Carta aos Gálatas



Carta aos Gálatas                          

Endereço (1,1-5)
            Paulo se apresenta na condição de Apóstolo de Deus Pai, constituído na sua função por Jesus, o ressuscitado, o Senhor da Igreja, por quem fomos resgatados do “mundo mau” em virtude da sua imolação, “segundo a vontade de nosso Deus e Pai”. Estamos diante do esboço do fundamento doutrinal que norteará a redação da carta: Deus, por livre determinação da sua vontade, quis que o Filho se entregasse à morte para libertar da escravidão do Mal todos os que cressem nele. Constituído Senhor da Igreja, pela graça que nos mereceu, tornou possível merecermos a herança eterna, na força do Espírito.
           
Exegese
1,1 Paulo escreve na condição de Apóstolo, movido pela fé em Deus Pai e em Jesus Cristo, o Senhor ressuscitado (1Cor 15, 1-34), que o constituiu na sua função. Trata-se de algo bem lembrado, em vista daquilo que argumentará contra os judaizantes que querem interferir na vida das Igrejas da Galácia, a ponto de minar a sua fé. De fato, pretendem que os gálatas substituam a fé em Cristo com a prática da Lei, a partir da circuncisão.
1,2 A sua fé é a fé da Igreja toda.
1,3 De Deus Pai e de Jesus Cristo, o ressuscitado, constituído Senhor da Igreja, nos advém toda graça e a condição de estarmos em paz com Deus.
1,4 Jesus se entregou pelos nossos pecados (1Cor 15,3-4). Está em processo a nossa libertação até chegarmos à plena posse do Reino (1Cor 15, 20-28).
1,5 Paulo tem em vista a visão gloriosa do Desígnio de Deus Pai que Ef 1,3-14 descreverá exaustivamente. Essa grandiosa e sublime realidade divina que lhe foi concedido entender por revelação, lhe permite estar de posse de uma argumentação que apresentará a linha pastoral conveniente, seja em relação aos judeus convertidos, como em relação aos gentios que abraçaram a fé.

            Admoestação (1,6-9)
            Os gálatas estão para se tornar culpados de um grave pecado: o de abandonar o Deus que os chamou “para serem conformes à imagem do seu Filho” (Rm 8,29), para entrarem debaixo do jugo da Lei mosaica, dando ouvido a judaizantes. Não há condição alguma de mudar aquilo que os Apóstolos anunciaram e eles abraçaram movidos pelo Espírito que, pelos mesmos, falava (1Jo 2,20). Os gálatas têm que refletir: não estava Paulo lhes falando em nome de Deus?
            Exegese
1,6 Está acontecendo o inacreditável. Após tanto trabalho, os Gálatas deram ouvidos a outros pregadores que estão destruindo o que Paulo edificou.
1,7 Paulo anunciou o Evangelho de Cristo, os judaizantes o corrompem e os gálatas os acolhem.
1,8-9 Deve ser considerado fora da nossa comunhão de fé todo aquele que anuncia uma doutrina diferente daquela transmitida pelos Apóstolos (2Jo 9).

Argumentação
1,10 A sua pregação, diz Paulo, é fruto de uma opção radical. Ele se tornou “servo de Cristo”. Por isso, exerce o seu ministério de Apóstolo na Igreja procurando exclusivamente “o favor de Deus” (1Cor 4,1-5).             
           
2ª feira 27 semana TC ano par
            Reflexão (Gl 1,6-12)
            Iniciamos a leitura de uma carta escrita logo após 1Cor. Temos uma declaração autobiográfica inicial que nos faz compreender quão profunda era a vida de fé, em Paulo. Ele é o fariseu-escriba a quem Jesus se revela na condição de Senhor da Igreja, que Deus Pai ressuscitou e constituiu Cabeça, a Plenitude que leva todos à sua plenitude. Nos seus primeiros anos, se dedicou à compreensão de Jesus, determinado, numa atitude heróica, a considerar tudo um nada para conquistar a Cristo. Recompensa de tudo isso foram as visões (2Cor 12,1-4) e a comunicação, por parte do próprio Jesus, do evangelho que ele prega. Paulo tem uma visão abrangente do Desígnio que Deus Pai realizou em Cristo, para que nos tornemos o peã da sua glória (Ef 1,6). Somos chamados à filiação adotiva no Amado pela efusão do seu sangue. Opera-a o Espírito por quem fomos marcados (Ef 1,13) e que nos leva a toda ciência e sabedoria. Pela perseverança nas tribulações somos capazes de alcançar uma caridade coroada por uma esperança indefectível, porque vemos que, enquanto morremos unidos a Cristo, na sua Paixão, experimentamos a alegria do Espírito Santo, sinal da vida em nós ( Rm 5,3-5).
            Essa pérola, que é a fé em Paulo, está incrustada nas motivações da carta: a evocação da sua função de Apóstolo que se torna necessária para justificar a sua intervenção (cf. Fl e 1Cor), a condição irretocável do Evangelho de Deus que os Apóstolos pregaram, enquanto os judaizantes querem que os gálatas abracem outra doutrina, o anúncio do triunfo de Cristo sobre os poderes celestiais que dominam esse mundo, que nos permite viver na liberdade dos filhos de Deus.

            Primeiro ponto da argumentação (1, 11- 2,14)
            Paulo declara que anuncia o Evangelho de Deus por revelação direta de Jesus Cristo. Nessa condição é incontestável e os gálatas têm um fundamento seguro para não se deixar desencaminhar. Paulo fundamenta a convicção deles a partir da declaração da sua conduta antes de abraçar a fé.
            No judaísmo, se distinguia “no zelo pelas tradições paternas”.
            Chamado por Deus para o ministério apostólico, conheceu a graça da vida no Filho, juntamente com os carismas da ciência e da sabedoria que lhe possibilitaram anunciar a “boa nova” aos gentios. Considerou um nada todas as vantagens da sua posição. Foi, então, à Arábia. Voltou depois para Damasco e pregou na Síria e na Cilícia. Não precisou, sequer, consultar os Apóstolos que estavam em Jerusalém. Quando, afinal, lá ele foi, se avistou com Pedro e com Tiago, entretendo-se com eles somente por quinze dias. Não era conhecido pelas igrejas da Judéia que, somente, glorificavam a Deus porque, de perseguidor, tinha-se tornado evangelizador (1,11-24).

3ª feira 27 semana TC ano par
            Reflexão (Gl 1,13-24)
            As anotações autobiográficas de Paulo querem convencer os gálatas quanto à seriedade da doutrina que lhes pregou. Nelas, ele afirma, em primeiro lugar, que, por ter sido destinado a ser pregador dos gentios, para que exercesse à altura a função de Apóstolo, à semelhança dos outros Apóstolos recebeu o Espírito para o entendimento das Escrituras (Lc 24, 44-48). Foi por “revelação de Jesus Cristo” (1,12), portanto, que aprendeu o Evangelho que lhes anunciou. Em seguida frisa que conhece profundamente o mundo em que vivem os judaizantes que querem desencaminhar os gálatas:quando fariseu, era irrepreensível ; no seu zelo, chegou até a ser perseguidor da Igreja.
            Diante do chamado de Deus, que se destina a todos desde a concepção, Paulo se despojou do homem velho, considerando um nada as vantagens da sua posição no judaísmo, preocupado somente em viver com toda fidelidade a missão que Deus lhe confiava de ministro do Evangelho do seu Filho (Rm 1,9). O seu encontro com Tiago e Pedro foi rápido e ocasional. Ainda era desconhecido pelas Igrejas da Judéia que glorificavam a Deus pela sua conversão e apostolado.
           
            A comparação do seu evangelho com o dos Apóstolos em Jerusalém, se deu somente 14 anos depois da sua conversão. Embora, pessoalmente, estivesse determinado em não ceder em nada naquilo que os judaizantes pretendiam, foi, então, até lá, instruído por revelação.Tito, “que era grego” (2,3), e que tinha ido com ele, não “foi obrigado a circuncidar-se”. Tiago, Pedro  e João reconheceram ter sido Paulo enviado aos gentios. Os notáveis, então, lhe estenderam a mão “em sinal de comunhão” (2,9).
            Se não houve coerência, isto aconteceu com Pedro e os circuncisos de Antioquia que assumiram um comportamento hipócrita, quando lá apareceram  alguns judaizantes, discípulos de Tiago (2,1-14).

4a feira 27 semana TC ano par
            Reflexão (Gl 2,1-2.7-14)
            Ao longo de Gl 1-2, notamos que Paulo quer estabelecer os princípios doutrinais que devem nortear as práticas pastorais, quanto à pregação do Evangelho. Os judeus que abraçaram a fé podem continuar com as suas práticas que, de fato, os ajudam a viver a sua fé em Cristo. Não devem, todavia, impor a prática da Lei àqueles que, entre os gentios, abraçaram a fé em Cristo, porque nele se realizam as Escrituras. As figuras cessam com a sua função. Podem ser perpetuadas enquanto ajudam a entender os mistérios que se realizaram em Jesus. De fato, a Celebração da Palavra e da Fração do Pão substituem a Páscoa hebraica. O Batismo substitui a circuncisão. A Lei do Espírito substitui a letra da Lei com as suas prescrições. Os valores da fé em Cristo superam infinitamente o que a Lei anunciava. Se os fiéis abraçam a Lei,enquanto acham que suas práticas são condição de salvação, decaem da graça. Substituiriam os valores recebidos pela santificação na fé com o que não tem mais valor.


            Segundo ponto da argumentação (2,15 - 5,12)
            Tema (2,15-21)
 Tanto os judeus como os pecadores da gentilidade são justificados somente pela fé em Jesus Cristo. Nunca alguém é justificado pelas obras da Lei. Estamos abandonando a Lei porque queremos a ela obedecer, enquanto damos a nossa adesão de fé àquele que a mesma anuncia como “aquele que devemos escutar” (Dt 18,15.18; cf. Jo 5,46). Se abandonamos aquele em quem acabamos de acreditar, para constituir a Lei princípio da nossa justificação em virtude da prática das obras que ela prescreve, é então que nos tornamos transgressores. O princípio da nossa vivificação é Cristo imolado. A sua vida está em mim por causa da minha fé nele. Num sentido real, é ele que “vive em mim”, porque ele, no seu amor, se entregou por mim e estabeleceu em mim o Espírito, princípio da minha libertação, da vida de filho, herdeiro da vida eterna. Quando professo que é pela Lei que vem a justiça, eu já não reconheço a necessidade da imolação de Cristo.
            Reflexão
            Em Gl 1-2, Paulo colocou premissas em vista de uma argumentação que destruiria as pretensões dos judaizantes. Na parte final se expressa de forma enfática. Embora não apresente, por si, uma doutrina nova, a forma nos permite captar a profundeza da realidade que se estabeleceu com a graça que Cristo nos mereceu. Ela sobressai de forma peculiar pela confrontação entre a Lei e a imolação de Cristo. A justificação pela prática da Lei é algo ínfimo em relação à graça que Cristo mereceu com a sua Morte e que nos é dado alcançar pela fé. Em Romanos, Paulo provará que pela Lei ninguém se justifica. Resultará, então, totalmente equivocada a pretensão dos judeus de poder avançar méritos diante de Deus pela prática irrepreensível das suas  prescrições, enquanto, pela dignidade de Cristo e pela gratuidade do dom por parte de Deus, a justificação pela fé, alcança, de fato, a libertação da escravidão do pecado e a comunhão com Deus em virtude do Espírito que Cristo nos mereceu com a sua Morte, a ponto de podermos dizer que pela unidade que o Espírito estabelece, “se realmente o Espírito habita em nós”, que “é Cristo que vive em nós”. A co-responsabilidade do fiel é ilustrada por Jo 14 onde o Cristo que volta vivo e faz viver, condiciona a sua presença à observância dos seus mandamentos. Então, seremos morada dele, que virá com o Pai. A sua presença realizar-se-á se nos tivermos transformado em homens espirituais (1Cor 2,7-16).
            Desenvolvimento do tema           
Gl 3     Substituir o “Cristo crucificado” pela Lei não passa de uma miragem. É uma insensatez, simplesmente porque o Espírito que é a vida de Deus comunicada ao homem, somente pode ser alcançado pela fé naquele que por nós morreu (Rm 3, 21-31). À essa altura, Paulo lembra a experiência que os gálatas tiveram do Espírito quando da sua pregação no meio deles. Isto aconteceu exatamente porque deram a sua adesão de fé àquele que a Lei anunciava. Desconhecer o valor da fé, para tornar a Lei condição única de salvação, é uma opção humana de se relacionar com a revelação. Temos que morrer para a Lei para viver pela fé naquele que a Lei anunciou e que se revelou, pelos seus mistérios de Morte e Ressurreição, Princípio do Espírito vivificador.
            Até olhando para a figura de Abraão, vemos que lhe foi reputado como justiça o fato de ter acreditado. São os que têm uma atitude de fé diante de Deus que se revela, que alcançam a justificação. O critério sugerido pelos judaizantes torna a tradição humana única condição de salvação, enquanto Deus, por Jesus Cristo, de uma forma nova e surpreendente, realiza a nossa justificação pela comunicação do Espírito. Paulo corrobora o seu ensinamento argumentando pela própria Lei: uma vez que é justificado somente aquele que observa todas as prescrições da Lei, ninguém é, de fato, justificado porque não há quem pratique a Lei dessa forma. É justificado aquele que vive pela fé naquele que se tornou, diz a Lei, “maldição” por nós. Em segundo lugar, é dessa forma que a justificação é alcançada, também, por aquele que não conhece a Lei, por ser um gentio. Tornada possível a justificação para todos, todos recebem o Espírito pela fé.
            Paulo tem mais um argumento que comprova a justificação pela fé. Ao considerar a fé de Abraão, Deus se comprometeu com a sua Descendência, quanto à realização das promessas. Desse modo, a herança prometida será alcançada pela fé em Jesus Cristo, em quem se realizam as promessas. A Lei que veio depois não pode ser considerada, com exclusividade, a condição da promessa. Quando há um testamento, nada poderá mudar a vontade do testador.
            A conclusão da argumentação teológica que Paulo escreveu é de uma lógica perfeita. Qualquer paráfrase a embaça. Há só um recurso para ilustrá-la, aquele de inverter a lógica da argumentação. Uma vez que somos filhos de Abraão porque fundamentamos a nossa justificação na fé em Cristo, independentemente da nossa condição de origem, nos tornamos partícipes da mesma realidade, que é aquela que Cristo comunica. Pelo batismo, nos tornamos estirpe de Deus. Enquanto Deus levava em frente o seu Plano de salvação, os filhos de Abraão que tomaram conhecimento da Lei, nela tiveram o seu pedagogo para Cristo. Tendo Cristo chegado, terminou a função da Lei. A fé em Cristo, e não a observância da Lei, é a condição da graça da justificação.
            Mais um argumento. A lei, não obstante a sua santidade, não tem, em si, as condições de dar a vida. Isto é lembrado pelo livro de Jó. É somente com Cristo que alcançamos a justificação porque, a partir da fé no poder da sua condição de Filho, recebemos a graça do Espírito capaz de nos conduzir na realização das obras boas para as quais Deus nos destinou.
            A nova condição
Gl 4, 1-11  Quando Israel vivia guiado pela Lei era como o filho que, embora herdeiro de tudo, está numa condição de escravo, pelo tempo determinado pelo pai. Foi libertado dos elementos deste mundo (Cl 1,16; 2,14-18), no tempo estabelecido pelo Pai. Foi a Descendência, o Filho da Mulher que o tornou livre, pela graça da adoção filial. Cessou o jugo da Lei, em virtude da  adoção filial. Na Morte do Filho de Deus fomos sepultados para ressurgir para uma vida nova, aquela que o Espírito gera e conduz até à sua plenitude (Rm 8, 1-11).
            Aquele que quer observar “cuidadosamente dias, meses, estações, anos” (v.10), volta ao culto dos poderes celestiais. Volta a ser escravo de “fracos e miseráveis elementos” (v. 9), abandonando o amor filial ao qual Deus o chamou.  Chegou a plenitude dos tempos, o Dia do Senhor, que é Dia de Luz, Jesus Cristo, que se revelou o Filho, pela sua ressurreição dos mortos, a Descendência prometida, nascida da mulher. Resgata os israelitas, que dão a sua adesão de fé a ele, da sua condição de servos, dele recebendo a adoção filial. Na condição de filhos, recebem o Espírito, que é o Espírito daquele que de alma vivente se tornou Espírito vivificante (1Cor 15,45), e se tornam herdeiros.
            Os gálatas, pela fé em Cristo Jesus, receberam a mesma graça, chamados por Deus que neles revelou o seu Filho (1,16), tornando-os livres da escravidão da idolatria. Como é possível que agora voltem a se escravizar aos poderes celestiais, que não passam de “fracos e miseráveis elementos”, abandonando Cristo Jesus, para assumir a observância das prescrições da Lei? Teria Paulo trabalhado em vão?

Peroração final (4,12-5,12)
Uma vez que o acolheram como anjo de Deus, não voltem atrás nos seus sentimentos porque, nele, acolheram o próprio Cristo Jesus. Estão, agora, cortejando pessoas que nada lhes trazem de bom. Cortejem aquele que até o tempo presente sofre como que as dores do parto até que Cristo seja formado neles.
            Nós somos os filhos da livre, porque acreditamos no filho da promessa. Os que abraçam novamente a Lei, que foi dada no Sinai, são os filhos da escrava, que deve ser expulsa, assim como ordenou Deus a Abraão a respeito de Agar e do seu filho.
            Com Cristo Jesus, alcançamos a liberdade. Não devemos nos deixar “prender de novo ao jugo da escravidão”. Aquele que optar pela circuncisão no intuito de obedecer à Lei, está excluindo Cristo da sua vida porque põe toda sua confiança nos méritos que pode alcançar pela sua observância da Lei. A graça, que alcançamos pela fé em Cristo, não os pode justificar: “Nós, com efeito, aguardamos, no Espírito, a esperança da justiça que vem da fé” (4,5), isto é, a herança que nós esperamos, somente é alcançada quando vivemos segundo o Espírito que somente é dado àqueles que são justificados pela fé. O valor que temos que ambicionar é a caridade alcançada pela fé em Cristo. Circuncisão ou incircuncisão não significam nada.
            Comentário
5,1 Em virtude da nossa justificação pela fé em Cristo Jesus, que Deus estabeleceu vítima de expiação dos nossos pecados, alcançamos, pela ação do Espírito que nos mereceu, a condição de viver livres do pecado. Aquele que, aceitando a circuncisão, se obriga a observar as prescrições da Lei, voltará a conhecer a escravidão do pecado porque renegará a única ação libertadora, qual é aquela  que Deus opera pelo Filho nascido da Mulher, chegada a plenitude dos tempos: “Rompestes com Cristo, vós que buscais a justiça na Lei: caístes fora da graça” (v.4). Pela prática da Lei é possível a justificação quando há fé naquele a quem a Lei, como pedagogo, conduz. Tendo-se realizado o envio do Filho, por ter chegado a plenitude dos tempos, a justiça é alcançada somente pela fé nele. De fato, é somente por Cristo que alcançamos o Espírito, que nos marca com o seu selo para que nos tornemos o povo “conquistado para a purificação dos pecados” (Ef 1,23; 1Jo 3,3). Princípio da nossa esperança é a fé em Cristo que nos justificou, enquanto age pela caridade (Rm 5,1-5).

Terça feira 28ª semana TC ano par
            Reflexão (Gl 5,1-6)
            Quando Paulo fala de forma categórica que não há justificação pelas obras da Lei, está dizendo aquilo que pessoalmente experimentou de forma inconfundível. Pelo chamado de Deus Pai fez a experiência da ação nova que a fé em Jesus Cristo realiza no fiel. A fez na condição de quem estava vivendo, com zelo, a observância da Lei, a ponto de se considerar irrepreensível. De qual verdade, então, está falando? Em primeiro lugar, da superioridade da ação que Deus está realizando nos últimos tempos, tendo chegado o seu “dia” em age pelo Filho e concede, por ele a filiação adotiva, resgatando da Lei. O que acontecia com a Lei? Uma condição de santidade que justificava o judeu diante de Deus! De uma forma subjetiva, como vemos no Livro de Jó. Mas Deus questiona Jó: por acaso a tua justiça legal pode cancelar as culpas da tua juventude? Há uma condição de culpa que somente pode ser anulada segundo a forma que Deus cogita. Essa forma é aquela que a reflexão sapiencial descobre quando reflete sobre o Deus de Israel que chamou o seu filho. Deus se agrada com aquele que crê nele e lho atribui a justiça. Recebem a mesma justificação, então, todos aqueles que, como Abraão creem. Disso temos uma confirmação em Hab 2,4 que diz, “O justo viverá pela fé”. Ninguém, portanto, é justificado pelas obras da Lei. Encontramos uma confirmação na própria Lei que diz: maldito todo aquele que é suspenso ao madeiro”. Nessa palavras vemos Jesus que aceitou se tornar maldição para nós para que, pela fé nele, recebêssemos a remissão dos pecados. Segundo essa forma de argumentação, que é própria dos judeus peritos em Lei, a Lei só serviu para multiplicar as culpas, uma vez que não tinha em si nenhuma condição de justificar quem a praticasse. Isto não significa que não  seja boa. Simplesmente, essa argumentação prova que ela não pode nos dar a justiça, coisa que, pelo contrário alcançamos pela fé, naquele Deus se agrada e por aquele que aceitou se tornar vítima de expiação para dele recebermos o perdão dos pecados e o Espírito, penhor da herança eterna. De fato nos torna o povo da conquista que se engaja na purificação dos pecados até abrir-se, pela perseverança e constância a uma esperança que não será confundida. Fora desse tipo de argumentação que quer rebater a convicção do homem terreno de poder alcançar por si próprio a justificação, para Paulo, a Lei é boa, sábia e santa. Ela é uma das prerrogativas que definem a condição privilegiada de Israel a quem pertencem “a adoção filial, a gloria, as alianças, a lei, o culto, as promessas...” (Rm 9,4). Para entender a argumentação de Paulo, basta considerar a sua ousadia em assumir como contestável a própria circuncisão. Ela era o claro sinal de pertença à estirpe de Abraão, que tinha acreditado. Era portanto o sinal da fé. Uma vez que em Cristo a figura se realiza, não deve mais ser praticada. Seria renegar a justiça que vem de Deus em virtude do Batismo, porque ainda considerada condição válida para agradar a Deus: “Rompestes com Cristo vós que buscais a justiça na Lei; caístes fora da graça” (5,4).

5,7  Paulo apresenta, aqui, a vida cristã comparando-a à corrida de um atleta. Para ganhar a coroa da vitória, os gálatas devem evitar tropeçar. Tropeçamos quando nos afastamos do Verdadeiro e nos deixamos desencaminhar por uma falsa doutrina (1Jo 2,26). Não devemos mais praticar a circuncisão. Ela foi substituída pelo nosso sepultamento na morte de Cristo, que os judeus consideram um escândalo, quando, de fato, é “Sabedoria de Deus e Poder de Deus” (1Cor 1,24).
            Paulo concluiu a sua peroração. Está confiante que os Gálatas, guardando a unidade da fé e acatando o ensinamento apostólico (1Jo 1,3), não sigam o evangelho dos judaizantes. Ele é uma pedra de tropeço que os fará cair fora da Verdade. Vivam para Deus, atendo-se ao Cristo crucificado. Vivam “pela fé no Filho de Deus que se entregou por nós. Não invalidem a graça de Deus porque, “se é pela Lei que vem a justiça, então Cristo morreu em vão” (2,21).
            Exortações morais (5,13-6,9)
5,13 Pela fé em Cristo saímos do jugo da Lei, que era uma forma de escravidão, qual do filho que ainda não chegou à idade determinada pelo pai para se tornar o herdeiro, vivendo sob a ameaça dos poderes celestiais. Devemos avançar na caridade que descobrimos ser a vida do nosso espírito, enquanto contemplamos a Cristo Jesus que se entregou por nós. Motivados por tudo o que a fé nos ensina, enquanto nos leva a aprofundar o Desígnio de Deus que, no amor, nos predestinou a sermos seus filhos adotivos, herdeiros com Cristo do Reino dos Céus, vivamos o que nos diz a Lei: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”! (Lv 19,18, Mc 12,31).
5,16 A Palavra, enquanto nos instrui, nos faz celebrar o culto, compenetrados nos mistérios de Cristo Jesus, o Filho que se entregou a si mesmo para nos livrar deste mundo mau. Isto nos motiva a realizar as obras do Espírito, renegando os desejos do homem carnal: fornicação impureza, libertinagem, ódio, rixas, discussões, invejas. Observando, dessa forma, os mandamentos de Cristo, a caridade que está em nós desabrochará nos frutos do Espírito. “Pois os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com suas paixões e seus desejos” (5,24).
5,25 A vida no Espírito, fundamentada no cultivo dos seus dons e na produção dos seus frutos, nos levará a superar rivalidades, vanglória e inveja.
Gl 6
Correção fraterna. O faltoso deve ser corrigido pelos que vivem fielmente segundo o Espírito “com espírito de mansidão”, evitando de cair na tentação da animosidade (6,1).
Amor fraternal. Temos que ser suporte, auxilio uns aos outros. É a condição última do processo da nossa purificação (2Pd 1, 3- ) para atingir a perfeita caridade (6,2).
A justa estima. Temos que, sempre, considerar o outro mais digno de estima. A estima que devemos ter de nós mesmos, fundamentada no carisma que Deus nos deu é justificável. Deixa-o de ser quando por ela nos confrontamos com os outros como se o que temos não o tivéssemos recebido (vv. 3-5).
O sustento dos que ensinam. Os fiéis têm que retribuir, partilhando os seus bens com aqueles que os ensinam na fé (v. 6).
A lisura exigida dos pregadores. Quem semeia procurando a sua própria glória ou agradar os ouvintes ou a fim de lucro “colherá a corrupção”. Quem semeia guiado pelo Espírito, vivendo por primeiro o que ensina e, depois, pregando sem outros fins a não ser de tornar, pelo ministério da Palavra, a sua vida na carne, um sacrifício espiritual agradável a Deus (Rm 12,1), “colherá a vida eterna”. De fato, seremos experimentados pelo fogo. O que é palha ou madeira será queimado pelo fogo; somente o ouro permanecerá (1Cor  ) (vv. 7-8).
Perseverança até o fim. Não podemos desanimar na prática do bem. Poderemos colher se perseverarmos até o fim. Mais uma vez, Paulo lembra o dever do amor fraterno. Ele deve ser praticado com todos, particularmente com os irmãos na fé (vv. 9-10).
Epílogo (6,11-18)
Os judaizantes procuram agradar a Sinagoga, para não serem perseguidos caso reneguem a circuncisão. Os que eles conseguem que se circuncidem acabam não observando a Lei. O fim dos judaizantes é procurar se vangloriar naquilo que conseguem (6, 11-13).
A convicção inabalável de Paulo. A fé naquele que Deus tornou instrumento de propiciação o libertou da escravidão do poder das trevas. Ele é, agora, “uma nova criatura”. O Cristo crucificado, pelos méritos das suas chagas gloriosas, na condição de quem de “alma vivente se tornou espírito vivificante”, o fez passar de “glória em glória” (2Cor 3,18). Portanto exclama: “Quanto a mim, não aconteça gloriar-me senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” que me tornou vencedor deste “mundo mau” (1,4) (6,14-17).
A graça. A graça é a experiência mais profunda de Paulo. Por ela, “Aquele que o chamou” o fez passar o jugo da Lei que não justificava, à liberdade dos filhos de Deus que vivem segundo o Espírito. Promoveu sempre mais a sua fé pelo dom do entendimento, que o levou a toda ciência, o que permitiu que a caridade que estava nele fosse nutrida a ponto do Filho de Deus se revelar nele (2,16). Ele a deseja para todos os fiéis. E estes a alcançarão enquanto se gloriarem “na Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (v. 18).

           
          Temas

Argumentação contra os judaizantes
            Uma vez que chegamos a crer que Jesus é o Cristo, abertamente manifestado Filho do Deus com poder pela sua ressurreição dos mortos, sabemos que não é pela prática das obras da Lei que nos justificamos, mas pela fé no Filho de Deus, Aquele que o Pai enviou, nascido da Mulher, nascido sob a Lei, para justificar os que estavam sob a Lei. Essa forma de justificação nos é comprovada pelas Escrituras que, quando falam de Abraão, nos dizem que foi justificado pela fé e que, em virtude dessa justificação pela fé, recebeu a promessa da terra que seria concedida a ele e à sua Descendência. O que se realizou em Cristo.
            A Lei, que é boa, resultou, contudo, não ser capaz de dar a vida. Foi simplesmente um pedagogo para o povo que esperava a revelação da fé. Quando, na plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, realizando-se dessa forma a profecia da nossa salvação pela Descendência, fomos resgatados da Lei, no sentido de que fomos chamados a alcançar a justificação pela fé no Filho de Deus que nos amou e se entregou por nós. Aquilo que nunca teríamos alcançado pelas obras da Lei, que simplesmente provou sermos pecadores, agora pode ser alcançado pelo Espírito, cuja presença foi merecida para nós. Ele age a partir do nosso Batismo, pelo qual, Cristo nos sepulta na sua Morte, para nos fazer ressurgir, na força do seu Espírito, para a vida de filhos de Deus. Disso tudo, resulta anacrônica a preocupação de ainda praticarmos as obrigações da Lei. A circuncisão não tem valor. Tem valor a fé agindo pela caridade (5,6).
A unidade temática da carta
            A carta tinha a finalidade de prevenir os Gálatas contra a doutrina dos judaizantes que pregavam a necessidade da prática das prescrições da Lei, a partir da circuncisão. Para Paulo, a adesão a essa doutrina implicava a auto-exclusão da graça da justificação que Jesus Cristo mereceu com a sua Morte de Cruz.
            A princípio, os Gálatas têm que lembrar que seria uma incoerência abandonar o Evangelho abraçado por eles, uma vez que as manifestações do Espírito que eles puderam experimentar, quando da pregação de Paulo, comprovam a sua origem divina. Ao optar pela nova doutrina não estariam seguindo os impulsos do Espírito, e sim, os impulsos do homem terreno.
            Ele pode comprovar, fundamentado na sua experiência pessoal, porque está errado procurar a justificação pelas obras da Lei. Ninguém, como ele, conhece o judaísmo e as suas práticas. Quanto à Lei, na condição de fariseu, era irrepreensível, zeloso pela tradição dos seus pais. A graça que Deus lhe concedeu quando o chamou para ser ministro do Evangelho do seu Filho, lhe permitiu partir para a sua pregação, não sentindo nenhuma necessidade de confrontar o conteúdo da sua pregação com a dos notáveis que estavam em Jerusalém. Ele o tinha recebido, por revelação, do próprio Jesus Cristo, este, na condição de Senhor da Igreja. Prregou o Evangelho na Arábia, em Damasco, na Síria e na Cilícia. Foi somente três anos depois que foi se encontrar com Pedro em Jerusalém. Esteve com ele 15 dias, o que lhe ofereceu a oportunidade de se encontrar, também, com Tiago. As igrejas da Judéia o conheciam somente como aquele que antes perseguia as igrejas e que agora pregava o Evangelho de Cristo.
            Somente 14 anos depois ele voltou para Jerusalém, movido por uma revelação, levando consigo Tito. Deste, ninguém exigiu a sua circuncisão. Quanto ao Evangelho, reconheceram que ele tinha sido enviado aos gentios, enquanto Pedro tinha sido enviado aos judeus.
            Foi Pedro que se mostrou incoerente quando assumiu uma conduta hipócrita, em Antioquia. Diante da pressão exercida pelos judaizantes que vinham de Jerusalém, Pedro queria pressionar os pagãos a viverem como judeus, embora ele mesmo, já vivesse como pagão.
            A essa altura, Paulo interrompe a sua argumentação para admoestar os judeus quanto à sua incoerência diante de tudo o que dele aprenderam, pela sua pregação, sobre Cristo crucificado, especificamente, lembrando-lhes que estavam deixando de ser guiados pelo Espírito para seguirem os pensamentos do homem terreno.
            Começa então a argumentar segundo as Escrituras. Nós é que somos filhos de Abraão, herdeiros da promessa porque, reconhecendo que somos justificados pela fé, estamos agradando a Deus da forma que ele mostrou quando, diante da promessa, “Abrão confiou no Senhor, eo Senhor lho imputou para justiça (Gn 15,6). Desde o momento da vocação de Abraão, nos é revelado que assim deveria ser, porque Deus disse: “Em ti serão abençoados todos os povos da terra”. A justificação pela fé é decretada pelas Escrituras quando Habacuc proclama: “O justo viverá pela fé” (Hab 2,4). Por tudo isso, podemos afirmar que Cristo Jesus é o Filho que aceitou se tornar maldição, segundo o que diz a Lei: “Maldito aquele que é suspenso ao madeiro”.
            Paulo corrobora a sua argumentação relacionando, cronologicamente, a Lei ao tempo da promessa feita a Abraão. Ela é dada 430 anos depois. Querendo comentar o fato por uma analogia, Paulo diz que certamente a Lei não pode anular a promessa porque seria como anular a vontade de um testador que ainda vive. A nossa justificação acontece pela Descendência, que é Cristo Jesus, em virtude da promessa.
            Nesse caso devemos dizer que, de fato, a Lei só multiplicou as culpas.
            Notamos que Paulo está raciocinando como se falasse a entendidos na Lei, supostamente, os judaizantes. Paulo os está questionando com toda a perspicácia de um escriba, em defesa da fé dos Gálatas. Está utilizando o termo “Lei” em duplo sentido. Enquanto é a expressão da vontade divina, ela dá a vida a quem a pratica. Nesse caso, todavia, a Vida só é alcançada na fé, por aquele que é animado pela esperança daquele que devia vir. Quem pratica a Lei dessa forma o faz segundo o Espírito, animado pela esperança de um Redentor. Sabe que agrada a Deus enquanto cumpre os preceitos da Lei. Porém, sabe, também, que a justificação acontecerá por Aquele que deve vir e que o mundo inteiro espera. Temos, portanto, segundo a Aliança do Sinai, os justos que esperavam a redenção de Israel, a quem o Espírito revela, em Jesus, o Salvador (Lc 2,30.38). A Simeão e a Ana podemos unir os homens de fé de que fala  Hb 11. A Lei, pelo contrário, não é capaz de dar a vida quando é considerada como um meio para alcançar a justiça, pela prática das suas prescrições, esquecida a sua finalidade específica, que é a de agradar a Deus, obedecendo aos seus mandamentos. É aquilo que Deus lembrava a Jó que levantava direitos diante de Deus por causa da sua conduta irrepreensível. A ele Deus responde: “Você está esquecido dos pecados da sua juventude”? É nesse caso que a Lei não é capaz de dar a vida. Essa vida esperada pelos justos do AT e que eles alcançavam na esperança da Descendência, neles, de fato, já operando o Espírito, nos é alcançada de forma irrestrita e universal, pelo Filho que, “chegada a plenitude dos tempos, Deus envia, nascido da Mulher”. Este Filho reconhece a Lei, sob a qual nasce. Leva-a, contudo, à perfeição, interpretando-a segundo o espírito de Deus que a ditou. Por primeiro, se torna o menor. Por primeiro, vive em si os seus ideais, obediente até a morte de Cruz para alcançar na sua humanidade a Glória da divindade.
            Nascido de mulher (sentido implícito no termo profético de Gn 3,15), membro a pleno título da estirpe humana, é a Descendência realizadora das promessas feitas a Abraão. Aceita tornar-se “maldição” para nos resgatar da maldição merecida pelas nossas transgressões. Consegue a nossa justificação porque é o Filho. Nós somos justificados, por graça, pela fé (Rm 3,22-23). Realiza-se a salvação, estendida, agora, a todos os povos que se tornam herdeiros na condição de verdadeiros filhos de Abraão.
            A doutrina de Paulo
            Deus, no seu Desígnio, desde sempre, nos destinou a sermos seus filhos adotivos em Jesus Cristo, que se entregou à Morte para nos salvar deste mundo mau. Ressuscitado, foi constituído Senhor da Igreja. Nós somos chamados a sermos conformes à imagem do seu Filho. Aquele que nos chamou nos justifica “pela fé em Cristo” (2,17): pela fé no Filho de Deus que nos amou e se entregou por nós. A vida que a Lei, por si, nunca poderia dar, está em nós pelo Espírito que Cristo Jesus nos mereceu. Aquele que de alma vivente se tornou espírito vivificante (1Cor 15,45), tendo-nos reconciliado com Deus, nos faz passar de glória em glória, pelo seu Espírito (2Cor 3,18). Ele é o Filho abertamente manifestado com poder, por sua ressurreição dos mortos, tornado, um com o Espírito, ele mesmo, Espírito santificador (Rm 1,4). Longe de mim, diz Paulo, envergonhar-me da Cruz de Cristo, “Sabedoria e Poder de Deus para os que são chamados” (1Cor 1,24).
            Pelo Espírito alcançamos a libertação da escravidão do mundo com as suas concupiscências. A sua ação começa pela palavra da Boa Nova que os Apóstolos anunciam, segundo o seu carisma. No Batismo, nos configura a Cristo, sacerdote, profeta e rei.
Tornados o povo da conquista, daquele que “nos arrancou do poder das trevas e nos transportou no reino do seu Filho, no qual temos a redenção, a remissão dos pecados” (Cl 1,13), se cultivarmos os dons do Espírito e produzirmos os seus frutos, seremos chamados a participar da herança dos santos na luz, por ter vivido, dessa forma, a caridade, no amor aos irmãos.
            A palavra da Profecia que nos santifica no culto, nos revelando os mistérios de Cristo, Filho do Homem, Cordeiro imolado, é aquela que torna possível “crucificar a carne com suas paixões e seus desejos”. A vida presente na carne se torna, dessa forma, um sacrifício espiritual agradável a Deus, o nosso culto espiritual (Rm 12,1). Renovando nossa mente, nos transformamos. Isto nos afasta das obras da carne enquanto conseguimos discernir “qual é a vontade de Deus, o que é bom agradável e perfeito (12,2).
            As convicções de Paulo
            Quando Paulo propõe a sua experiência pessoal como primeiro fundamento da sua argumentação contra os judaizantes, assim se manifesta: “Quando, porém, Aquele que me chamou por sua graça, houve por bem revelar em mim seu Filho”. É o início de uma exposição da sua experiência pessoal na fé, de uma convicção que o levará a uma radicalização contra os judaizantes que, a seu ver, não atinam para o valor da graça que nos é dada pela fé em Cristo Jesus. O final da carta nos esclarece sobre esse ponto: “Quanto a mim, não aconteça gloriar-me senão na Cruz de N.S.J.C., por quem o mundo está crucificado por mim e eu para o mundo” (6,14). A graça produziu nele, de forma gradativa, “a nova criatura”, livre da escravidão das concupiscências do mundo. Ele vê na Cruz daquele que, por ela, foi constituído o Senhor da Glória, a condição da sua libertação “do corpo de morte” que a Lei nunca poderia lhe dar, não obstante todo o seu zelo, quando fariseu, pela Lei judaica. Paulo deseja, de todo coração, esse caminho para todo e cada fiel. Os que não o entendem, não o critiquem, porque nunca conseguirão levá-lo a pensar de forma diferente diante de tudo o que ele pôde experimentar. A partir do chamado de Deus, compenetrado com a graça recebida, porque a ele se manifestou o próprio Cristo Jesus na sua condição gloriosa, descartando qualquer possibilidade de reconsiderar a sua decisão, se dedicou à tarefa de ministro do Evangelho de Deus,à qual tinha sido chamado. Alimentou a caridade mediante o aprofundamento das verdades de fé, coisa que praticou até o fim da sua vida (2Tm 4,13). Uniu-se a Cristo na sua Paixão até experimentar a alegria do Espírito Santo. Desabrochou, então, nele, uma esperança inquebrantável a ponto de exclamar: “Quem me separará do amor de Cristo? A tribulação... a espada” (Rm 8,35)?  Como não considerar valor supremo esse tesouro, essa pérola preciosa, pela qual tinha valido a pena sacrificar tudo, tornar a sua vida um sacrifício espiritual, no exercício heróico da sua missão apostólica? Ele tinha sido fruto de Cristo crucificado, Poder que somente Deus podia ter posto em ato, na sua Sabedoria!
            As convicções de Paulo, antes de chegarmos a lê-las de forma manifesta no epílogo, aparecem também em 2,19-21. Nele, a vida consagrada a Deus foi o fruto de uma ação progressiva de Cristo crucificado. A nossa condição de liberdade do corpo de morte se dá enquanto aquele que aceitou se tornar “maldição” para nós, nos comunica, em virtude da fé que temos nele, o Espírito prometido (3,14). A frase: “Fui crucificado junto com Cristo” manifesta, de forma plástica, a união necessária entre Cristo e o fiel. A expressão, então: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” é a consequente síntese teológica da verdade exposta acima. A frase conclusiva simplesmente descreve o dinamismo pelo qual se processa a ação da graça: ao longo da vida, a vida divina que teve o seu início pela adesão de fé ao Filho de Deus, tem o seu desenvolvimento em virtude do amor e da entrega dele por mim, por mim vivida segundo os princípios que o aprofundamento da minha fé me oferece (Rm 1,17).








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