Teologia bíblica

Teologia bíblica

            A teologia bíblica é o nosso discurso sobre Deus que se caracteriza por ter como fonte a Tradição com as suas Escrituras Sagradas, que se relacionam à nossa Vida de fé como uma sua antologia, tipificando-a e ilustrando-a.
            Para ela convergem:
1º) A linha pedagógica de Deus que, ao se revelar “ao homem incapaz de encontrá-lo”, escolheu Israel para ser o seu povo para levar, por meio dele, a revelação de si a todos os povos.
2º) A reflexão dos sábios sobre a história de Israel, que, iluminados pelos Profetas, chegam a descobrir a linha pedagógica de Deus e a expõem através da sua reflexão teológica, dentro de uma moldura cronológica que tem seu ponto de partida a narrativa da criação.
            Estamos diante de uma teologia dogmática, inspirada pelos Profetas que “falaram, não por vontade própria, mas porque inspirados pelo Espírito Santo”. O conceito de Deus criador é sugerido, particularmente, por Isaias II.
            A noção de ser o homem “imagem e semelhança de Deus”, já é fruto de uma intuição do sábio que redigiu a narrativa catequética de Gn 1.
A reflexão sapiencial produz, também, Gn 2 que define a condição original do homem e a sua vocação.
            Gn 3 já é uma alegoria da História de Israel que se torna, para o autor do manual teológico que é a Bíblia, o paradigma da História da Humanidade.
            Gn 4 desenvolve a visão da História da Humanidade pecadora em paralelo com a descendência que Deus suscita em vista de uma salvação que ele vai promover porque ele não é somente Bondade criadora, como, também, Misericórdia.
            Gn 5 é um hino à descendência sobre a qual Deus efunde as suas bênçãos.
            Fruto dessa descendência é Noé, o justo, que encontra graça diante dos olhos de Deus. Ele será a Cabeça de uma humanidade nova, que terá o seu princípio no Resto que Deus reservou para si (Gn 6-10).
            Gn 11 descreve a humanidade na sua condição dispersa, fruto da sua contínua atitude de rebeldia ao seu Criador.
         3º) A linguagem literária dos textos bíblicos. Fundamentalmente ela constitui-se no enredo histórico que os autores criam para comunicar as suas intuições teológicas. A vocação de Israel é descrita como uma migração de tribos nômades que partem da Mesopotâmia para chegar à terra de Canaã e lá se estabelecer. O sábio sintetiza esse processo de séculos com três nomes: Abraão, Isaac e Jacó. Para esclarecer a sua relação étnica, os liga por consanguinidade. Dessa forma, na figura de Abraão, é apresentada a figura ideal do hebreu, que deve ser homem de fé, obediente a Deus. Na figura de Isaac é representado o destino da descendência, segundo o seu primeiro tipo, que é Abel. Jacó é Israel, com as suas prerrogativas e a sua vocação.
            A História da vocação do homem, que tem o seu paradigma na História de Israel, depois de ter sido apresentada no prefácio da Bíblia (Gn 1-11), tem o seu desenvolvimento com o livro do Êxodo.
            A condição de escravidão está ligada à condição em que o homem caiu pela sua rebeldia ao seu Deus: “Com o suor da tua fronte tirarás o sustento da terra”. Da mesma forma pela qual Deus perdoou a “Filha de Sião” e fez cessar o seu castigo, ele resgata Israel da escravidão. O memorial da libertação será a Páscoa. Deus dá a Lei e estabelece uma Aliança no Monte Sinai. Enfim, estabelece a sua morada no meio do seu povo pela Tenda. Pelo milagre das codornizes e do maná, Israel tem que aprender a não murmurar e a viver na esperança da Terra prometida.
            O enredo histórico do ensinamento teológico é todo ele uma construção do autor do livro. Pelos estudos sobre a antiguidade, somos sempre mais esclarecidos sobre o valor relativo das informações históricas que a Bíblia nos oferece. Isto nos permite captar melhor o ensinamento teológico, assim como o entendiam os ouvintes da época em que o Êxodo foi escrito. Segundo esses mesmos critérios podemos ler Levítico e Números.
            O Deuteronômio nos permite entender melhor o que estamos dizendo porque ele tem um núcleo inicial (Dt 12-26) anterior a todos os outros livros. Concentra-se em transmitir a Lei de Deus segundo a tradição de fé do povo hebraico. Ele é o suporte da reforma de Ezequias, na segunda metade do séc. VIII a.C., momento em que é instituída a Páscoa.
            O livro de Josué é típico para esclarecer ainda mais o que estamos considerando. Nunca houve uma conquista da terra a partir da conquista de Jericó. Estamos diante de uma narrativa épica, colocada dentro de uma exposição cronológica da história de Israel, qual nos é narrada pela Bíblia. A sua finalidade, todavia, não é aquela de registrar um fato, e sim, aquela de reconhecer, pela terra que Israel chegou a ocupar ao longo de séculos, a realização de uma promessa divina. A narrativa épica é celebrativa: quer exaltar o Deus que realizou tal prodígio.
            O livro dos Juízes, a partir da sua abertura, indica a sua finalidade catequética. As narrativas evocam de forma lendária fatos e prodígios que querem ressaltar a constante presença do Deus de Israel, sempre pronto em socorrer o seu povo nos tempos de angústia.
Pelos primeiros livros da Bíblia, aprendemos, portanto, a entender o estilo literário com que foi escrita a teologia do AT. Ele nos alerta quando abordamos textos que parecem registrar em forma mais crônica a História de Israel, a partir de 1-2 Sm., que o enredo é construído. Só tem a finalidade de carregar o ensinamento doutrinal.
         4º) A reflexão da Igreja Apostólica complementa a Profecia, da qual apresenta a sua realização na Pessoa divina de Jesus. O fundamento último da convicção dos Apóstolos, no que diz respeito à divindade de Jesus de Nazaré é a sua ressurreição dos mortos. Dela proclamam-se testemunhas, em virtude de uma ação incisiva do Espírito Santo: “Nós somos de Deus” (1Jo 4,6). E eles nos exortam a estar em comunhão de fé com eles para que possamos estar em comunhão de vida com o Pai e com o Filho (1Jo1,3; 4,13-15).
       Tudo aquilo que a Igreja apostólica chega a compreender deve ser considerado o verdadeiro conteúdo da teologia bíblica. É com os Apóstolos que a revelação de Deus chegou a ser plena. A expressão mais alta dessa plenitude é a compreensão única que, agora, temos de Deus: Ele é Vida Trinitária. É nessa condição que Ele sempre agiu. “Muitas vezes e de muitos modos falou Deus, outrora, aos nossos pais, pelos Profetas. Nos últimos tempos, que são os nossos, falou-nos pelo Filho, o Herdeiro, Resplendor da sua Glória, Imagem do seu Ser” (Hb 1,1).

            O conteúdo formal da teologia bíblica
            A Vida Trinitária, por si, transcendente, revela-se aos homens através de um processo histórico: a vocação de Israel para que seja o seu instrumento de revelação para todos os povos.
            A reflexão sapiencial em Israel, iluminada pela Profecia, descobre que o seu “El” é o único Deus existente. Os outros “elohim” não são deuses, porque não existem.
            Considera, portanto, que a melhor lógica de exposição da sua teologia deve partir da narrativa da criação. Isaias II dá segurança à sua exposição. A narrativa da criação, que inicialmente é uma parênese catequético-sinagogal que visa promover o repouso sabático, produz os fundamentos da compreensão do Nome de Deus: Bondade que com Sabedoria e Poder faz resplandecer a sua Beleza no esplendor do universo.
            O homem é objeto de particular atenção do Criador. A reflexão sapiencial o define “imagem e semelhança de Deus”, chamado a reinar sobre toda a criação.
            Segundo o Plano original de Deus, o homem é chamado à vida. Condição desta vida é o reconhecimento da sua dependência do seu Criador, mediante a implementação dos seus mandamentos. Esse processo acontece dentro de um processo de procriação, na vida feliz do matrimônio.
            O Plano original de Deus fracassa porque o homem, esquecido do seu Deus, prefere enveredar os seus caminhos de realização. A História de Israel é paradigmática.
            Sempre pela História de Israel, sabemos que Deus é fiel a si mesmo. No seu amor misericordioso, anuncia que a humanidade conhecerá um membro seu que a resgatará da sua condição de escravidão do Mal. Trata-se do Cordeiro imolado “conhecido desde antes da fundação do mundo” (1Pd 1,20 ). Noé é a figura que desenvolve o que Gn 3,15 anuncia. Haverá uma humanidade que será o “Resto” que Deus reservou para si. Dela será Cabeça o Justo, tornado Mediador entre Deus e os homens.
            A partir de Gn 12, a teologia bíblica concentra-se sobre a História do povo eleito. Em Gn 12-50, a reflexão sapiencial traça o processo pelo qual Israel se torna um povo. O Êxodo define os elementos fundamentais deste povo. Ele nasce de uma libertação, cujo memorial perpétuo é a celebração da Páscoa, tem como meta uma Pátria para a qual caminha assistido por Deus que o alimenta com o pão que desce do Céu. No Monte Sinai recebe a Lei e estabelece uma Aliança pela aspersão do sangue. A Tenda marca a presença de Deus no seu meio. À luz da revelação plena que se dá com Jesus Cristo, entendemos que estamos diante de um ensinamento. Israel é figura da Igreja, o Novo Israel que caminha para a Pátria onde está o Sumo Sacerdote que entrou no Céu com o seu Sangue, atravessando o Templo do seu Corpo (Hb).
            O Nome de Deus torna-se sempre mais conhecido por tudo aquilo que o Deus de Israel realiza ao longo da História do seu povo. A reflexão sapiencial torna-se sempre mais profunda. Temos dois exemplos disto: Pv 8,22-31 ; Sb 7, 22-8,1 .
Com Jesus de Nazaré vemos realizar-se a profecia de Gn 3,15. Mateus comenta Aquele que anuncia como a Descendência de Davi, de Abraão, citando Is 7,14. Isto nos permite ver claramente que a descendência é um artifício literário que explora todo o peso que uma genealogia possa ter para apresentar uma pessoa. A condição de Jesus, todavia,  transcende-a porque ele é o Emanuel que nasce da Virgem, concebido por obra do Espírito Santo.
            Quando lemos em João que Jesus é o “Unigênito Deus”, a Palavra criadora que, desde sempre, está com Deus e é Deus, já podemos notar uma intensificação da ação da Vida Trinitária, a partir do momento em que “Maria, sua mãe, comprometida em casamento com José, antes que coabitassem, achou-se grávida pelo Espírito Santo” (Mt 1,18).
            A Redenção ocorre pela “Palavra que se fez carne”. Ela marca a sua presença pela tenda que coloca “entre nós”.
            Mateus e João são claros em nos exortar a acompanhar a vida de Jesus a partir da condição gloriosa do Senhor ressuscitado. Mateus nos cita até as palavras de Jesus no momento da sua Ascensão: “Todo poder me foi dado no céu e na terra. Ide, pois, pregar o Evangelho e batizar em Nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,18).
            A ação messiânica de Jesus é, claramente, uma ação que se realiza sob a égide da Vida Trinitária. Nós o vemos a partir do quadro do Batismo do Senhor no Rio Jordão: “Logo, ao sair das águas, ouviu-se a voz do Pai: ‘Este é o meu Filho, o amado, em quem me comprazo’. E desce, naquele momento, o Espírito Santo que “permanece com Jesus” (Jo 1,33).
            Aquele que provoca as autoridades religiosas judaicas, curando em dia de sábado, enquanto se proclama Senhor do sábado e diz expressamente ser o Filho que faz o que vê o Pai fazer, proclama que está agindo impelido pelo Espírito: “O Espírito do Senhor está sobre mim... “ (Lc 4,16).
            A ação de Jesus, todavia, não deixa de se caracterizar como uma ação pessoal. Na condição de quem “não retém ciosamente para si o ser igual a Deus, aceitando assumir a condição de servo feito obediente até a morte” (Fl 2,6-10), ele é o Filho que o Pai consagrou e enviou ao mundo (Jo 10,36). Ao mesmo tempo ele diz “Eu vim para que tenham vida” (Jo 10,10) . E a Pilatos diz: “Meu Reino não é deste mundo. Eu vim a este mundo para dar testemunho da Verdade” (Jo 18,36-37).
            A partir do momento em que advertimos a condição messiânico-divina de Jesus, devemos nos convencer que é pela Catequese Apostólica que estaremos em condições de captar toda a extensão da doutrina acerca da Pessoa divina do homem Cristo Jesus. Os escritos do NT revelam a familiaridade que os Apóstolos têm com as Escrituras Sagradas. Como eles nos declaram, ela é fruto de uma ação direta do Senhor ressuscitado que lhes comunica a inteligência das Escrituras, soprando sobre eles o Espírito Santo. É uma capacidade que pode ser comparada ao poder que eles exercem quando santificam pelos sinais sacramentais instituídos por Cristo Jesus: Eucaristia,  Batismo, Perdão dos Pecados.
            Pela inteligência das Escrituras, os Apóstolos nos ensinam acerca da Ressurreição, do valor redentor da Morte de Cruz, da messianidade  de Jesus.

            A Bíblia, Escritura Sagrada
            Não podemos duvidar que os escritos proféticos, pela sua própria natureza, sejam textos inspirados. Ao mesmo tempo, não podemos pensar que os outros autores dos textos que se tornaram parte da Bíblia tivessem consciência que escreviam sob inspiração do Espírito Santo. Os mesmos sábios que compilaram a Bíblia agiam, simplesmente, no intuito de criar um manual teológico, fiel à Tradição da fé do povo judeu. Os próprios autores do NT atuaram nesta linha. Quem define a lista (cânon) dos livros inspirados é a Igreja do Senhor Jesus que o faz na condição de quem é chamada a transmitir o que os Apóstolos receberam de Jesus e ensinaram de autoridade. Com a mesma autoridade dos Apóstolos, portanto, paulatinamente, foi estabelecendo quais livros devem ser considerados inspirados.
            Em virtude da determinação do cânon, a Bíblia passa a ser, de uma coletânea de livros que compõem um manual teológico, Escritura Sagrada, fonte genuína de Revelação divina.
            A inspiração profética está fundamentada numa ação do Espírito de Deus que leva o profeta a intuir que, pela ação do Espírito de Deus ele chegou ao conhecimento de uma verdade de forma plena e que está em condições de transmiti-la com fidelidade para o povo de Deus, que, a princípio, é o destinatário último da própria revelação. Pelos profetas, chegamos então ao conhecimento pleno da verdade ou vontade que Deus quer nos transmitir, na certeza que os profetas no-las transmitiram fielmente.
Os escritos sapienciais resultam inspirados enquanto, pela aceitação do povo de Deus, eles resultam textos que fielmente transmitem e interpretam a  fé, segundo os moldes da Tradição. Segundo estes critérios, vemos o próprio Jesus citar as Escrituras. A origem profética e a aceitação do povo de Deus são os princípios pelos quais os livros da Bíblia do AT são considerados revelados.
Os escritos do NT são reconhecidos pela Igreja como inspirados, porque, à semelhança das reflexões sapienciais do AT guardam fidelidade à tradição judaica.  
            A sua importância está no fato que eles interpretam a profecia e explicitam o sentido dos anúncios profético-sapienciais, à luz de uma realidade totalmente nova que eles anunciam, qual é aquela da condição divina de Jesus.
            Com o cânon definido, nos é dado estar de posse de um manual teológico inspirado em cada uma das suas partes. É Deus que nos fala. O seu Desígnio está presente às nossas mentes, em toda a sua sabedoria e santidade, fruto da ação da Vida Trinitária, atuado pelo “Unigênito Deus”, a Palavra da Vida, Jesus Cristo, o Verdadeiro que, tendo merecido por nós o Espírito, por este somos marcados de forma indelével como membros do povo da conquista, chamado a viver a sua purificação dos pecados.

            Teologia da Revelação
            No intuito de aprofundar o que a Vida Trinitária quis nos revelar, podemos dizer que a Bíblia nos oferece os seguintes temas:
            Deus. O “Desconhecido” dá-se a conhecer pelos atributos que apresenta de si pela criação: bondade, poder, beleza, sabedoria. Ao criar o homem, enquanto sugere à sua criatura o caminho da sua realização pela obediência, revela ser a Divindade à qual o homem deve prestar o seu culto através do reconhecimento da sua dependência. Diante da rebeldia do homem, a Vida Trinitária revela-se paciente e misericordiosa. Aliás, realizado o seu Plano sapientíssimo, patentear-se-á o extremado amor com que sempre age, porque fiel a si mesma. Ao mesmo tempo, não deixa de agir com justiça, permitindo ao homem que sofra as consequências da sua ousadia. A sua prudência não cessa de guiá-lo nas suas decisões, até quando o homem adere aos piores crimes. Isto no-lo revela a História da descendência de Caim. Até no momento em que o homem se torna merecedor de destruição, porque chegou ao âmago da sua miséria moral, Deus age na fidelidade à sua natureza que é Bondade, reserva um Resto para si, constituindo Noé na condição de Cabeça de uma nova humanidade.
            Ao longo de toda a teologia dedicada a Israel que, para os sábios deste povo, é chamado por Deus para ser o Servo que levará o conhecimento do Deus Verdadeiro a todos os povos da terra, multiplicam-se os momentos em que revela a sua transcendência, a sua sabedoria em conduzir o seu Plano e a sua predileção pelo homem que lhe obedece.
            As narrativas do Êxodo começam a apresentar Deus que ouve e que, movido pela sua preocupação em relação aos seus, toma a decisão de ir em socorro do seu povo e libertá-lo. Trata-se de uma narrativa que quer desenvolver a condição que se criou por causa da rebeldia da humanidade, revelando com gestos concretos o que é a sua misericórdia: um empreendimento que voltará a dar dignidade a uma humanidade reduzida à escravidão (Oseias ajuda a entendê-lo quando fala de Deus que voltará a amar o povo que já tinha renegado).
            A esse respeito o Livro dos Juízes é de grande ensinamento. Mostra continuamente Deus compassivo e paciente. O amor de Deus é gratuito, é um amor de predileção, que tem o seu fundamento na Bondade, primordial condição da natureza divina.
            O Deus perfeitíssimo, três vezes santo, revela-se, de forma peculiar, no tempo dos reis, momento em que a atitude de Israel tem tudo em comum com os povos pagãos. Como um pai, age com paciência e longanimidade. Repetidas vezes envia castigos corretivos. Suscita profetas que falam em nome dele. Quando enfim, a sua Glória abandona a Cidade, deixa que o seu povo sinta todo o peso do seu abandono.
            Os profetas, porém, cantam todo o amor de Deus diante do inimaginável do retorno da escravidão, impulsionados os que voltam para Jerusalém, pela esperança de voltar a viver as condições de ser novamente um povo, reconhecidos pelos prodígios que Deus operou através do seu servo, Ciro.
            Começa o tempo áureo da piedade, da observância da Lei, do amor a Deus. Multiplicam-se as manifestações de reflexão e aprofundamento em relação aos valores espirituais, até chegar a obras sapienciais, como os Provérbios e a Sabedoria.
            Mas, o Deus da História de Israel ainda devia se manifestar com Jesus que, na condição de membro da estirpe humana que realizaria em si a figura da Descendência, esmagaria a cabeça da serpente. A profecia tem a sua realização em virtude da condição divina que somente se manifestaria quando a sua ressurreição dos mortos selaria o que de fato tinha sido a sua Morte de Cruz.
            A condição divina de Jesus revela a condição de Vida Trinitária em Deus. Ao mesmo tempo, após tudo realizado revela de que forma singular o homem é chamado à participação da vida de Deus. Uma filiação adotiva que, porém, implica a nossa participação, com Cristo, na herança dos santos.
            A mediação daquele que realiza em si a figura de Noé, do Servo de Iahweh, do Filho do Homem, da Glória de Iahweh que julga a Cidade, do Cordeiro imolado que fez de nós reis e sacerdotes para reinarmos para sempre, é aquela que realiza não somente a salvação como, também a comunhão plena com Deus pela “unidade do Espírito”.

           O homem
O homem é a criatura que, à semelhança de todos os outros seres animados se torna alma vivente em virtude do sopro de Deus. Na condição de alma vivente é chamado a “reinar sobre a criação”.
            Deus, porém, o chama, também, à imortalidade, cujo simbolismo é a árvore da vida plantada no meio do paraíso, com os seus frutos (Ap 2,7).
            Para sempre poder comer deles, o homem deve sempre viver a obediência ao seu Criador, simbolizada pela abstenção dos frutos da árvore da ciência do bem e do mal.
            O homem, levado pela sua insana ambição de ser igual a Deus, rebela-se e envereda o caminho do homicídio, movido pelo ímpeto da sua ira. Segue-se a prática da poligamia, da vingança: todas tipificações da prática do mal à qual o homem se aplica.
            Por si, o homem não tem salvação, não fosse Deus que, na sua misericórdia, suscita um descendente, tipificado pelo justo Noé, que se torna a Cabeça de uma nova Humanidade.
            Estamos diante de um verdadeiro anúncio profético, produzido por inspiração divina e formulado pela reflexão sapiencial em Israel.
            Temos, dessa forma, desde o início da Bíblia, uma visão universal de salvação. A reflexão sapiencial, todavia, diante do fenômeno dos profetas e da história de Israel que, consequentemente, interpreta, reconhece o chamado de Deus para que Israel seja o seu Servo, para levar o conhecimento do verdadeiro Deus a todos os povos da terra. Por causa disso, pelo artifício literário da descendência, liga Abraão a Noé, através da descendência de Sem, para chegar a ligá-lo, também a Set, que Deus concedeu a Eva em substituição de Abel que Caim matou. O paralelismo das duas descendências, a de Abel e de Caim, ilustra perfeitamente o caminho que o homem envereda e que o leva a perder-se e o Plano de Deus que salva o homem por um membro da própria estirpe humana.
            Disso tudo resulta que, por si, o homem é merecedor de destruição e que Deus o salva na sua sabedoria, por uma determinação unilateral da sua vontade.
            Vemos, pela narrativa alegórica de Gn 3 que, a história de Israel é paradigmática. Por ela é possível ver qual é a História de pecado e de salvação de toda a humanidade. Por causa disso, podemos saber, por revelação, quem é o homem, acompanhando a História de Israel. Mergulhado na culpa por causa dos seus crimes, Israel tornou-se um povo escravo, que Deus está determinado em resgatar, “com braço forte e mão estendida”. Mais uma vez, o homem não entende. Em lugar de viver, dedicado à sua aliança com Deus, cai na murmuração e endurece o seu coração. Deveria lembrar as condições gloriosas em que Deus voltou a estabelecê-lo, celebrando o memorial perpétuo da sua libertação, a Páscoa, observando a Lei que Deus lhe deu ao renovar a sua aliança, procurando a Deus na Tenda da presença. Isto não acontece, não obstante todas as recomendações espalhadas nos livros da Torah (Os 8,12).
            O livro do Juízes mostra continuamente a condição em que o homem volta a cair e como Deus o salva suscitando heróis que libertam suas tribos da opressão dos inimigos. Quando surge a monarquia, Israel assume as características dos outros povos. Os reis deixam-se comprar pelo ouro, os juízes deixam-se corromper, os ricaços somente pensam no dinheiro e oprimem o povo, os sacerdotes não se preocupam com o seu rebanho e deixam que abrace a idolatria.
            Quando parece que Judá tenha encontrado o caminho da sua realização espiritual, vemos que a própria prática religiosa torna perversos os fariseus e os escribas. Neles não há o amor de Deus, procuram sua própria glória. O sacerdócio se torna um cargo político nas mãos da família dos Asmoneus. O templo é domínio dos saduceus que o tornam “um covil de ladrões”.
            Este é o homem que Deus quer salvar pela Descendência suscitada pela Virgem e, em tudo, igual aos seus irmãos, exceto no pecado.

             Jesus Cristo
            Podemos acompanhar a pessoa de Jesus pelos termos que a Profecia utiliza em defini-lo. Ele é a Descendência, Noé o Justo, o Emanuel nascido da Virgem, o Menino Chamado Grande, Conselheiro admirável, Pai eterno, Príncipe da paz, o Servo de Iahweh, o Filho do Homem o Senhor que vem ao seu Templo, o Sol de justiça que tem a cura em suas asas.
            À luz da ressurreição, pela qual é “constituído abertamente Filho de Deus com poder em espírito de santidade”, a Catequese Apostólica dele fala a partir do primeiro termo que Gn 3,15 lembra: Jesus é um dos membros da humanidade que resgatará os seus irmãos da escravidão do Mal. Gn 3,15 é verdadeira profecia, fruto da reflexão sapiencial que intui ser Israel paradigma da humanidade. O mistério está no fato de como um membro da própria estirpe que precisa de redenção, possa ser o Redentor, uma vez que, por si, a rigor, ele mesmo precisaria de redenção. O mistério é desvendado quando Jesus revela-se de condição divina pela sua ressurreição. Constituído por Deus Senhor, ele é, consequentemente o Cristo, o Filho que o Pai consagrou e enviou ao mundo. A unção dá-se pela santificação da sua humanidade pela ação do Espírito Santo. Ao entrar no mundo, ele se torna o Isaac no qual o Pai se compraz: “Chegada a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a Lei, para resgatar os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial” (Gl 4,4). A estrita relação da Descendência, com as suas consequências positivas em favor dos homens, é magistralmente descrita em Hb 2. Ela nos permite entender de que forma o Filho chega à perfeição, enquanto o mesmo sofrimento que ele aceita, em obediência ao Pai, redunda em purificação dos pecados da humanidade.
            Pela reflexão sobre a Descendência fica fácil entender o sentido da Morte de Cristo que a catequese apostólica nos descreve com os relatos da Paixão. Cada um deles tem o seu específico intuito, embora todos tenham em comum o tema que Jesus dita com os anúncios da sua Morte: “Sabeis que daqui a dois dias será a Páscoa, e o Filho do Homem será entregue para ser crucificado” (Mt 26,2); “O Filho do Homem deve sofrer muito... ser morto e, depois de três dias, ressuscitar” (Mc 8,31); “É necessário que o Filho do Homem... seja morto e ressuscite ao terceiro dia” (Lc 9,22); “É chegada a hora em que será glorificado o Filho do Homem” (Jo 12,23).
            É João, com o seu evangelho que nos dá a explicação cabal do título de Filho do Homem que Jesus atribui a si. Para Jesus esse título resume em si o sentido da sua missão e da sua pessoa. Ele é, praticamente, o título do próprio evangelho de João.

 O Filho do Homem
            Quando Jesus se apresenta para a sua missão pública, enquanto atribui a si a função de profeta, é visto como homem. Ele é um homem igual a nós; de fato, viveu entre nós. Como costumeiramente dizia o hebreu, ele tinha todo o aspecto de um filho de homem: filho de Maria, a esposa de José, o carpinteiro de Nazaré. Mas, porque Pessoa divina, lhe é reservada a condição da figura profética anunciada por Ez 1,26-28. O próprio São João lhe atribui essa condição desde o início da sua vida pública, no momento em que Jesus diz a Natanael que verá o Filho do Homem glorificado, servido pelos anjos (Jo 1,51). O Filho do Homem é, portanto, Jesus que, como homem, nasce de Maria, mas que, porque Deus, é destinado a uma condição gloriosa que se manifestará nele depois de ter passado pelo sofrimento (Lc 24,26). É segundo o sentido que esse título messiânico contém que Jesus explica aos seus apóstolos, depois que estes professaram a sua messianidade, de que forma ele chegará a reinar. Os apóstolos custam entender o sentido exato da condição gloriosa do Messias, tanto é verdade que brigam entre si porque cada um deles ambiciona os cargos mais altos quando Jesus restabelecer o reino de Israel. Mas Jesus insiste com eles, por três vezes dizendo: “O Filho do homem deve sofrer muito e morrer” (Mc. 8,31; 9,31; 10,33) e, depois da encenação dos filhos de Zebedeu, continua dizendo: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mt 20,28). Chegamos ao sentido pleno do termo quando Jesus declara diante do Sinédrio: “Eu sou o Messias, o Filho do homem que virá sobre as nuvens com todo poder e glória” (Mt 26,64). Jesus é, portanto, o Cristo da forma como se revela a João no Apocalipse: aquele que tem a voz da trombeta, a voz, portanto, de Iahweh quando da sua manifestação no Monte Sinai, que veste as vestes sacerdotais e que é rei, de condição divina, como o indicam seus cabelos brancos. Ele é a Glória de Iahweh que julga o mundo porque todo permeado pelo Espírito. Com isso entendemos que Jesus, enquanto é o Filho do Homem, da forma como o descrevem Ez 1,26-28 e Dn 10,5s, é o Verbo que se fez carne, que se tornou o Senhor da Igreja após ter vencido a Morte. É aquele que João canta desde a saudação que abre o Apocalipse: “Àquele que nos ama, que nos lavou com seu sangue dos nossos pecados e fez de nós um reino e sacerdotes para Deus Pai, a ele pertence a glória e o domínio pelos séculos dos séculos” (Ap 1,5b-6).
            Aquela que, em Ez 1, parecia ser uma mera alegoria para descrever a Glória de Israel que vinha para julgar a Cidade e condená-la por causa dos seus crimes, na verdade, com Jesus, se revela uma figura messiânica, que o próprio Ezequiel não poderia sequer imaginar que se atuaria pela própria Encarnação do Verbo de Deus. Ficamos extasiados em ver como ela se atuou quando lemos a descrição da sua condição gloriosa no céu: "2Eis que havia um trono no céu, e no trono, Alguém sentado. 3O que estava sentado tinha o aspecto de uma pedra de jaspe e cornalina, e o arco-íris envolvia o trono com reflexos de esmeralda. 9E cada vez que os Seres vivos dão glória, honra e ação de graças àquele que está sentado no trono e que vive pelos séculos dos séculos, 10os vinte e quatro Anciãos se prostram diante daquele que está sentado no trono para adorar aquele que vive pelos séculos dos séculos, depondo suas coroas diante do trono e proclamando: 11‘Digno és tu, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, pois tu criaste todas as coisas; por tua vontade elas não existiam e foram criadas.’" (Ap 4, 2-3.9-11). O que mais nos consola é saber que Jesus, segundo essa condição, “entrou, por nós, como precursor” (Hb 6,20) nos céus. Isto significa que a nossa glorificação se constituirá numa “ressurreição semelhante à sua”.

A linha pedagógica de Deus
 O Deus trinitário se revela El Shaddai, Iahweh, Santo
Com Jesus Cristo temos a plena revelação de Deus, pela qual  o homem chega a conhecer que Ele é Vida Trinitária. A palavra que define o conteúdo dessa Vida é Bondade (Tt 3,4). A forma progressiva com que a Bondade se revela nos permite conhecer sempre mais o seu dinamismo trinitário.
Ao revelar-se aos Patriarcas, a Bondade se manifesta como Amor Maternal (El Shaddai: Ex 6,2; Gn 49,25; Sl 105, 12-15; Jó 5,17).
Na libertação do Egito, a Bondade se revela com poder (Iahweh: Ex 6,1-6; 3).
O profeta Oseias ilustra as prerrogativas da Bondade num contexto de rejeição de Israel por causa das suas iniquidades. A Bondade deixou de ter vísceras de misericórdia e de agir em favor de Israel: “Chama-a ‘Aquela que deixou de ser amada’, porque doravante mão mais terei piedade da casa de Israel” (Os 1,6). “Chama-o “Aquele que deixou de ser meu povo” (1,8). “Porque deixastes de ser meu povo, Eu serei para vocês “Aquele que não mais agirá em vosso favor” (1,8b).
Na volta de Babilônia a Bondade se revela como o Santo. “O teu redentor é o Santo. No Santo de Israel te gloriarás. O Santo de Israel te criou” (Is 41,14.16.20).
Isaías ao contemplar Iahweh na sua ação redentora celebra o seu Poder, o exalta como Criador, Senhor dos reis, árbitro das nações, Força incansável do seu povo. Iahweh é o “Sou”, Único existente (Is 43,13).
A literatura sapiencial celebra o “Sou” enquanto se manifesta na criação: é a Bondade que no Amor chama à vida as criaturas manifestando todo o seu Poder, Sabedoria e Beleza. Pela criação, a Bondade já se anunciava trinitária. O Autor sagrado assim fala do Deus criador: “Pela Palavra que sai da sua boca” (Sl 33,7), o nosso Deus criou os exércitos do céu e da terra. O Espírito que sai da sua boca juntamente com a Palavra, plasma a matéria informe e domina os oceanos” (Gn 1,1s). É o Amor onipotente, o Sou das infinitas virtualidades, a Verdade, que, no seu Poder, manifesta a sua Glória. Gn 1 celebra o Criador distribuindo em seis dias a obra da criação no intuito de incutir no fiel o reconhecimento da sua relação de dependência. Ensina também que é pela contemplação dos feitos de Deus que nutrimos a nossa louvação ao Criador do qual nos sentimos criaturas. O Sl 33 expõe essa doutrina. A louvação é própria dos justos e dos homens retos. É o canto sempre novo das vozes da Glória de Iahweh. O homem reconhece Deus que se manifesta com Bondade, Beleza, Sabedoria, Potência na luz, nos ornatos da natureza, no firmamento, nos mares. Aquele que é Amor tudo criou: “A Palavra do Senhor fez os céus e o sopro de sua boca os seus exércitos”(Sl 33,6). Fez também o homem, de cada um plasmando o coração (v. 15).
O Santo se revela a Isaias no Templo da sua Glória (Is 6,1-5), Transcendente, separado de tudo o que é pecado. Que ama e se interessa pelo homem no qual, porém, não admite a iniquidade.
Envia Isaias para que Israel se purifique, do contrário, virá tendo diante dele o fogo destruidor.
A Santidade de Deus é retratada no fogo (Ex 3).
O fogo será benfazejo, sendo luz para os que o Santo ama, destruição da sua ira para o ímpio.
No Sinai o Santo é visto no fogo manifestando-se em todo o seu Poder divino (Ex 19,3-20).
Santo é, portanto, o Deus de Israel que é Esposo ciumento, que não tolera a iniquidade. Que, por isso, purifica pelo castigo, porque exige que o seu povo seja santo como ele é Santo (Lv 19,2; 20,26). Esse é o sentido de Santo em Os 11,9.
Sl 99.
Santo é o Deus que é Rei, cujo nome é grande e terrível. Os povos estremecem, a terra se abala (Sl 97, 1-5). Santo é o Deus da Justiça e do Direito. Santo é o Deus do perdão e do castigo. Ap 15,3-4; Ex 15, 11-13.17-18: Terrível em proezas, em prodígios glorioso. Estende a mão...conduz com carinho... leva à santa habitação, ao monte da santidade... ao Santuário. O Senhor há de reinar eternamente.
Sl 48.
O Nome de Deus
O “Sou” (Is 43,13) é a Bondade (Sl 100,5) que age no Amor. É Verdade e Fidelidade (Sl 117,2; 118,1).
El Shaddai (Gn 49,25): o Deus do amor maternal (Os 11,1-4). O Esposo (Os 2,21s).
Iahweh (Ex 6,2.3.6; 16,6.12).
Rocha, escudo, fortaleza (Sl 17,2-3; 144;145).
Santo (Is 41,14)
El Shaddai
O Deus que Jesus Cristo nos revelou na plenitude da sua vida trinitária e que Gn 1 já anuncia trinitário foi, gradativamente, se revelando ao longo da História da Salvação, que começa com a vocação de Abraão. O primeiro título que Deus dá a si mesmo é o de El Shaddai. Embora, mais tarde, esse título assuma, praticamente, a significação que tem o nome de Iahweh, quando é lembrado nos inícios da história do povo hebraico, tem a significação específica que deriva da sua etimologia. Shaddai é um plural de uma palavra hebraica cuja significação é peito, seio, úbere, mama, teta (hbr.: shad). Seus termos correlativos são ventre, regaço. É segundo esse sentido específico que é utilizado por Jacó quando, no fim de sua vida, abençoa o seu filho Judá. Ao invocar a Deus o chama de “El Shaddai” (Gn 49,25), capaz de efundir “bênçãos das mamas e do seio”. Foi sob esse título que Deus se revelou aos Patriarcas, como aliás faz notar o Autor do livro do Êxodo, antes de comentar um segundo nome de Deus, Iahweh: “...Apareci a Abraão, a Isaac e a Jacó como El Shaddai; mas pelo meu nome, Iahweh, não lhes fui conhecido”(Ex 6,3). É o salmista que nos explica o significado de El Shaddai ao evocar a forma com que Deus, no início da História de Israel, se relacionava com os Patriarcas: “Ele se lembra da sua aliança para sempre,...aliança que ele fez com Abraão, e juramento confirmado a Isaac... Quando se podia contá-los, eram pouco numerosos, estrangeiros na terra... ele não deixou que ninguém os oprimisse... Não toqueis nos meus ungidos...”(Sl 105, 8-15). Vemos dessa forma que o Deus trinitário, que São Paulo define, no fim da sua revelação, como a Bondade que se manifesta no Amor pela ação salvadora do Filho que nos vivifica no Espírito (Tt 3,4-6), desde as suas primeiras manifestações na História da Salvação, se revelava segundo a sua mais profunda essência.
O título de El Shaddai, contudo, é acompanhado, também, por descrições que relembram o aspecto de poder e santidade em Deus, de forma que podemos dizer que El Shaddai quer ser a maneira pela qual Deus é apresentado, sobretudo, numa relação de cunho paternal com o seu povo. Isso aparece no livro de Jó. À lamentação de Jó que não entende o por quê das terríveis provações, Deus se apresenta em toda a sua transcendência, enquanto, pedagogicamente, através da dor, quer conduzir o seu servo até entender o que é a verdadeira justiça: “Shaddai, nós não o atingimos. Mas ele, na sublimidade de seu poder e retidão, na grandeza de sua justiça, sem oprimir, impõe-se ao temor dos homens; a ele a veneração de todos os corações sensatos” (Jó 37, 22-24). El Shaddai é o Deus cuja voz é “a voz de muitas águas” (Ez 1,24), que no seu poder é capaz de punir as transgressões do seu povo: “Sim, está próximo o Dia de Iahweh, ele chega como uma devastação de El Shaddai” (Jl 1,15). Em resumo, El Shaddai é o Deus verdadeiro, que ao revelar-se ao povo de sua escolha, por uma necessidade até histórica, devido à fragilidade do seu protegido, se revela acentuando, sobretudo, o aspecto fundamental do seu Ser: a Bondade. Ela é, todavia, acompanhada pelo Poder, não tanto em vista de obras portentosas, e sim, como escudo que defende e ampara a condição frágil dos Patriarcas. Quando age em vista de educar, ele corrige, todavia, sem ira, porque, sempre age com sabedoria, no amor.
Iahweh
“Iahweh” é mais um nome com que o hebreu invoca o seu Deus. Aliás, considera que o próprio Deus quer que assim, para sempre, o invoque o povo que Ele libertou do Egito com mão poderosa e braço forte. Se, em primeiro lugar, o Deus de Israel quis ser invocado como El Shaddai, ao querer ser invocado com o nome de Iahweh, a partir da gloriosa libertação da escravidão dos egípcios, determinou que a Bondade, que protegeu os Patriarcas, fosse, para sempre, lembrada como o Amor que agiu com poder, movido pela compaixão diante da miséria e opressão em que vivia o seu povo. Iahweh significa: “Aquele que é e que faz acontecer”. É o “Sou” que se revela através dos seus feitos. Esse nome não se aplica somente à libertação da escravidão do Egito, momento em que “com mão estendida e com grandes julgamentos” (Ex 6,6), Deus revelou a sua glória e manifestou o seu poder. O profeta Isaias o evoca ao anunciar a libertação de Judá da escravidão de Babilônia: “Eis o que diz o Senhor Iahweh, o teu Deus, o que pleiteia a causa do seu povo: “Certamente vou tirar das tuas mãos a taça da vertigem, isto é, o cálice, a taça da minha cólera. Tu não tornarás a bebê-la jamais. Antes, pô-la-ei na mão dos teus opressores... Por isto mesmo o meu povo conhecerá o meu nome, por isto mesmo ele saberá, naquele dia, que “Eu sou”, o que diz: “Eis-me aqui” (Is 51,22s;52,6). “Serei o que serei” é, portanto, a tradução exata de Ex 3,14, porque Deus quer, naquele momento, anunciar que, por meio de fatos, o Deus de Abraão, Isaac e Jacó, o “Deus do amor maternal” (Gn 49,25), revelará que é, também, Poder glorioso.
O enriquecimento progressivo no conhecimento de Deus mediante os nomes bíblicos de El Shaddai e Iahweh, nos permite entender quem é Jesus na sua condição divina, porque, como o próprio Jesus afirma, Ele é o “Sou”, o mesmo Iahweh que se revelou a Moisés na sarça ardente. Assume a natureza humana na condição de Filho, mas ele é consubstancial ao Pai e ao Espírito de forma que pode afirmar: “Felipe, quem vê a mim, vê o Pai!. Não crês que eu estou no Pai e o Pai em mim? Eu e o Pai somos um!” ( Jo 14).
Jesus é o Filho com o qual e pelo qual o Pai e o Espírito que se revelam, segundo o poder que já se manifestou quando da libertação da escravidão do Egito e de Babilônia. Aliás, aquelas eram figuras da verdadeira libertação que Jesus opera com a sua Páscoa, com o seu Êxodo. E, se já os autores sagrados consideravam a libertação do Egito e de Babilônia uma nova criação, com maior razão deve ser considerada como criação a Redenção, momento em que Iahweh, na Pessoa divina de Jesus, opera a libertação da escravidão do demônio e, pela comunicação do seu Espírito divino, nos torna novas criaturas pela participação à sua filiação divina.
Disso tudo resulta que Jesus é a mais plena revelação de quem é Deus. A Bondade nele se manifesta no mais alto dinamismo do Amor divino, operando a nossa Redenção.
Qadosh
Quando a Revelação no diz que Deus é Santo, significa que quer estabelecer uma separação total entre Aquele que é a Perfeição e tudo aquilo que está contaminado por um processo de degeneração moral. Isto pode ser constatado quando Aquele que é a Santidade se manifesta: determina que o próprio lugar onde se manifesta deve ser reservado, separado e consagrado a Ele, o Senhor, porque não pode mais pertencer aos homens que vivem contaminados pela impureza do coração. Castiga o pecado porque não tolera a imperfeição na sua criatura. O Santo não é, contudo, uma Potência destruidora, mas só purificadora. A santidade, em Deus, quer expressar a condição absoluta de transcendência à qual ninguém pode aproximar-se sem ser fulminado, por causa da sua iniquidade. Quando, todavia, a criatura purifica o seu coração, Deus nela se compraz e a ela transmite a riqueza da sua vida. A santidade é o aspecto da natureza divina que, por ser perfeita, se distingue de qualquer criatura. O homem, para aproximar-se do Santo, deve purificar-se. Não basta uma purificação exterior, é necessária uma condição de obediência e temor.
A ação santificante de Deus, quando este chama o homem ao seu serviço, é princípio da santificação  que a Deus consagra sua vida, na obediência à sua Lei. Quem se santifica mediante a sua observância, agrada o Santo, que nele faz sua morada. Aos seus santos, então, Deus escuta porque ele se agrada com a justiça, a obediência e o amor.
Em Jesus Cristo temos a manifestação do Santo, com a qual convive a sua humanidade, que continuamente se santifica. Nisso Jesus é nosso Modelo de santidade. O Santo de Deus, ao estabelecer o Reino, expulsa os demônios. A santificação resulta ser um dom gratuito da Plenitude dos tempos, mas exige uma resposta de santidade, agora possível em virtude da comunicação do Espírito de Deus, que ilumina os corações acerca do entendimento, pela revelação do Plano de Deus sobre os homens, e da Pessoa de Jesus Cristo, no qual se atua a Redenção. Jesus é Santo na sua morte, é Espírito de santidade na sua Ressurreição e chama os fiéis à mesma santificação enquanto se apresenta como Modelo e Princípio.
Batizados no Espírito santo, os fiéis são chamados a uma vida santa, nada mais tendo em comum com o mundo corrompido pelo pecado. O fiel, pelo Espírito, foi configurado a Cristo, enriquecido pelos seus sete dons e pelas virtudes teologais. É chamado a conduzir-se segundo essa condição, no respeito à Lei do Criador. Sua vida deve ser tornar sacrifício santo.

A reflexão dos sábios do AT
Há três momentos em que Deus se revela de forma extraordinária: pela História de Israel, pelo Profetismo e pela Encarnação. O resto da Revelação é fruto de uma interação da inteligência humana com os dados revelados. Os dados revelados contêm em si a própria revelação que em seguida explicitar-se-á pelo esforço do homem de conhecer a Deus. É um esforço que Deus exige, porque quer lidar com o homem segundo o seu potencial de entendimento e porque esse é o único caminho do verdadeiro desenvolvimento do homem, na fé: “Porque nele a justiça de Deus se revela da fé para a fé, conforme está escrito: “O justo viverá da fé (Hb 2,4)” (Rm 1,17).
A História de Israel aconteceu, verdadeiramente, por uma intervenção direta de Deus, a partir da vocação de Abraão. A reflexão dos historiadores de Israel, a partir de Sm 1, foi descobrindo como Deus vinha atuando.
Os Profetas provaram que o Elohim de Israel era o verdadeiro Deus, o único existente, Senhor da história. Ele é um Deus que faz acontecer o que anuncia. Os sábios viram, contudo, que a História de Israel devia ser considerada como paradigma da História do homem. Abraão é um dos elos da Descendência que Deus suscitou desde as origens da humanidade. O homem traiu a Aliança com o Criador. O seu pecado foi a idolatria. Tendo-se desligado de Deus, iniciou-se nele um processo degenerativo. Haverá uma Redenção, por um membro da descendência, para restaurar a ordem da criação que aconteceu dessa forma: a Bondade, no amor, com Poder, deu origem ao mundo que reflete a sua Sabedoria.
É pela louvação, que brota da contemplação, que o homem se realiza, enquanto serve ao Criador. Por sua vez, a louvação é condição de obediência.
Enquanto aprofunda a sua reflexão sobre o homem, o Sábio vê nele a imagem de Deus e estabelece uma relação de transcendência entre a criatura e o Criador. Por sublimação vê no Criador as condições de Ser, Poder e Sabedoria, enquanto as contempla no homem. Desenvolve a sua reflexão sobre o homem em Gn 2, estabelecendo a segunda regra do seu desenvolvimento: a obediência. Vê, enfim, no Matrimônio, a condição dinâmica do seu desenvolvimento e da sua vida feliz sobre a terra.
No N.T. os Apóstolos desenvolvem, ao longo da sua pregação, o que lhes foi revelado pela ação profética de Jesus e dos seus próprios mistérios. Relacionam a Pessoa de Jesus Cristo com as figuras do A.T. e desenvolvem tudo aquilo que Jesus lhes tinha ensinado. A Revelação plena permite contemplar o Plano grandioso de Deus que visa à divinização do homem. Seu centro é a Encarnação do Filho de Deus. Disso resulta claramente quem é o homem, qual é o seu caminho de desenvolvimento e o seu fim; qual é a origem do Mal no mundo, o fruto da Redenção e a condição nova de vida que os Mistérios de Cristo propiciam ao homem.
A exposição do conteúdo da nossa religião deve ser efetuado:
1o) Seguindo a pedagogia de Deus ao revelar-se. O ponto de partida é o momento histórico em que o homem descobre o seu Deus.
2o) Atentos à exposição teológica da Bíblia. É a exposição da doutrina ditada pelas Escrituras, dentro de uma moldura cronológica.
3o) Considerando a natureza profética dos textos sagrados. Descobrimos, então, o desígnio Deus sobre nós (Rm 8,28-30).

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