Síntese
temática
Chamamos de Religião
a forma pela qual o homem se relaciona com a Divindade.
Para que haja uma
verdadeira religião é preciso um conhecimento correto do Criador e uma vivência segundo o modo adequado de se relacionar com ele.
Assim, aplicando corretamente a sua forma de conhecer, o Homem pode chegar ao
verdadeiro Deus.
A filosofia deve ser
assumida como ponto de partida para chegarmos à verdadeira religião. Ela nos
prova, em primeiro lugar, a realidade objetiva da nossa existência. Descartes
afirma: “Cogito, ergo sum”(= se penso, existo). Aristóteles e São Tomaz de
Aquino definem qual é o processo de conhecimento: parte da interação com o
mundo exterior (Piaget provou cientificamente esse processo). A figura
imaginativa, que é conseguida pela experiência sensorial, é processada pelo
intelecto. Surgem as ideias que Kant chama de categorias. Pela conexão que o
homem é capaz de atuar entre as categorias, é produzido o pensamento, que
formula hipóteses. Quando as hipóteses são testadas, o homem chega a um
conhecimento objetivo, científico, da realidade. Quanto mais o homem aprofunda
o seu conhecimento objetivo, tanto mais domina e reina sobre a criação.
É por meio desse processo específico do homem
que o Criador quer se revelar. São Paulo diz que o homem poderia ter conhecido
a Deus a partir da contemplação da criação (Rm 1,19s). De fato, o Homem falhou e falha
nesse processo, porque não aplica o processo do conhecimento de forma
científica. Acaba tirando conclusões antes mesmo de ter filtrado as impressões
sensoriais e cria ídolos com a sua imaginação. As criaturas que ele contempla
se tornam os seus deuses. Troca, como diz São Paulo, a Glória do Criador pela
glória da criatura.
Para vir em socorro do homem, incapaz de
conhecer a Deus pela criação, o Criador
se revela pela própria História do homem.
Israel se torna o povo de escolha e, em favor dele, Deus opera prodígios.
Quando, afinal, o povo hebraico se vê constituído num reino, com o seu templo,
as suas leis, o seu culto, pela experiência que fez do seu elohim, tem a firme
convicção que o seu deus é o verdadeiro Deus. A esta convicção subjetiva, Deus
acrescenta a prova objetiva do profetismo. Pelos seus profetas, Deus anuncia o
que vai acontecer e o faz acontecer. Depois do exílio de Babilônia, o povo
hebraico não tem mais dúvidas de que o seu Deus é o único existente. É o “Sou”,
o Criador, o Senhor da História, o Santo a quem todos devem servir, excluído
todo e qualquer outro ídolo (Is 40-41).
Os sábios, em Israel, refletem sobre os dados dos historiadores e do profetismo e os aplicam à História do seu povo. Seus escritos sapienciais acabam descobrindo sempre mais os atributos
de Deus e as causas do fracasso de Israel.
Com isso, Deus criou
para nós um campo experimental com o qual podemos interagir e obter a prova
objetiva da sua existência.
Quando os sábios de Israel aprofundam a sua reflexão sobre o Deus da criação conseguem descrever nele uma
vida que transcende a nossa. Deus é a Bondade que, com Poder e Sabedoria, tudo
criou. Em todas as coisas está essa marca trinitária. Mas é particularmente no
homem que está a “imagem e semelhança” (Gn 1,27) com Deus.
Para apresentar uma
análise do homem, os sábios se fundamentam na História de Israel, “o filho” que
“Deus chamou do Egito” (Os 11,1), que, não obstante toda a predileção de Deus,
logo caiu na idolatria. O homem só pode ter feito o mesmo com Deus. Esquecido de todos os benefícios recebidos de Deus e da sua condição de
criatura, que poderia desenvolver-se apenas em harmonia com o Criador, prestando a
ele o serviço da louvação e vivendo segundo os seus mandamentos, enveredou o caminho da idolatria, equivocado sobre da maneira de se tornar
igual a Deus, e conheceu a degeneração pela multiplicidade das culpas (Gn 3-4).
A escolha que Deus
fez de Israel faz com que o sábio deduza que, na origem, Deus, por livre
desígnio de sua Bondade, determinou suscitar uma Descendência pela qual a
humanidade seria resgatada do seu processo de morte. Ao longo dessa reflexão,
os sábios produzem textos de conteúdo eminentemente profético (cf. Gn 3,15). De
fato o seu sentido só pode ser entendido à luz da Redenção que Jesus Cristo, o
Verbo encarnado, realizou. Advertimos, a essa altura, que Deus está utilizando
uma terceira forma de se revelar e é aquela da reflexão sapiencial. Com isso
notamos que Deus é fiel, em se revelar, à maneira pela qual o homem é capaz de
conhecimento. No campo do mundo criado o homem constrói o conhecimento pela
formulação de hipóteses, no campo do mundo sobrenatural, pela comparação de verdades
reveladas. Isto implica a inspiração. Compreendemos, portanto, quanto
Deus respeita e valoriza a capacidade de entendimento do homem, e quanto o
homem pode conhecer de Deus, caso aplique a sua reflexão àquilo que Deus revela
de si pelos profetas, pela criação e por Jesus Cristo.
A Descendência
permite ver que, embora Israel seja um povo privilegiado por Deus porque é o
povo da Revelação, da Lei, da Glória, dos Patriarcas, ele é a forma histórica
pela qual Deus quer perpetuá-la, até chegar o Redentor. Mais uma vez, o povo
hebraico se torna paradigmático para mostrar de que forma o Redentor será o
Cabeça do verdadeiro povo, da “raça escolhida e nação santa” (1Pd 2,9 ) que
será a Igreja.
Com a vinda de Jesus
se renova o fenômeno profético, pelo qual Deus, de forma direta e
extraordinária, se revela aos homens. Jesus atua na linha dos profetas, e é até
testemunhado pelo último dos profetas, João Batista. Ambos, como profetas, são,
juntamente com os outros profetas, testemunhas da existência de Deus. No nome dele,
eles têm certeza que estão falando e anunciam um futuro que se realiza. Jesus,
contudo, transcende a própria condição profética porque revela ser o próprio
El. Ele é Iahweh, Deus que se revela pela Encarnação, o “Sou” que veio a este
mundo para visitar o seu povo e tirar “os que jazem nas sombras da morte para
guiá-los no caminho da Paz” (Lc 1,79).
Em Jesus Cristo, a
Revelação, que Deus iniciou pela História de Israel, acentuou pelos profetas e
que a reflexão sapiencial aprofundou pela reflexão, se torna plena. Mais uma
vez isso se atua no campo experimental adequado ao homem para que o homem,
aplicando o seu conhecimento, possa chegar, à semelhança dos sábios, à verdade
e, assim, servir o verdadeiro Deus. O primeiro esforço sapiencial é atuado
pelos Apóstolos, expressamente enviados por Jesus para anunciar o Evangelho. Os
Atos dos Apóstolos ressaltam, contudo, que o Espírito Santo assiste de forma
peculiar a Pedro e a João com os dons da sabedoria e revelação (At 4,8). Vemos
também que na Igreja surgem evangelistas que suprem a deficiência literária dos
Apóstolos. São eles que redigem a pregação apostólica. Há verdadeiros sábios
que aprofundam de tal forma os conteúdos da pregação apostólica que escrevem
textos inspirados, à semelhança dos sábios do A.T.: Carta aos Efésios, Hebreus,
Apocalipse, 1Pd, 2Pd. O Apocalipse é um exemplo singular de reflexão
sapiencial. Espelha-se em Daniel. Ao mesmo tempo utiliza com maestria toda a
Sagrada Escritura chegando aos píncaros da reflexão sobre a revelação, sob iluminação
do Espírito Santo, a ponto de nos falar da sorte dos santos. O autor atribui
tudo a Jesus, Senhor da Igreja que fala pelo seu Espírito.
Com Jesus temos a
recapitulação de toda a Revelação que Deus foi atuando ao longo da história do
homem, particularmente pela escolha do povo hebraico. Contudo, com Jesus, Deus
estende o conhecimento do homem à própria natureza de Deus. Ele é Trinitário.
Dessa forma é possível uma releitura da Revelação que permite um conhecimento
único de Deus. Mas, os conteúdos novos que Jesus Cristo traz, por si,
transcendem todas as figuras que preparavam a sua vinda de forma que ao fiel é
dado conhecer o Criador de uma maneira sem precedentes. Ele é a criatura
daquele que é a Bondade infinita no Ser e que sempre age no Amor. A Bondade
possui uma vida transcendente, na qual as prerrogativas pelas quais a criatura
humana se torna imagem do Criador, isto é, ser, saber e poder, são hipóstases.
Delas, a Sabedoria, a Palavra, se fez carne para que o homem chegue a
participar da natureza de Deus. Cristo Jesus tem em si a plenitude da Divindade
da qual torna participante, antes de mais nada, a humanidade assumida no seio
de Maria, da forma mais plena, num processo de santificação, no qual ele atuou
pela obediência até a Morte de Cruz. Por essa humanidade que a Ssma. Trindade
glorifica pela Ressurreição e Ascensão, todo o Espírito de Deus é comunicado à
Igreja, chamada para ser o povo de Deus herdeiro da vida eterna, pela pregação
apostólica e pela prática dos sacramentos, enquanto não cessa de celebrar os
grandes feitos do seu Criador, particularmente no dia do Senhor.
A reflexão dos
Sábios no AT
Deus se revela de forma extraordinária em três momentos: pela História de Israel, pelo
Profetismo e pela Encarnação. O resto da Revelação é fruto de uma interação da
inteligência humana com os dados revelados. Os dados revelados contêm em si a
própria revelação que em seguida se explicitará pelo esforço do homem de
conhecer a Deus. É um esforço que Deus exige, porque quer lidar com o homem segundo
o seu potencial de entendimento e porque esse é o único caminho do verdadeiro
desenvolvimento do homem.
A História de Israel
aconteceu, verdadeiramente, por uma intervenção direta de Deus, a partir da
vocação de Abraão: a reflexão dos historiadores de Israel, a partir de Sm 1,
foi descobrindo como Deus vinha atuando.
Os Profetas provaram
que o Elohim de Israel era o verdadeiro Deus, o único existente, Senhor da
história. Ele é um Deus que faz acontecer o que anuncia. Os sábios viram,
contudo, que a História de Israel devia ser considerada como paradigma da
História do homem. Abraão é um dos elos da Descendência que Deus suscitou desde
as origens da humanidade. O homem traiu a Aliança com o Criador. O seu pecado
foi a idolatria. Tendo-se desligado de Deus, iniciou-se nele um processo
degenerativo. Haverá uma Redenção, por um membro da Descendência, para
restaurar a ordem da criação que aconteceu dessa forma: a Bondade, no amor, com
Poder, deu origem ao mundo que reflete a sua Sabedoria.
É pela louvação, que
brota da contemplação, que o homem se realiza, enquanto serve ao Criador. Por
sua vez, a louvação é condição de obediência.
Enquanto aprofunda a
sua reflexão sobre o homem, o Sábio vê nele a imagem de Deus e estabelece uma
relação de transcendência entre a criatura e o Criador. Por sublimação vê no
Criador as condições de Ser, Poder e Sabedoria, enquanto as contempla no homem.
Desenvolve a sua reflexão sobre o homem em Gn 2, estabelecendo a segunda regra
do seu desenvolvimento: a obediência. Vê, enfim, no Matrimônio, a condição
dinâmica do seu desenvolvimento.
No N.T. os Apóstolos
desenvolvem, ao longo da sua pregação, o que lhes foi revelado pela ação
profética de Jesus e dos seus próprios mistérios. Relacionam a Pessoa de Jesus
Cristo com as figuras do A.T. e desenvolvem tudo aquilo que Jesus lhes tinha
ensinado. A Revelação plena permite contemplar o Plano grandioso de Deus que
visa à divinização do homem, cujo centro é a Encarnação do Filho de Deus. Disso
resulta claramente quem é o homem, qual é o seu caminho de desenvolvimento e o
seu fim; qual é a origem do Mal no mundo, o fruto da Redenção e a condição nova
de vida que os Mistérios de Cristo propiciam ao homem.
A exposição do
conteúdo da nossa religião deve ser efetuado: 1o) seguindo a
pedagogia de Deus ao revelar-se. O ponto de partida é o momento histórico em
que o homem descobre o seu Deus. 2o)
segundo a exposição teológica da Bíblia. É a exposição doutrinal das
Escrituras, dentro de uma moldura cronológica. 3o) considerando a
natureza profética dos textos sagrados. Descobrimos, então, o desígnio Deus
sobre nós (Rm 8,28-30).
1a Palestra: Ao homem incapaz de
encontrá-lo, Deus se revela.
A maneira pela qual Deus se revela ao
homem é tão discreta que dele advertimos a existência somente pela experiência
da nossa história, enquanto ele, de fato, está agindo desde a origem do mundo.
Essa presença, advertida, é o princípio fundamental da caminhada que nos
realiza. São Paulo afirma que o homem poderia manter o seu contato com o Criador
se cultivasse o conhecimento dele mediante a contemplação da criação. Essa
nutriria a louvação, conservando o homem numa relação harmoniosa com o Criador
(Rm 1,19s). De fato, o homem mergulha rapidamente nas trevas, seduzido pela
ambição desmedida de ser o único árbitro da sua vida. As conseqüências são
desastrosas porque se desencadeia nele uma profunda degeneração. O resultado é
um vale cheio de ossos ressequidos (Ez 37, 1-14). São Paulo, na sua Carta aos
Romanos, descreve esse processo degenerativo, concluindo que o homem acaba
sendo objeto da ira de Deus. O homem perde de tal forma a sua identidade
natural que chega a amar e, até, a aplaudir o que sabe ser motivo de castigo
para ele (Rm 1,21-32). A rebeldia e a degeneração do homem é tolerada por Deus
para que ainda mais sejam manifestados a sua Sabedoria e o seu Amor (Sl 145,8s;
Sb 11,23.26;12,2). Este fato já revela que Deus é um Deus fiel. Fiel ao seu
amor de Criador com a sua criatura. Teceu-a no seio da mãe em cada fibra do seu
ser (Sl 139,13). De sua parte o homem poderá constatar mais facilmente a
gratuidade do dom quando descobrir que ele foi resgatado do Mal sem que sequer
advertisse a iniciativa gratuita de Deus. O que de fato está acontecendo, até o
momento presente, é que Deus, por uma determinação unilateral, está levando em
frente o seu Plano que visa à divinização do homem, custe o que custar (Ef
1,3-10). O homem é chamado a tomar consciência disso. O primeiro momento desse
passo é notar que Deus está agindo na história, a exemplo do povo de Israel
que descobriu, refletindo sobre o seu passado, que o seu Elohim era o
verdadeiro Deus. Agradecido por tudo o que lhe tinha propiciado, intensificou o
seu culto e se empenhou em lhe agradar observando os mandamentos, que o culto a
ele vinha sugerindo. Começou até a magnificar a intervenção do seu Deus na sua
história e, em torno dos núcleos históricos da sua origem, construiu uma
narrativa épica de cunho didático sapiencial.
Por meio dos profetas Deus
marcou a sua presença na história do homem de forma mais contundente a ponto do
próprio israelita entender que o seu Elohim é também o Deus dos outros povos e
o Senhor Criador. A história de Israel no tempo dos profetas torna-se
paradigmática para entender a história de toda a humanidade. É refletindo sobre
Deus que tomou a iniciativa de chamar o seu filho do Egito, sobre a ingratidão
de Israel para com o seu Deus e o castigo subseqüente, que amadureceu a
reflexão sobre o homem e o seu comportamento. Gn 1-11 é o fruto dessa reflexão.
Encaixa-se na moldura cronológica utilizada pela Escritura como idealização de
uma história, que ter-se-ia realizado caso o homem tivesse correspondido à
expectativa divina, e como premonição daquilo que Deus fará com o homem, caso
despreze o seu Plano de redenção. O próprio dilúvio tem a sua inspiração
naquilo que aconteceu com Israel por causa dos seus pecados. Noé é figura de
uma salvação que Deus realiza mediante uma Descendência que ele suscita numa
atitude gratuita de salvar o homem.
Com a figura de Abraão a
reflexão sobre Deus, que se revela na história, assume conotações mais
especificadamente cronológicas, embora a preocupação do Autor sagrado seja
aquela de definir a forma pela qual o Plano de Deus vai se atuando. Quando,
todavia, os profetas começam a anunciar uma restauração, que dar-se-ia pela
Descendência da casa de Davi, os israelitas entendem que o Plano de Deus sobre
o homem depende de uma atuação progressiva ao longo da sua história. Numa
reflexão de cunho universal os autores sagrados descobrem que Deus está agindo
na história da humanidade desde a sua origem. A história da Salvação encontra
na história a sua moldura cronológica, mas ela é, sobretudo, Revelação do Plano
que Deus tem sobre o homem. Quando lemos a história dos Patriarcas estamos
diante de uma teologia da história. Ela quer expor mais o que Deus estava
atuando enquanto o povo de Israel estava se formando, de como, de fato,
historicamente esse povo se formou. A exposição cronológica dos fatos reais que
deram origem ao povo hebreu é tarefa do historiador. A Revelação quer nos dizer
o que de fato estava acontecendo ao longo do acontecimento dos fatos
históricos, quanto ao Plano de Redenção que Deus tem sobre o homem. A Deus
interessa que o homem o descubra para
que viva em vista da sua vocação eterna.
Foi a reflexão teológica
após o exílio que aprofundou a Revelação que Deus vinha atuando ao longo da
história de Israel e, sob a guia dos profetas, descobriu como Deus se revelava
na própria criação. O pensamento dos sacerdotes
do templo e dos sábios, despojado das ambições terrenas de uma realeza e
dum reino davídico a ser reinstalado, foi sempre mais aprofundando a relação
harmoniosa que deveria existir entre o Criador, Rei do universo, e a criatura
chamada a servir a Deus, no temor. O auge desse amadurecimento teológico teve a sua expressão emblemática nos mártires do
tempo dos Macabeus. O tempo de Jesus Cristo já registrava a sua decadência
porque os fariseus e os escribas já tinham tornado tradição humana a leitura da
Torah, o Caminho, que Deus vinha ditando ao homem, para resgatá-lo, sempre
mais, da sua condição de Morte por causa dos pecados. A ação profética de Jesus
resgatou a tradição rabínica e farisaica, a sua ação messiânica cumpriu os
oráculos dos profetas e a sua ação divina restaurou o que estava perdido por
causa do pecado do homem. Foi a Revelação plena do Plano de Deus e do próprio
Deus na pessoa de Jesus Cristo. Tudo aquilo que preparava essa revelação,
agora, tornou-se a sua interpretação porque o mesmo que anunciava agora estava
realizando-a. Mas, o que é novo transcende, qualitativamente e
quantitativamente, tudo o que o preparava. A síntese do novo e do velho é
apresentada magistralmente nas quatro formas que os quatro evangelistas
utilizaram. O Evangelho de São João tem o seu arremate no Apocalipse que
sintetiza, na celebração de Jesus constituído Juiz do universo, toda a
Revelação de Deus.
Leitura: Sb 9,14-18
Deus, para quem o descobriu
através da reflexão sapiencial do hebreu sobre a sua história.
Os profetas, de forma peculiar
sublinharam a existência de Deus, seja pelo testemunho da sua ação, como,
também, pela ação do Espírito neles que os levava a proclamar que o Deus de
Israel era o único existente e, portanto, o Criador. A reflexão pós-exílica,
explorando os anúncios dos profetas, escreveu sobre a criação, num contexto
parenético e pôde apresentar os atributos do criador nas suas narrativas
didáticas. Com isso, criou-se, para o homem de fé, a condição de refletir de
forma mais filosófica sobre Deus. O Deus da criação é o ser transcendente do
qual descrevemos as virtualidades através das qualificações da natureza que é
bela, revela um criador seu sapiente, potente e bom. Pela história do seu povo
é possível descobrir dele maiores qualificações porque se revela maternal no
seu amor, cheio de amor ciumento para com ele, poderoso quando, na sua ação
compassiva o liberta, o protege no empreendimento de sua caminhada pelo deserto e conquista da terra. É misericordioso diante das culpas do seu povo e
paciente na sua pedagogia, sempre protelando o castigo definitivo, enquanto
tenta reconduzi-lo ao bom caminho mediante castigos corretivos. Depois do exílio,
de forma particular, aos seus sábios comunica o seu Espírito que lhes permite falar de uma forma única sobre a Sabedoria divina, o Princípio criador que
estava com Deus desde sempre. Qualificaram-na como um Espírito único, sutil que
tudo penetra. Contudo é em Jesus que Deus se revela de forma particular. É tão
plena a revelação de Deus em Jesus que o próprio Deus preparou a sua
interpretação pela Profecia. Dentro de um oportuno contexto de redenção, aquele
que se apresenta na sua condição humana, já é misteriosamente anunciado na sua condição divina, enquanto lhe é atribuída a condição de esmagar a cabeça da
serpente que acabara de escravizar todo e cada homem, atentando até contra aquela que
por ter sido destinada a ser a Mãe do Redentor, pelo próprios méritos deste foi preservada imune. A grandiosidade de Deus que se faz homem é anunciada
pelos títulos divinos que são atribuídos ao Emanuel: Pai eterno... e pelo fato
que sobre ele repousará o Espírito do Senhor. A sua concepção virginal quer
ainda mais separá-lo da condição pecadora daqueles que ele vem para redimir:
“Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e chamar-se-á Emanuel” (Is
7,14). Em Jesus se revela a invisível divindade, particularmente, na
Transfiguração. A Divindade de Jesus é ali entendida pela ação da Nuvem que
envolve. É o sinal do que para sempre acontecerá com a Igreja, após a assunção
ao céu da gloriosa humanidade do Senhor ressuscitado. No Espírito, a Igreja,
particularmente quando celebra o seu Senhor pelo Memorial da sua Paixão,
contemplando os gestos do homem Cristo Jesus, à luz da Profecia, consegue ver a
divindade. É a máxima das revelações do Deus verdadeiro que, a partir da
vocação de Abraão, começou a revelar-se ao homem incapaz de conhecê-lo.
Quando
Jesus acaba de fazer de si a revelação da sua condição divina como Filho e a
Igreja o vê a partir da sua ressurreição, o homem chega a conhecer de Deus a
sua Natureza Trinitária. Por atribuição, ensinada pela própria revelação,
consegue, então, ter um conhecimento ímpar do Deus único. Sua natureza
transcende a condição da criatura. É a natureza do Criador. À natureza humana é
somente participada, como atribuição, a existência, o entendimento e a
capacidade de criar.
2a Palestra: A Bíblia, História da Revelação.
Pelo fim do décimo século a.C.,
à sombra do templo, desponta a reflexão teológica sobre a história de Israel. A
condição gloriosa do reino de Israel é vista como uma meta à qual o Deus único
e verdadeiro chegou, conduzindo a história do povo hebreu (Sl 33,12). Essa
história foi, então, tipificada pelas narrativas épicas, que colocaram, por
escrito, tradições orais, acompanhadas por contínuas reflexões teológicas. Além
desse tipo de literatura religiosa de cunho acentuadamente histórico, quais sejam os livros de Josué, Juizes, 1-2 Samuel, 1-2 Reis, temos Gn 12-49, que é uma
idealização das origens do povo hebraico, que procura projetar em Abraão o
ideal do hebreu na sua relação com o seu Deus. O Êxodo é uma antologia de
ensinamentos religiosos criados sobre a linha da epopéia que narra, idealisticamente, as origens do
povo hebraico a partir da forma mais dramática pela qual ela se realizou. Os
Números têm a mesma natureza literária do Êxodo. A caminhada do povo hebraico é
pautada por episódios de narrativas didático-sapienciais.
A literatura religiosa foi se desenvolvendo segundo
os gêneros literários histórico, didático, normativo do culto (o Levítico) e
poético-litúrgico (os Salmos).
Com o advento dos profetas, na época dos reis,
iniciou-se o gênero literário profético.
Com a volta de Babilônia (538 a.C.), a literatura
religiosa continuou a desenvolver-se até se definir nos livros do AT que nós
temos. À sombra do templo recebem sua definitiva redação Gn 12-49, com o
prefácio de toda da Bíblia contido em Gn 1-11, como, também, Êxodo, Levítico e
Números. O Deuteronômio é então redigido: uma parênese grandiosa que explora todos
os ensinamentos contidos nos livros que o precedem, na percepção teológica da
história, que todos os outros livros, até então escritos, oferecem. Os livros
históricos de Esdras e Neemias, 1-2 e Crônicas são então redigidos.
Os profetas são reunidos numa só coletânea. Surge o
gênero literário didático-sapiencial representado por Ruth, Judite, Ester e
Tobias. A literatura sapiencial é representada pelos Provérbios, Eclesiastes,
Eclesiástico, Sabedoria, Jó, Salmos. Daniel é um livro sapiencial-profético, uma análise
religiosa da história, que quer interpretar o tempo de perseguição vivido pelo
seu autor.
Os Evangelhos surgem sob a influência da literatura
judaica e estão diretamente ligados à religião por ela interpretada. A
originalidade deles é a de ver em Jesus de Nazaré não somente um profeta como
também o próprio Deus feito homem.
Os Atos dos Apóstolos narram as origens da religião
cristã atuada segundo as profecias da universalidade da salvação e a
originalidade do anúncio de Cristo.
As cartas são comentários circunstanciais a essa
doutrina que foi se afirmando.
O Apocalipse é a apresentação de Jesus na sua
condição gloriosa como Cabeça da Igreja. A sua morte o constitui Juiz da
História. Jerusalém, Babilônia a Grande, que crucificaram o seu Senhor (Ap 11,8),
são definitivamente rejeitadas. A Igreja, a Jerusalém nova, é a Esposa do
Cordeiro que espera ansiosamente a Vinda do seu Senhor.
A Escritura é uma literatura prevalentemente
sapiencial. É uma reflexão teológica sobre dados revelados, dos quais o primeiro é o conhecimento do verdadeiro Deus, que se revela pela criação. A Descendência
dos Patriarcas, que Deus suscita por livre desígnio de sua vontade é a
portadora desse conhecimento no meio de uma geração depravada, entregue à
idolatria. O povo que Deus suscita com a vocação de Abraão, enquanto perpetua o
legado da Descendência e cultua o verdadeiro Deus que adota como seu Elohim,
recebe uma segunda revelação de forma mais marcante pelo testemunho dos profetas que do “Sou” falam
como Deus Criador, Senhor da História que para o seu povo foi El Shaddai,
Iahweh, Santo e Esposo.
Os sábios, pela sua reflexão sobre o Deus dos
Patriarcas, o Deus da História de Israel e o Deus dos profetas, possibilitaram
um terceira forma de Revelação pela qual Deus nos dá o conhecimento da natureza
do mundo, do homem, da vocação de ambos à glorificação, da origem do mal e do
intuito de Deus de realizar uma Redenção da Humanidade. A História de Israel se
torna paradigmática.
Com Jesus Cristo, Deus volta a agir segundo a linha
profética. Nisto Jesus é prova da existência de Deus e fonte de uma nova e
definitiva Revelação. Os conteúdos dessa Revelação são: 1. a Divindade de Cristo
profeta; 2. o valor redentor da sua Morte de forma que ele atua as profecias; 3. a
vida trinitária em Deus, dele, o Filho, com o Pai que o enviou, no Espírito
Santo.
A Igreja apostólica refletiu sobre Jesus Cristo à
luz das Escrituras e anunciou tudo aquilo que o Espírito Santo inspirava. A
pregação apostólica foi posta por escrito pelos evangelistas que formularam a redação
que nós temos.
Resulta, com isso, que as Escrituras são verdades
que Deus revelou, com as quais o homem comunica pelo entendimento (Ecl 12,9-12;
Eclo, Prólogo. 7-12; Dn 9,2.21-23; 10,2-6; Ap 1,3).
3a Palestra: A Ssma.
Trindade.
A descoberta que o Historiador sagrado faz de que o
El de Israel é o verdadeiro Deus, confirmada pela experiência dos profetas que
culmina com Jesus Cristo, nos coloca numa comunhão direta com Deus. O Deus da
história de Israel é o Deus da criação que, pela Revelação de Jesus, é um Deus
possuidor de uma Vida, da qual a vida criatural, participada, depende. Mantida
a unicidade desse Ser subsistente, ele, todavia, se revela, na pessoa de Jesus
Cristo, o “Eu sou” que se manifesta pela
Encarnação. A linguagem, a mais apropriada para falar do Deus único que,
enquanto se manifesta, revela ter uma condição de vida transcendente à nossa, é
a linguagem bíblica, que considera seus anjos as formas com que Deus se manifesta. Quando Moisés se aproxima da sarça ardente, diz o Autor sagrado que “o
Anjo de Iahweh lhe apareceu numa chama de fogo, do meio de uma sarça” (Ex 3,2).
O mesmo Iahweh que a Moisés se manifesta na chama da sarça é Aquele que o
profeta Malaquias chama o Senhor do Templo, o Anjo da Aliança (Ml 3,1). Jesus é
Iahweh enquanto se manifesta na condição
humana, dessa vez assumindo a natureza humana para sempre. Enquanto essa
Pessoa, que é divina, porque
consubstancial ao Pai, se distingue do Deus que o enviou, dizemos que em
Deus há um Pai que enviou o seu Filho, não nos esquecendo, todavia, por
precisão, que esse mesmo Filho afirmou de ter vindo por si mesmo. O título que
o iguala a Deus é o “Aquele que vem”: “Para isto nasci e para isto vim ao
mundo, para dar testemunho da verdade. Quem é da verdade ouve a minha voz” (Jo
18,37). É a voz que distorce os carvalhos (Sl 29), a voz do El de Israel. A
terminologia é antropomórfica. Sem definir a natureza da relação entre as duas
pessoas, afirma a dualidade das pessoas, que, todavia, devido a unicidade de
Deus, só poderão se distinguir pelo modo com que se relacionam. Da mesma forma
se relaciona, com o Pai e o Filho, o Espírito, do qual Cristo Jesus fala como
Pessoa (Mt 28,18; Jo 14,16.26; 16,7-8).
Do Espírito, embora Pessoa distinta do Pai e do
Filho, é mais fácil a sua identificação com o próprio Deus único, porque Deus é
Espírito. A partir do entendimento do Espírito, que é Deus, por sublimação,
entendemos que Deus Pai, que é Vida, gera o Filho, segundo uma comunicação
plena de vida. O Espírito é exatamente essa vida plena divina que o Pai e o
Filho possuem na sua relação de amor.
Por si, nunca poderíamos falar de Deus. Enquanto,
todavia, Deus se revela, eis que dele podemos falar segundo os termos pelos
quais ele a nós se revela. O Autor sagrado descobre que Deus fala de si pela
criação: “Sua realidade invisível –seu eterno poder e sua divindade- tornou-se
inteligível, desde a criação do mundo, através das criaturas” (Rm 1,20). Nessa
linha, Gn 1 descreve, pela criação do mundo, a Potência de Deus, a sua Beleza,
Sabedoria e Bondade. Deus é a Perfeição das infinitas virtualidades do "Sou". À
luz da Revelação plena que se dá em Jesus Cristo podemos ver que Deus criador
já se anuncia trinitário desde Gn 1,1 e, em Gn 1,3 anuncia a própria
Encarnação, para isso, nos apoiando na exegese de Jo 1,4-5. Há outros momentos
que anunciam o Deus trinitário, como a travessia do Êxodo com a nuvem luminosa
e Ez 1.Todavia no A.T. encontramos Deus se manifestando nas suas virtualidades
para ser conhecido como Criador, como El Shaddai, o Deus do amor maternal,
Iahweh, Esposo fiel, misericordioso e paciente. A sua natureza trinitária nos é
desvendada pela Encarnação.
Uma figura analógica, que nos ajuda a ilustrar o
Mistério, é o próprio homem “criado à imagem e semelhança de Deus” (Gn 1,26). É
um único ser que, enquanto se manifesta, o faz pela palavra e pelo espírito.
Sublimando a analogia da condição trinitária do
homem que é um ser que se manifesta pela palavra que por sua vez revela o seu
espírito, dizemos que a Palavra sai da boca de Deus e realiza tudo o que o Deus
único quer. Dessa vez, porém, a Palavra é hipóstase, como também, o Espírito,
realizador daquilo que a Palavra manifesta do Pai. A relação das hipóstases é
descrita, pela Revelação, segundo a analogia da vida familiar em que o Filho se
relaciona com o Pai no Amor. Se aplicássemos os gêneros masculino e feminino
aos mesmos termos, utilizando a língua hebraica, conseguiríamos um melhor
entendimento da vida da Ssma. Trindade, porque teríamos o Pai que, na Mãe, gera
o Filho. O termo espírito, em hebraico, é feminino. Vemos, dessa forma, que
Deus se revela ao homem e diz de si tudo o que o homem é capaz de entender do
seu Criador, utilizando, da forma mais apropriada, os termos analógicos tirados
da própria experiência que o homem tem da Vida, do Ser e das atribuições de um
Ser, sublimadas até considerá-las o próprio Deus, infinito nas suas
virtualidades e eterno.
A Palavra que estava voltada para Deus e que era
Deus, criadora de tudo, se faz carne. É o “Eu sou” que se revela na Pessoa do
Filho. O nome de Filho que o Verbo dá a si mesmo é sugerido pela condição em
que o Verbo se encontra ao encarnar-se. Quando utilizamos os termos de Pai e
Filho para falar de Deus, do qual o Verbo saiu, devemos logo afirmar a sua
consubstancialidade. Eles são Deus de Deus, Luz da Luz. A terminologia do Credo
é precisa, mas não tão rica como a formulação bíblica de Anjo de Iahweh, que
mantém a perfeita identidade do Enviado com Deus.
Pv 8, 22-31 de quem, provavelmente, depende o autor
de Gn 1, é uma profundíssima descrição analógica que, à luz da Revelação plena,
pode ser muito bem utilizada para falar da segunda Pessoa da Ssma. Trindade,
contemplada como Sabedoria de Deus. Deus a quis para si, a desposou para ser
Princípio do seu Caminho (= Pensamento), antes das suas obras, “ab aeterno”.
Foi derramada antes dos oceanos e das fontes das águas, das montanhas, do
elemento primordial que gerou a poeira do universo. Mestre de obra, estava ao
seu lado.....E a sua alegria é estar como os filhos do homem.
Sb 7,22 apresenta os atributos da Sabedoria que nos
permitem ver em Cristo o “eflúvio do Poder de Deus, o resplendor da sua Glória,
o espelho puríssimo da sua Vontade e uma imagem da sua Bondade”: do El de
Israel.
A Igreja, possuidora da Revelação plena, pode
celebrar o Eterno, o Verdadeiro, o Santo, segundo a sua vida trinitária,
porque, ao longo da história da Salvação, assim se manifestou, dessa forma,
tendo um conhecimento de Deus muito mais profundo daquele que poderia ter pela
contemplação da própria criação. A Redenção proporcionou um mais profundo
conhecimento de Deus porque dele revelou toda a Caridade, que tem o seu
princípio na relação trinitária do Pai com o Filho, no Espírito.
É possível um aprofundamento da própria natureza
trinitária quando se somam os dados que dela temos: 1º) A Revelação que Jesus
dela nos faz e que nos permite falar de unicidade de Natureza e trindade das
Pessoas que se relacionam pelo modo de ser; 2º) A maneira pela qual cada Pessoa
intervém no ato da criação: o Pai como aquele que age na Bondade; o Filho que
age como Sabedoria, executora da vontade do Pai; o Espírito que age na potência
vivificante; 3º) A ação concomitante de três Pessoas, que agem segundo um único
ato de vontade do único Deus, indica uma condição transcendente de vida que é o
específico da Natureza divina; 4º) A natureza humana e a de todos os outros
seres criados, enquanto existe nos seres que a compõem, resultam ser
participativas da condição de vida possuída por Deus. É clara a distinção entre
a nossa condição de vida e a de Deus, quando afirmamos que Deus é o Criador e
que nós somos as suas criaturas. Deus é o existente, nós somos chamados à
existência e subsistimos em virtude da fidelidade de Deus que é Bondade que age
no amor.
4a Palestra: O Deus trinitário se revela El
Shaddai, Iahweh, Santo
Com Jesus Cristo temos a plena revelação de Deus,
que o homem chega a conhecer na sua vida trinitária. A palavra que define o
conteúdo dessa vida é Bondade (Tt 3,4). A forma progressiva com que a Bondade
se revela nos permite conhecer sempre mais a sua vida trinitária.
Ao revelar-se aos Patriarcas, a Bondade se
manifesta como Amor Maternal (El Shaddai: Ex 6,2; Gn 49,25; Sl 105, 12-15; Jó
5,17).
Na libertação do Egito, a Bondade se revela com
poder (Iahweh: Ex 6,1-6; 3).
O profeta Oséias ilustra as prerrogativas da
Bondade num contexto de rejeição de Israel por causa das suas iniquidades. A
Bondade deixou de ter vísceras de misericórdia e de agir em favor de Israel:
“Chama-a “Aquela que deixou de ser amada”porque não terei mais vísceras de
misericórdia para a casa de Israel” (Os 1,6). “Chama-o “Aquele que deixou de
ser meu povo” (1,8). “Porque deixastes de ser meu povo, Eu serei para vocês
“Aquele que não mais agirá em vosso favor”(1,8b).
Na volta de Babilônia a Bondade se revela como o
Santo. “O teu redentor é o Santo. No Santo de Israel te gloriarás. O Santo de
Israel te criou” (Is 41,14.16.20).
Isaias ao contemplar Iahweh na sua ação redentora
celebra o seu Poder, o exalta como Criador, Senhor dos reis, árbitro das
nações, Força incasável do seu povo. Iahweh é o “Sou”, Único existente (Is
43,13).
A literatura sapiencial celebra o “Sou” enquanto se
manifesta na criação: é a Bondade que no Amor chama à vida as criaturas
manifestando todo o seu Poder, Sabedoria e Beleza. Pela criação a Bondade já se
anunciava trinitária. O Autor sagrado assim fala do Deus criador: “Pela Palavra
que sai da sua boca” (Sl 33,7), o nosso Deus criou os exércitos do céu e da
terra. O Espírito que sai da sua boca, juntamente com a Palavra, plasma a
matéria informe e domina os oceanos”(Gn 1,1s). É o Amor onipotente, o Sou das
infinitas virtualidades, a Verdade, que, no seu Poder, manifesta a sua Glória.
Gn 1 celebra o Criador distribuindo em seis dias a obra da criação no intuito
de incutir no fiel o reconhecimento da sua relação de dependência. Ensina
também que é pela contemplação dos feitos de Deus que nutrimos a nossa louvação
ao Criador do qual nos sentimos criaturas. O Sl 33 expõe essa doutrina. A
louvação é própria dos justos e dos homens retos. É o canto sempre novo das
vozes da Glória de Iahweh. O homem reconhece a Deus que se manifesta com
Bondade, Beleza, Sabedoria, Potência na luz, nos ornatos da natureza, no
firmamento, nos mares. Aquele que é Amor tudo criou: “A Palavra do Senhor fez
os céus e o sopro de sua boca os seus exércitos”(Sl 33,6). Fez também o homem,
de cada um plasmando o coração (v. 15).
O Santo se revela a Isaias no Templo da sua Glória
(Is 6,1-5), Transcendente, separado de tudo o que é pecado. Que ama e se
interessa pelo homem no qual, porém, não admite a iniqüidade.
Envia Isaias para que Israel se purifique, do
contrário, virá diante dele o fogo destruidor.
A Santidade de Deus é retratada no fogo (Ex 3).
O fogo será benfazejo, sendo luz para os que o
Santo ama, destruição da sua ira para o ímpio.
No Sinai o Santo é visto no fogo manifestando-se em
todo o seu Poder divino (Ex 19,3-20).
Santo é portanto o Deus de Israel que é Esposo
ciumento, que não tolera a iniqüidade. Que, portanto, purifica pelo castigo,
porque exige que o seu povo seja santo como ele é Santo (Lv 19,2; 20,26). Esse
é o sentido de Santo em Os 11,9.
Sl 99.
Santo é o Deus que é Rei, cujo nome é grande e
terrível. Os povos estremecem, a terra se abala (Sl 97, 1-5). Santo é o Deus da
Justiça e do Direito. Santo é o Deus do perdão e do castigo. Ap 15,3-4; Ex 15,
11-13.17-18: Terrível em proezas, em prodígios glorioso. Estende a mão...conduz
com carinho... leva à santa habitação, ao monte da santidade... ao Santuário. O
Senhor há de reinar eternamente.
Sl 48.
O Nome de Deus
O “Sou” (Is 43,13) é a Bondade (Sl 100,5) que age
no Amor. É Verdade e Fidelidade (Sl 117,2; 118,1).
El Shaddai (Gn 49,25): o Deus do amor maternal (Os
11,1-4). O Esposo (Os 2,21s).
Iahweh (Ex 6,2.3.6; 16,6.12).
Rocha, escudo, fortaleza (Sl 17,2-3; 144;145).
Santo (Is 41,14)
El Shaddai
O Deus que Jesus Cristo nos revelou na plenitude da
sua vida trinitária e que Gn 1 já anuncia trinitário foi, gradativamente, se
revelando ao longo da História da Salvação, que começa com a vocação de Abraão.
O primeiro título que Deus dá a si mesmo é o de El Shaddai. Embora, mais tarde,
esse título assuma, praticamente, a significação que tem o nome de Iahweh,
quando é lembrado nos inícios da história do povo hebraico, tem a significação
específica que deriva da sua etimologia. Shaddai é um plural de uma palavra
hebraica cuja significação é peito, seio, úbere, mama, teta (hbr.: shad). Seus
termos correlativos são ventre, regaço. É segundo esse sentido específico que é
utilizado por Jacó quando, no fim de sua vida, abençoa o seu filho Judá. Ao
invocar a Deus o chama de “El Shaddai” (Gn 49,25), capaz de efundir “bençãos
das mamas e do seio”. Foi sob esse título que Deus se revelou aos Patriarcas,
como aliás faz notar o Autor do livro do Êxodo, antes de comentar um segundo
nome de Deus, Iahweh: “...Apareci a Abraão, a Isaac e a Jacó como El Shaddai;
mas pelo meu nome, Iahweh, não lhes fui conhecido”(Ex 6,3). É o salmista que
nos explica o significado de El Shaddai ao evocar a forma com que Deus, no
início da História de Israel, se relacionava com os Patriarcas: “Ele se lembra
da sua aliança para sempre,...aliança que ele fez com Abraão, e juramento
confirmado a Isaac... Quando se podia contá-los, eram pouco numerosos,
estrangeiros na terra... ele não deixou que ninguém os oprimisse... Não toqueis
nos meus ungidos...”(Sl 105, 8-15). Vemos dessa forma que o Deus trinitário,
que São Paulo define, no fim da sua revelação, como a Bondade que se manifesta
no Amor pela ação salvadora do Filho que nos vivifica no Espírito (Tt 3,4-6),
desde as suas primeiras manifestações na História da Salvação, se revelava
segundo a sua mais profunda essência.
O título de El Shaddai, contudo, é acompanhado,
também, por descrições que relembram o
aspecto de poder e santidade em Deus, de forma que podemos dizer que El
Shaddai quer ser a maneira pela qual Deus é apresentado, sobretudo, numa
relação de cunho paternal com o seu povo. Isso aparece no livro de Jó. À
lamentação de Jó que não entende o porquê das terríveis provações, Deus se
apresenta em toda a sua transcendência, enquanto, pedagogicamente, através da
dor, quer conduzir o seu servo até entender o que é a verdadeira justiça:
“Shaddai, nós não o atingimos. Mas ele, na sublimidade de seu poder e retidão,
na grandeza de sua justiça, sem oprimir, impõe-se ao temor dos homens; a ele a
veneração de todos os corações sensatos” (Jó 37, 22-24). El Shaddai é o Deus
cuja voz é “a voz de muitas águas” (Ez 1,24), que no seu poder é capaz de punir
as transgressões do seu povo: “Sim, está próximo o Dia de Iahweh, ele chega
como uma devastação de El Shaddai” (Jl 1,15). Em resumo, El Shaddai é o Deus
verdadeiro, que ao revelar-se ao povo de sua escolha, por uma necessidade até
histórica, devido à fragilidade do seu protegido, se revela acentuando,
sobretudo, o aspecto fundamental do seu Ser: a Bondade. Ela é, todavia,
acompanhada pelo Poder, não tanto em vista de obras portentosas, e sim, como
escudo que defende e ampara a condição frágil dos Patriarcas. Quando age em
vista de educar, ele corrige, todavia, sem ira, porque, sempre age com
sabedoria, no amor.
Iahweh
“Iahweh” é mais um nome com que o hebreu invoca o
seu Deus. Aliás, considera que o próprio Deus quer que assim, para sempre, o
invoque o povo que Ele libertou do Egito com mão poderosa e braço forte. Se, em
primeiro lugar, o Deus de Israel quis ser invocado como El Shaddai, ao querer
ser invocado com o nome de Iahweh, a partir da gloriosa libertação da
escravidão dos egípcios, determinou que a Bondade, que protegeu os Patriarcas,
fosse, para sempre, lembrada como o Amor que agiu com poder, movido pela
compaixão diante da miséria e opressão em que vivia o seu povo. Iahweh
significa: “Aquele que é e que faz acontecer”. É o “Sou” que se revela através
dos seus feitos. Esse nome não se aplica somente à libertação da escravidão do
Egito, momento em que “com mão estendida e com grandes julgamentos”(Ex 6,6),
Deus revelou a sua glória e manifestou o seu poder. O profeta Isaias o evoca ao
anunciar a libertação de Judá da escravidão de Babilônia: “Eis o que diz o
Senhor Iahweh, o teu Deus, o que pleiteia a causa do seu povo: “Certamente vou
tirar das tuas mãos a taça da vertigem, isto é, o cálice, a taça da minha
cólera. Tu não tornarás a bebê-la jamais. Antes, pô-la-ei na mão dos teus opressores...Por
isto mesmo o meu povo conhecerá o meu nome, por isto mesmo ele saberá, naquele
dia, que “Eu sou”, o que diz: “Eis-me aqui” (Is 51,22s;52,6). “Serei o que
serei” é, portanto, a tradução exata de Ex 3,14, porque Deus quer, naquele
momento, anunciar que, por meio de fatos, o Deus de Abraão, Isaac e Jacó, o
“Deus do amor maternal” (Gn 49,25), revelará que é, também, Poder glorioso.
O enriquecimento progressivo no conhecimento de
Deus mediante os nomes bíblicos de El Shaddai e Iahweh, nos permite entender quem é Jesus na sua condição divina,
porque, como o próprio Jesus afirma, Ele é o “Sou”, o mesmo Iahweh que se
revelou a Moisés na sarça ardente. Assume a natureza humana na condição de
Filho, mas ele é consubstancial ao Pai e ao Espírito de forma que pode afirmar:
“Felipe, quem vê a mim, vê o Pai!.... Não crês que eu estou no Pai e o Pai em
mim? Eu e o Pai somos um!” ( Jo 14).
Jesus é o Filho com o qual e pelo qual o Pai e o
Espírito que se revelam, segundo o poder que já se manifestou quando da
libertação da escravidão do Egito e de Babilônia. Aliás, aquelas eram figuras
da verdadeira libertação que Jesus opera com a sua Páscoa, com o seu Êxodo. E,
se já os autores sagrados consideravam a libertação do Egito e de Babilônia uma
nova criação, com maior razão deve ser considerada como criação a Redenção,
momento em que Iahweh, na Pessoa divina de Jesus, opera a libertação da
escravidão do demônio e, pela comunicação do seu Espírito divino, nos torna
novas criaturas pela participação à sua filiação divina.
Disso tudo resulta que Jesus é a mais plena
revelação de quem é Deus. A Bondade nele se manifesta no mais alto dinamismo do
Amor divino, operando a nossa Redenção.
Qadosh
Quando a Revelação nos diz que Deus é Santo,
significa que quer estabelecer uma separação total entre Aquele que é a
Perfeição e tudo aquilo que está contaminado por um processo de degeneração
moral. Isto pode ser constatado quando Aquele que é a Santidade se manifesta:
determina que o próprio lugar onde se manifesta deve ser reservado, separado e
consagrado a Ele, o Senhor, porque não pode mais pertencer aos homens que vivem
contaminados pela impureza do coração. Castiga o pecado porque não tolera a
imperfeição na sua criatura. O Santo não é, contudo, uma Potência destruidora,
mas só purificadora. A santidade, em Deus, quer expressar a condição absoluta
de transcendência à qual ninguém pode aproximar-se sem ser fulminado, por causa
da sua iniquidade. Quando, todavia, a criatura purifica o seu coração, Deus
nela se compraz e a ela transmite a riqueza da sua vida. A santidade é o
aspecto da natureza divina que, por ser perfeita, se distingue de qualquer
criatura. O homem, para aproximar-se do Santo, deve purificar-se. Não basta uma
purificação exterior, é necessária uma condição de obediência e temor.
A ação santificante de Deus, quando este chama ao seu serviço, é o
princípio da santificação do homem, que a Deus consagra, então, lugares, dias e
a sua vida, na obediência à sua Lei. Quem se santifica mediante a sua
observância, agrada o Santo, que nele faz sua morada. Aos seus santos, então,
Deus escuta porque ele se agrada com a justiça, a obediência e o amor.
Em Jesus Cristo temos a manifestação do Santo, com
a qual convive a sua humanidade, que continuamente se santifica. Nisso Jesus é
nosso Modelo de santidade. O Santo de Deus, ao estabelecer o Reino, expulsa os
demônios. A santificação resulta ser um dom gratuito da Plenitude dos tempos,
mas exige uma resposta de santidade, agora possível em virtude da comunicação
do Espírito de Deus, que ilumina os corações acerca do entendimento, pela
revelação do Plano de Deus sobre os homens, e da Pessoa de Jesus Cristo, no
qual se atua a Redenção. Jesus é Santo na sua morte, é Espírito de santidade na
sua Ressurreição e chama os fiéis à mesma santificação enquanto se apresenta como
Modelo e Princípio.
Batizados no Espírito santo, os fiéis são chamados
a uma vida santa, nada mais tendo em comum com o mundo corrompido pelo pecado.
O fiel, pelo Espírito, foi configurado a Cristo, enriquecido pelos seus sete
dons e pelas virtudes teologais. É chamado a conduzir-se segundo essa condição,
no respeito à Lei do Criador. Sua vida deve ser tornar sacrifício santo.
5a Palestra: O Espírito Santo
O Espírito Santo é Deus com o Pai e o Filho,
conhecido por nós enquanto é manifestação, no Poder, da Bondade . Com o Pai e o
Verbo está presente na criação e, de Deus, revela o Poder infinito capaz de
chamar as criaturas à existência. Pela Palavra e pelo Espírito, o Pai plasma a
criação. O Espírito, que é o próprio Deus, a Vida não-criada, comunica a vida
aos seres chamados à existência. A vida mineral, vegetal, animal e a do homem,
que é imortal, caracterizada pela imagem e semelhança com o Criador, são frutos
da sua onipotência.
A ação do Espírito tem ampla sua ilustração no A.T.
Na História de Israel o Espírito se manifesta como
“espírito de conselho” em Moisés, participado, também aos setenta e dois
anciãos que, com Moisés administram a justiça no acampamento. É força
irresistível nos Juizes, espírito de Justiça
e Direito nos reis. As duas ações acabam sublimadas na figura do Messias
libertador e que implantará a justiça e o direito (Is 11,2-9). Sobre o Messias
age como Espírito de Força, de Conselho, de Entendimento, de Ciência, de
Piedade e de Sabedoria que torna o homem temente a Deus, fazendo-o viver na
correta relação criatural com o seu Criador.
No Servo de
Iahweh, o Espírito suscita a função messiânica de estabelecer a justiça, como
rei, e a função profética. A peculiaridade do Servo é de estabelecer o direito
pela imolação, na qual o Pai se compraz. O Espírito age nele como Espírito
profético, pelo qual em tudo vive em comunhão com Iahweh, e como Espírito que
santifica, separa para o sacrifício.
Nos profetas, o Espírito é testemunha da Verdade:
comunica ao profeta o entendimento e a força do testemunho, e o conduz ao pleno
conhecimento da Palavra. E, pela Palavra, se comunica a todos aos quais a
Palavra é destinada.
Depois do exílio de Babilônia, o Espírito suscita
os sábios, os quais sob a iluminação do Espírito Santo, conseguem entender as
Escrituras e, delas, tirar ensinamentos novos que tornam os seus escritos
inspirados. A atividade sapiencial do autor de Jó, Qoélet, Sabedoria, etc...
nos mostra que na Escritura, todo fiel encontra a fonte para beber do Espírito
e se tornar sábio. Por ter-se omitidos nesse esforço de perscrutar as
Escrituras os israelitas caíram na idolatria e na imoralidade a ponto de
merecer o castigo corretivo do exílio. O fiel deve, portanto, evitar o torpor
da sua mente, para viver a fidelidade a Deus, sem precisar que Deus o purifique
pelos castigos (Is 29).
A ação de Deus Espírito tem a sua máxima
manifestação na Encarnação do Verbo, momento em que suscita a humanidade de
Jesus no seio de Maria. Outro momento fundamental é o da consagração da
humanidade de Jesus para o profetismo e o sacrifício. Na vida de Jesus, o
Espírito age sobre ele e o conduz até Jerusalém para o
sacrifício. Enquanto caminha para o sacrifício, manifestação máxima do Amor de
Deus, Jesus antecipa os frutos da sua imolação expulsando os demônios, curando
as doenças, ressuscitando os mortos, no Espírito: é o Reino do Pai. Pela morte,
enfim, Jesus se torna , ele mesmo, fonte do Espírito. É o momento em que o
Espírito, anunciado, é revelado como Pessoa, em Deus, com o Pai e o Filho. O
Espírito de Deus flui, agora, em todo e cada homem, pela Humanidade de Jesus,
assunta à Glória da Divindade. Pelo Batismo, o Espírito produz em cada homem a
regeneração, pela remissão dos pecados, e a configuração a Cristo Profeta, Rei,
Sacerdote pela comunicação da própria vida divina. É penhor de vida eterna
porque ele é o amor que está em Deus e que agora se torna a vida de cada fiel.
6a Palestra: Jesus Cristo.
Testemunhado
por João Batista, Jesus, como profeta, nos revela que ele é o “Eu sou”, “Um com
o Pai”: “Filipe, crede-me: eu estou no Pai e o Pai em mim” (Jo 14,11). “Eu e o
Pai somos um” (Jo 10,30). Dessa forma, em Jesus temos a mais plena revelação do
Deus Criador.
Enquanto
é de condição humana, Jesus se proclama, em relação ao Criador de ‘Filho’. Trata-se
de uma linguagem antropomórfica que, contudo, nos permite falar de Deus como
Pai que ama o Filho, ao qual tudo revela e lhe entrega todo poder. Em relação
ao Deus único, o Filho é, portanto, o Resplendor da Glória do Pai, a Imagem da
sua Substância.
A
condição de Filho que tudo conhece do Pai nos leva a pensar de Jesus como a
Sabedoria que veio para atuar o Plano do Pai. Aliás, o próprio Jesus se apelida
com esse título: “A Sabedoria foi justificada pelas suas obras” (Mt 11,19 ).
Nessas condições, Jesus é o “Princípio da criação de Deus” (Pv 8,22-32; Sb
7,22-8,1; Hb 1,1-3). Dessa forma, a reflexão sapiencial chegou a pensar em Deus
Criador como Aquele que pela Palavra tudo criou. Partindo da figura do homem,
por analogia e sublimação, chegou a estabelecer em Deus uma condição de vida
trinitária. Dela João se aproveitou, no seu Prólogo para falar de Jesus como o
Verbo que se fez carne.
Pelos
termos de Filho, Sabedoria e Palavra, nos é possível falar de Jesus Cristo em
si, relacionado às outras duas pessoas da Ssma. Trindade. Resulta uma imagem
rica de Deus que pode ser conhecido, pela criação e pela história de Israel, em
toda a sua Bondade que sempre age no amor. Ele é Beleza plena que age com poder
e conduz com Sabedoria o seu povo. Pela Palavra que reflete toda a sua
Substância, o Deus único, de condição Trinitária, dá origem a todas as coisas.
Por ela, até realiza o máximo da sua obra que é a divinização do homem mediante a
Encarnação e a imolação de Cruz. Em Jesus Cristo, enfim, se manifesta todo o
poder de santidade do Espírito que já, na criação e na história de Israel
revelou-se força criadora, espírito de conselho, de fortaleza de piedade.
A
ação do Deus Trinitário e, em particular, a ação da Sabedoria que se encarna e
que enquanto se revela, revela o Pai e o Espírito, é toda ilustrada pela
história da Salvação.
Enquanto
Jesus é o verdadeiro Adão, capaz de realizar a redenção da Humanidade, ele é a
Descendência que vence a Serpente. O Noé, o justo que encontra graça diante dos
olhos de Deus, que salva a humanidade e que, em virtude do seu sacrifício
estabelece uma definitiva Aliança, cujo símbolo é op Arco-íris. Jesus é o
Abraão, o pai de multidões de povos. O Isaac imolado. Moisés, enviado para
libertar e guiar o povo de Deus, que dessedenta e alimenta. Josué que leva à
conquista da terra prometida, o Juiz que governa o seu povo. Samuel que pronuncia os oráculos de Deus. O rei que é ungido para a justiça e o direito. O Servo de
Iahweh que é profeta e rei, estabelecendo para sempre a justiça e o direito. O
Anjo da Aliança que vem ao seu Templo. O Sol de Justiça.
Após
sua manifestação messiânica que culmina com a sua Morte, tendo sido reconhecido
“Filho de Deus” em virtude da sua ressurreição, a reflexão apostólica define
Jesus com os termos de Glória de Iahweh (Mc), o Emanuel (Mt), O Santo (Lc).
João chega a ver em Jesus o Filho do Homem de Ez 1,26-28 que se caracteriza
pelas chagas do Cordeiro imolado.
As
Cartas apostólicas desenvolvem ainda mais as características divinas de Jesus
Cristo. Cl 1,12-20 o caracteriza distinguindo as prerrogativas divinas das
prerrogativas messiânicas. Ef 1,3-10 contempla Jesus como o Amado que nos
alcança a remissão dos pecados e que recapitula todas as coisas pela marca do
Espírito no qual todos se tornam membros do único povo de Deus. Fl 2,6-11 fala
da exaltação à Glória divina daquele que quis se apresentar a nós na condição
de servo.
O
Apocalipse nos apresenta Jesus na sua condição escatológica. Igual ao Pai na
glorificação, desposa a Humanidade para que os que deram testemunho dele
participem plenamente, a semelhança dele, da vida divina.
Síntese teológica
A revelação, que Deus faz de si, se
processa segundo duas linhas: a histórica e a catequética. Em ambos os casos
tudo é expressado numa linguagem humana. Torna-se, portanto, necessário um
polimento das formas, para evitar que, absolutizando os termos analógicos,
entremos num emaranhado de questões ociosas. Ao mesmo tempo deve ser advertida
a necessidade de se ater fielmente àquilo que Deus quis nos revelar, para que a
síntese teológica se torne, realmente, a expressão última do conhecimento que
podemos ter de Deus.
Deus é o “Sou”, aquele que existe antes de
qualquer coisa, que dele recebe a existência. A natureza do “Sou” é a
existência. Ele é, então, a Perfeição, o Bem, que existe por si. A sua essência
não é limitada por nenhum conceito de criação.
Quando o “Sou” age, pelo fato que é o
Onipotente, é capaz de fazer existir a criatura que ele quer. Esta participa,
então, da existência de Deus, da forma que o seu Criador determina. Em geral,
toda criatura participa da vida do Criador enquanto dele é criatura. Toda
criatura vive e existe envolvida pela vida do Criador e dele se distingue
porque criada por ele, enquanto todo o seu ser, a partir do seu existir, é um
reflexo das infinitas virtualidades
daquele que é o Existente por essência. Deduzimos, a essa altura, que toda
criatura não pode existir “ab aeterno” porque ela não é, em si, a existência; a
sua natureza é de ser criatura chamada a existir.
A forma de existir em Deus varia conforme
as condições em que se encontra a criatura. O homem, inicialmente, é chamado a
uma forma de existência física, que o outro é capaz de ver com olho carnal. Com
a sua morte cessa a condição carnal. Mantida a corporeidade, o homem começa a
viver, em Deus, de outra forma. A Humanidade de Cristo, glorificada pela
Ressurreição, em virtude da união hipostática, chega a participarar, de forma
plena, da própria vida trinitária do Pai, com o Filho, no Espírito. A
humanidade de Maria conhece uma glorificação singular, em virtude do privilégio
da sua imaculada concepção. Os mártires logo conhecem a glorificação
definitiva. Os mortos chegam a ver a Deus após um julgamento, que o Filho do
Homem pronuncia. Os que ainda precisam de purificação vivem a vida definitiva,
todavia ainda privados da visão de Deus, num tormento que, eles sabem, é
temporal. Os condenados para sempre a nunca mais ver a Deus, vivem em Deus a
sua condição definitiva, segundo esse castigo eterno.
A ação pela qual Deus age é descrita em
termos analógicos, segundo a linguagem humana. A figura analógica que o próprio
Deus dita para que o homem fale da forma mais conveniente da essência da sua
natureza, é a do homem criado à imagem e semelhança de Deus. No homem temos uma
ação que, quando ele se manifesta,
assume um cunho trinitário. Ao falar, a hipóstase, pela palavra,
expressa o seu pensamento. Essa é a imagem que, aplicada a Deus, faz com que o
autor sagrado chame o Deus único de Pai que envia a sua Palavra aos homens para
que lhes comunique do seu Espírito. Nesse caso, todavia, o Pai é hipóstase, a
Palavra é hipóstase e o Espírito também. A Ssma. Trindade assim se anuncia
desde a criação do mundo, sempre mais acentuando a revelação da sua natureza ao
longo da história da salvação.
Com Jesus Cristo, a Palavra se faz carne.
Dá testemunho de tudo o que viu e ouviu (isto é de tudo o que sempre vê e ouve)
porque é o Resplendor da Glória do Pai, a Imagem da sua substância. O Espírito
está com ele e opera as obras do Pai.
À essa altura, a linguagem mais
apropriada, para falar do Deus único que se revela, é a linguagem bíblica, que
evita confusões na utilização de antropomorfismos, e analogias. Jesus é o Anjo
de Iahweh, isto é, o próprio Deus enquanto se manifesta. A forma pela qual
Iahweh se manifesta é humana. Mas é exatamente aquela que possibilita ao
próprio Deus de revelar a sua natureza trinitária. Em Jesus é o Deus na sua
totalidade que se torna visível aos homens, contudo, somente da maneira pela
qual os homens podem captá-lo, na unidade da hipóstase da sua Pessoa divina. A
vida trinitária, na sua essência, será participada somente pela visão
beatífica.
Em Jesus, a participação da visão, embora
plena em cada instante da sua existência humana, foi suscetível de um processo
evolutivo, devido à condição de necessário crescimento ao qual estava sujeito
como homem. A Pessoa do Verbo conduz, então, a natureza assumida até à plena
participação da vida divina, que lhe é própria, numa harmoniosa atitude
criatural de louvação, pela contemplação dos feitos do Senhor, e de obediência
até à morte, condição plena de realização do homem. Quando tudo está terminado,
então a Humanidade é glorificada.
A vida trinitária é por nós conhecida da
seguinte forma. Há um único Deus, o Criador. Jesus Cristo é a sua Revelação. O
Espírito é comunhão de vida do Pai com o Filho.
O Deus trinitario é princípio de vida para
as suas criaturas..
Enquanto a Palavra assume a natureza
humana, ela é, em união com o Pai e o Espírito, princípio de vida eterna para
os homens. O Espírito é comunhão de vida do Pai com o Filho e, quando
comunicado aos homens, princípio de comunhão com Deus.
A Vida Trinitária se deixa conhecer pela
encarnação da Palavra que atribui a si a condição de Filho. É segundo a
terminologia antropomórfica que nos é dado falar de Deus.
A revelação que Jesus nos faz do Espírito
introduz um conceito novo qual é aquele de Vida Trinitária num único Deus: da
Palavra que está com Deus e que é Deus e do Espírito, que de Deus é a força que
se manifesta na criação, na regeneração, na santificação.
O Eterno, princípio de todas as coisas,
que se deu a conhecer em Jesus, é aquele que nos chamou à existência, nos
reconciliou pelo único mediador que se deu em resgate pornôs, por Jesus nos
santifica para que tornados filhos adotivos, com Jesus nos tornemos
participantes da sua Glória.
Jesus é a revelação do amor que Deus tem
para com os homens. Assume a condição de servo, aquele que é o Senhor. Vive uma
imolação redentora segundo a figura de Isaac que Abraão é chamado a sacrificar.
Volta aos seus para estar sempre com eles. O Espírito, por ele enviado , conduz
os seus a toda verdade (Jo 14, ; 1Jo 5, ).
O amor extremado com que nos ama e que se
revela enquanto doa o Filho ao mundo, pode ser ilustrado pela criação que
revela toda a sua Bondade. Deus suscita as coisas com Sabedoria e Poder,
revelando nelas toda a sua Beleza e o seu Amor.
A culpa do homem provoca a revelação da
paciência de Deus, da sua longanimidade, porque promete, não obstante os
castigos, uma redenção. O grandioso desígnio, atuado, será celebrado em Ef 1,
3-14, com um cântico espiritual.
São os profetas que mais falam dos
sentimentos de Deus. Oséias ressalta sobretudo o seu amor fiel. Com o fim do
exílio, desponta Isaias II que nos fala de Deus criador, senhor da história, o
Santo de Israel que convida o homem a servi-lo, a procurar com ele o alimento.
Ezequiel fala da Glória de Deus, que vem para julgar a Cidade. Já é uma figura
que o Apocalipse atribuirá a Jesus, o Filho do homem que julga a Cidade terrena
Reflexão final
A descoberta do Deus verdadeiro, a partir da nossa
aproximação a Ele, pela experiência que Israel dele teve, além do conhecimento
que nos trouxe do mesmo, nos fez advertir a importância de refletirmos sobre os
elementos que nos forneceu para aprofundar sempre mais e sistematizar o
conhecimento dele. Resulta que Deus é o Existente por essência, isto é Aquele
cuja essência é a existência. Deus é portanto, a Perfeição das infinitas
virtualidades, a Bondade, que, quando se manifesta na criação, age no amor. A
criatura é a expressão de toda a Sabedoria, Potência, Amor, que estão em Deus.
Em virtude da revelação definitiva que Jesus nos deu, Deus chega a ser
conhecido por nós na sua vida trinitária: o Pai que, com o Filho, vive a
plenitude do Amor. Segundo esse conhecimento nos é dado interpretar mais
profundamente a ação de Deus criadora. Ela não é mais uma ação de um mero Motor
imóvel, Princípio primeiro, é a ação de um Deus de natureza trinitária, que,
quando age, opera na Sabedoria, segundo a potência do Espírito. A natureza
trinitária de Deus está refletida na pessoa humana, criada a imagem e
semelhança de Deus. O Deus criador é Pai para a criatura, que gerou no amor,
que predestinou, que chamou, que justificou, que glorificou (Rm 8, 28-30). O
amor paternal-maternal de Deus encontra a sua explicitação na história de
Israel, momento em que é descrita toda a atenção de Deus para com o seu povo.
Ele é El Shaddai, Iahweh, Qadosh, Esposo. São João resume toda a bondade de
Deus ao dizer: “Deus tanto amou o mundo que lhe entregou o seu Filho” (Jo
3,16). Ele só espera que os homens correspondam ao seu amor crendo nele. Deus,
na sua manifestação, é “Graça sobre graça”. Deus é Espírito, cuja grandeza se
revela na criação, na história de Israel, nos Profetas, nos sábios e,
sobretudo, na pessoa de Jesus Cristo. Em Cristo Jesus é que temos, afinal, toda
a manifestação de Deus na sua perfeição, na sua santidade e no seu amor, porque
Ele é a Bondade que no Amor age, comunicando-se aos homens pela humanidade
assumida pela Encarnação. Dessa forma ele é, não somente em si, como também
para nós o “Resplendor da Glória do Pai, a Imagem da sua Substância”. Um com o
Pai, nos permite ver nele o próprio Pai. Em Jesus se revela toda a Bondade, que
é o Pai, sobretudo pela sua imolação de Cruz. Os outros gestos, também, são
revelação da Bondade. Aliás assumem a sua mais plena significação enquanto se
relacionam ao gesto final que é o da Cruz. Deus é então Luz, Vida, Verdade que
continuamente convida o homem à participação do seu Ser, maternalmente
estimulando a criatura a viver à altura da sua vocação para que, afinal, lá
possa chegar.
Leitura: Sb 11,20b-12,2
Perguntas para reflexão
Qual é o processo cognitivo no homem?
Quem é o homem para o hebreu?
Como devemos ler as Escrituras (perspectiva pedagógica,
teológica e profética)?
Por que a
história de Israel prova a existência de Deus?
Qual é a
contribuição de Jesus Cristo quanto ao conhecimento de Deus?
Além da
existência de Deus, quais outras verdades agora conhecemos em virtude da
Revelação?
De que forma as Escrituras nos revelam a ação pedagógica de
Deus?
Quais são os principais gêneros literários que encontramos
nas Escrituras?
Qual é o gênero literário dos Evangelhos?
De que
forma Jesus nos revela a Vida Trinitária?
Como
ilustrar a Vida Trinitária a partir do homem?
O que é
Vida Trinitária?
Qual é o sentido de El Shaddai?
Qual é o sentido de Iahweh?
Qual é o sentido de Qadosh?
Qual é a
prerrogativa que atribuímos ao Espírito?
Quais as
prerrogativas do Espírito no A.T.?
Quais as
manifestações do Espírito no A.T.?
De que
forma o Espírito se manifesta na vida de Jesus Cristo?
Jesus Cristo, na condição de Sabedoria, o que mais
especificamente nos revela de Deus?
Quais são as prerrogativas da Pessoa de Jesus que o qualificam
na sua vida voltada para o Pai?
Quais são as prerrogativas messiânicas de Cristo?
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