Carta aos Gálatas
Endereço (1,1-5)
Paulo se apresenta na condição de
Apóstolo de Deus Pai, constituído na sua função por Jesus, o ressuscitado, o
Senhor da Igreja, por quem fomos resgatados do “mundo mau” em virtude da sua imolação,
“segundo a vontade de nosso Deus e Pai”. Estamos diante do esboço do fundamento
doutrinal que norteará a redação da carta: Deus, por livre determinação da sua
vontade, quis que o Filho se entregasse à morte para libertar da escravidão do
Mal todos os que cressem nele. Constituído Senhor da Igreja, pela graça que nos
mereceu, tornou possível merecermos a herança eterna, na força do Espírito.
Exegese
1,1
Paulo escreve na condição de Apóstolo, movido pela fé em Deus Pai e em Jesus
Cristo, o Senhor ressuscitado (1Cor 15, 1-34), que o constituiu na sua função.
Trata-se de algo bem lembrado, em vista daquilo que argumentará contra os
judaizantes que querem interferir na vida das Igrejas da Galácia, a ponto de
minar a sua fé. De fato, pretendem que os gálatas substituam a fé em Cristo com
a prática da Lei, a partir da circuncisão.
1,2
A sua fé é a fé da Igreja toda.
1,3
De Deus Pai e de Jesus Cristo, o ressuscitado, constituído Senhor da Igreja,
nos advém toda graça e a condição de estarmos em paz com Deus.
1,4
Jesus se entregou pelos nossos pecados (1Cor 15,3-4). Está em processo a nossa
libertação até chegarmos à plena posse do Reino (1Cor 15, 20-28).
1,5
Paulo tem em vista a visão gloriosa do Desígnio de Deus Pai que Ef 1,3-14
descreverá exaustivamente. Essa grandiosa e sublime realidade divina que lhe
foi concedido entender por revelação, lhe permite estar de posse
de uma argumentação que apresentará a linha pastoral conveniente,
seja em relação aos judeus convertidos, como em relação aos gentios que abraçaram
a fé.
Admoestação (1,6-9)
Os gálatas estão para se tornar
culpados de um grave pecado: o de abandonar o Deus que os chamou “para serem
conformes à imagem do seu Filho” (Rm 8,29), para entrarem debaixo do jugo da
Lei mosaica, dando ouvido a judaizantes. Não há condição alguma de mudar aquilo
que os Apóstolos anunciaram e eles abraçaram movidos pelo Espírito que, pelos
mesmos, falava (1Jo 2,20). Os gálatas têm que refletir: não estava Paulo lhes
falando em nome de Deus?
Exegese
1,6
Está acontecendo o inacreditável. Após tanto trabalho, os Gálatas deram ouvidos
a outros pregadores que estão destruindo o que Paulo edificou.
1,7
Paulo anunciou o Evangelho de Cristo, os judaizantes o corrompem e os gálatas
os acolhem.
1,8-9
Deve ser considerado fora da nossa comunhão de fé todo aquele que anuncia uma
doutrina diferente daquela transmitida pelos Apóstolos (2Jo 9).
Argumentação
1,10
A sua pregação, diz Paulo, é fruto de uma opção radical. Ele se tornou “servo
de Cristo”. Por isso, exerce o seu ministério de Apóstolo na Igreja procurando
exclusivamente “o favor de Deus” (1Cor 4,1-5).
2ª
feira 27 semana TC ano par
Reflexão (Gl 1,6-12)
Iniciamos
a leitura de uma carta escrita logo após 1Cor. Temos uma declaração
autobiográfica inicial que nos faz compreender quão profunda era a vida de fé, em Paulo. Ele é o fariseu-escriba a quem Jesus se revela na
condição de Senhor da Igreja, que Deus Pai ressuscitou e constituiu Cabeça, a
Plenitude que leva todos à sua plenitude. Nos seus primeiros anos, se dedicou à
compreensão de Jesus, determinado, numa atitude heróica, a considerar tudo um
nada para conquistar a Cristo. Recompensa de tudo isso foram as visões (2Cor
12,1-4) e a comunicação, por parte do próprio Jesus, do evangelho que ele
prega. Paulo tem uma visão abrangente do Desígnio que Deus Pai realizou em
Cristo, para que nos tornemos o peã da sua glória (Ef 1,6). Somos chamados à
filiação adotiva no Amado pela efusão do seu sangue. Opera-a o Espírito por
quem fomos marcados (Ef 1,13) e que nos leva a toda ciência e sabedoria. Pela
perseverança nas tribulações somos capazes de alcançar uma caridade coroada por
uma esperança indefectível, porque vemos que, enquanto morremos unidos a Cristo, na sua Paixão, experimentamos a alegria do Espírito Santo,
sinal da vida em nós ( Rm 5,3-5).
Essa
pérola, que é a fé em Paulo, está incrustada nas motivações da carta: a
evocação da sua função de Apóstolo que se torna necessária para justificar a
sua intervenção (cf. Fl e 1Cor), a condição irretocável do Evangelho de Deus
que os Apóstolos pregaram, enquanto os judaizantes querem que os gálatas
abracem outra doutrina, o anúncio do triunfo de Cristo sobre os poderes
celestiais que dominam esse mundo, que nos permite viver na liberdade dos
filhos de Deus.
Primeiro ponto da argumentação (1,
11- 2,14)
Paulo declara que anuncia o
Evangelho de Deus por revelação direta de Jesus Cristo. Nessa condição é
incontestável e os gálatas têm um fundamento seguro para não se deixar
desencaminhar. Paulo fundamenta a convicção deles a partir da declaração da sua
conduta antes de abraçar a fé.
No judaísmo, se distinguia “no zelo
pelas tradições paternas”.
Chamado por Deus para o ministério
apostólico, conheceu a graça da vida no Filho, juntamente com os carismas da
ciência e da sabedoria que lhe possibilitaram anunciar a “boa nova” aos
gentios. Considerou um nada todas as vantagens da sua posição. Foi, então, à
Arábia. Voltou depois para Damasco e pregou na Síria e na Cilícia. Não
precisou, sequer, consultar os Apóstolos que estavam em Jerusalém. Quando,
afinal, lá ele foi, se avistou com Pedro e com Tiago, entretendo-se com eles
somente por quinze dias. Não era conhecido pelas igrejas da Judéia que,
somente, glorificavam a Deus porque, de perseguidor, tinha-se tornado
evangelizador (1,11-24).
3ª
feira 27 semana TC ano par
Reflexão (Gl 1,13-24)
As
anotações autobiográficas de Paulo querem convencer os gálatas quanto à
seriedade da doutrina que lhes pregou. Nelas, ele afirma, em primeiro lugar,
que, por ter sido destinado a ser pregador dos gentios, para que exercesse à
altura a função de Apóstolo, à semelhança dos outros Apóstolos recebeu o
Espírito para o entendimento das Escrituras (Lc 24, 44-48). Foi por “revelação
de Jesus Cristo” (1,12), portanto, que aprendeu o Evangelho que lhes anunciou.
Em seguida frisa que conhece profundamente o mundo em que vivem os judaizantes
que querem desencaminhar os gálatas:quando fariseu, era irrepreensível ; no seu
zelo, chegou até a ser perseguidor da Igreja.
Diante
do chamado de Deus, que se destina a todos desde a concepção, Paulo se despojou
do homem velho, considerando um nada as vantagens da sua posição no judaísmo,
preocupado somente em viver com toda fidelidade a missão que Deus lhe confiava
de ministro do Evangelho do seu Filho (Rm 1,9). O seu encontro com Tiago e Pedro
foi rápido e ocasional. Ainda era desconhecido pelas Igrejas da Judéia que
glorificavam a Deus pela sua conversão e apostolado.
A comparação do seu evangelho com o
dos Apóstolos em Jerusalém, se deu somente 14 anos depois da sua conversão.
Embora, pessoalmente, estivesse determinado em não ceder em nada naquilo que os
judaizantes pretendiam, foi, então, até lá, instruído por revelação.Tito, “que
era grego” (2,3), e que tinha ido com ele, não “foi obrigado a circuncidar-se”.
Tiago, Pedro e João reconheceram ter
sido Paulo enviado aos gentios. Os notáveis, então, lhe estenderam a mão “em
sinal de comunhão” (2,9).
Se não houve coerência, isto
aconteceu com Pedro e os circuncisos de Antioquia que assumiram um
comportamento hipócrita, quando lá apareceram
alguns judaizantes, discípulos de Tiago (2,1-14).
4a
feira 27 semana TC ano par
Reflexão (Gl 2,1-2.7-14)
Ao longo de Gl 1-2, notamos que
Paulo quer estabelecer os princípios doutrinais que devem nortear as práticas
pastorais, quanto à pregação do Evangelho. Os judeus que abraçaram a fé podem
continuar com as suas práticas que, de fato, os ajudam a viver a sua fé em
Cristo. Não devem, todavia, impor a prática da Lei àqueles que, entre os
gentios, abraçaram a fé em Cristo, porque nele se realizam as Escrituras. As
figuras cessam com a sua função. Podem ser perpetuadas enquanto ajudam a
entender os mistérios que se realizaram em Jesus. De fato, a Celebração da
Palavra e da Fração do Pão substituem a Páscoa hebraica. O Batismo substitui a
circuncisão. A Lei do Espírito substitui a letra da Lei com as suas
prescrições. Os valores da fé em Cristo superam infinitamente o que a Lei
anunciava. Se os fiéis abraçam a Lei,enquanto acham que suas práticas são
condição de salvação, decaem da graça. Substituiriam os valores recebidos pela
santificação na fé com o que não tem mais valor.
Segundo ponto da argumentação (2,15
- 5,12)
Tema (2,15-21)
Tanto os judeus
como os pecadores da gentilidade são justificados somente pela fé em Jesus
Cristo. Nunca alguém é justificado pelas obras da Lei. Estamos abandonando a
Lei porque queremos a ela obedecer, enquanto damos a nossa adesão de fé àquele
que a mesma anuncia como “aquele que devemos escutar” (Dt 18,15.18; cf. Jo
5,46). Se abandonamos aquele em quem acabamos de acreditar, para constituir a
Lei princípio da nossa justificação em virtude da prática das obras que ela
prescreve, é então que nos tornamos transgressores. O princípio da nossa
vivificação é Cristo imolado. A sua vida está em mim por causa da minha fé
nele. Num sentido real, é ele que “vive em mim”, porque ele, no seu amor, se
entregou por mim e estabeleceu em mim o Espírito, princípio da minha
libertação, da vida de filho, herdeiro da vida eterna. Quando professo que é
pela Lei que vem a justiça, eu já não reconheço a necessidade da imolação de
Cristo.
Reflexão
Em
Gl 1-2, Paulo colocou premissas em vista de uma argumentação que destruiria as
pretensões dos judaizantes. Na parte final se expressa de forma enfática.
Embora não apresente, por si, uma doutrina nova, a forma nos permite captar a
profundeza da realidade que se estabeleceu com a graça que Cristo nos mereceu.
Ela sobressai de forma peculiar pela confrontação entre a Lei e a imolação de Cristo.
A justificação pela prática da Lei é algo ínfimo em relação à graça que Cristo
mereceu com a sua Morte e que nos é dado alcançar pela fé. Em Romanos, Paulo
provará que pela Lei ninguém se justifica. Resultará, então, totalmente
equivocada a pretensão dos judeus de poder avançar méritos diante de Deus pela
prática irrepreensível das suas prescrições,
enquanto, pela dignidade de Cristo e pela gratuidade do dom por parte de Deus,
a justificação pela fé, alcança, de fato, a libertação da escravidão do pecado
e a comunhão com Deus em virtude do Espírito que Cristo nos mereceu com a sua
Morte, a ponto de podermos dizer que pela unidade que o Espírito estabelece,
“se realmente o Espírito habita em nós”, que “é Cristo que vive em nós”. A
co-responsabilidade do fiel é ilustrada por Jo 14 onde o Cristo que volta vivo
e faz viver, condiciona a sua presença à observância dos seus mandamentos.
Então, seremos morada dele, que virá com o Pai. A sua presença realizar-se-á se
nos tivermos transformado em homens espirituais (1Cor 2,7-16).
Desenvolvimento do tema
Gl 3 Substituir o “Cristo crucificado” pela Lei
não passa de uma miragem. É uma insensatez, simplesmente porque o Espírito que
é a vida de Deus comunicada ao homem, somente pode ser alcançado pela fé
naquele que por nós morreu (Rm 3, 21-31). À essa altura, Paulo lembra a
experiência que os gálatas tiveram do Espírito quando da sua pregação no meio
deles. Isto aconteceu exatamente porque deram a sua adesão de fé àquele que a
Lei anunciava. Desconhecer o valor da fé, para tornar
a Lei condição única de salvação, é uma opção humana de se relacionar com a
revelação. Temos que morrer para a Lei para viver pela fé naquele que a Lei
anunciou e que se revelou, pelos seus mistérios de Morte e Ressurreição,
Princípio do Espírito vivificador.
Até olhando para a figura de Abraão,
vemos que lhe foi reputado como justiça o fato de ter acreditado. São os que
têm uma atitude de fé diante de Deus que se revela, que alcançam a
justificação. O critério sugerido pelos judaizantes torna a tradição humana
única condição de salvação, enquanto Deus, por Jesus Cristo, de uma forma nova
e surpreendente, realiza a nossa justificação pela comunicação do Espírito.
Paulo corrobora o seu ensinamento argumentando pela própria Lei: uma vez que é
justificado somente aquele que observa todas as prescrições da Lei, ninguém é,
de fato, justificado porque não há quem pratique a Lei dessa forma. É
justificado aquele que vive pela fé naquele que se tornou, diz a Lei,
“maldição” por nós. Em segundo lugar, é dessa forma que a justificação é
alcançada, também, por aquele que não conhece a Lei, por ser um gentio. Tornada
possível a justificação para todos, todos recebem o Espírito pela fé.
Paulo tem mais um argumento que
comprova a justificação pela fé. Ao considerar a fé de Abraão, Deus se
comprometeu com a sua Descendência, quanto à realização das promessas. Desse
modo, a herança prometida será alcançada pela fé em Jesus Cristo, em quem se
realizam as promessas. A Lei que veio depois não pode ser considerada, com
exclusividade, a condição da promessa. Quando há um testamento, nada poderá
mudar a vontade do testador.
A conclusão da argumentação
teológica que Paulo escreveu é de uma lógica perfeita. Qualquer paráfrase a
embaça. Há só um recurso para ilustrá-la, aquele de inverter a lógica da
argumentação. Uma vez que somos filhos de Abraão porque fundamentamos a nossa
justificação na fé em Cristo, independentemente da nossa condição de origem,
nos tornamos partícipes da mesma realidade, que é aquela que
Cristo comunica. Pelo batismo, nos tornamos estirpe de Deus. Enquanto Deus
levava em frente o seu Plano de salvação, os filhos de Abraão que tomaram
conhecimento da Lei, nela tiveram o seu pedagogo para Cristo. Tendo Cristo
chegado, terminou a função da Lei. A fé em Cristo, e não a observância da Lei,
é a condição da graça da justificação.
Mais um argumento. A lei, não
obstante a sua santidade, não tem, em si, as condições de dar a vida. Isto é
lembrado pelo livro de Jó. É somente com Cristo que alcançamos a justificação
porque, a partir da fé no poder da sua condição de Filho, recebemos a graça do
Espírito capaz de nos conduzir na realização das obras boas para as quais Deus
nos destinou.
A nova condição
Gl
4, 1-11 Quando Israel vivia guiado pela
Lei era como o filho que, embora herdeiro de tudo, está numa condição de
escravo, pelo tempo determinado pelo pai. Foi libertado dos elementos deste
mundo (Cl 1,16; 2,14-18), no tempo estabelecido pelo Pai. Foi a Descendência, o
Filho da Mulher que o tornou livre, pela graça da adoção filial. Cessou o jugo
da Lei, em virtude da adoção filial. Na
Morte do Filho de Deus fomos sepultados para ressurgir para uma vida nova,
aquela que o Espírito gera e conduz até à sua plenitude (Rm 8, 1-11).
Aquele que quer observar “cuidadosamente
dias, meses, estações, anos” (v.10), volta ao culto dos poderes celestiais.
Volta a ser escravo de “fracos e miseráveis elementos” (v. 9), abandonando o
amor filial ao qual Deus o chamou.
Chegou a plenitude dos tempos, o Dia do Senhor, que é Dia de Luz, Jesus
Cristo, que se revelou o Filho, pela sua ressurreição dos mortos, a
Descendência prometida, nascida da mulher. Resgata os israelitas, que dão a sua
adesão de fé a ele, da sua condição de servos, dele recebendo a adoção filial.
Na condição de filhos, recebem o Espírito, que é o Espírito daquele que de alma
vivente se tornou Espírito vivificante (1Cor 15,45), e se tornam herdeiros.
Os gálatas, pela fé em Cristo Jesus,
receberam a mesma graça, chamados por Deus que neles revelou o seu Filho (1,16),
tornando-os livres da escravidão da idolatria. Como é possível que agora voltem
a se escravizar aos poderes celestiais, que não passam de “fracos e miseráveis
elementos”, abandonando Cristo Jesus, para assumir a observância das
prescrições da Lei? Teria Paulo trabalhado em vão?
Peroração final (4,12-5,12)
Uma vez que o acolheram como anjo de Deus, não voltem
atrás nos seus sentimentos porque, nele, acolheram o próprio Cristo Jesus.
Estão, agora, cortejando pessoas que nada lhes trazem de bom. Cortejem aquele
que até o tempo presente sofre como que as dores do parto até que Cristo seja
formado neles.
Nós somos os filhos da livre, porque
acreditamos no filho da promessa. Os que abraçam novamente a Lei, que foi dada
no Sinai, são os filhos da escrava, que deve ser expulsa, assim como ordenou
Deus a Abraão a respeito de Agar e do seu filho.
Com Cristo Jesus, alcançamos a
liberdade. Não devemos nos deixar “prender de novo ao jugo da escravidão”.
Aquele que optar pela circuncisão no intuito de obedecer à Lei, está excluindo
Cristo da sua vida porque põe toda sua confiança nos méritos que pode alcançar
pela sua observância da Lei. A graça, que alcançamos pela fé em Cristo, não os
pode justificar: “Nós, com efeito, aguardamos, no Espírito, a esperança da justiça
que vem da fé” (4,5), isto é, a herança que nós esperamos, somente é alcançada
quando vivemos segundo o Espírito que somente é dado àqueles que são
justificados pela fé. O valor que temos que ambicionar é a caridade alcançada
pela fé em Cristo. Circuncisão
ou incircuncisão não significam nada.
Comentário
5,1
Em virtude da nossa justificação pela fé em Cristo Jesus, que Deus estabeleceu
vítima de expiação dos nossos pecados, alcançamos, pela ação do Espírito que
nos mereceu, a condição de viver livres do pecado. Aquele que, aceitando a
circuncisão, se obriga a observar as prescrições da Lei, voltará a conhecer a
escravidão do pecado porque renegará a única ação libertadora, qual é
aquela que Deus opera pelo Filho nascido
da Mulher, chegada a plenitude dos tempos: “Rompestes com Cristo, vós que
buscais a justiça na Lei: caístes fora da graça” (v.4). Pela prática da Lei é
possível a justificação quando há fé naquele a quem a Lei, como pedagogo,
conduz. Tendo-se realizado o envio do Filho, por ter chegado a plenitude dos
tempos, a justiça é alcançada somente pela fé nele. De fato, é somente por
Cristo que alcançamos o Espírito, que nos marca com o seu selo para que nos
tornemos o povo “conquistado para a purificação dos pecados” (Ef 1,23; 1Jo
3,3). Princípio da nossa esperança é a fé em Cristo que nos justificou,
enquanto age pela caridade (Rm 5,1-5).
Terça
feira 28ª semana TC ano par
Reflexão (Gl 5,1-6)
Quando
Paulo fala de forma categórica que não há justificação pelas obras da Lei, está
dizendo aquilo que pessoalmente experimentou de forma inconfundível. Pelo
chamado de Deus Pai fez a experiência da ação nova que a fé em Jesus Cristo
realiza no fiel. A fez na condição de quem estava vivendo, com zelo, a
observância da Lei, a ponto de se considerar irrepreensível. De qual verdade,
então, está falando? Em primeiro lugar, da superioridade da ação que Deus está
realizando nos últimos tempos, tendo chegado o seu “dia” em age pelo Filho e
concede, por ele a filiação adotiva, resgatando da Lei. O que acontecia com a Lei?
Uma condição de santidade que justificava o judeu diante de Deus! De uma forma
subjetiva, como vemos no Livro de Jó. Mas Deus questiona Jó: por acaso a tua
justiça legal pode cancelar as culpas da tua juventude? Há uma condição de
culpa que somente pode ser anulada segundo a forma que Deus cogita. Essa forma
é aquela que a reflexão sapiencial descobre quando reflete sobre o Deus de
Israel que chamou o seu filho. Deus se agrada com aquele que crê nele e lho
atribui a justiça. Recebem a mesma justificação, então, todos aqueles que, como
Abraão creem. Disso temos uma confirmação em Hab 2,4 que diz, “O justo viverá
pela fé”. Ninguém, portanto, é justificado pelas obras da Lei. Encontramos uma
confirmação na própria Lei que diz: maldito todo aquele que é suspenso ao
madeiro”. Nessa palavras vemos Jesus que aceitou se tornar maldição para nós
para que, pela fé nele, recebêssemos a remissão dos pecados. Segundo essa forma
de argumentação, que é própria dos judeus peritos em Lei, a Lei só serviu para
multiplicar as culpas, uma vez que não tinha em si nenhuma condição de
justificar quem a praticasse. Isto não significa que não seja boa. Simplesmente, essa argumentação
prova que ela não pode nos dar a justiça, coisa que, pelo contrário alcançamos
pela fé, naquele Deus se agrada e por aquele que aceitou se tornar vítima de
expiação para dele recebermos o perdão dos pecados e o Espírito, penhor da
herança eterna. De fato nos torna o povo da conquista que se engaja na
purificação dos pecados até abrir-se, pela perseverança e constância a uma
esperança que não será confundida. Fora desse tipo de argumentação que quer
rebater a convicção do homem terreno de poder alcançar por si próprio a
justificação, para Paulo, a Lei é boa, sábia e santa. Ela é uma das
prerrogativas que definem a condição privilegiada de Israel a quem pertencem “a
adoção filial, a gloria, as alianças, a lei, o culto, as promessas...” (Rm
9,4). Para entender a argumentação de Paulo, basta considerar a sua ousadia em
assumir como contestável a própria circuncisão. Ela era o claro sinal de
pertença à estirpe de Abraão, que tinha acreditado. Era portanto o sinal da fé.
Uma vez que em Cristo a figura se realiza, não deve mais ser praticada. Seria
renegar a justiça que vem de Deus em virtude do Batismo, porque ainda
considerada condição válida para agradar a Deus: “Rompestes com Cristo vós que
buscais a justiça na Lei; caístes fora da graça” (5,4).
5,7 Paulo apresenta, aqui, a vida cristã
comparando-a à corrida de um atleta. Para ganhar a coroa da vitória, os gálatas
devem evitar tropeçar. Tropeçamos quando nos afastamos do Verdadeiro e nos
deixamos desencaminhar por uma falsa doutrina (1Jo 2,26). Não devemos mais
praticar a circuncisão. Ela foi substituída pelo nosso sepultamento na morte de
Cristo, que os judeus consideram um escândalo, quando, de fato, é “Sabedoria de
Deus e Poder de Deus” (1Cor 1,24).
Paulo concluiu a sua peroração. Está
confiante que os Gálatas, guardando a unidade da fé e acatando o ensinamento
apostólico (1Jo 1,3), não sigam o evangelho dos judaizantes. Ele é uma pedra de
tropeço que os fará cair fora da Verdade. Vivam para Deus, atendo-se ao Cristo
crucificado. Vivam “pela fé no Filho de Deus que se entregou por nós. Não
invalidem a graça de Deus porque, “se é pela Lei que vem a justiça, então
Cristo morreu em vão” (2,21).
Exortações morais (5,13-6,9)
5,13
Pela fé em Cristo saímos do jugo da Lei, que era uma forma de escravidão, qual
do filho que ainda não chegou à idade determinada pelo pai para se tornar o
herdeiro, vivendo sob a ameaça dos poderes celestiais. Devemos avançar na
caridade que descobrimos ser a vida do nosso espírito, enquanto contemplamos a
Cristo Jesus que se entregou por nós. Motivados por tudo o que a fé nos ensina,
enquanto nos leva a aprofundar o Desígnio de Deus que, no amor, nos predestinou
a sermos seus filhos adotivos, herdeiros com Cristo do Reino dos Céus, vivamos
o que nos diz a Lei: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”! (Lv 19,18, Mc
12,31).
5,16
A Palavra, enquanto nos instrui, nos faz celebrar o culto, compenetrados nos
mistérios de Cristo Jesus, o Filho que se entregou a si mesmo para nos livrar
deste mundo mau. Isto nos motiva a realizar as obras do Espírito, renegando os
desejos do homem carnal: fornicação impureza, libertinagem, ódio, rixas,
discussões, invejas. Observando, dessa forma, os mandamentos de Cristo, a caridade
que está em nós desabrochará nos frutos do Espírito. “Pois os que são de Cristo
Jesus crucificaram a carne com suas paixões e seus desejos” (5,24).
5,25
A vida no Espírito, fundamentada no cultivo dos seus dons e na produção dos
seus frutos, nos levará a superar rivalidades, vanglória e inveja.
Gl 6
Correção
fraterna. O faltoso deve ser corrigido pelos que vivem fielmente segundo o
Espírito “com espírito de mansidão”, evitando de cair na tentação da
animosidade (6,1).
Amor
fraternal. Temos que ser suporte, auxilio uns aos outros. É a condição última
do processo da nossa purificação (2Pd 1, 3- ) para atingir a perfeita caridade
(6,2).
A
justa estima. Temos que, sempre, considerar o outro mais digno de estima. A
estima que devemos ter de nós mesmos, fundamentada no carisma que Deus nos deu
é justificável. Deixa-o de ser quando por ela nos confrontamos com os outros
como se o que temos não o tivéssemos recebido (vv. 3-5).
O
sustento dos que ensinam. Os fiéis têm que retribuir, partilhando os seus bens
com aqueles que os ensinam na fé (v. 6).
A
lisura exigida dos pregadores. Quem semeia procurando a sua própria glória ou
agradar os ouvintes ou a fim de lucro “colherá a corrupção”. Quem semeia guiado
pelo Espírito, vivendo por primeiro o que ensina e, depois, pregando sem outros
fins a não ser de tornar, pelo ministério da Palavra, a sua vida na carne, um
sacrifício espiritual agradável a Deus (Rm 12,1), “colherá a vida eterna”. De
fato, seremos experimentados pelo fogo. O que é palha ou madeira será queimado
pelo fogo; somente o ouro permanecerá (1Cor
) (vv. 7-8).
Perseverança
até o fim. Não podemos desanimar na prática do bem. Poderemos colher se
perseverarmos até o fim. Mais uma vez, Paulo lembra o dever do amor fraterno.
Ele deve ser praticado com todos, particularmente com os irmãos na fé (vv.
9-10).
Epílogo
(6,11-18)
Os
judaizantes procuram agradar a Sinagoga, para não serem perseguidos caso
reneguem a circuncisão. Os que eles conseguem que se circuncidem acabam não
observando a Lei. O fim dos judaizantes é procurar se vangloriar naquilo que
conseguem (6, 11-13).
A
convicção inabalável de Paulo. A fé naquele que Deus tornou instrumento de
propiciação o libertou da escravidão do poder das trevas. Ele é, agora, “uma
nova criatura”. O Cristo crucificado, pelos méritos das suas chagas gloriosas,
na condição de quem de “alma vivente se tornou espírito vivificante”, o fez
passar de “glória em glória” (2Cor 3,18). Portanto exclama: “Quanto a mim, não
aconteça gloriar-me senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” que me tornou
vencedor deste “mundo mau” (1,4) (6,14-17).
A
graça. A graça é a experiência mais profunda de Paulo. Por ela, “Aquele que o
chamou” o fez passar o jugo da Lei que não justificava, à liberdade dos filhos
de Deus que vivem segundo o Espírito. Promoveu sempre mais a sua fé pelo dom do
entendimento, que o levou a toda ciência, o que permitiu que a caridade que
estava nele fosse nutrida a ponto do Filho de Deus se revelar nele (2,16). Ele
a deseja para todos os fiéis. E estes a alcançarão enquanto se gloriarem “na
Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (v. 18).
Temas
Argumentação contra os
judaizantes
Uma vez
que chegamos a crer que Jesus é o Cristo, abertamente manifestado Filho do Deus
com poder pela sua ressurreição dos mortos, sabemos que não é pela prática das
obras da Lei que nos justificamos, mas pela fé no Filho de Deus, Aquele que o
Pai enviou, nascido da Mulher, nascido sob a Lei, para justificar os que
estavam sob a Lei. Essa forma de justificação nos é comprovada pelas Escrituras
que, quando falam de Abraão, nos dizem que foi justificado pela fé e que, em
virtude dessa justificação pela fé, recebeu a promessa da terra que seria
concedida a ele e à sua Descendência. O que se realizou em Cristo.
A Lei,
que é boa, resultou, contudo, não ser capaz de dar a vida. Foi simplesmente um
pedagogo para o povo que esperava a revelação da fé. Quando, na plenitude dos
tempos, Deus enviou o seu Filho, realizando-se dessa forma a profecia da nossa
salvação pela Descendência, fomos resgatados da Lei, no sentido de que fomos
chamados a alcançar a justificação pela fé no Filho de Deus que nos amou e se
entregou por nós. Aquilo que nunca teríamos alcançado pelas obras da Lei, que
simplesmente provou sermos pecadores, agora pode ser alcançado pelo Espírito, cuja
presença foi merecida para nós. Ele age a partir do nosso Batismo, pelo qual,
Cristo nos sepulta na sua Morte, para nos fazer ressurgir, na força do seu
Espírito, para a vida de filhos de Deus. Disso tudo, resulta anacrônica a
preocupação de ainda praticarmos as obrigações da Lei. A circuncisão não tem
valor. Tem valor a fé agindo pela caridade (5,6).
A unidade temática da carta
A carta tinha a finalidade de
prevenir os Gálatas contra a doutrina dos judaizantes que pregavam a
necessidade da prática das prescrições da Lei, a partir da circuncisão. Para
Paulo, a adesão a essa doutrina implicava a auto-exclusão da graça da
justificação que Jesus Cristo mereceu com a sua Morte de Cruz.
A
princípio, os Gálatas têm que lembrar que seria uma incoerência abandonar o
Evangelho abraçado por eles, uma vez que as manifestações do Espírito que eles
puderam experimentar, quando da pregação de Paulo, comprovam a sua origem
divina. Ao optar pela nova doutrina não estariam seguindo os impulsos do
Espírito, e sim, os impulsos do homem terreno.
Ele pode
comprovar, fundamentado na sua experiência pessoal, porque está errado procurar
a justificação pelas obras da Lei. Ninguém, como ele, conhece o judaísmo e as
suas práticas. Quanto à Lei, na condição de fariseu, era irrepreensível, zeloso
pela tradição dos seus pais. A graça que Deus lhe concedeu quando o chamou para
ser ministro do Evangelho do seu Filho, lhe permitiu partir para a sua
pregação, não sentindo nenhuma necessidade de confrontar o conteúdo da sua
pregação com a dos notáveis que estavam em Jerusalém. Ele o tinha recebido, por
revelação, do próprio Jesus Cristo, este, na condição de Senhor da Igreja.
Prregou o Evangelho na Arábia, em Damasco, na Síria e na Cilícia. Foi somente
três anos depois que foi se encontrar com Pedro em Jerusalém. Esteve com ele 15
dias, o que lhe ofereceu a oportunidade de se encontrar, também, com Tiago. As
igrejas da Judéia o conheciam somente como aquele que antes perseguia as
igrejas e que agora pregava o Evangelho de Cristo.
Somente
14 anos depois ele voltou para Jerusalém, movido por uma revelação, levando
consigo Tito. Deste, ninguém exigiu a sua circuncisão. Quanto ao Evangelho,
reconheceram que ele tinha sido enviado aos gentios, enquanto Pedro tinha sido
enviado aos judeus.
Foi
Pedro que se mostrou incoerente quando assumiu uma conduta hipócrita, em
Antioquia. Diante da pressão exercida pelos judaizantes que vinham de
Jerusalém, Pedro queria pressionar os pagãos a viverem como judeus, embora ele
mesmo, já vivesse como pagão.
A essa
altura, Paulo interrompe a sua argumentação para admoestar os judeus quanto à
sua incoerência diante de tudo o que dele aprenderam, pela sua pregação, sobre
Cristo crucificado, especificamente, lembrando-lhes que estavam deixando de ser
guiados pelo Espírito para seguirem os pensamentos do homem terreno.
Começa
então a argumentar segundo as Escrituras. Nós é que somos filhos de Abraão,
herdeiros da promessa porque, reconhecendo que somos justificados pela fé,
estamos agradando a Deus da forma que ele mostrou quando, diante da promessa,
“Abrão confiou no Senhor, eo Senhor lho imputou para justiça (Gn 15,6). Desde o
momento da vocação de Abraão, nos é revelado que assim deveria ser, porque Deus
disse: “Em ti serão abençoados todos os povos da terra”. A justificação pela fé
é decretada pelas Escrituras quando Habacuc proclama: “O justo viverá pela fé”
(Hab 2,4). Por tudo isso, podemos afirmar que Cristo Jesus é o Filho que
aceitou se tornar maldição, segundo o que diz a Lei: “Maldito aquele que é
suspenso ao madeiro”.
Paulo
corrobora a sua argumentação relacionando, cronologicamente, a Lei ao tempo da
promessa feita a Abraão. Ela é dada 430 anos depois. Querendo comentar o fato
por uma analogia, Paulo diz que certamente a Lei não pode anular a promessa porque
seria como anular a vontade de um testador que ainda vive. A nossa justificação
acontece pela Descendência, que é Cristo Jesus, em virtude da promessa.
Nesse
caso devemos dizer que, de fato, a Lei só multiplicou as culpas.
Notamos
que Paulo está raciocinando como se falasse a entendidos na Lei, supostamente,
os judaizantes. Paulo os está questionando com toda a perspicácia de um
escriba, em defesa da fé dos Gálatas. Está utilizando o termo “Lei” em duplo
sentido. Enquanto é a expressão da vontade divina, ela dá a vida a quem a
pratica. Nesse caso, todavia, a Vida só é alcançada na fé, por aquele que é
animado pela esperança daquele que devia vir. Quem pratica a Lei dessa forma o
faz segundo o Espírito, animado pela esperança de um Redentor. Sabe que agrada
a Deus enquanto cumpre os preceitos da Lei. Porém, sabe, também, que a
justificação acontecerá por Aquele que deve vir e que o mundo inteiro espera.
Temos, portanto, segundo a Aliança do Sinai, os justos que esperavam a redenção
de Israel, a quem o Espírito revela, em Jesus, o Salvador (Lc 2,30.38). A
Simeão e a Ana podemos unir os homens de fé de que fala Hb 11. A Lei, pelo contrário, não é capaz de
dar a vida quando é considerada como um meio para alcançar a justiça, pela
prática das suas prescrições, esquecida a sua finalidade específica, que é a de
agradar a Deus, obedecendo aos seus mandamentos. É aquilo que Deus lembrava a
Jó que levantava direitos diante de Deus por causa da sua conduta
irrepreensível. A ele Deus responde: “Você está esquecido dos pecados da sua
juventude”? É nesse caso que a Lei não é capaz de dar a vida. Essa vida
esperada pelos justos do AT e que eles alcançavam na esperança da Descendência,
neles, de fato, já operando o Espírito, nos é alcançada de forma irrestrita e
universal, pelo Filho que, “chegada a plenitude dos tempos, Deus envia, nascido
da Mulher”. Este Filho reconhece a Lei, sob a qual nasce. Leva-a, contudo, à
perfeição, interpretando-a segundo o espírito de Deus que a ditou. Por
primeiro, se torna o menor. Por primeiro, vive em si os seus ideais, obediente
até a morte de Cruz para alcançar na sua humanidade a Glória da divindade.
Nascido
de mulher (sentido implícito no termo profético de Gn 3,15), membro a pleno
título da estirpe humana, é a Descendência realizadora das promessas feitas a
Abraão. Aceita tornar-se “maldição” para nos resgatar da maldição merecida
pelas nossas transgressões. Consegue a nossa justificação porque é o Filho. Nós
somos justificados, por graça, pela fé (Rm 3,22-23). Realiza-se a salvação,
estendida, agora, a todos os povos que se tornam herdeiros na condição de
verdadeiros filhos de Abraão.
A doutrina de Paulo
Deus, no
seu Desígnio, desde sempre, nos destinou a sermos seus filhos adotivos em Jesus
Cristo, que se entregou à Morte para nos salvar deste mundo mau. Ressuscitado,
foi constituído Senhor da Igreja. Nós somos chamados a sermos conformes à
imagem do seu Filho. Aquele que nos chamou nos justifica “pela fé em Cristo”
(2,17): pela fé no Filho de Deus que nos amou e se entregou por nós. A vida que
a Lei, por si, nunca poderia dar, está em nós pelo Espírito que Cristo Jesus
nos mereceu. Aquele que de alma vivente se tornou espírito vivificante (1Cor
15,45), tendo-nos reconciliado com Deus, nos faz passar de glória em glória,
pelo seu Espírito (2Cor 3,18). Ele é o Filho abertamente manifestado com poder,
por sua ressurreição dos mortos, tornado, um com o Espírito, ele mesmo,
Espírito santificador (Rm 1,4). Longe de mim, diz Paulo, envergonhar-me da Cruz
de Cristo, “Sabedoria e Poder de Deus para os que são chamados” (1Cor 1,24).
Pelo
Espírito alcançamos a libertação da escravidão do mundo com as suas
concupiscências. A sua ação começa pela palavra da Boa Nova que os Apóstolos
anunciam, segundo o seu carisma. No Batismo, nos configura a Cristo, sacerdote,
profeta e rei.
Tornados o povo da
conquista, daquele que “nos arrancou do poder das trevas e nos transportou no
reino do seu Filho, no qual temos a redenção, a remissão dos pecados” (Cl
1,13), se cultivarmos os dons do Espírito e produzirmos os seus frutos, seremos
chamados a participar da herança dos santos na luz, por ter vivido, dessa
forma, a caridade, no amor aos irmãos.
A
palavra da Profecia que nos santifica no culto, nos revelando os mistérios de
Cristo, Filho do Homem, Cordeiro imolado, é aquela que torna possível
“crucificar a carne com suas paixões e seus desejos”. A vida presente na carne
se torna, dessa forma, um sacrifício espiritual agradável a Deus, o nosso culto
espiritual (Rm 12,1). Renovando nossa mente, nos transformamos. Isto nos afasta
das obras da carne enquanto conseguimos discernir “qual é a vontade de Deus, o
que é bom agradável e perfeito (12,2).
As
convicções de Paulo
Quando
Paulo propõe a sua experiência pessoal como primeiro fundamento da sua
argumentação contra os judaizantes, assim se manifesta: “Quando, porém, Aquele
que me chamou por sua graça, houve por bem revelar em mim seu Filho”. É o
início de uma exposição da sua experiência pessoal na fé, de uma convicção que
o levará a uma radicalização contra os judaizantes que, a seu ver, não atinam
para o valor da graça que nos é dada pela fé em Cristo Jesus. O final da carta
nos esclarece sobre esse ponto: “Quanto a mim, não aconteça gloriar-me senão na
Cruz de N.S.J.C., por quem o mundo está crucificado por mim e eu para o mundo”
(6,14). A graça produziu nele, de forma gradativa, “a nova criatura”, livre da
escravidão das concupiscências do mundo. Ele vê na Cruz daquele que, por ela,
foi constituído o Senhor da Glória, a condição da sua libertação “do corpo de
morte” que a Lei nunca poderia lhe dar, não obstante todo o seu zelo, quando
fariseu, pela Lei judaica. Paulo deseja, de todo coração, esse caminho para
todo e cada fiel. Os que não o entendem, não o critiquem, porque nunca
conseguirão levá-lo a pensar de forma diferente diante de tudo o que ele pôde
experimentar. A partir do chamado de Deus, compenetrado com a graça recebida,
porque a ele se manifestou o próprio Cristo Jesus na sua condição gloriosa,
descartando qualquer possibilidade de reconsiderar a sua decisão, se dedicou à
tarefa de ministro do Evangelho de Deus,à qual tinha sido chamado. Alimentou a
caridade mediante o aprofundamento das verdades de fé, coisa que praticou até o
fim da sua vida (2Tm 4,13). Uniu-se a Cristo na sua Paixão até experimentar a
alegria do Espírito Santo. Desabrochou, então, nele, uma esperança
inquebrantável a ponto de exclamar: “Quem me separará do amor de Cristo? A
tribulação... a espada” (Rm 8,35)? Como
não considerar valor supremo esse tesouro, essa pérola preciosa, pela qual
tinha valido a pena sacrificar tudo, tornar a sua vida um sacrifício
espiritual, no exercício heróico da sua missão apostólica? Ele tinha sido fruto
de Cristo crucificado, Poder que somente Deus podia ter posto em ato, na sua
Sabedoria!
As
convicções de Paulo, antes de chegarmos a lê-las de forma manifesta no epílogo,
aparecem também em 2,19-21. Nele, a vida consagrada a Deus foi o fruto de uma
ação progressiva de Cristo crucificado. A nossa condição de liberdade do corpo
de morte se dá enquanto aquele que aceitou se tornar “maldição” para nós, nos
comunica, em virtude da fé que temos nele, o Espírito prometido (3,14). A
frase: “Fui crucificado junto com Cristo” manifesta, de forma plástica, a união
necessária entre Cristo e o fiel. A expressão, então: “Já não sou eu que vivo,
mas é Cristo que vive em mim” é a consequente síntese teológica da verdade
exposta acima. A frase conclusiva simplesmente descreve o dinamismo pelo qual
se processa a ação da graça: ao longo da vida, a vida divina que teve o seu
início pela adesão de fé ao Filho de Deus, tem o seu desenvolvimento em virtude
do amor e da entrega dele por mim, por mim vivida segundo os princípios que o
aprofundamento da minha fé me oferece (Rm 1,17).
Nenhum comentário:
Postar um comentário