Vida cristã




Vida Cristã

Introdução
Em si, a vida cristã é filiação divina em Jesus Cristo.
É-nos outorgada pelo Criador, pela mediação d’Aquele que consagrou e enviou ao mundo. Pelo Batismo, o Espírito nos configura a Cristo sacerdote, profeta e rei e nos enriquece com as virtudes da fé, esperança e caridade, juntamente com os seus sete dons.
Desenvolve-se pelo cultivo da fé. É pelo entendimento,de fato, que nos motivamos ao reconhecimento da nossa dependência do Criador e ao “louvor dos nossos lábios”, na liturgia. A contemplação das suas obras, dos seus feitos grandiosos e do seu Plano realizado em nosso favor, é a nossa motivação. Pelo entendimento e pela prática virtuosa vivemos a procura de Deus que promove, de sua parte, a manifestação de um amor sempre mais intenso. O parâmetro desse dinamismo é o próprio Jesus que, na condição de Filho proclama: “Meu Pai me ama porque a sua vontade faço sempre” (Jo 8,29). O nosso amor, vivido pelo dinamismo do entendimento e a prática da virtude, acaba produzindo em nós os frutos do Espírito (Gl 5,22).
Quem não entristece o Espírito é por este conduzido até às profundezas de Deus (1Cor 2,10). Adquire toda ciência, vive segundo uma profunda piedade até se tornar um homem temente a Deus, cheio de sabedoria.

A graça do Batismo
            Quando fomos batizados, recebemos a vida divina que nossos pais, padrinhos e a própria Igreja cultivaram com as suas orações, ensinamentos e exemplo.
            Com a Primeira Comunhão, fomos chamados a refletir sobre as verdades da nossa fé e a começar a vivê-las pela celebração dominical da Sta. Missa, memorial da Morte do Senhor.
            Com o sacramento da Crisma, o fiel é chamado ao testemunho para que os seus irmãos se tornem seus companheiros no caminho da salvação. A sua vida de fé começa a andar sobre dois trilhos: o da sua santificação e o da salvação dos que são chamados a amar em Deus.
            Tudo ocorre pela ação do Espírito Santo que desenvolve em nós os seus dons.
            De nossa parte, temos que corresponder, promovendo a fé pela escuta da palavra de Deus e exercendo a caridade pelo anúncio do Evangelho.
            Quando promovemos a nossa fé pela escuta da palavra de Deus, além de dar ao Espírito as condições de desenvolver em nós o espírito de entendimento, a ele damos a oportunidade de promover o espírito de conselho, que nos permitirá compreender qual é a vontade de Deus na nossa vida. O cultivo dos primeiros dois dons, entendimento e conselho, darão, então, ao Espírito as condições de promover em nós o espírito de fortaleza. Por ele evitaremos estar expostos a todo vento de doutrina, atentos somente àquilo que “o Espírito diz às Igrejas” (Ap 2-3).
            São Paulo, porém, nos exorta a crescer ainda mais na vida cristã, permitindo ao Espírito que promova em nós o dom da ciência, para chegarmos a toda sabedoria. Seremos, então, capazes de produzir todo fruto de vida eterna, movidos pela graça, isto é, pelo poder da Glória de Deus e de dar testemunho na constância, não obstante as tribulações, e na longanimidade. O nosso espírito abrir-se-á, então à esperança que nada poderá esmorecer, porque ela será para nós condição de posse antecipada da glória futura (Hb 11,1).
            Leitura: Cl 1,3-12

O nosso sacerdócio batismal
            Logo após ter derramado a água sobre a cabeça da criança e ter pronunciado as palavras do Batismo, o sacerdote a unge na fronte com o óleo do crisma dizendo: “Deus todo-poderoso te libertou do pecado e te fez renascer pela água e pelo Espírito Santo. Tu fazes, agora, parte do seu povo. Que ele te consagre com este óleo para que como membro de Cristo, Sacerdote, Profeta e Rei, continues no seu povo até a vida eterna”.
            Recebemos a vida divina em virtude da água e do Espírito (Jo 3,5). É a vida dos filhos de Deus, daqueles que Deus reconhece como sua estirpe, nos diz São João na sua primeira carta, e que Ele ama porque deram a sua adesão de fé ao seu Filho. Em virtude da santificação do Espírito, estamos em condição de resistirmos ao Maligno. Contudo, somos preservados do mal somente se vivermos um progressivo desenvolvimento, semelhante ao que se deu em Jesus, que crescia em estatura, sabedoria e graça diante de Deus (Lc 2,52). São Paulo, escrevendo aos Efésios, nos diz que o Espírito nos marcou com o seu selo, como membros do povo Deus, que Cristo Jesus conquistou para si, para que, a Ele configurados, nos engajemos na purificação dos pecados (Ef 1,13-14). São João é ainda mais específico porque declara que perpetuamos em nós a vida eterna somente quando, além de vivermos a purificação dos pecados, observamos os mandamentos de Cristo (1Jo).
            A nossa configuração a Cristo Sacerdote é o primeiro dos aspectos da vida divina que o Espírito Santo suscita em nós e que a admoestação do celebrante do Batismo lembra. Devido a essa configuração, à semelhança do homem Cristo Jesus, podemos tornar a nossa vida “um sacrifício espiritual agradável a Deus”, como nos ensina São Paulo na Carta aos Romanos (Rm12,1).
Na Missa dominical, pela celebração do Memorial da Morte do Senhor, exercemos liturgicamente o nosso sacerdócio batismal. A assembleia dos fiéis celebra, enquanto o sacerdote, em virtude do sacramento da ordem recebido pela imposição das mãos do bispo, pela consagração, torna possível o Memorial que o próprio Cristo Jesus instituiu na Última Ceia. É nos dado, então, renovar os nossos sentimentos, enquanto, escutando a Profecia, movidos pelo Espírito, ouvimos a voz forte do Senhor da Igreja (Ap 1,10), oferecemos o sacrifício dos nossos lábios, agradecidos por tudo aquilo que Deus, até então, pôde realizar em nós e pedimos que nos torne sempre mais capazes de corresponder à ação do seu Espírito.
           Leitura: 1Pd 2,1-10

            O nosso profetismo batismal   
O ministro do Batismo, logo após ter derramado a água na fronte da criança, pronuncia as seguintes palavras: “Deus todo-poderoso te libertou do pecado e te fez renascer pela água e pelo Espírito Santo. Tu fazes parte do seu povo. Que ele te consagre com este óleo para que, como membro de Cristo, Sacerdote, Profeta e Rei, continues no seu povo até a vida eterna”.
Ao relembrar essas palavras, queremos ressaltar que a nossa configuração a Cristo permite-nos que, além de tornar a nossa vida “um sacrifício espiritual agradável a Deus” (Rm 12,1), nutramos nosso espírito com a Palavra da Revelação.
            Desde já, é oportuno lembrar que, quando Deus fala pelos seus profetas, ele quer que a sua revelação chegue ao seu povo, que está em condições de compreender a mensagem pelo Espírito. É o Espírito que move os fiéis a reconhecer que Deus está falando pelo seu profeta e que, através deste, as palavras transmitem a sua vontade.
            Iluminado pela palavra de Deus, o fiel pode, então, se aprofundar no entendimento do Plano de Deus e se fortalecer contra os erros dos que não são de Cristo (1Jo 2,27).
            Aquele que se atém à palavra anunciada pelo profeta de Deus, continua a viver em comunhão de vida com Deusporque está em comunhão de fé com o seu enviado.
            Quando deixamos de nos nutrir pela Palavra da revelação, a nossa defesa imunológica baixa, porque nos vem faltar o vigor da argumentação contra o erro. Pela Palavra, o Espírito nos sugere qual é a verdade à qual devemos nos ater.
            O autor da Carta aos Hebreus recomenda que não desertemos as assembleias dominicais porque, além de não celebrar a Eucaristia, deixamos de degustar a Palavra da justiça.
            Estamos descobrindo, pelas reflexões sobre o nosso sacerdócio batismal e o nosso profetismo, de que forma o Espírito age pelo sacramento da Crisma. O mesmo Espírito que deu origem à nossa condição de filhos de Deus, e que nos acompanha no exercício do nosso sacerdócio batismal desde a Primeira Comunhão, pela sua segunda unção, quer fazer crescer em nós a vida divina para o testemunho, a partir da compreensão aprofundada da Revelação.
            Não podemos esquecer que, além de nutrir o nosso espírito com a palavra de Deus, somos chamados a anunciá-la porque fomos constituídos na função de testemunhas do Evangelho, qual nos foi transmitido pelos Apóstolos. São Paulo lembra continuamente esse dever dos fiéis quando escreve às comunidades por ele fundadas ou assistidas: tessalonicenses, filipenses, efésios.
            Leitura: Ef 6,14-17

A nossa realeza batismal
(i)
            A exortação que o ministro pronuncia depois do batismo, além de lembrar a nossa configuração a Cristo, sacerdote e profeta, nos diz que, pelo carácter, sinal indelével com que fomos marcados pelo Espírito, fomos configurados a Cristo rei.
            A realeza em Cristo Jesus é a sua condição de plena comunhão de vida com Deus Pai. Ela nunca cessou de existir porque o Maligno nunca pôde prevalecer sobre o Filho de Deus. A vitória de Jesus sobre o diabo, no momento das tentações no deserto, no-la manifesta.
            Jesus é o verdadeiro Adão, que vive a plena submissão ao Criador, fazendo sempre a sua vontade,enquanto nós, seus irmãos segundo a carne, por causa da nossa rebeldia, experimentamos a derrota e a consequente escravidão do Mal. Não fosse pela sua misericórdia, a humanidade toda estaria fadada a uma destruição definitiva, qual descrita pela narrativa do Dilúvio. Disse Deus: “Arrependo-me de ter criado o homem, ele é só carne. Vou varrê-lo da face da terra” (Gn 6,6-7).
            Jesus alcança a condição plena da sua realeza quando, após  ter realizado a purificação dos pecados, “senta-se à direita da Majestade” (Hb 1,3).
            Essa sua condição nos é comunicada desde o nosso batismo. Consequentemente, somos chamados a reinar com ele. São Paulo, todavia, acrescenta “se sofrermos com ele” (Rm 8,17).
            De fato, embora a nossa configuração a Cristo seja plena, ela deve desenvolver-se. É São Pedro que descreve o processo a ser por nós vivido:
            1º) A fé que abraçamos em virtude da ação do Espírito, diante da Boa Nova anunciada pelos Apóstolos, deve ser aprofundada pelo exercício da profecia até nos tornarmos capazes de “degustar a doutrina da justiça” (Hb 6,13). Temos que ampliar a compreensão do Desígnio de Deus que desde sempre nos chama à participação da sua vida. Temos que aprofundar a compreensão do Mistério da Redenção, da ação do Espírito, quanto à nossa santificação, pelos ministérios da Igreja, da nossa vocação à herança eterna do Reino que Cristo conquistou para entregá-lo, no fim, ao Pai.

(ii)
            Após ter apresentado o trabalho que devemos realizar para desenvolver a nossa fé, São Pedro nos diz que “à fé devemos juntar a virtude” (2Pd 1,5). No fim do discurso da Montanha, Jesus nos admoesta com estas palavras: “Não é aquele que diz ‘Senhor, Senhor’ que entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade do meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21). No início do Discurso, nos ensina a fazer a vontade de Deus, apresentando as Bem-aventuranças, que são a síntese da sua doutrina e, ao mesmo tempo, tudo aquilo que ele pôs em prática para alcançar a glorificação para a sua humanidade.
Vive virtuosamente:
-O homem de fé quando se reconhece necessitado das riquezas espirituais que somente Deus pode conceder;
-Aquele que torna a sua vida um sacrifício espiritual, à semelhança de Jesus, o Servo de Iahweh, que foi levado à morte como um cordeiro, sem abrir a boca.
-Aquele que suspira, com clamores e lágrimas, até possuir a vida gloriosa, enquanto pede a Deus de ser libertado da morte eterna.
-Aquele que, fiel ao seu compromisso sacerdotal, não se ausenta das assembleias dominicais para chegar a degustar sempre mais a doutrina da justiça, seja pela reflexão sobre as Escrituras, como pela celebração do Memorial da Morte do Senhor.
-Aquele que é misericordioso, que, portanto, não julga para não ser julgado, não condena para não ser condenado, que perdoa para ser perdoado (Lc 6,36-37).
-Aquele que retira diante dos seus olhos tudo o que impede a visão de Deus.
-Aquele que procura guardar o fervor inicial, procurando viver “a unidade do Espírito”, através da plena observância dos mandamentos de Cristo (Ef 4,3).
-Aquele que se alegra nas tribulações por causa do testemunho da Palavra e de Jesus Cristo.
A fé esclarecida e a vida de virtude possibilitam a realização do terceiro compromisso que São Pedro sugere no exercício ascético da “purificação dos pecados”, no intuito de chegar à plena comunhão de vida com Deus. À fé e à virtude devemos juntar o “conhecimento”, isto é, devemos viver em comunhão plena de sentimentos com Deus, como se fôssemos, com ele, um só coração e uma só alma.
A trilogia acima mencionada, fé, virtude e conhecimento, acaba favorecendo a quarta tarefa da prática da purificação dos pecados: a de viver o autodomínio. Gl 5,22 nos indica que Pedro, ao citar o nome de um dos frutos do Espírito, está nos indicando que devemos produzir os nove frutos que Paulo menciona: amor, alegria, paz, benignidade, bondade, longanimidade, fidelidade, paciência, autodomínio.
Estamos diante de uma apresentação sempre mais plena do que é a vida cristã, fazendo-nos vislumbrar a sua grandeza e perfeição.

(iii)
Não obstante todas as virtudes até aqui lembradas por São Pedro, no que diz respeito à purificação dos pecados, o fiel ainda veria ameaçada a conquista da vida eterna, se ele não adquirisse a virtude da constância mediante a perseverança nas tribulações. De fato, é somente pela constância que a caridade é coroada por uma esperança que não esmorece, porque, por ela compreendemos que os sofrimentos suportados por causa de Cristo oferecem a condição de viver sempre mais profundamente a vida do “Filho de Deus que me amou e se entregou por mim” (Fl 2,20). A constânciaé o divisor de águas que define quem é o verdadeiro discípulo de Cristo. Vemo-la realizar-se na vida de Pedro, de Paulo e de João que se declara nosso “companheiro na tribulação, na realeza e na perseverança em Jesus” (Ap 1,9). Vemo-la, pelo contrário, ameaçada nos fiéis aos quais se dirige o autor da Carta aos Hebreus: “É de perseverança que tendes necessidade para cumprirdes a vontade de Deus e alcançardes o que ele prometeu” (Hb 10,36).
À constância, o fiel deve juntar a piedade, um dos sete dons do Espírito que, desenvolvido, antecipa, na fé, a vida celeste, na qual os santos não cessam de celebrar o Filho do Homem sentado, junto com o Pai, no trono da Majestade, repetindo com os anciãos, que lidam a liturgia celeste: “Digno és tu de receber o livro e de abrir seus selos, pois foste imolado e, por teusangue resgataste para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação. Deles fizeste, para nosso Deus, uma Realeza e Sacerdotes; eles reinarão sobre a terra” (Ap 5,9-10). É o mesmo hino que João, prisioneiro, eleva a Jesus Cristo, na abertura da sua Carta: “Àquele que nos ama, que nos lavou dos nossos pecados no seu sangue, que fez de nós um Reino e Sacerdotes para Deus Pai” (Ap 1,5b-6).
A todas as tarefas acima mencionadas, São Pedro acrescenta uma sétima, que conseguimos realizar, como nos ensina São João na sua primeira carta, somente pela observância dos mandamentos de Cristo: o amor fraterno. É ele que nos permite “não tropeçarmos jamais” porque, pelo dinamismo da nossa vida, tornamos possível a presença da vida eterna em nós. É a condição pela qual o fiel “permanece na luz e nele não há ocasião de queda” (1Jo 2,10).
A caridade é então o último termo do nosso compromisso quanto à purificação dos pecados. São Paulo, em 1Cor 13, a apresenta como a maior entre as três virtudes teologais. Está em nós quando somos pacientes, benignos, não somos irascíveis, tudo suportamos por amor de Cristo. A caridade é o conhecimento levado à perfeição pela experiência de todas as outras virtudes. Ela é o termo último do processo de purificação, o reflexo do resplendor da Glória de Deus, a vida eterna, própria dos que “são puros de coração”, que permite chegar à visão de Deus.
Estamos diante de um esclarecimento que Pedro nos dá do alto da sua santidade. O que nos permite ver como é impossível ao homem se salvar, enquanto é possível para Deus que oferece a sua salvação a todos os que a desejam.
São Pedro conclui o seu ensinamento nos dizendo que a purificação dos pecados “consolidará a nossa vocação e eleição” e permitirá a nossa “entrada no Reino eterno de Nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo”. É por ela que chegamos a reinar.
Leitura: 2Pd, 1,3-11

O cultivo da fé
O cultivo da fé é o trabalho que, desde o início, deve ser executado com dedicação, porque é dele que depende o correto desenvolvimento das outras engrenagens da vida divina que, no batismo, nos foi comunicada de forma embrionária.
O instrumento mais adequado para o desenvolvimento da nossa fé é a Escritura, segundo a exortação de Paulo: “A Palavra habite em vós  abundantemente” (Cl 3,16). Dela podemos pensar, uma vez que cada seu livro é fruto da ação do Espírito, que, até na sua compilação, existe uma ordem proposital, a ponto de podermos defini-la “Nosso Manual catequético”, que segue uma precisa linha teológica.
 Parte da criação, no intuito de nos apresentar o Deus criador nos seus principais atributos: Bondade, Poder, Sabedoria, Beleza. Em seguida, define as condições ideais do homem, nos revela a rebeldia da criatura e a condição da sua degradação moral. Explica-nos de que forma Deus, não obstante a culpa do homem, realiza o seu Plano de divinização da sua criatura, suscitando a descendência dos que invocam o nome de Iahweh.
O povo de Israel é chamado a ser o povo da revelação, enquanto, ao mesmo tempo, a sua história, se torna o paradigma da história da humanidade.
A salvação que tem a sua realização em Jesus Cristo, revela de que forma não há solução de continuidade no Plano de Deus, uma vez que os Apóstolos são o Novo Israel, alicerçado sobre “a pedra angular que os pedreiros rejeitaram” (Ef 2,20).
Na igreja de Cristo se realizam as figuras da catequese judaica dirigida aos fiéis após o exílio, para que não se repita o que aconteceu “nos tempos de Noé”.


“A Graça de Deus se manifestou trazendo salvação para todos os homens. Ela nos ensina a abandonar a impiedade e as paixões mundanas.
 E a viver neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade, aguardando a feliz esperança e a manifestação da Glória do nosso grande Deus e Salvador” (Tt 2,11-13).

A citação de Tt 2,11-13 determina os três elementos fundamentais da vida cristã: 1º) a graça que nos foi alcançada por Jesus Cristo, “Manifestação da Glória” que “se entregou por nós” (v.14); 2º) a purificação dos pecados que, embora parte inicial do gratuito divino, torna-se, depois da justificação alcançada pela fé, um compromisso ascético; 3º) o alcance da “feliz esperança”, quando da “manifestação da Glória” no fim dos tempos, com a segunda vinda de Jesus Cristo.
Ef 1,3-14 é a explicitação de Tt 2,11-13.

As Escrituras
            A Escritura Sagrada é o manual catequético que nos ajuda a aprofundar as verdades da nossa fé. Compêndio de manuseio relativamente fácil, uma vez que chegamos a compreender de que fala e de como fala. Fala da vontade de Deus de tornar o homem participante da sua vida, em linguagem figurativa.
            As Escrituras Sagradas são fruto de uma revelação divina. Por elas, é dado ao homem dar passos gigantescos quanto aos seguintes questionamentos: Quem sou eu? Porque há o mal no mundo? Deus existe? O que é que Deus quer do homem? Qual é o sentido da minha fé? Qual foi a função do povo Hebraico na História da Humanidade? O que é o Cristianismo?
            Na medida em que respondemos a estas questões e, tendo-as dominado, nos tornamos capazes de confortar os nossos irmãos, nos tornamos, segundo a vontade do próprio Jesus, “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5, 13-14). É o momento em que a nossa vida adquire uma condição de imortalidade porque vivemos o amor aos irmãos segundo o amor que Deus manifesta. A vida eterna será a sua continuação, na visão.

Em Gn 1,26, lemos que Deus criou o homem “à sua imagem e semelhança” e que, no fim daquele dia, ao contemplar tudo o que ele tinha feito, viu que “tudo era muito bom”.
Em Gn 2, vemos Deus ditar ao homem o caminho da sua realização: pelo reconhecimento da sua dependência do Criador. Vivendo “de toda palavra que sai da boca de Deus” (Dt 8,3), estará se nutrindo “dos frutos da árvore da Vida”.
Em Gn 3, constatamos que o homem, esquecido da sua condição de criatura, se deixa seduzir pela ambição de se tornar igual a Deus. Opta, então, pelo caminho da rebeldia, que o leva, sempre mais, a descobrir que ele é “infeliz,miserável, pobre,cego e nu” (Ap 3,17).
O Criador, contudo, cuja natureza é a Bondade que sempre age no amor, não abandona a criatura ao seu destino de autodestruição, pelo contrário vem ao seu encontro com a promessa de um Redentor, capaz de regatá-la da escravidão do Maligno, recuperando-a de toda condição de degeneração à qual poderiam conduzi-la “a impiedade e as paixões mundanas” (Tt 3,12).
Jesus é o realizador desta figura profética: “Chegada a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher... para que recebêssemos a adoção filial” (Gl 4,4). Atua em si as condições pelas quais a criatura se realiza: a obediência e a imolação. Em virtude da sua condição divina, torna-se princípio de regeneração para todos os homens que, em virtude da sua Encarnação, são seus irmãos. Pela sua Morte de Cruz “a bondade e o amor de Deus, nosso Salvador, se manifestaram... Por sua misericórdia fomos lavados pelo poder regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele ricamente derramou sobre nós, por meio de Jesus Cristo, nossos Salvador, a fim de que fôssemos justificados pela sua graça, e nos tornássemos herdeiros da esperança da vida eterna” (Tt 3,4-7).
Vemos que, dessa forma, Deus explora a condição de degeneração, que o homem cria para si, para realizar todo o bem do qual o vê capaz. Dessa forma, o seu amor é revelado em toda a sua incomensurável profundidade (Ef 3,18).

Processo de purificação

A Bíblia possibilita o desenvolvimento do processo de purificação. Ela cultiva, em primeiro lugar, o dom da fé, condição necessária para por em movimento todo o processo de purificação que Pedro nos indica na sua segunda carta (2Pd 1, 5-11).
Os temas da Bíblia são
1º) Deus
2º) O homem
3º) A culpa
4º) O Redentor
5º) O destino da humanidade
Esses temas estão todos contidos no prefácio da Bíblia (Gn 1-11)
Com Gn 12, inicia-se a exposição doutrinal da origem de Israel, o povo que Deus chama para ser o seu Servo que levará a luz a todos os povos da terra.
Trata-se de uma reflexão sapiencial que ressalta a gratuidade da iniciativa de Deus. A descendência de Abraão surge de mulheres estéreis.
Com o livro do Êxodo assistimos a uma segunda iniciativa grandiosa de Deus que liberta o seu povo da escravidão e o conduz pelo deserto.
Josué nos fala da conquista da terra, momento em que Deus torna possível a posse da terra prometida.
Em paralelo com as manifestações que revelam sempre mais o Nome de Deus, assistimos aos pecados que os homens perpetram, que por si fariam fracassar o plano de Deus, não fosse ele fiel a si mesmo e misericordioso.
A condição gloriosa do reino de Davi e Salomão, em lugar de tornar Israel agradecido ao seu Senhor, dá início a um processo de degeneração que nem os castigos corretivos divinos conseguem frear. Deus então permite a deportação que teria determinado o fim de Israel, “não tivesse Deus reservado um Resto para si”.
Com a volta do exílio começa a reflexão dos escribas sobre os escritos proféticos e tudo o que a intervenção divina realizou ao longo da história de Israel.
É o momento em que a Bíblia é estruturada segundo um esquema teológico, através da utilização de textos, quais as catequeses sinagogais, as reflexões sapiências sobre a história, as narrativas épicas, os escritos proféticos, os contos didáticos sapienciais,as  reflexões de sábios (Provérbios, Eclesiástico, Sabedoria), as poesias (Salmos), a literatura apocalíptica.
Com a vinda de Jesus, que se apresenta segundo a linha mais forte da revelação de Deus, qual é a da profecia, tudo o que foi pré-evangelizado se realiza. A sua ressurreição, todavia, revela que tudo se realiza de forma nova porque Jesus é de condição divina.
Os evangelistas nos contam a sua história, relatando o anúncio dos Apóstolos, que desde o princípio estiveram com ele, o viram e ouviram, o contemplaram e até o apalparam (1Jo 1,1). Ele é a Palavra da vida, a vida, Vida eterna que se manifestou.
Os Atos dos Apóstolos narram os fatos do Novo Israel e da difusão do anúncio da salvação entre todos os povos.
As cartas dos Apóstolos são reflexões sapiências das quais se tornam capazes, agora, os membros de cada igreja local, em virtude do Espírito recebido (1Jo 2,27).
O Apocalipse é a revelação final “das coisas que devem acontecer em breve” (Ap 1,1).


            São Paulo nos oferece uma primeira síntese da vida cristã em Fl 1,1-11.
            A vida cristã tem sua origem na ação criadora do Espírito Santo. Ela começa pela ação que move os espíritos diante da escuta do anúncio da Boa Nova, pela pregação dos Apóstolos. Paulo a explica seja na 1Ts como, também, na carta aos Gálatas, quando lembra aos fiéis o que de fato experimentaram quando, estando entre eles, lhes anunciou o Evangelho de Deus. A pregação apostólica sempre foi acompanhada pelo carisma do Espírito (cf. 1Jo 4,6: “Nós temos o Espírito”). Quando o catecúmeno, movido pelo Espírito, aceita receber o Batismo, então, este age com o seu poder criador e dá origem a uma nova criatura que se torna filha de Deus, em Jesus Cristo. Mediadora desta graça é a Palavra criadora que merece para os seus irmãos a condição que ela conquistou pela obediência até à morte de uma Cruz. Foi a condição que mereceu, primeiramente, para a sua humanidade. Em virtude da ação santificadora do Espírito que age pelo seu símbolo que é a água (Jo 3,5), somos configurados a Cristo Sacerdote, Profeta e Rei, enquanto o nosso espírito é enriquecido com as virtudes da fé, da caridade e da esperança.
            A partir desse momento, o fiel é chamado a acompanhar a ação do Espírito que quer promover nele a vida divina, sempre pela mediação de Jesus Cristo, constituído, pelo Pai, Cabeça da Igreja, na condição daquele que, glorioso, após a sua ressurreição dos mortos, opera com poder, em espírito de santidade (Rm 1,4).            Pela ação do Espírito de nosso Senhor Jesus Cristo, passamos “de glória em gloria” (2Cor 3,18). O cristão é chamado a praticar os seguintes exercícios ascéticos: 1º) cultivar a fé desenvolvendo o espírito de entendimento, que é um dos dons do Espírito Santo. O objeto do seu estudo é a Palavra de Deus que tem, na Bíblia, a sua mais abrangente antologia. Pelo entendimento, o fiel chega à posse das verdades da Revelação, a partir da criação, até os mistérios de Pentecostes e os mistérios “das coisas que devem acontecer em breve” (Ap1,2). Trata-se de um trabalho extremamente enriquecedor e profundamente consolador que permite saber tudo de Deus, segundo o critério pelo qual ele quis se revelar seja pelas obras da criação, como pelas obras da nossa redenção, sobretudo nos revelando os seus mistérios na Pessoa do Filho. Grandiosa e consoladora é, também, a obra da graça que santifica o homem e o prepara para a imortalidade.
            Na medida em que o fiel desenvolve o seu entendimento do Plano de Deus, ele vai adquirindo o espírito de conselho que o leva a optar por tudo aquilo que é obra boa que honre a Deus na sua vida. Isto o prepara para o testemunho da Palavra e de Jesus Cristo, como bem nos ensina o Apocalipse. Imbuído de ciência divina, o fiel é capaz de viver a sua piedade, pelo “louvor dos seus lábios”, enquanto, agradecido, celebra, pelos sinais sacramentais, os benefícios que Deus concede aos seus servos.  Torna-se capaz de acompanhar os Apóstolos no anúncio do Evangelho, exercendo, dessa forma, a mais alta caridade e praticando, motivado, o amor fraterno, condição de perfeita caridade.
            Certamente, ele será reconhecido por Cristo no dia do julgamento, diante do Pai, para participar do Reino.

            O batismo de uma criança nos mostra, em toda a sua evidência, que, quanto à vida divina que nos é comunicada, tudo é graça. Estamos diante de um Plano que o Criador atua em favor de cada criatura que, até segundo a sua natureza humana, tudo dele recebeu. Aquele que nos “teceu em cada fibra do nosso ser” (Sl 139), pelo Batismo, quer que passemos por uma experiência de uma nova criação, pela ação do seu Espírito, que já atuou para que a vida humana aparecesse sobre a face da terra. Esta vida nova é apresentada por Jesus, no seu diálogo com Nicodemos (Jo 3), como uma necessidade, em virtude de um Desígnio, por cuja atuação Deus quer que o homem chegue a ser partícipe da sua vida. A forma pela qual ele se concretiza é a ação do Espírito Santo através do seu sinal: a água. No momento histórico em que é aplicado o sinal sensível, até pela analogia com o rito de ablução praticado por João Batista, ele implica a remissão dos pecados.
Vemos, todavia, que os Apóstolos, Pedro (com Cornélio) e Paulo (com o carcereiro), em sintonia com o que fez Abraão, no que diz respeito à circuncisão, beneficiam todos os membros das respectivas famílias. Isto indica que a graça mais profunda que o Batismo comunica é a vida divina de filhos adotivos, em virtude da ação criadora do Espírito Santo que nos torna “novas criaturas”. A remissão dos pecados, enquanto o Batismo é recebido pelo adulto, é uma consequência óbvia. Para a criança ela não existe. O que lhe advém, juntamente com o dom gratuito da filiação divina, é a condição de que seguramente poderá, ao longo da sua vida, usufruir das condições que a sua configuração a Cristo rei lhe participa, para se preservar do Maligno. Em  virtude da sua configuração a Cristo Profeta, lhe é dada a condição de se nutrir pela Palavra, que deve habitar nele abundantemente (Cl 3,16). Enfim, em virtude da sua configuração a Cristo Sacerdote, lhe é dada a condição de tornar a sua vida “um sacrifício espiritual agradável a Deus” (Rm 12,1).
Pelo que podemos aprender de Paulo, através da leitura das suas cartas, sobretudo quando ele argumenta com os judaizantes que querem induzir os gálatas à prática das obras da Lei, o que Deus nos concede de benção em Jesus Cristo, á algo grandioso. Na sua misericórdia, expressão máxima da sua bondade, por Jesus, a descendência prometida, “nos abençoa com bênção espiritual de toda sorte” (Ef 1,3). O termo último dessa sua ação é o de podermos estar diante da sua face, na condição de santificados, em condição de plena pureza, para que vivamos, para sempre, a plena comunhão de vida com Ele (Ef 1,4). Para que nos tornemos o louvor da sua Glória, diante da rebeldia na qual caímos por causa da nossa limitação extrema, vem em nosso socorro da forma mais sábia e benigna. Paciente e longânime diante das nossas culpas, como lemos em 1Jo 1,  Deus nos oferece, em Jesus Cristo imolado, o perdão incondicional das nossas culpas. Paulo nos diz que, quando estávamos mortos pelos nossos pecados e culpas, entregues à devassidão, à cupidez, à perversão e a toda injustiça, Deus nos resgatou por seu Filho. Deste, recebemos o Espírito. Tudo nos foi dado por graça (Ef 2,4-10; Cl 2,11-15; Rm 3,24).


Por Paulo, segundo o esquema apresentado por 2Pd 1,3-11, somos ensinados acerca das obras da fé que devemos praticar para preservar a condição de reconciliação que o Batismo estabeleceu. Temos que “guardar o unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4,3). Tudo nos é apresentado, em síntese, em Cl 3,9-12: batizados no Espírito, somos chamados a desenvolver os seus dons, para preservar em nós e desenvolver a configuração a Cristo que o caráter fez permear no nosso ser. Para isto, pela Palavra e Fração do Pão, somos chamados a dar “graças a Deus Pai, enquanto lembramos a nossa vocação última: “participar da herança dos santos na luz”.





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