Cruz,
porque então o obterá do Pai depois de
tê-lo pedido no momento em que iniciava a sua imolação: “Pai, os que me destes
quero que... contemplem a minha Glória” (Jo 17,24).
As
Bodas de Caná, dessa forma, enquanto ilustram a Morte de Cristo, nos revelam como,
na própria Morte do Cordeiro que tira o pecado do mundo, estavam anunciadas as
Bodas do Cordeiro com a sua Igreja, no céu (Ap 21,9-11). Revelam, também, que
Maria resume em si os aspectos da Igreja vestida de linho resplandecente
porque, seja em Gn 3,15 como nas Bodas de Caná e aos pés da Cruz, ela é a
Mulher à qual é prometida toda a Vida, que intercede em favor dos irmãos para
que a tenham pela comunicação do Espírito. A reconhece, nessa sua missão, o
próprio Jesus quando diz a João: “Filho eis a tua Mãe” (Jo 19,27). Ao conseguir
que o Filho dê início aos sinais que manifestem a sua Glória, ao receber a
função de Medianeira aos pés da Cruz, Maria se torna a onipotência suplicante
porque nela se realiza a figura da Mulher que Deus quis, por livre desígnio de
sua vontade, fosse a Eva da qual nasceria a Descendência que venceria o
Maligno, e que lançaria fora o Príncipe deste mundo (Jo 12,31), na hora
estabelecida pelo Pai, mas que é também a sua hora (Jo 2,5), a do Filho.
A
narrativa simbólica das Bodas de Caná é enriquecida por São João mediante a utilização de mais
uma metáfora, qual é aquela das seis talhas de pedra que estavam sem água. Elas
representam o antigo Israel que precisava do Espírito. O próprio número seis
que simboliza a imperfeição, reforça a simbologia das talhas vazias. Com Jesus
Cristo é dado o que os homens não podiam merecer por si mesmos.
A
teologia das Bodas de Caná é portanto a seguinte: pela mediação de Maria, Jesus
deu início aos seus sinais que revelaram o que ele alcançou com a sua Morte de
Cruz. Enquanto esses sinais a anunciavam, ao mesmo tempo, manifestavam a Glória
que resplandeceria quando o Filho do Homem seria entronizado na Cruz. O
Espírito é o dom supremo que Cristo esposo merece para a humanidade que
desposou. Nesse feito em que Cristo Jesus é o único Mediador entre Deus e os
homens (1Tm 2,5), Deus quer que Maria a Mãe de Jesus, seja a verdadeira Eva
para os seus irmãos, tendo estabelecido, no seu desígnio benevolente, que na
plenitude dos tempos o Filho seu “nascido da Mulher, nascido sob a Lei, para
remir os que estavam sob a Lei” nos fizesse nascer à vida divina pelo Espírito
(Gl 4,5s).
14- Maria e os irmãos de Jesus
15- Maria aos pés da Cruz: a Mulher, figura da humanidade redimida e da nossa condição de corredentores
“Há um único mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus que se deu em resgate por todos” (1Tm 2,5s).
A mediação de Jesus Cristo alcança, como São Paulo afirma, a Redenção. Isto é possível porque Jesus Cristo é Pessoa divina. Aquilo que nenhum homem poderia alcançar para si e, tão pouco, para os seus irmãos, Jesus o alcança em virtude da sua condição divina. São Paulo, na carta aos Romanos, servindo-se da figura do Adão de Gn 3, mostra de que forma a graça nos foi comunicada por Jesus Cristo, verdadeiro Primogênito da humanidade. Somente porque Deus, Jesus pode merecer por nós a remissão da culpa (Rm 5, 14-20).
Vemos, contudo que Deus, para atuar a Redenção pelo seu Filho, quer que os homens se tornem cooperadores da sua obra. Embora em Gn 3,15 resulte que é a Descendência da Mulher que restabelece a condição de incompatibilidade entre o maligno e os homens, de fato, o Descendente é visto nascer da Mulher. Trata-se de uma atitude benigna de Deus que quer dignificar a criatura que vai se beneficiar da sua ação onipotente. A distância entre qualquer criatura e o Filho de Deus é infinita. Contudo, tem um ponto em comum, a humanidade que Jesus assumiu para nos salvar. A cooperação da criatura será diferente daquela que a humanidade assumida do Verbo propicia à ação do Criador. Todavia ela será real e possível e dignificará o homem porque Deus decidiu realizar a nossa redenção enquanto assumiu a nossa condição. São Paulo, orgulhosamente e apropriadamente exclama: “Completo na minha carne o que falta à Paixão de Cristo” (Cl 1,24). O que falta, na verdade, é a resposta do homem à ação unilateral de Deus, condição indispensável para a própria eficácia da mesma. Isto não deixa de ser um gesto que, partindo do homem, honra grandemente a Deus. Além disso, Deus se agrada com a cooperação instrumental do homem na sua ação salvadora porque determinou levar a termo a sua obra chamando os homens a ser seus cooperadores.
Maria, pela sua específica vocação à Maternidade divina, realiza e m si, de forma eminente, aquela cooperação que Deus espera do homem e que na sua benignidade quis que os homens atuassem para a sua própria dignificação. Ele quis que o fruto do seu amor para com os homens não fosse somente um dom: tornaria-se uma condição de grandeza e de glória. Os que seriam privilegiados por uma vocação específica a cooperar de forma peculiar na atuação do seu Plano, engrandeceriam a humanidade inteira com a sua ação. Assim como os Apóstolos, com a sua função, por uma escolha particular, dignificam a Igreja, da mesma forma Maria, pela sua vocação à Maternidade divina, dignifica o povo de Deus. A sua cooperação resulta ser singular e eminente seja pela sua específica função que supera em dignidade toda e qualquer outra, como, também pela santidade dela. Ela vive a sua mediação, juntamente com o Filho, dotada da eminente santidade que brota da sua concepção imaculada: a cultiva de forma profunda, com Jesus, no silêncio de Nazaré, a manifesta em toda a sua extensão, ao longo do ministério messiânico dele e a vive aos pés da cruz unindo a sua imolação à imolação do Filho do Deus. Na mediação de Maria, todo fiel vê o modelo da sua própria mediação e quanto a dela supera a de todos os santos, ao mesmo tempo em que constata que em tudo depende da mediação de Jesus Cristo, o único, entre todos os irmãos, de condição divina.
Apêndice - São Paulo proclama: “Há um único Mediador entre Deus e os homens, o Homem Cristo Jesus, que deu a sua vida em resgate de muitos” (1Tm 2,5). Mas isto aconteceu querendo o Filho de Deus nascer, na plenitude dos tempos, da Mulher” (Gl 4,4). Sabendo nós que, em última análise, Maria nos representa, porque, de fato, a Mulher de Gn 3,15 é a humanidade, descobrimos, pela co-redenção de Maria que o nosso Redentor chama todo e cada fiel a completar em si “o que falta à paixão de Cristo” (Cl 1,24). Jesus é a Descendência que, pelo mistério da Encarnação, se integra à nossa condição humana, enquanto nos revela, por Maria, que entende associar-nos, como membros da sua Igreja, à obra da Redenção.
16- Maria assunta ao céu
Se, por Jesus Cristo conhecemos os
píncaros da glorificação aos quais pode ser elevada a humanidade, por Maria
temos o exemplo máximo disso, como primeiros frutos da Redenção que o Verbo de
Deus realizou ao assumir a condição humana. A obra da redenção operou a
santificação de Maria de uma forma singular, porque os méritos de Cristo
Redentor atingiram a santificação dela pela concepção virginal, o que
desencadeou uma ação única do Espírito que fez de Maria digna habitação do
Filho de Deus. Quando Maria recebe o Santo no seu corpo, com sentimentos de
obediência, fé, caridade e esperança, diante do evento escatológico do dia do
Senhor ela começa a viver todo o percurso do “Sol nascente que nos veio
visitar” (Lc 1,) com a intensidade única da Virgem, a Filha de Sião, à qual
tudo foi perdoado, porque Deus esqueceu as suas culpas e o castigo, com júbilo
e contentamento: “A minha alma engrandece o Senhor...”. A santidade de Maria se
desenvolve, sobretudo, na contemplação, não interrompida, e sim, potenciada
pelos gestos aos quais a obediência a Deus a chama. Assim, depois da Visitação
à casa de Isabel, voltando novamente à Judeia para o recenseamento, é, diante
do filho, deitado na manjedoura que ela medita no seu coração a visita dos
pastores, chamados pelo Anjo a adorar o “Salvador, Cristo Senhor!”. É no
silêncio de Nazaré que repassa a Lei e os Profetas para estar pronta a receber o
ensinamento do Filho, no Templo, fundamentado sobre as Escrituras: “Não sabíeis
que devo estar na casa do meu Pai!”. A partir daquele momento, toda a vida de
Maria é uma tensão, em união com o Filho, até se realizar a profecia do Servo
de Iahweh, o “Cordeiro que tira o pecado do mundo” (Jo 1). Um longo silêncio
prepara a ação messiânica de Jesus, da qual Maria participa, sempre fazendo a
vontade do Pai que está nos céus, segundo o lema da Anunciação: “faça-se em mim
segundo a tua vontade” (Lc 1,35). Aos pés da Cruz “completa na sua carne o que
falta à Paixão de Cristo”, no sentido que toda a eficácia da santificação da
Morte redentora do Filho de Deus, nela pode operar até chamando-a à função de
ser a Mãe da Igreja. São Paulo chegou a quase igualar essa participação à obra
redentora de Jesus, que se atuou em Maria pela sua perfeita adesão constante,
desde a Anunciação, porque para cada Igreja sentiu a afeição de uma mãe e a
responsabilidade de um pai.
A função maternal de Maria em relação à Igreja se explicita com a sua presença, entre os discípulos, no dia de
Pentecostes. Ali entendemos que, de fato, é insignificante a participação da
criatura na atuação da Potência divina. Contudo, a partir do momento que a
Divindade determina chamar o homem na realização do seu plano, a criatura é
extremamente dignificada e glorificada não obstante a sua função instrumental. Deus
nos chama, a semelhança de Maria, segundo a nossa específica vocação, a sermos
cooperadores na realização do seu Plano. Quanto mais correspondermos na obediência,
sempre potenciada pela contemplação, tanto mais estaremos em condições de
participar da glória da Assunção de Maria ao céu.
16b- Maria Assunta ao céu: primícias, entre os remidos, da criação.
O mistério da Assunção de Maria ao Céu,
acarreta uma reflexão específica sobre a condição que permite à Igreja definir
como verdade dogmática a glorificação “em corpo e alma de Maria”.
Em primeiro lugar, quando pensamos
na salvação, temos que ter presente, na nossa lógica, a verdade dogmática da universalidade da
salvação. Lemos em 1Pd 1,19 que Deus contempla o Cordeiro imolado desde antes a
criação do mundo. Na presciência de Deus já está definido que o homem alcançará
a divinização num contexto de redenção e que esta será realizada pelo Filho, a
Palavra que assume a condição humana para que, pela sua imolação, todos sejam redimidos da sua condição de pecado. A condição de salvação, porque atuada por um gesto no
tempo, qual o da morte de Cruz do homem Cristo Jesus, não impede que ela seja estendida a todos, porque a contemplação que Deus dela tem, torna possível, desde sempre, a sua aplicação a homens de todos
os tempos.
Por causa disso, podemos dizer que,
em relação a Maria a redenção foi aplicada numa condição diferente daquela
segundo a qual é aplicada, na Igreja, a todo e qualquer batizado. Como afirma
oportunamente o Concílio Io do Vaticano (1870), pôde perfeitamente Deus ter
santificado Maria, em vista da sua maternidade divina, exatamente porque esta
foi a vontade do Filho em favor daquela que seria a sua habitação ao
entrar no mundo. Em nada nos preteriu a bondade de Deus a esse
respeito, pelo contrário, deu início à nossa redenção de uma forma ainda mais
esplendorosa. Maria se tornou a estrela mais fúlgida no firmamento da Igreja
dos santificados.
Nessa condição, Maria, no momento da
Anunciação, está em condições de responder à altura à ação de Deus, até porque
entende perfeitamente que o Anjo está
citando Is 7,14, enquanto ela é a Virgem lá profetizada. Este é o sentido da
pergunta de Maria que dá início à ilustração do anjo. Por isso, Maria responde:
“Eis aqui a serva do Senhor”.
Podemos acompanhar o processo de
santificação de Maria memorizando as palavras de Lucas: “Maria guardava todas
estas coisas no seu coração”. É o que João nos lembra em Ap 1,3: “Bem
aventurado o leitor, os ouvintes e os que guardam as Palavras da Profecia no
seu coração”.
A celebração Eucarística, que tem a
sua abertura com a Liturgia da Palavra, nos põe nas mesmas condições de
santificação de Maria, enquanto sincroniza o nosso passo com o dela.
Exultemos, enquanto contemplamos
Maria na Glória, confiantes que podem se repetir no nosso coração os
sentimentos que inspiraram o seu cântico porque a “sua misericórdia se estende
de geração em geração sobre todos aqueles que o temem”.
15 Agosto Assunção N. Sra.
A Assunção de Maria nos lembra a gloriosa vocação de cada homem chamado por Deus a se tornar seu filho adotivo em Jesus Cristo (Ef 1,5). A condição privilegiada de Maria em virtude da sua vocação à maternidade divina torna-a Primícias da obra Redentora de Cristo Jesus. Vemos, todavia, que na igreja muitos outros membros são qualificados por uma vocação específica em vista da santificação da igreja. Temos apóstolos, profetas, evangelistas, doutores e pastores que, também, gozam de uma condição privilegiada, em vista de uma mais elevada santificação. Os outros membros da igreja são favorecidos exatamente devido à ação carismática ou ministerial dos membros qualificados em vista da edificação da igreja que se eleva em templo santo de Deus, no Espírito Santo. A prodigalidade divina favorece, portanto, todo e cada membro da Igreja de Cristo em virtude da sua vocação a se tornarem filhos de Deus, que já não mais nascem da carne e do sangue, mas do próprio Deus. Temos que nos perguntar, então, em que a glorificação de Maria que culmina com a sua Assunção ao céu nos beneficia, porque vemos a igreja considerar Maria na condição de Mãe da Igreja, conforme a promulgação que São Paulo VI no fim da terceira sessão do Concílio segundo do Vaticano na festa de todos os santos, no ano de 1964: Maria é Mãe da Igreja. É através de Ap 12-22 que nos é dado compreender qual é a função de Maria em relação à igreja. Após ter nos falado dos Profetas que pregaram de forma irresistível evangelho de Deus (Ap 11), vemos o seu autor nos falar da igreja enquanto a caracteriza com o termo ‘mulher”: “Abriram-se os céus e apareceu uma mulher vestida de sol com uma coroa de 12 estrelas tendo aos pés a lua”. Depois de ter descrito a condição de sofrimento e perseguição desta mulher por parte do Dragão, em Ap 19 o outor diz: “Estão para se realizar as bodas do cordeiro. A Igreja sua esposa está revestida de um linho resplandecente que são as suas boas obras”. Realizado o julgamento final de todo e cada homem: “Abriram-se os céus e desceu uma mulher revestida da glória de Deus, a Jerusalém Celeste, a esposa do Cordeiro” (Ap21,10-11). Na condição daquela que foi chamada por Cristo na hora da sua morte de cruz, para ser a mãe daquele filho que estava para ser gerado pela mulher e que o dragão queria devorar, Maria reflete em si a condição gloriosa para qual é destinado o povo de Deus, do qual Cristo Jesus foi o princípio. À luz da glorificação da sua Assunção ao céu, momento em que é proclamada também Rainha de todos os santos, entendemos qual é a função fundamental de Maria, como Medianeira de todas as graças. A ela aplica-se o termo que Jesus pronunciou nas Bodas de Caná quando disse: “Mulher o que é isto para mim e para ti, ainda não chegou a minha hora”. Mas enquanto Maria é aquela que na hora em que Jesus Cristo realiza a sua redenção sobre a cruz e torna a sua mãe ‘Mãe da igreja’, é que nós temos que conhecer que nela se realiza a figura da mulher que Deus lembra quando pronuncia a condenação da serpente enganadora, dizendo: “Ódio porei entre ti e a Mulher, entre a tua descendência e a dela; ela te esmagará a cabeça”. Todo esse mistério é celebrado pela liturgia com o evangelho que nos apresenta o encontro de Maria com Isabel. “Desde que a tua saudação chegou aos meus ouvidos o menino que está no meu seio estremeceu de alegria. Bendita és tu porque acreditaste”. Maria responde com o Magnificat, concluindo a primeira estrofe dizendo que a misericórdia do Senhor se estende de geração em geração sobre todos aqueles que o temem. Esta nossa estreita relação com os mistérios da Encarnação nos quais Maria foi favorecida em vista da sua maternidade divina, compreendemos que, através da obra exercida pela Igreja, nos é comunicada a mesma graça. Portanto, nós, com Maria e com todos os santos, nos regozijamos por aquela graça que, indistintamente, Jesus comunica a cada célula do seu corpo para a sua santificação.
17- Maria coroada Rainha: condição definitiva de toda criatura
O quinto
mistério glorioso do rosário nos lembra esse mistério. Trata-se de uma condição
definitiva de realeza que corresponde à vontade de Deus no momento da criação
do homem e que Deus consegue em favor do homem pela Redenção. Ao realizar essa
condição mediante a divinização do homem, Deus revela todo o seu amor, enquanto
compreendemos toda a gratuidade do dom. Em Maria assunta ao céu e coroada
rainha do céu e da terra vemos a excelência do dom, porque Deus conduziu Maria
à mais alta glorificação por um caminho de privilégios e uma vocação eminente.
A excelência da sua glorificação não exclui a grandeza da nossa glorificação
que é da mesma ordem, enquanto a sua grandeza depende da nossa vontade, porque
o que foi concedido a Maria por um privilégio é o mesmo que nós recebemos pela
Redenção de Cristo e a vocação à maternidade divina é a vocação da Igreja como
um todo, chamada a gerar novos filhos. O Concílio II do Vaticano nos lembra que
Maria, enquanto recebia Jesus no seu ventre, o recebia no seu coração de forma
que o crescimento na sua santificação dependeu mais do guardar tudo no seu
coração que do fato de ter Jesus no seu ventre. Nós recebemos a Palavra no
nosso coração pela ação do Espírito Santo e somos chamados a cultivá-la pela
reflexão e implementação, uma vez que fomos regenerados pela graça da filiação
divina. Foi o que Maria fez ao longo de toda a sua vida de discípula de Cristo.
Nisso devemos imitá-la, sendo que o mesmo Cristo do Senhor que a santificou é
Aquele que quer nos santificar pelo mesmo Espírito. Nós estamos até na vantagem
de termos na frente tudo já realizado e explicado pela Igreja apostólica.
Poderíamos até rivalizar com Maria, se quiséssemos realmente viver a santidade
que Cristo Jesus nos mereceu com a sua Redenção. É só pensar em Paulo que,
desde a sua conversão só viveu para Cristo, que foi raptado até o sétimo céu e
que conheceu todos os carisma do Espírito!
Maria, desde o momento da sua vocação
à maternidade divina, tendo acolhido o Verbo de Deus na obediência, caridade e
esperança, desenvolveu a sua vida de discípula acompanhando-a com os mistérios do
Filho que iam se apresentando, enquanto a humanidade dele evoluía na obra da redenção,
caminhando para a glorificação. Vemos Maria crescer na fé diante dos mistérios
da infância de Jesus, no silêncio de Nazaré, na vida pública e, sobretudo, aos
pés da Cruz, momento em que entendemos toda a grandeza da sua condição de
Mulher porque então a Virgem filha de Sião, chamada a ser a Mãe do Emanuel, não só
foi preservada imune da mancha do pecado, como também foi associada à própria
obra da Redenção. Essa vocação começou a se manifestar na Anunciação e se
revelou mais plenamente no momento em que Maria, aos pés da Cruz foi chamada a
ser a Mãe da Igreja (título proclamado por Paulo VI na conclusão do Concílio
Vaticano II, 1965). Vemos Maria exercer essa função no dia de Pentecostes
quando recebe o Espírito, reunida com os Apóstolos. Maria é então a Mulher da
qual, de forma geral, tinha sido anunciado que viveria uma condição de
incompatibilidade com a serpente. Na realidade desde então nos representava, porque
a incompatibilidade estabelecida pela Descendência foi alcançada para toda a
humanidade. Em Maria temos os primeiros frutos da Redenção. A incompatibilidade
concedida a Maria se revela privilegiada quando ela é chamada a ser a Mãe da
Descendência. Quando, aos pés da Cruz, na condição de Mãe, recebe a Igreja, é revelada toda a
importância da Mulher, ilustrada pela alegoria das Bodas de Cana: Maria é a
Medianeira do Espírito, da água da vida, cuja fonte é Jesus na Hora da
manifestação da sua Glória. Maria então é a Mulher vestida de sol, com as doze estrelas debaixo dos seus pés, porque é nela que de forma eminente vive
a glorificação da Jerusalém celeste, a Mulher, esposa do Cordeiro. Revestida da
glória de Deus, nela resplandece toda a glória de Deus da forma que é possível
ser contida numa criatura. Eis de que forma nos é dado ver Maria como figura
da Igreja. A eminência da sua santidade não ofusca a nossa glória, aliás, a
dignifica porque ela resplandece no firmamento dos santos como o membro mais
excelente da Igreja.
A realeza
de Maria significa realeza de Cristo participada em nós atuada de
forma eminente, nela distinguindo-se por causa dos privilégios da
imaculada conceição e maternidade divina. Por ela a criatura viverá plenamente a
condição de domínio sobre a nova criação que Deus realizará no fim dos tempos,
quando haverá um novo céu e uma nova terra e Deus será tudo em todos. A
criatura, em Cristo, será capaz da mediação da louvação que parte da criação e
sobe até o Criador. Maria contemplada por nós coroada rainha do céu e da terra,
enquanto é louvada por nós pela eminente santidade com que refulge, deve ser
contemplada como exemplo a ser imitado para que com ela reinemos, em Cristo por Cristo e
com Cristo.
18- Maria figura da Igreja
19- Maria na teologia da Igreja
20– Síntese
O Plano de
Deus que visa a divinização do homem, enquanto se atua na Misericórdia,
manifesta toda a caridade do Deus Trinitário.
Maria é a
criatura pela qual Deus chama a humanidade a cooperar na sua própria Redenção.
O mistério de Gn 3,15 é desvendado. Quem se encarna é o próprio Iahweh, na
segunda Pessoa da Ssma. Trindade. Dessa forma descobrimos de que maneira a
humanidade é chamada a participar da sua Redenção e quanto Deus a dignifica ao
assumi-la pela Encarnação.
Nesses dois
processos de cooperação e santificação, Maria participa de forma singular,
porque, em virtude da sua vocação, ela é chamada a conceber e dar à luz Jesus, o Filho de Deus; e porque, em virtude da sua maternidade divina ela é
pré-remida.
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