Cristologia

            Cristologia (1) Introdução (i)

            Para falar da Pessoa divina de Jesus, d’Aquele que, portanto, sendo Deus se revelou aos homens mediante a natureza humana assumida pela Encarnação, devemos nos ater à maneira que os Apóstolos adotaram. O ponto de partida foi a sua fé na Divindade d’Aquele que ressuscitou dos mortos e o fato de ter sempre unido este conhecimento único da Pessoa do Senhor a todas as profecias que o anunciaram, embora, nestas, não  pudesse ser encontrada nenhuma manifesta proclamação da divindade do Cristo do Senhor. [Há, contudo, aos menos, duas profecias que somente se tornam passíveis de explicação no seu sentido quando acontece a Encarnação, indicando, dessa forma, que em si, contêm o anúncio da divindade do Salvador. A primeira é a de Gn 3,15. Como poderia um descendente da estirpe humana ser capaz de resgatar a própria humanidade uma vez que todo e cada membro dela tinha caído sob o domínio da Serpente? O explica a Pessoa humano-divina de Jesus. Jesus se torna em tudo igual a nós exceto o pecado e, pela condição da sua Pessoa divina é capaz, pelo sofrimento, de chegar a ser coroado de honra e de glória enquanto, no meio dos seus irmãos, se torna o Sumo Sacerdote que entrou no Santuário com o seu sangue, capaz de nos purificar dos nossos pecados. A segunda é a de Is 7,14. Como poderia acontecer que um filho de uma jovem mãe pudesse ser o Emanuel, a não ser em sentido figurativo, como o tinha sido cada juiz que, na força do Deus de Israel era capaz de feitos extraordinários que alcançavam a libertação do povo de Deus da opressão dos seus inimigos?] Em geral toda profecia, enquanto é preparação do Tempo em que se realiza plenamente o Plano de Deus, fala de Cristo; é a maneira pedagógica com que Deus prepara a revelação última de si. Por causa disso deve ser assumida para que cada uma delas se torne um vocábulo bíblico capaz, mediante a devida modificação à luz do acontecido, de falar d’Aquele que morreu segundo as Escrituras e que ressuscitou segundo as Escrituras. Com este método, embora exija muito trabalho, executado em espírito de sabedoria e revelação sobre a Palavra, é possível falar de Jesus Cristo de forma adequada, alcançando, assim, todos os tesouros da sabedoria e da ciência que estão contidos naquele em quem habita corporalmente a plenitude da divindade. Ele é, como afirma São Paulo, o Mistério de Deus, isto é, a revelação que Deus faz de si à altura da capacidade humana de entender e, contém tudo o que Deus é capaz de dizer ao homem, não obstante a linguagem antropomórfica, analógica e simbólica que ele não pode deixar de adotar, e que utiliza segundo a sua infinita Sabedoria.
            Ao longo da exposição sobre Cristo Redentor, muitas coisas já foram ditas de Jesus Cristo visto até como Pessoa divina. Chegou, contudo, a hora de falar dele de forma direta porque ele mesmo é Deus. Somente enquanto se torna conhecido pela Encarnação é que começamos a falar dele com os termos da nossa linguagem humana, nisto ensinados até por ele mesmo. O fato realmente novo que se soma a toda a revelação do Antigo Testamento é o da divindade da sua Pessoa, anunciada, até o tempo da sua vinda, simplesmente como Messias, Redentor e Salvador. Existe nele uma condição peculiar, qual é aquela de viver, com o Pai e com o Espírito, dos quais ele, pela primeira vez nos fala como de Pessoas divinas, ele mesmo sendo uma das Pessoas da Ssma. Trindade. Ele nos descreve a sua condição com o termo de Filho, tirado da nossa linguagem antropomórfica. Na tentativa de expressar de forma mais precisa a condição de Jesus como Pessoa da Ssma. Trindade, João diz dele que, em Deus, ele é a Palavra. Também este termo tem sua origem na linguagem antropomórfica que o autor de Gn 1 utilizou para falar de Deus de forma analógica. Somente que, em João, deve ser entendido relacionado à Pessoa divina de Jesus, qual se revelou pela Encarnação. Abre-se para nós um mundo grandioso qual é o da Divindade da qual é possível falar de forma nova porque, ao manifestar-se, enquanto revela a sua glória pela criação, na Pessoa de Jesus Cristo revela a sua Natureza Trinitária. Dela, Jesus é o Resplendor, a Imagem. De toda a Glória divina possível para ser entendida pelo homem, Deus nos fala pelo Filho. Ele é a sua Palavra, isto é, a sua Revelação. O discurso, embora feito em linguagem antropomórfica, enquanto é conduzido pelo próprio Deus, é extremamente revelador.
Perguntas para reflexão:
1ª) De que forma Deus falou de si aos hebreus?
2ª) De que forma Jesus nos fala de Deus?
3ª) De que forma o Mistério Trinitário enriquece o nosso conhecimento de Deus?

            Cristologia (2) Introdução (ii)
            Deus que se revelou a Israel a partir da vocação de Abraão, que, pela história do seu povo, nos fez entender qual é a condição em que se encontra toda e cada criatura e que, pela profecia, nos anunciou um Redentor, “nos últimos tempos, que são os nossos, nos falou pelo Filho, que é o herdeiro, pelo qual fez os séculos. Resplendor da sua Glória e Expressão do seu Ser sustenta com a sua palavra o universo” (Hb 1,1-3). A condição divina d´ Aquele que se apresenta segundo a condição humana é a surpreendente realidade que nos obriga a criar uma Cristologia que responde à seguinte questão: quem é Jesus de Nazaré que, enquanto, segundo a linha profética, à qual se liga pelo testemunho de João Batista, prova ser o Messias, se revela de condição divina pela sua Ressurreição, que sela a sua Morte como imolação redentora? Foi segundo esta linha de raciocínio que procedeu a reflexão apostólica a partir da tumba vazia. Isto nos é ensinado pelo próprio Evangelho do domingo da Ressurreição. Vemos que o discípulo que ama chega mais depressa à fé, enquanto é seguido por todos os outros que, depois de ter renegado o Cristo na sua Paixão, embora ela fosse exatamente uma das últimas realizações das Escrituras em Jesus, após ter-se revelado Profeta e Messias, voltam a amá-lo. Retomam o caminho da fé que tinham abandonado ao ver o Messias sucumbir diante dos seus inimigos e começam a amadurecer, meditando as Escrituras: realmente o Cristo devia sofrer para entrar na Glória. Estamos diante da seqüência dos evangelhos dos domingos depois da Páscoa. Os Apóstolos perscrutam as Escrituras, exatamente da forma que o Senhor ressuscitado lhes ensina, seja aparecendo aos discípulos de Emaús como a eles mesmos reunidos no cenáculo. Corrigem então o seu messianismo terreno e começam a encontrar o pleno sentido do Reino de Jesus. Diante da condição divina do seu Mestre que se revelava na sua ressurreição, entendem todo o peso do seu ensinamento profético. Jesus veio levar à perfeição a própria Lei que, numa outra teofania, o Deus único e verdadeiro tinha ditado a Israel no Monte Sinai. Desta vez a revelação ocorre de forma definitiva. As Escrituras que servem para meditar sobre a Morte e a Ressurreição do Messias, à luz a Divindade de Jesus, que fulgura na sua ressurreição, adquirem seu sentido pleno: Jesus é o Adão novo do qual o Adão antigo era figura. Enquanto podíamos dizer com Paulo, mas só por alegoria, que todos morremos em Adão, nos referindo ao Adão de Gn 3, devemos dizer, mas desta vez de forma real, que todos, em Cristo têm a vida. A Descendência da Mulher, realmente, esmaga a cabeça da serpente e o Mal é definitivamente vencido porque Jesus é de condição divina; o Emanuel anunciado por Is 7,14 é uma presença real de Deus no meio dos homens porque a sua Palavra se fez carne. Por esta última verdade chegamos àquilo que a Encarnação traz de totalmente novo: o mistério da Vida Trinitária em Deus.
            A reflexão apostólica sobre as Escrituras acaba criando vocábulos teológicos mediante a transformação interna do conteúdo das figuras sugeridas pela Profecia, à luz da condição divina de Jesus, revelada pela sua Ressurreição.
            Grandiosa era a visão que a Profecia tinha apresentado enquanto Deus, pedagogicamente, preparava a vinda do Redentor. Mas ainda faltava ser conhecida em todo o seu esplendor porque não era iluminada pela luz da divindade daquele que a mesma anunciava. Agora, como diz São Paulo aos Romanos, estamos diante do Senhor Jesus Cristo que, segundo a Profecia é o Evangelho de Deus anunciado, enquanto, na sua Pessoa é o Evangelho realizado, e que, pela Igreja, é o Evangelho proclamado. Não é algo de grandioso somente porque nos traz a salvação. É grandioso, também, e, sobretudo, porque revela o Plano sapientíssimo do Pai e toda a santidade com que age o Filho de Deus.
            Deus que é a Caridade, isto é Vida Trinitária, quer, para as suas criaturas, o máximo da realização da qual são capazes. São Paulo fala de uma glorificação de toda a criação atrelada à glorificação do homem. Conseqüentemente, Deus canaliza todo o seu Poder e Sabedoria para alcançar o seu objetivo que visa à divinização o homem. O amor de Deus resplandece ainda mais quando, diante da rebeldia do homem ele é chamado a agir na Misericórdia. A expressão máxima do amor misericordioso do nosso Deus é a Encarnação pela qual a Palavra que se fez carne vem nos visitar, colocando a sua tenda entre nós. O Plano de Deus contempla uma reconciliação mediante uma justificação. Mas é exatamente o contexto da redenção que nos dá a oportunidade de ver toda a riqueza da Sabedoria de Deus através do seu Mistério que é Cristo em nós esperança da Glória.
Perguntas para uma reflexão:
1ª) Quais são as primeiras descobertas da Igreja apostólica que aprofundam sua fé no Senhor ressuscitado?
2ª) Além da salvação, quais são os outros valores que nos são participados em Jesus?
3ª) Por que a Misericórdia é a expressão máxima da Caridade divina?

Cristologia (3) – O Cristo ressuscitado

            Os evangelhos que nos falam da ressurreição são fruto de uma reflexão à qual os Apóstolos foram impelidos pelo sinal da tumba vazia. Aquele Jesus que chegaram a reconhecer como Messias e que lhes tinha predito a sua Paixão e Ressurreição se revelava o Santo que não podia conhecer a corrupção (At 2,31). São Pedro, com os outros apóstolos, proclama: “Deus o ressuscitou dos mortos e disso nós somos testemunhas” (v.32). O testemunho dos Apóstolos se fundamenta na convicção inabalável que Cristo Jesus ressuscitou, promovida neles pelo Espírito Santo, a partir do momento em que Jesus se manifestou diante deles com as chagas gloriosas da sua Paixão. Na base dessa convicção corroborada pela visão aos discípulos de Emaús e pela  Ascensão, no topo do Monte das Oliveiras, chamado Galiléia, isto é, topo arredondado, surgem as narrativas teológicas da ressurreição que se diversificam pelos detalhes, não pelo conteúdo de fé, acerca da Ressurreição de Cristo.
            Mateus fala da ressurreição como de uma constatação de um fato acontecido. As mulheres que se perguntam quem lhes rolará a pedra do sepulcro são aquelas às quais o Anjo da ressurreição lhes explica o que elas são chamadas a crer: “Aquele que procurais não está aqui, ressuscitou”. Desde o momento em que Jesus entrega o espírito ao Pai, no momento da sua Morte de Cruz, ele entra na Glória da Divindade. Aquilo que os discípulos transportam para o túmulo é o corpo, o cadáver daquele que foi o Jesus enquanto estava na terra. Sepultado o corpo de carne, ressuscita um corpo espiritual (1Cor 15,44). A matéria que Jesus glorificou é sinal, para nós, da sua ressurreição corporal e da glorificação da matéria que, necessariamente, é arrastada na condição gloriosa do Adão glorificado. O Anjo da ressurreição transmite o que o próprio Jesus diria. Aliás, na intenção de Mateus, ele é o próprio Jesus com os sinais da sua condição divina: as vestes brancas e o rosto resplandecente (Mt 28,3). Os conteúdos da Ressurreição dos quais a tumba vazia é o sinal, estão aí, representados por figuras e metáforas próprias da linguagem bíblica, de cunho apocalíptico.
            Lucas, que é o nosso interprete da linguagem bíblica de Mateus, descreve o mesmo quadro com o intuito de nos transmitir os conteúdos doutrinais de uma ressurreição que Jesus predissera. A sua exposição é mera paráfrase do quadro de Mateus porque, de fato, pouco pode ser acrescentado à perfeição teológico-bíblica do primeiro evangelista. Lucas, todavia, acrescenta algo importante: a ressurreição está ligada à predição da Morte como algo determinado por Deus em relação ao Filho do Homem. Ela é, portanto, um mistério, no que diz respeito à sua natureza. Contudo, como fato, revela a condição única de Jesus. Na sua ressurreição tem algo ligado às profecias messiânicas que apontam para uma sua condição divina. A fé na divindade de Jesus foi algo que amadureceu como uma evolução do conceito da messianidade de Jesus. Esta sofreu uma transformação diante dos sofrimentos da Paixão, enquanto aceitos como próprios do Messias, e, à luz da sua ressurreição que apontava para a condição divina do Cristo do Senhor, foram entendidos como gestos divinos para uma Redenção dos homens. Uma doutrina de imensas consequências era, então, a que Jesus deixava aos apóstolos enquanto se despedia deles, prometendo, contudo, que o Espírito lhes lembraria todas as coisas e os levaria à plenitude da verdade.
            Toda a riqueza de uma doutrina que sabe reconhecer no homem Cristo Jesus a condição de Pessoa divina do Filho é atribuída ao Espírito. Desta ação, pela qual a Igreja se torna arauto da divindade de Jesus, Lucas nos faz uma admirável exposição pela descrição do que aconteceu no dia de Pentecostes. É pelo Espírito que a Igreja anuncia a divindade de Cristo e é ainda pelo mesmo Espírito que todos os homens, independentemente das suas línguas ou raças, acatam a mesma fé. Com isso, desde o início, a Igreja está de posse da doutrina acerca do Senhor ressuscitado que proclama o Filho abertamente manifestado com poder no Espírito de santidade (Rm 1,4). A reflexão teológica foi multiplicando os seus conteúdos e distinguindo-os sempre mais até nos dar a doutrina que até agora professamos.
Perguntas para uma reflexão:
1) Qual é o sinal e quais são as aparições que levam os Apóstolos a uma convicção inabalável de que Jesus ressuscitou?
2) Quais são os termos e as figuras da linguagem bíblica de Mateus quando fala da ressurreição de Jesus?
3) De que forma Lucas liga a ressurreição de Jesus às profecias do A.T.?

Cristologia (4) – O Adão verdadeiro

            Jesus Cristo está no centro de toda a história. Ele une em si a condição humana e a condição divina. É Deus, como pessoa: a segunda Pessoa da Ssma. Trindade. É homem, também, porque o Filho do Pai eterno assume a natureza humana a partir do momento em que é concebido no seio de Maria por obra do Espírito Santo. Logo aparece uma observação importante a ser feita. É verdade que, segundo a natureza humana, Jesus é fruto da ação do Espírito de Deus. Contudo, é, também, verdade que, como Pessoa divina realiza, com o Pai e o Espírito, essa obra; enfim, é verdade que quem se encarna é somente a segunda Pessoa da Ssma. Trindade, Aquele que ao entrar no mundo diz ao Pai: “Não te foram aceitos os sacrifícios e os holocaustos, eis-me aqui –está escrito no Livro- para fazer a tua vontade.” (Hb 10,5). Aparece, dessa forma, de maneira clara, que Jesus é consubstancial ao Pai, mas que, na condição de homem em que se tornou, lhe foi inferior, mas só por um pouco, até que leve a sua humanidade à perfeição, pela obediência até a morte de Cruz (Fl 2,6-11). Então, Deus, isto é o Deus Trinitário, o exalta: o homem Cristo Jesus recebe o Nome de Senhor. Jesus é, então, a Glória de Iahweh, aquela Glória que começou a se manifestar a partir do seu nascimento e que teve a sua suprema manifestação no momento da sua ressurreição, de forma que o seu lugar último é o trono do Pai (Ap 3,21). O Homem Cristo Jesus, elevado ao céu, participa, a pleno título, da Glória da Divindade. Acontece o indizível, o homem se torna Deus e, àqueles que, em virtude da Encarnação, se tornaram seus irmãos, é dado de se tornarem filhos adotivos do mesmo Pai, pela fé nele e na sua redenção. A forma com que se dá a nossa divinização ilustra toda a riqueza da divindade que Cristo possui e nos comunica. Ele é o Adão verdadeiro, aquele no qual Deus pensou quando falou: “Façamos o homem a nossa imagem e semelhança”. Jesus, que se tornou em tudo igual a nós, exceto o pecado, é o único homem que, pela perfeita obediência e pela imolação, sinal supremo do reconhecimento do homem da sua dependência do Criador, conduziu a sua humanidade à perfeição, por virtude própria. Por isso, o Santo, isto é Deus, não podia conhecer a corrupção, na humanidade assumida. O Adão novo se torna, então, princípio de santificação para os seus irmãos, que se santificarão enquanto fizerem do Modelo que ele lhes deixou, o seu Caminho. Contudo, Jesus, não é só Modelo de vida, é, também, Princípio de vida, porque, em virtude da sua imolação, se torna fonte do Espírito que purifica e renova. Jesus Crucificado é o Caminho vivo, o autor e realizador da fé. Na condição de Palavra que se fez carne, Jesus, como diz São João, se torna a Luz, capaz de comunicar a Vida (Jo 1). É Aquele que o Pai, no momento da ressurreição constitui Dia, a primeira das criaturas: “Tu és meu Filho, eu a ti constituo Dia, Luz” (Sl 2,7). Por causa disso está nele “toda a primazia” (Cl 1,18). Com a sua Vinda ao mundo, o mistério anunciado mediante a promessa de um Redentor (Gn 3,15) é desvendado. Como poderia um descendente da estirpe humana estar em condições de remir, quando todos estão debaixo da desobediência? Isto acontece porque o Novo Adão é Deus.
Perguntas para uma reflexão:
1ª) Quais são as prerrogativas de Cristo Jesus, o Adão verdadeiro?
2ª) De que forma é possível, em Cristo novo Adão, a nossa divinização?
3ª) De que forma se realiza em Jesus a profecia de Gn 3,15?

Cristologia (5). A interpretação que São Paulo faz da figura do Adão do Gênesis (Rm 5,12-21):  Nosso Senhor Jesus Cristo é o Novo Adão. Pela justificação nos faz reinar para a vida eterna.

            Para explicar de que forma os homens, justificados pela fé, participam da Glória de Deus mediante Cristo Cabeça, em virtude da Redenção atuada com plena sabedoria até a imolação, Paulo faz, da figura do Adão do Gênesis, a profecia de Cristo, princípio da estirpe dos filhos de Deus (Rm 5,14). Teologicamente, a figura de Adão de Gn 3 retrata o homem que fracassa diante do plano de Deus. A moldura cronológica na qual a narrativa é colocada só a engancha a Abraão enquanto esse é princípio da história da salvação, no tempo. É, portanto, somente por um artifício literário que a figura emblemática de Adão, se torna princípio de uma História de pecado, da mesma forma que a Descendência dos Patriarcas é um artifício literário para que entendamos que Deus desde sempre pensou em resgatar o homem das suas culpas, enquanto queria configurá-lo ao seu Filho. Resulta de tudo isso que a Bondade sempre age no amor, querendo sempre o máximo do nosso bem possível. Diante da culpa, Deus doa o Filho para que o homem receba a filiação divina no máximo das condições para podê-la realizar, sem que sejam preteridas as suas inalienáveis responsabilidades.
            Paulo sabe perfeitamente que a narrativa sapiencial de Gn 3 tem um sentido didático. A assume, contudo, de forma cronológica, segundo o sentido que o redator final das Escrituras sagradas quis que tivesse, na sua exposição do Plano da Salvação, inspirado na vocação de Israel para ser o povo de Deus que esperava um Redentor. Adão se torna a perfeita figura de Cristo que é, de fato, em virtude da sua condição divina, aquele que pode ser o Cabeça da estirpe humana, Aquele que transmite realmente os valores da imortalidade e da Glória divina. Aquele que, de fato, alcança uma remissão dos pecados em virtude da sua expiação vicária e leva a reinar, em virtude de, único, ser capaz, diante de Deus Pai, de perfeita obediência e imolação. Somente Cristo Jesus é Vida plena.
           
            O Evangelho prometido já ilustrava a Pessoa de Cristo (Gn 1-3).A moldura cronológica, na qual a narrativa sapiencial de Gn 1-3 é inserida, permite definir as prerrogativas de Cristo. Essas, contudo, não podem ser por sua vez, aplicadas ao Adão de Gn 1-3, como realmente existentes nele, porque ele é só figura (Rm 5,14). Cristo nos transmite a graça de Deus de forma eficaz, em virtude da sua condição divina. É o verdadeiro Adão que justifica, que nos constitui, individualmente, na condição de realeza, pelo Espírito, possibilitando o domínio sobre os instintos e a consequente mediação de louvação nossa entre o mundo e o seu Criador. Cristo, enfim, nos dá a vida divina, sempre pelo seu Espírito, que é penhor de imortalidade, ressurreição na carne, filiação divina, herança eterna. Pela comparação vemos quanto Cristo Jesus enriquece o homem ao se tornar um de nós. É esse enriquecimento que ilustra o que falta a ser completado por Deus na obra da criação do homem. Contudo isso acontece num contexto de pecado.
            A narrativa sapiencial surgiu exatamente para explicar esse mistério, diante da constatação da infidelidade de Israel ao seu Deus. O homem se rebela contra o seu Criador porque quer se constituir num deus. Essa ambição desmedida, o primeiro dos sete vícios capitais, é fruto de uma omissão, a da procura de Deus pela contemplação das obras da criação, pelas quais o homem descobriria os atributos de Deus, o seu Poder e a sua Glória. Todo homem está exposto a esse fracasso. De fato o vive. A história da geração de Caim (Gn 4) o ilustra. Cristo Jesus redime o homem, seja aquele que o precedeu como aquele que o segue, mediante a comunicação do Espírito que, após tê-lo suscitado como criatura animada, agora, se comunicando, nele se torna princípio de imortalidade gloriosa. Enquanto redime a humanidade da sua condição de culpa, real nos adultos, em potencial no recém-nascido, dizemos que tira o pecado original. Enquanto comunica a vida divina, nos constitui na condição definitiva contemplada pelo Plano da criação do Pai. A transmissão direta de uma culpa que os ancestrais da humanidade teriam cometido é uma ilação. Nos equivocamos diante de uma narrativa sapiencial que quer simplesmente ilustrar o comportamento de todo e cada homem. Disso resulta que somente a Divindade, enquanto assume a condição humana, pode ser, desta, o Princípio da sua regeneração e a força para atuar os ideais que o Criador tem sobre a criatura.
Perguntas para reflexão:
1ª) De que forma o Adão de Gn 1-3 é figura de Jesus?
2ª) De que forma Jesus transcende a figura?
3ª) O que a figura de Adão retrata do homem?

Cristologia (6) – O Filho do Homem

            Quando Jesus se apresenta para a sua missão messiânica, enquanto atribui a si a função de profeta, é visto como homem. Ele é um filho de homem, em tudo igual a nós. Como costumeiramente dizia o hebreu, ele tinha todo o aspecto de um filho de homem: filho de Maria, a esposa de José, o carpinteiro de Nazaré. Mas porque Pessoa divina, lhe é reservada a condição da figura profética anunciada por Ez 1,26-28. O próprio São João lhe atribui essa condição desde o início da sua vida pública, no momento em que Jesus diz a Natanael que verá o Filho do Homem glorificado, servido pelos anjos (Jo 1,51). O Filho do Homem é, portanto, Jesus que, como homem, nasce de Maria, mas que, porque Deus, é destinado a uma condição gloriosa que se manifestará nele depois de ter passado pelo sofrimento (Lc 24,26). É segundo o sentido que esse título messiânico contém, que Jesus explica aos seus apóstolos, depois que estes professaram a sua messianidade, de que forma ele chegará a reinar. Os apóstolos custam entender o sentido exato da condição gloriosa do Messias, tanto é verdade que brigam entre si porque cada um deles ambiciona os cargos mais altos quando Jesus restabelecer o reino de Israel. Mas Jesus insiste com eles, por três vezes dizendo: “O Filho do homem deve sofrer muito e morrer” (Mc. 8,31; 9,31; 10,33) e, depois da encenação dos filhos de Zebedeu, continua dizendo: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mt 20,28). Chegamos ao sentido pleno do termo quando Jesus declara diante do Sinédrio: “Eu sou o Messias, o Filho do homem que virá sobre as nuvens com todo poder e glória” (Mt 26,64). Jesus é, portanto, o Cristo da forma que se revela a João no Apocalipse: aquele que tem a voz da trombeta, a voz, portanto, de Iahweh quando da sua manifestação no Monte Sinai, que veste as vestes sacerdotais e que é rei, de condição divina, como o indicam seus cabelos brancos. Ele é a Glória de Iahweh que julga o mundo porque todo permeado pelo Espírito. Com isso entendemos que Jesus, enquanto é o Filho do Homem, da forma que o descrevem Ez 1,26-28 e Dn 10,5s, é o Verbo que se fez carne, que se tornou o Senhor da Igreja após ter vencido a Morte. É aquele que João canta desde a saudação que abre o Apocalipse: “Àquele que nos ama, que nos lavou com seu sangue dos nossos pecados e fez de nós um reio e sacerdotes para Deus Pai, a ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos” (Ap 1,6).
            Aquela que, em Ez 1, parecia ser uma mera alegoria para descrever a Glória de Israel que vinha para julgar a Cidade e condená-la por causa dos seus crimes, na verdade, com Jesus, se revela uma figura messiânica, que o próprio Ezequiel não poderia sequer imaginar que se atuaria pela própria Encarnação do Verbo de Deus. Ficamos extasiados em ver como ela se atuou quando lemos a descrição da sua condição gloriosa no céu:     "2Eis que havia um trono no céu, e no trono, Alguém sentado. 3O que estava sentado tinha o aspecto de uma pedra de jaspe e cornalina, e o arco-íris envolvia o trono com reflexos de esmeralda. 9E cada vez que os Seres vivos dão glória, honra e ação de graças àquele que está sentado no trono e que vive pelos séculos dos séculos, 10os vinte e quatro Anciãos se prostram diante daquele que está sentado no trono para adorar aquele que vive pelos séculos dos séculos, depondo suas coroas diante do trono e proclamando: 11‘Digno és tu, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, pois tu criaste todas as coisas; por tua vontade elas não existiam e foram criadas.’" (Ap 4, 2-3.9-11). O que mais nos consola é saber que Jesus, segundo essa condição, “entrou, por nós, como precursor” (Hb 6,20) nos céus. Isto significa que a nossa glorificação constituir-se-á numa  “ressurreição semelhante à sua”.
Perguntas para uma reflexão:
1ª) Em que sentido Jesus é um filho de homem?
2ª) De que forma o filho de homem chega à glorificação?
3ª) De que forma o Apocalipse nos descreve a figura do Filho do Homem?

Cristologia (7) – Cl 1,15-20

            A condição divina de Jesus, intuída pelos Apóstolos a partir da constatação da tumba vazia e confirmada pelas aparições do Ressuscitado, levou os Apóstolos a ver nele o Adão ideal que Deus, afinal, criara para si, verdadeira imagem do Deus invisível. Pela sua doutrina, pela sua imolação e pela sua ressurreição, Jesus revelava, como ninguém, quem era o Verdadeiro, a Caridade e a Santidade. Como diz São João no prólogo do seu evangelho, ele nos fez a exegese daquele que ninguém pode ver. Mas, pelo fato que nele se reflete a “Imagem do Deus invisível”, ele é consubstancial ao Pai: “Resplendor da sua Glória, expressão do seu Ser” (Hb 1,3).
            Além de ver em Jesus o Adão verdadeiro, São Paulo, neste hino, vê, em Jesus, a encarnação da Sabedoria divina pela qual Deus criou todas as coisas (Pv 8,22-32). De Deus, Jesus é a Palavra que, na vida de Deus, está voltada para o Pai e que dá origem a todas as coisas porque, por ela, é comunicado o Espírito de vida. Tudo é obra da sua criação, até as temidas potências dos ares: Tronos, Soberanias, Principados e Autoridades. Suposto que elas existam de forma objetiva e, até, tenham que ser aplacadas para que não nos prejudiquem, elas foram, contudo, subjugadas por Cristo que as arrastou, acorrentadas, no seu cortejo triunfal (Cl 2,15). O autor da Carta aos Hebreus chega até a dizer que não passam de servidores daqueles que devem herdar a salvação (Hb 1,14). Quanto mais elevadas as categorias dos anjos, tanto mais nos servem para considerar a grandeza divina de Jesus que, como Sabedoria do Pai, as concebeu e como Palavra as suscitou na potência do Espírito.
            Em  virtude da sua condição divina Jesus exerce uma função eficaz como Senhor da Igreja. A assembléia do povo de Deus estaria acéfala, não o tivesse como Cabeça, porque nele está toda a força regeneradora de uma humanidade decaída por causa do pecado. Com isso, é possível distinguir em Jesus duas naturezas, a divina e a humana. Em força da natureza divina, a da segunda Pessoa da Ssma. Trindade, a humanidade assumida pela Encarnação é capaz de todas as operações divinas em benefício dos seus irmãos. O primeiro ato do Verbo encarnado é o da reconciliação. O sacrifício oferecido sobre a Cruz foi o gesto único daquele que sendo Deus, pela sua humanidade pôde nos comunicar a plenitude do Espírito.
            A análise do Hino (Cl 1,15-20) que nos faz ver todos os aspectos do Plano de Deus, em vista da divinização do homem, nos permite expressar uma reflexão agradecida diante dos imensos benefícios que a sua atuação nos propicia. Não é tanto a graça da redenção que nos comove quanto a dignidade que Deus nos concede, ao revelar, no Amado, pelo qual nos tornamos seus filhos adotivos, toda a sua Caridade, numa forma impensável e, portanto, surpreendente. O Deus, único existente, o Criador de tudo, conseqüente com a sua Bondade que sempre o impele a agir no Amor, não conhece limites na sua Sabedoria e Poder para propiciar à sua criatura, “criada à sua imagem e semelhança”, portanto em condições de se tornar sua filha, a divinização, embora isso implique o dom do seu próprio Filho ao mundo (Jo 3,17). Também, antes mesmo de considerarmos o imenso dom a Redenção, nos surpreende a dignidade de Jesus que, enquanto atua a Profecia na condição de Filho do Homem, nos revela toda a sua “Glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14). Diante da sua dignidade divina, tudo o que é indevida exaltação de qualquer que seja a criatura, deve desaparecer das nossas mentes. A respeito dos anjos, portanto, temos que lembrar o que diz o autor da Carta aos Hebreus: “Porventura, não são todos eles espíritos servidores, enviados ao serviço dos que devem herdar a salvação?” (Hb 1,14). O diz exatamente no fim da sua argumentação acerca de Jesus “abertamente constituído Filho de Deus com poder” (Rm 1,4). Temos que considerar, enfim, para depois apreciarmos todo o valor da nossa redenção, a dignidade daquele que se tornou o Senhor da igreja. Mantida a sua condição divina, Jesus, assumiu a nossa condição humana para que, “levado à perfeição pelo sofrimento, coroado de honra e gloria” (Hb 2,9), tornado nosso Santificador, seja o Autor da salvação que no meio de nós, tornados seus irmãos, exalta o nome do Pai pelo Memorial da sua Morte, “em plena assembléia” (v.12). Levado por todas estas considerações, pelo seu hino Paulo expressa toda a sua consolação diante da Redenção que se realizou pelo Filho, o Amado. Os termos querem nos levar, necessariamente, ao quadro de Isaac imolado por Abraão, no Monte Moriá (Gn 22). À luz do tudo realizado, entendemos que quem doa o Filho em sacrifício, num desprendimento total, movido pelo seu amor sem limites para com os homens é Deus e que o verdadeiro sacrifício que Deus espera do homem é o obséquio da sua obediência e o reconhecimento da sua total dependência.
            Perguntas para uma reflexão:
1ª) Quais são as prerrogativas divinas de Jesus neste hino?
2ª) Em que condição Jesus é o Senhor da Igreja?
3ª) Quais são os elementos do Plano que Deus realizou em Cristo Jesus?

Cristologia (8) – Ef 1,3-14

            Este trecho, interpretação de Cl 1,15-20, embora fale de Cristo Jesus mais segundo a linha soteriológica, merece a nossa reflexão exatamente porque está ligado ao Hino cristológico da Carta aos Colossenses. Jesus é o Amado, portanto, o Isaac imolado (Gn 22) pelo qual recebemos a condição de filhos adotivos. O gesto de Cristo ocorre dentro o Plano sapientíssimo do Pai que, por livre determinação de sua vontade quis recapitular todas as coisas no Filho. A importância do gesto de Cristo está no fato que, pela sua imolação de Cruz nos comunica o Espírito que nos sela para a glorificação. O hino se compõe de quatro elementos: o Pai com o seu Plano, Jesus Cristo com a sua imolação de Cruz, o Espírito como penhor da nossa nova condição, a filiação divina que nos garante a herança do Reino, em Cristo Jesus.
 v. 3. O tema do hino é apresentado através de uma louvação motivada pelo recohecimento das “bênçãos espirituais” que o Pai nos concedeu em Jesus Cristo nosso Senhor. A Igreja, da qual Jesus é o Senhor eleva a sua louvação a Deus motivada pelos benefícios que o Espírito lhe participou.
v. 4. É nossa responsabilidade corresponder ao Plano de Deus vivendo de forma irrepreensível porque usufrui do Espírito de caridade somente aquele que permanece em Cristo.
v. 5s. “Aquele que de antemão nos conheceu, nos predestinou a sermos conformes à imagem do seu Filho” (Rm 8,29). Chamados a usufruir desta graça, fomos justificados no Isaac imolado, para que resplandecesse todo o Gratuito divino e, nisto, fosse o Pai glorificado.
v. 7. A nossa redenção aconteceu porque o “Amado” (Gn 22,2.16) pagou o preço do nosso resgate com o seu sangue.
v. 8. A graça do Espírito veio a nós em toda a sua plenitude, juntamente com os dons da sabedoria e do espírito de revelação (v.18), de forma que podemos penetrar no Mistério que revela qual é a vontade de Deus. Ele se torna mais claro quanto mais progredimos na virtude em espírito de conselho.
v. 9s. O Mistério é Cristo que, atuando o Plano do Pai, dele revela toda a Sabedoria e Bondade. Chegada a Plenitude dos tempos, preparada pela profecia, o Adão verdadeiro recapitula toda a história da humanidade e submete a si o mundo dos anjos (Cl 2,15).
v. 11. Cristo Redentor (o ‘Goel’, aquele que paga o preço do resgate para libertar da escravidão alguém do seu sangue) nos recebe do Pai como ‘herança’, para que o Pai, em nós, seja glorificado.
v. 12b-13. São herança de Cristo seja os que esperaram nele motivados pela Profecia, como, também os gentios que se converteram pela pregação da “Palavra da verdade –o evangelho da salvação”. Todos, no Amado, receberam o Espírito que os selou, tornando-os nova criatura.
v. 14. Todos aqueles que o Espírito Santo santificou, se tornaram filhos adotivos em Jesus Cristo. O Espírito que está neles como seiva que passa da Videira aos ramos, os torna capazes de participar da vida gloriosa de Deus. Pelo Espírito houve uma redenção que nos tornou herança de Deus, em Cristo, de forma que nos tornamos a glória dele.
            Deus, segundo o seu sapientíssimo Plano, nos tornou motivo supremo da sua glória enquanto se propôs realizar em nós o máximo  que o nosso ser poderia alcançar. Segundo o seu Plano somos destinados à divinização que o glorifica ainda mais porque ela é obtida no máximo da manifestação da sua Caridade: a Redenção. Nela resplandece a Caridade divina na Misericórdia que se atua mediante o dom que Deus faz do seu Filho destinado a nos tornar sua herança mediante a entronização na Cruz. O Espírito, que Cristo Jesus nos mereceu pela sua imolação, é a riqueza da graça que atua o máximo da nossa glorificação enquanto nos torna filho adotivos no Amado, conhecedores do Mistério de Deus, que é Cristo Revelação do Pai, e herdeiros da vida eterna.
Perguntas para uma reflexão:
1ª) Qual é o Plano de Deus sobre o homem?
2ª) De que forma Jesus Cristo é o Mistério de Deus (Cl 1,26s; 2,2s)?
3ª) Quais são as riquezas que o Espírito, merecido por Cristo na sua imolação, nos comunica?

Cristologia (9) - Fl 2,6-11

Trata-se de um hino a Jesus Cristo, que a Igreja contempla glorificado em virtude da sua ressurreição e celebra como seu Senhor. Os termos que definem a condição divina de Jesus são claros, como, também, os que se referem à sua condição humana. A Pessoa divina de Jesus, não reteve ciosamente para si o ser igual a Deus, mas humilhou-se, assumindo a condição de servo. Para Paulo Jesus é uma pessoa que, concretamente, existe como homem, cuja dignidade, contudo, depende da sua natureza divina. É esta prerrogativa que torna possível uma Redenção, a qual se atua segundo a condição humana, pelo fato que a Pessoa divina de Jesus assume a natureza humana. Conseqüência da imolação de Jesus por uma morte de Cruz é a exaltação pela qual ele chega a participar da Glória da Divindade. Quando Jesus é glorificado em virtude da sua ressurreição, a Humanidade assumida pela Encarnação participa plenamente da Glória da Divindade, da mesma forma que desde sempre, dela participa a segunda Pessoa da Ssma. Trindade. Em virtude da Encarnação, portanto, após a glorificação de Cristo pela sua Ressurreição, toda a humanidade está em condições de participar da Glória da Divindade: Cristo Jesus como Pessoa divina, nós, seus irmãos, com filhos adotivos que, de Cristo Cabeça, receberam o Espírito sem medida. Para explicar os píncaros da glorificação à qual chega a Humanidade de Cristo, São Paulo estabelece uma comparação dele com os anjos, comparação que é desenvolvida, particularmente em Hb 1,5-14. Anjos, Arcanjos, Tronos, Dominações, Principados e Potestades, Querubins e Serafins,... são categorias de servidores de Deus, prontos para executar a sua vontade. Não obstante toda a sua dignidade, porque manifestações da Glória de Deus, eles são inferiores ao Filho que o Pai constituiu herdeiro, e inferiores “àqueles que devem herdar a salvação” (Hb 1,14). Jesus, tornado por um pouco inferior aos anjos, na sua condição de escravo, humilhado pela morte de cruz (2,9), realizada a Redenção, sentou-se “à direita da Majestade, tão superior aos anjos quanto o nome que herdou excede o deles” (1,3s). No momento da ressurreição Deus constitui Jesus na condição de Filho (At 13,33), abertamente manifestado Filho de Deus com poder (Rm 1,4)dizendo-lhe: “Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” (Sl 2,7). Ele é o Rei que celebra os esponsais com a rainha vestida de brocados de ouro, ele mesmo vestido com vestes que exalam o perfume da mirra e do aloé (Sl 45). Ele é aquele que tudo criou (Sl 102,26-28) e que Deus chama a sentar à sua direita (Sl 110,1) e recebe em herança todos os povos (Is 42;53; Sl 2,8). É dessa maneira que o autor da Carta aos Hebreus vê Jesus na glória da divindade.
Perguntas para uma reflexão:
1ª) De que maneira distinguimos, em Jesus, a natureza divina e a natureza humana?
2ª) Por que Jesus é capaz de realizar a nossa redenção?
3ª) Qual condição de glorificação Jesus alcança para si e para nós?

Cristologia (10) – A figura de Jesus em Mc

            Sabemos que os evangelhos foram escritos à luz do Senhor ressuscitado. Conseqüentemente, embora a exposição dos ensinamentos dos Apóstolos aconteça dentro de um esquema cronológico, os evangelhos querem ser uma cristologia. Aquele que, pela sua ressurreição se manifestou abertamente Filho de Deus com poder era o próprio Deus que, em virtude da sua encarnação, quis se manifestar através de gestos humanos, com seu Poder e Glória. Para Marcos, Jesus realiza em si a figura da Glória de Iahweh, anunciada pela voz que grita no deserto. Os efeitos da sua ação superam de longe o que ela realizou em favor de Judá porque se, então, atuou uma libertação da escravidão dos babilonenses, agora propicia uma liberdade da escravidão do demônio. A Glória que agia então e tinha o reflexo do seu poder nas obras realizadas, agora é Jesus Cristo que assumiu a condição de servo e realiza uma obra que excede a todas. Por isso, quando chega o momento decisivo da sua manifestação e que é o momento da Paixão, Jesus assume o título de Filho do Homem, que evoca a figura da Glória de Iahweh de Ez 1 e de Dn 7,14. A ele será dado todo poder em virtude da sua imolação, manifestação suprema do Filho de Deus. Para Marcos existe um embate gigantesco entre Jesus e o demônio. De um lado, portanto, descreve toda a dignidade divina de Jesus e, de outro lado, todo o mal que o espírito do mal operou no homem. Jesus é digno de adoração, como professa o precursor João Batista. Ele batizará no Espírito porque o Espírito está com ele. A condição divina de Jesus é vislumbrada por Marcos, à luz da sua ressurreição, quando relembra o Batismo do Senhor. Ele não realiza em si, simplesmente, a figura do Messias e sim, por ela começa a atuar segundo a sua condição divina. Começa a redenção de Israel porque ele é a figura do filho que Deus chama do Egito e enquanto a Voz do céu que o anuncia, ao sair das águas do Jordão, é figura do Servo de Iahweh destinado à morte, no qual o Pai se compraz pela sua imolação. Quando o Espírito o impele para o deserto, Jesus, novamente, representa Israel que lá foi conduzido para ser tentado e, pela provação, se tornar um povo forte, pronto para entrar na terra prometida. Na sua condição divina, Jesus supera as tentações que, ao contrário, levaram Israel ao fracasso. A pregação acontece na figura de Jesus como o Profeta anunciado por Moisés, que Israel deve escutar, mas ele é, como diz a Carta aos Hebreus, o Filho que nos fala nos últimos tempos e nos anuncia o Reino. Com a autoridade divina que lhe é própria, chama aqueles que serão os que continuarão a sua obra e aos quais outorgará o poder de batizar, no momento da sua ascensão ao céu. A condição divina de Jesus perspira por todos os seus gestos de maneira que ele é a Expressão do Ser de Deus, na forma mais condizente ao homem, ele mesmo tendo-se feito homem.  
            A sua condição divina se torna evidente quando exerce o poder que ele tem de perdoar os pecados. Os adversários que lhe negam esse poder porque não o consideram de condição divina, comprovam que Jesus, realmente queria, naquele momento, mostrar que ele era Deus. Igualmente clara é a manifestação da sua divindade quando diz que ele é o Senhor do sábado.
            Esta Pessoa divina age atuando em si tudo o que a Escritura profetizou, desvendando o mistério de uma redenção que um membro da própria estirpe pecadora realizaria e o anúncio do filho da Virgem, proclamado Emanuel, isto é, Deus conosco. Ao proclamar-se o Esposo, Jesus anuncia que nele se realizam as Núpcias tão solenemente profetizadas por Oséias, tudo se concretizando, da forma mais admirável e surpreendente, pela Morte de Cruz, a ponto de levar o centurião a exclamar: “De fato, este homem era Filho de Deus!” (Mc 15,39).
            Para Marcos, o anúncio do anjo da ressurreição, que tanto surpreendeu os Apóstolos, é, no fim do seu Evangelho, o arremate de uma cristologia atentamente conduzida pela lembrança de tudo o que Jesus fez e ensinou: Jesus de Nazaré é o Messias que pela sua Ressurreição revela o destino do homem chamado a ser, como ele, o adão que vence o Maligno pela obediência e imolação.
            Perguntas para uma reflexão:
1ª) Por que devemos ler os evangelhos à luz da Ressurreição?
2ª) De que forma Jesus supera a Profecia?
3ª) Quais são os gestos pelos quais Jesus revela a sua condição divina?

Cristologia (11)

A figura de Jesus Cristo em Mateus (1)
            À luz da ressurreição do Senhor, o Apóstolo Mateus tenta ilustrar toda a grandeza da Pessoa divina de Jesus Cristo, a partir de uma genealogia que liga o Filho de Maria à vocação de Abraão e à promessa feita a Davi. Dessa maneira, Jesus é o realizador do Plano de Deus que visa à universalidade da salvação através da vocação de um povo, dentre de uma descendência específica qual a de Davi. Por causa dessa estreita ligação, Mateus interpreta a figura de Jesus à luz da profecia que se torna o seu vocábulo teológico para falar da realidade nova que este apresenta através da sua humanidade: a da sua divindade. Jesus é o Emanuel que realiza em si a Descendência da Mulher. O mistério que estava escondido nas respectivas profecias de Is 7,14 e Gn 3,15, agora está plenamente desvendado. Com o Messias começa a vitória sobre o príncipe deste mundo para que a Luz da Estrela d´Alva chegue a todos os povos; recomeça a história de Israel que Deus chamou do Egito. Jesus é chamado a reinar como rebento da estirpe de Jessé, repleto do Espírito Santo. Jesus é a Luz que brilha nas trevas e na sombra da morte, na condição daquele que a Voz do Pai declara o Servo de Iahweh, o Amado, porque nele vai se comprazer como Cordeiro imolado. Jesus é luz quando começa a sua pregação na Galiléia. Anuncia o Reino que já inaugurou com o triunfo sobre o demônio ao longo das tentações no deserto. Mateus redige uma primeira sistematização do ensinamento de Jesus através do Discurso da Montanha, onde Jesus se apresenta como Modelo daquilo que ensina como Mestre. Os discípulos que são chamados a ser os que continuarão a sua obra, terão nele o Princípio de força para implementar os seus ensinamentos. É, portanto, aquele que, em si, leva à perfeição toda a Lei para se tornar Modelo para nós.
            Oferece os sinais da sua messianidade juntamente como os sinais da sua divindade, quais o de perdoar os pecados e de dominar a natureza. Anuncia o Reino e o realiza na condição do Filho do Homem que sobe a Jerusalém para ser posto a morte. Mas, a sua obra será coroada pela ressurreição. A ligação da sua vida com a do seu povo se torna ainda mais clara quando Jesus assume a figura do rei que entra em Jerusalém, purifica o Templo e nele ensina. É sobretudo na Paixão que os fiéis devem reconhecer em Jesus a realização do Messias para entender o valor da sua Morte que aconteceu para que se cumpram as Escrituras.
            O Senhor ressuscitado, aquele que os discípulos conheceram nos fatos da sua vida terrena e, à luz da sua ressurreição, reconheceram como Messias, sobretudo na sua Paixão, é o Anjo da ressurreição, Aquele que o Pai enviou e que veio ao seu Templo. Aquele pelo qual haverá um julgamento definitivo que condenará os maus.
            Todo o poder que  Jesus declara possuir no momento da sua Ascensão revela a sua condição divina como Filho do Homem que participa a pleno título da Glória da Trindade Santa. Este é o Senhor da Igreja que os fiéis devem continuamente escutar.
            Perguntas para uma reflexão:
1ª) Quem é Jesus para Mateus?
2ª) De que maneira Jesus realiza a sua missão?
3ª) De que forma Jesus revela a sua condição divina?
           
Cristologia (11b)

A figura de Jesus Cristo em Mateus (2) 
            A profecia de Isaias sobre o Emanuel, fundamental para entender a figura de Jesus em Mateus, está incrustada num contexto teológico que vai de Is 6 até Is 12. Trata-se de um contexto teológico, construído por um redator final através da aproximação de profecias atribuídas ao profeta Isaias, distribuídas ao longo de mais de um século. A coletânea visa elucidar a doutrina da confiança em Deus, porque somente nele está a salvação de Israel. Essa doutrina é tipificada com a história de Israel no tempo de Acaz, enquanto anuncia condições futuras do próprio Reino de Judá.
            O primeiro ensinamento é dado por gestos que o próprio Iahweh, isto é o Deus de Israel, que já se manifestou capaz de realizar o que anunciava, dita ao seu profeta: é no fim do canal da piscina superior, isto é tendo à vista as águas calmas e vitais, que Isaias e o seu filho Sear Iasub (um resto voltará) terão que encontrar o rei Acaz. O nome profético do filho de Isaias nos induz a ver nele um sinal profético, como também nas águas calmas que voltarão a ser lembradas no momento em que Deus pronunciará o castigo contra Acaz por não ter confiado nele. Em Deus, capaz de operar prodígios, deve Israel confiar porque nele está a vida; o povo que nele não confia perecerá; contudo, Deus, na sua misericórdia, salvará para si um Resto. Estamos diante da doutrina já pregada por Oséias. Acompanhado por esses sinais o profeta Isaias proclama, diante de Acaz, a ineficácia da ameaça dos reis da Síria e do Reino do Norte.
            Diante da desconfiança do rei, se torna necessária uma segunda intervenção profética. Mas a obstinação do rei se torna, agora, causa de um castigo merecido que, ao acontecer, se constituirá em fundamento da própria profecia da “jovem que conceberá e dará à luz um filho e por-lhe-á o nome de Emanuel”. Juntamente com uma segunda prova, cuja realização ocorreu cedo, e que foi anunciada através de um segundo filho de Isaias que, diante de testemunhas, recebe o nome de “Pronto ao saque, Prestes aos despojos”, a destruição de Jerusalém, sustentará a realização da prova que Deus prometeu.
            A reflexão teológica de quem compôs o Livro do Emanuel visa proclamar que, certamente, acontecerá que “uma jovem dará à luz um filho e por-lhe-á o nome de Emanuel”. A prova de que isso acontecerá são os dois fatos que Isaias profetizou e que o judeu já reconhece atuados todas as vezes que lê o Livro do Emanuel: a destruição de Samaria (722 a.C.) e a de Judá (587 a.C.).
            O anúncio profético tem como sinais os dois testemunhos de Isaias, metaforicamente representados pelos nomes dos seus filhos. A destruição do Reino do Norte logo acontece. A destruição de Judá e Jerusalém, também, acabou se realizando, claramente mencionada: “Visto que este povo desprezou as águas de Siloé, que corre mansa...” (Is 8,6-8). Em oposição ao fracasso de Israel desencaminhado pelos seus reis e chefes, que abandona o seu Santo, a sua Pedra de refúgio, Deus anuncia um filho que “traz o cetro do principado” para estabelecer o Reino na Terra prometida. Ele tem títulos divinos (9,5) e sobre ele repousará o Espírito do Senhor. Estabelecerá a paz (11).
            “Grita jubilosa, ó Sião, a princesa, porque é grande no meio de ti o Santo de Israel” (Is 12,6). É na perspectiva do triunfo do Emanuel que deve ser considerada a jovem mãe. As prerrogativas dela encontram uma inicial explicitação em Gn 3,15. Somadas à característica inicial que lhe dá Isaias, de ser a Sião que, resgatada da sua culpa, volta a rejubilar-se no seu Santo, repetida por Sofonias (3,14) e Zacarias, (2,14) e reconhecidas por Lucas, revelam a sua condição dentro do Plano da Salvação que Deus, na sua misericórdia, quer levar em frente de forma sapientíssima. É a reflexão teológico-sapiencial da Igreja apostólica que descobrirá toda a grandeza de Maria quando souber da condição divina de Jesus. Verá, então, todo o sentido da interpretação da tradição judaica, até codificada na LXX, que traduziu o termo hebraico almah (a jovem) com a palavra grega parthenos (a virgem).
Perguntas para uma reflexão:
1ª) Por que é importante a profecia em Is 7,14?
2ª) Quais são as provas que ela se realizará?
3ª) De que forma Mateus e Lucas a vêem realizada?
           
Cristologia (13)  De qual Jesus fala Mateus no seu Evangelho?

            O primeiro conceito que ajuda Mateus a falar de Jesus é aquele da Descendência. Ele tem em mente sobretudo a profecia de Is 7,14 que fala do descendente que honrará a estirpe de Davi, enquanto Acaz revela descrença no seu Deus. Pensa então na Descendência que é guiada pelo Espírito. A Pessoa do Senhor da Igreja, historicamente, pertence ao mundo dos hebreus porque é o realizador da sua História, segundo a Profecia. João Batista dá testemunho dele. A grandiosidade de Jesus está no fato de ser o realizador da profecia de Isaias fundamentada sobre dois fatos fundamentais da História de Israel que Isaias profetizou e que se realizaram: a deportação de Samaria para Nínive e de Judá para Babilônia. É por isso que ele vem para anunciar o Reino. É o Chefe que vai reunir os dois povos (Os2,2). Como profetizou Isaias ele é a Luz que brilha nas terras de Zabulon e de Neftali.
            Mateus vê, também, em Jesus o Profeta que Moisés anunciou e que Israel deve escutar. Ele sobe ao Monte para se encontrar com Deus e de lá traz a Nova Lei, levando à perfeição a Lei dos antigos. A autoridade com que Jesus dita a sua Lei mostra que Mateus o considera de condição divina, como, aliás, já ficava claro  pela reflexão midrashica sobre a sua “origem” e a interpretação teológica do seu Batismo ao Rio Jordão.
            O Jesus de Mateus é, portanto, o Senhor da Igreja, Aquele que no momento da sua Ascensão afirma que estará sempre com os seus até o fim do mundo, mas que descreve sempre na sua atuação dentro da sua condição de hebreu. Age como o Enviado para as ovelhas da casa de Israel (Mt 10,6) e a elas se revela como taumaturgo, o Messias que cura todas as suas enfermidades.
            Os que querem segui-lo são chamados a viver uma doutrina de grande realização da qual o próprio Jesus é o Modelo. Deles Jesus exige a valorização máxima do Reino, que são chamados a anunciar ao mundo. Se perseverarem nas tribulações e derem testemunho dele diante do mundo, Jesus os reconhecerá diante do seu Pai e, então, brilharão como o sol no reino do seu Deus porque ter-se-ão preocupados com o Reino de Deus e a sua justiça.
            O heroísmo dos seus seguidores será posto a prova pelo mundo que hostiliza o Reino. Corazim e Cafarnaum se revelaram indiferentes diante da pregação de Jesus. Os escribas e fariseus chegaram até a caluniá-lo e a planejar a sua morte. Da mesma forma serão tratados os discípulos do Senhor quando chegar a sua “hora”.
            A partir de Mt 16, Jesus quer que os seus entendam perfeitamente qual é a natureza da sua messianidade e do Reino que ele irá instaurar. Por três vezes anuncia a sua Paixão e Morte coroadas pela sua Ressurreição e as ilustra com a sua Transfiguração. Neles deve se desenvolver a fé ao menos da grandeza de um grão de mostarda para poderem segui-lo carregando a sua cruz e entender que é perdendo a sua vida por causa dele e do evangelho que possuirão o Reino.
            É segundo toda a doutrina exposta pelos seus ensinamentos que deve ser interpretada a sua ação profética quando entra em Jerusalém, purifica o templo, institui a Eucaristia e enfrenta a sua Paixão e Morte. Ele é o Filho do Homem que consagrará o Novo Templo com a sua imolação e reinará com o Pai, constituído Juiz do mundo. A sua Morte foi anunciada pelas Escrituras: é a morte do Justo sofredor da qual fala a Sabedoria e o Sl 22. Ele verá o triunfo.
            Esse é o Jesus que a Igreja reconhece como Senhor, do qual faz memória pela Eucaristia e que sempre mais conhece pelas Escrituras. A tumba vazia indica que deve ser procurado na sua condição gloriosa que ele conquistou.

Perguntas para uma reflexão:
1ª) Qual função exerce a Descendência na História da Salvação de Israel?
2ª) Qual é o sentido da messianidade de Jesus?
3ª) De que forma a Igreja chega a se identificar com Jesus?

Cristologia (14) - O Ensinamento de Jesus em Mateus

            O Senhor da Igreja, na condição de Novo Moisés, do Monte da Santidade, ao qual subiu para se encontrar com Deus, e do qual desce para nos trazer a Lei levada à perfeição, nos ensina, para que sejamos grandes no seu Reino, o verdadeiro espírito da mesma (Mt 5-7). Os que não põem em prática a sua palavra serão como os escribas e fariseus hipócritas que amam a casuística, são guias cegos, sepulcros caiados, cheios de ódio e rapina e que chegam a perpetrar a morte do Justo (Mt 23). Se tornarão a Jerusalém que o Filho do Homem destruirá porque não a reconhecerá, merecedora do fogo eterno. A indignação dele será provocada pela displicência qual demonstrada pelas cinco virgens estultas, pelo servo infiel que não fez frutificar o talento recebido, e pelas arbitrariedades perpetradas enquanto o dono da casa demorava em chegar. Enquanto Jesus dita as Bem-aventuranças, se apresenta como Modelo, e, enquanto leva à perfeição a Lei, mostra a qual grandeza pode chegar o seu discípulo. Por isso, embora seja compassivo e longânime conosco, não deixa de ser extremamente exigente porque o seu seguimento é condição de realização. No discurso da Missão (Mt 10), chega até a nos advertir que não nos reconhecerá diante do seu Pai se não tivermos dado testemunho dele diante dos homens. O Reino deve ser conquistado abdicando a tudo para conquistar a Cristo. No discurso à Igreja (Mt 18), Jesus completa o seu ensinamento nos exortando, depois de por em prática o seu ensinamento moral, a viver o serviço, à semelhança dele que veio “não para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate de muitos”. O ensinamento se torna ainda mais vigoroso no discurso escatológico (Mt 24-25), momento em que aparece toda a gravidade de uma Jerusalém que desprezou todas as visitas do seu Deus, sistematicamente eliminando os profetas que lhe eram enviados. Os mestres da Lei mostram em si toda a perversão de quem, por não se determinar em por em prática os mandamentos de Deus, vão sempre mais degenerando até o ponto de se tornar os algozes do Justo. O discípulo deve viver, portanto, na vigilância para não ser surpreendido pelo dia do Senhor que, para os maus, virá como o dilúvio nos tempos de Noé. O Filho do Homem que, para os justos será a Porta do céu, consagrada pela imolação de Cruz, que dessedará os seus com a Água cristalina do Espírito, virá sobre as nuvens dos céus, com todo poder e glória. Ele é o Filho que os servos e as virgens devem esperar com suas lâmpadas acesas para entrar com ele na sala do banquete das núpcias. Pela humilhação da sua Paixão e Morte, resgatou o homem da sua condição de miséria. Por isso os discípulos devem procurá-lo segundo a sua nova condição de ressuscitado e anunciar a salvação no mundo inteiro.
            No fim do Discurso da Montanha, Jesus nos exorta a sermos discípulos que constroem a sua casa sobre a rocha para que não desabe. Somente quem ouve as suas palavras e as põe em prática superará a provação e será, então, reconhecido por ele.
Perguntas para uma reflexão:
1ª) Qual é a importância do Discurso da Montanha?
2ª) O que, de forma peculiar, Jesus exige dos seus discípulos no discurso da missão?
3ª) A qual vigilância nos chama o discurso escatológico?

Cristologia (15) - A figura de Jesus em Lucas

            Lucas é o nosso mistagôgo. É de origem pagã. Todavia, instruído por Paulo, se torna capaz de penetrar no mundo da teologia hebraica, a ponto de sentir a necessidade de escrever, ele também, um evangelho. Haure a diversas fontes, particularmente ao texto de Mateus, conhecido, entre os cristãos desde antes o ano 40 d.C. Dele amplia a reflexão teológica, expressada em narrativas midrachico-aggádicas (Mt 2), com o seus sete quadros da Infância de Jesus (Lc 1-2). Como o foi para Mateus, assim o é para Lucas: ele escreve para consolidar a fé dos que já conhecem a Jesus Cristo: Aquele que se revelou Senhor Deus pela sua ressurreição dos mortos e que o Pai glorificou fazendo-o sentar à sua direita. Ele é a Luz do alto que veio dar a vida aos que jazem nas sombras da morte. Realizou tudo isso na condição de membro do povo de Israel do qual foi figura no Batismo ao Rio Jordão, porque é o Filho, o amado, e, no deserto, o verdadeiro Israel que permanece fiel ao seu Deus. No meio do seu povo anunciou o Reino de Deus, na condição de Profeta, ungido pelo Espírito. Pela sua palavra curou as enfermidades do espírito das multidões que a ele acorreram. Os milagres foram o sinal do seu poder divino. Ao curar o paralítico até declarou abertamente a sua condição divina porque proclamou a remissão dos pecados. A confirmou ao se proclamar o Senhor do sábado e a revelou aos seus Apóstolos ao apaziguar a tempestade. Enquanto apresenta a condição messiânica e divina de Jesus, Lucas não deixa de trançar, com elas, a condição de fundador da Igreja que terá a função de continuar a sua ação de evangelizador. Aliás, ao instituir outros setenta e dois discípulos arautos do seu Evangelho diante da messe imensa que proporcionará com a sua imolação, mostrou que muitos serão chamados para ser anunciadores do Reino. Para Lucas, Jesus é, também, o novo Moisés que dita a Nova Lei, que se caracteriza pela misericórdia. Como o Pai é misericordioso, assim deve sê-lo o discípulo. Em relação ao Reino, terá que estar à altura da sua missão de anunciador e pronto para o testemunho.
            A partir do momento em que Pedro o reconheceu como Messias, e Jesus o é porque ungido pelo Espírito ao Batismo ao Rio Jordão, ele explicou de que forma realizaria o Reino do Pai. Seria pela sua Morte, na condição de Servo de Iahveh, para que triunfe na condição de Filho do Homem, Glória de Iahweh. Por isso, os discípulos devem modificar a concepção que eles têm acerca do reino messiânico. Dele participarão se, com ele, carregarem a cruz da obediência e da humilhação. Aquele que é o maior tem que se tornar o menor e ser o servo de todos. Uma visão difícil que nem a Transfiguração conseguiu lhes fazer compreender. A compreenderão a partir do momento em que eles o contemplarão, segundo as Escrituras, na condição de Senhor, ressuscitado dos mortos, iluminados pelo próprio Espírito que Jesus lhes mereceu com a sua imolação. Ao ler a Lei, os Profetas e os Salmos, à Luz do Espírito, entenderão como, em Jesus, se realizaram as Escrituras que profetizavam que o Messias devia ressuscitar dos mortos.
            Lucas, então, lembra que os discípulos têm uma grave responsabilidade com o seu Senhor. Ele os julgará e os condenará se não tiverem vivido o Caminho que lhes apresentou com a sua vida.
            Perguntas para uma reflexão
1ª) Quais são os sete quadros da reflexão sapiencial de Lc 1-2?
2ª) De que forma Lucas apresenta a condição messiânico-divina de Jesus?
3ª) Qual é o caminho para seguir Jesus?       

Cristologia (16) – O Cristo do Evangelho de São João
           
À luz do Senhor ressuscitado, sob inspiração do Espírito Santo, a Igreja apostólica deu início a uma longa reflexão sobre o Jesus com o qual os Apóstolos tinham convivido e que conheceram ressuscitado. João nos dá a reflexão, a mais aprimorada entre todos os evangelistas, exatamente porque escrita já no fim do 1º século. Cronologicamente, dizemos que, em primeiro lugar, a luz do ressuscitado possibilitou a correta interpretação da própria Paixão e morte, vista como algo que fazia parte do Plano de Deus para a redenção dos homens e que redundava em glorificação do próprio Jesus. Ele não era só o Messias, era, também, o Filho de Deus que, atuando em si os ideais do verdadeiro adão, pela sua obediência até a morte e morte de Cruz, elevava a humanidade, assumida no tempo, à Glória da divindade. A Igreja tinha, agora, nele, o seu Cabeça e Guia, no qual todo o poder do Pai era manifestado. Em segundo lugar, foi possível entender o sentido pleno da vida messiânica de Jesus: pelos sinais, se revelava cumpridor das figuras messiânicas e antecipava o que realizaria com a sua imolação.
            Com o prólogo, portanto, João apresenta o Cristo Senhor, que a Igreja adora ressuscitado, por aquele que realmente é: a Palavra desde sempre voltada para o Pai, que conhece o Pai, que é criadora de tudo, e que, ao assumir a condição humana quer dar testemunho de tudo o que sempre vê e conhece, para que, por ele, Luz do mundo, os homens tenham a vida, saindo das trevas em que precipitaram por causa dos seus pecados.
            Através de João Batista, reconhecido em Israel como profeta, toda a profecia pode ser aplicada a Jesus, com segurança, reconhecendo nele o Cordeiro que tira o pecado do mundo, Aquele que vem com o Espírito, e que existe desde sempre, que batiza no Espírito e que é o Filho de Deus. Tudo está profeticamente contido nas Escrituras. Enquanto Jesus as cumpre, delas revela o sentido e o sentido último da sua pessoa, nos abrindo os horizontes para uma revelação definitiva da sua condição divina, que implica um conhecimento da própria natureza trinitária de Deus.
            A condição divina de Jesus terá a sua plena manifestação na glorificação do Filho do Homem, mediante a atuação da figura do Servo de Iahweh que oferece a sua vida em sacrifício, enquanto carrega sobre si as nossas culpas. Pela sua imolação a humanidade será desposada pela divindade e receberá a comunicação plena do Espírito Santo, tornada, sobre Cristo Jesus pedra angular, o templo de Deus.
            Enquanto a igreja vive na terra a expectativa da manifestação gloriosa dos filhos de Deus, ela reconhece, no seu Mestre, o seu Guia que a instrui pelo Espírito, lhe ensina as Escrituras, a guia, como Moisés, no deserto enquanto a nutre com o alimento-sacramento do seu sacrifício. Jesus é fonte para ela do Espírito, a água cristalina que comunica a vida divina, é para ela a Luz do mundo, o Pastor, a Ressurreição e a Vida.
            Um lugar já nos foi preparado. Para quem vive segundo os mandamentos de Cristo já é dado de ter em si a vida da Trindade santa, por meio do Espírito que faz dele um ramo da videira, que é Cristo Jesus. Quando se manifestar o que somos, participaremos da mesma glória que Cristo obteve, do Pai, com a sua imolação.
Perguntas para uma reflexão:
1ª) De que forma João aprimora a apresentação de Jesus em relação aos outros Evangelistas?
2ª) Qual é o sentido da Morte de Jesus, para João?
3ª) Quais são os sinais na vida de Jesus que ilustram a graça alcançada pela sua Morte de Cruz?
           
O Templo
           
            O templo era uma construção que os pagãos erigiam, em honra dos seus deuses enquanto Israel conheceu, primeiramente, a Tenda da reunião, sacramento da presença de Deus no meio do seu povo. Distinguia-se das outras tendas, mas era, ao mesmo tempo, uma entre as muitas tendas do acampamento.
            É segundo essa figura original pela qual Deus significava a sua presença no meio do seu povo que devemos pensar em Jesus como Templo. De fato ele é o Verbo que coloca a sua Tenda no meio de nós. É presença santificante que, contudo, não tira a individualidade das tendas que o circundam. (Ex 40,16-21.34-38: é levantada no primeiro dia do primeiro mês do segundo ano. O seu levantamento estabelece um pacto entre Deus e o seu povo. O Santuário é encoberto pela tenda. Nele está a Arca. A Glória de Iahweh envolve a Tenda).       É pela combinação das duas figuras, da tenda e do povo com o qual Jesus forma um só corpo, que chegamos à figura do Templo do qual Jesus é a Pedra viva sobre a qual somos edificados (Cl 2,6), tornados, nós mesmos, pedras vivas (1Pd 2,5) em virtude do Espírito que Jesus nos comunica, como videira, da qual somos os ramos (Jo 15,1).
            Aquele em quem "habita corporalmente a Plenitude da divindade" (Cl 2,9), em virtude da sua imolação, é o Templo do qual jorra a água da vida (Jo 7,37-39), realização da profecia de Ezequiel: “Vi ali água que escorria de sob o limiar do Templo para o lado do oriente, pois a frente do Templo dava para o oriente. A água escorria de sob o lado direito do Templo, do sul do altar. (Ez 47,1). A figura de Ezequiel revela que a água é figura do Espírito que vivifica as águas mortas e faz prosperar as árvores que surgem nos ribeiros, fruto do sacrifício imolado no Altar do Templo. Vivificados, formamos com ele o povo dos adoradores em Espírito e Verdade que o Pai procura (Jo 4,23).
            A construção do templo de Salomão, além de manter as características do simbolismo da tenda no deserto, acrescenta o conceito de Cristo que age nele como Rei-sacerdote, ao qual se une o povo na celebração litúrgica do culto a Deus (1Rs 6-8): o templo é uma realidade preciosa; nele estão os adoradores do Deus verdadeiro; a presença divina é manifestada pela Nuvem que o envolve.
            Enquanto o templo terreno pode ser profanado seja pela idolatria, como pela cupidez do ouro, o Templo que está no céu e que Jesus consagra com a sua morte (Jo 2; Ap 15-16), será habitado somente por aqueles que lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro (Ap 22,14)
             Deus estará todo em todos e a Glória de Deus que se manifestava na Tenda ou no Templo da terra, será contemplada pelos santos na face de Nosso Senhor Jesus Cristo. O templo será Cristo Jesus, o Verbo eterno que vive, para sempre, na humanidade, assumida pela Encarnação e glorificada pela Ressurreição, e nós seremos suas pedras vivas: “22Não vi nenhum templo nela, pois o seu templo é o Senhor, o Deus todo-poderoso, e o Cordeiro” (Ap 21,22).
.           Também, aqui na terra, dessa forma, podemos entender como, pela liturgia, pela Escritura e pela vida, já podemos ver a Deus e conhecê-lo (Jesus ressuscitado, o Espírito e, pelo Espírito de Jesus ressuscitado, o Pai), nos tornando, assim, morada da Ssma. Trindade (Jo 14,23), os adoradores que o Pai procura. 
            "Deus de Israel, tu és o meu Deus. A ti procuro. Minha alma tem sede de ti, minha carne desfalece por ti na terra seca e sedenta, sem água. Por isso te contemplo no Templo, para ver teu Poder e tua Glória" (Sl 63,2s).
            Perguntas para uma reflexão:
1ª) De que forma estamos relacionados a Cristo que colocou a sua Tenda entre nós?
2ª) Qual é a figura do Espírito que nos é dado pela água que sai do lado aberto de Cristo?
3ª) Por que a Liturgia dominical nos torna adoradores em Espírito e Verdade?

Cristologia (18) -O Cordeiro imolado
            "30Quando Jesus tomou o vinagre, disse: 'Está consumado!' E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. 31Como era o dia da Preparação, os judeus, para que os corpos não ficassem na cruz durante o sábado -porque esse sábado era um grande dia!-, pediram a Pilatos que lhes quebrassem as pernas e fossem retirados. 32Vieram, então, os soldados e quebraram as pernas do primeiro e depois do outro, que fora crucificado com ele. 33Chegando a Jesus e vendo-o já morto, não lhe quebraram as pernas, 34mas um dos soldados traspassou-lhe o lado com a lança e imediatamente saiu sangue e água. 35Aquele que viu dá testemunho e seu testemunho é verdadeiro; e ele sabe que diz a verdade, para que vós creiais, 36pois isto sucedeu para que se cumprisse a Escritura: Nenhum osso lhe será quebrado. E outra Escritura diz ainda: Olharão para aquele que traspassaram.( Jo 19, 30-36)".
            O Filho do Homem que, com o Pai recebe, no céu, a mesma adoração, chegou à glorificação da divindade pela sua imolação; a sua humanidade foi unida à Glória da Divindade em virtude da sua plena caridade. Ele é o Cordeiro imolado do qual não quebraram nenhum osso (v.36), princípio de libertação da escravidão do Príncipe deste mundo (14,30) cuja figura, na história dos hebreus, é o cordeiro pascal imolado a cada ano, no primeiro mês do ano, memorial da libertação da escravidão do Egito (Ex 12,1-14). Jesus é o Cordeiro imolado no qual o Pai já se comprazeu desde antes a criação do mundo (1Pd 1,19s) e sobre o qual manifestou a sua complacência no momento do Batismo ao Rio Jordão, momento em que o Filho, o Amado, é consagrado pelo Espírito para o sacrifício. Enquanto a figura do cordeiro pascal se relaciona mais particularmente ao momento da imolação de cruz, é a figura do Servo de Iahweh que ilustra os sentimentos do Filho do Homem que caminha para a Cruz. Jesus é o Servo que viveu sempre atento à voz do Pai, realizou a sua missão profética falando palavras de consolo aos abatidos (Is 49) e se entregou voluntariamente aos seus algozes para expiar os pecados de muitos, levado ao matadouro como um cordeiro que não abre a boca (Is 53).
            Verbo de Deus que assumiu a carne humana, depois de ter caminhado para a imolação na humildade de filho de homem, realizada a redenção, se torna, na condição de Cordeiro de Deus vitorioso, o Juiz dos vivos e dos mortos porque o Pai lhe entrega todo poder. A sua morte foi uma elevação à condição régia, pela qual Jesus agora governa todo o universo. O Cordeiro, que está sentado no trono com o Pai (Ap 3,21; 5,13; 7,17; 22,1), julga, condena e destrói a Cidade terrena, na condição de Leão da tribo de Judá, o Rebento de Davi que venceu, glorifica os seus santos e os conduz às pastagens eternas (7,17). Na vida eterna, o Cordeiro se torna o Esposo da Nova Jerusalém (21,22), e, sentado sobre o trono da majestade divina com o Pai, a fonte do Espírito que sai, como água cristalina, do trono da majestade divina (22,1).     
            “Digno é o Cordeiro imolado de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a honra, a glória e o louvor...Àquele           está sentado no trono e ao Cordeiro pertencem o louvor, a honra a glória e o domínio pelos sáculos dos séculos!" (5,13).
            Perguntas para uma reflexão:
1ª) Qual é a figura do AT que ilustra Jesus na condição de Cordeiro imolado?
2ª) Por que a figura do Servo de Iahweh completa a figura do cordeiro pascal?
3ª) Qual é a condição do Cordeiro na vida eterna, segundo o Apocalipse?

A figura de Cristo na Carta aos Hebreus (19)

            Num contexto escatológico e no o intuito de exortar os fiéis a perseverar no fervor da caridade, o autor da Carta aos Hebreus apresenta a figura de Jesus Cristo na condição de Caminho “novo e vivo” (10,20) que o fiel deve percorrer. Ele é o nosso irmão, na condição de adão verdadeiro que Deus Pai coroou “de honra e de glória” (2,9), depois de tê-lo levado à perfeição, pelo sofrimento. No momento da ressurreição, o consagrou Sumo Sacerdote segundo a ordem de Melquisedec, quando respondeu aos seus clamores e súplicas, e a ele disse: “Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” (5,5). Um sacerdócio do qual o da Antiga Aliança era figura, porque Jesus entrou uma vez por todas no Santuário do Céu, com o seu Sangue, onde intercede por nós. Não era assim do antigo sumo sacerdote que, no Santo, devia oferecer sacrifícios, primeiro, para os seus pecados, para entrar, depois, a cada ano, no Santo dos Santos, com o sangue dos animais, que, contudo, não é capaz de tirar os pecados. Coroado de honra e glória, Jesus, realizada a redenção “sentou-se à direita da Majestade, no mais alto dos céus” (1,3). Ele é o Filho que se tornou herdeiro de todas as coisas. Com ele herdaremos os bens futuros se tornarmos a nossa vida um sacrifício semelhante àquele que Cristo ofereceu sobre a Cruz. Para isso, não devemos “desertar as nossas assembléias, como alguns costumam fazer” (10,25). Pelo contrário, é pela contemplação de Jesus Cristo na sua glória, merecida pelos seus sofrimentos, que evitamos de nos tornar lentos na compreensão e, conseqüentemente, nos tornamos capazes de evitar o desânimo.
            Se existia no ânimo dos seus interlocutores, de origem judaica, um saudosismo pela grandiosidade dos ritos do templo de Jerusalém, o Autor da Carta os exorta a abandoná-lo e a considerar que é exatamente fora da Cidade que se encontram as carnes do sacrifício do qual devemos nos alimentar (13,10-13). Em Jesus se realizam as profecias porque ele é de condição divina, o “Resplendor da Glória de Deus, a Expressão do seu Ser”, a Providência que sustenta o universo do qual é o Criador (1,3). É nessa condição que leva à perfeição a humanidade assumida e que a efusão do seu sangue obtém a remissão dos pecados, e nos purifica, enquanto, respondendo à ação do Espírito Santo, cultivamos em nós os seus dons até uma esperança que não será confundida. A dignidade do sacerdócio de Cristo e a sua eficácia nos motivam profundamente a viver na perseverança, à semelhança de muitos homens de fé que aceitaram até derramar o seu sangue, certos de chegar à posse definitiva de bens superiores. Devemos ter o cuidado de escutar Aquele que nos fala pelo Filho. Os que saíram do Egito, não obstante tivessem visto as obras que Iahweh realizou em seu favor, por ter endurecido o seu coração, não entraram no repouso prometido. Devemos evitar que isso aconteça para nós. Herdeiros de um Reino inabalável, não podemos negligenciar tão grande graça, anunciada, primeiramente pelo mesmo Jesus Cristo e, depois, a nós transmitida pelos Apóstolos. Iluminados pelo Espírito, depois de ter pressentido os bens futuros, enquanto degustávamos a Palavra de Deus, nossos olhos fixos em Jesus que deu o seu testemunho até o derramamento do sangue, corramos para o combate contra o pecado (12,1s), procurando nos purificar sempre mais no Sangue de Cristo, a partir da celebração da sua Morte, pelo louvor dos nossos lábios (13,15). Pela perseverança, chegaremos à esperança que não será confundida, porque será como uma âncora lançada além do véu, “onde Jesus entrou por nós, como precursor, feito sumo sacerdote para a eternidade, segundo a ordem de Melquisedec” (6,20).
Perguntas para uma reflexão:
De que maneira o cristão percorre o “Caminho novo e vivo” que Jesus traçou com a sua vida?
De que forma Jesus Cristo levou a sua humanidade à perfeição?
Por que o sacerdócio de Cristo é superior ao da Antiga Aliança?

Cristologia (20) - O Cristo do Apocalipse (I)

         No Apocalipse temos a mais extensa descrição de Jesus Cristo na sua condição gloriosa. Juntamente com os outros Apóstolos, João chegara, pela reflexão sobre a tumba vazia, à visão do Senhor na glória da Ssma. Trindade. Os outros Apóstolos, contudo, não tiveram a oportunidade de ilustrar, em toda a sua extensão, a figura do seu Senhor, como, de fato, a teve João, ao expor a sua escatologia.
         A condição gloriosa, segundo a qual devemos considerar Jesus Cristo partícipe, segundo a natureza humana assumida, da vida da Trindade santa, é fundamental para entender a figura do Senhor do Apocalipse. Jesus Cristo é, agora, o “Eu sou, o Alfa e o Ômega,... o Senhor Deus, Aquele-que-é, Aquele-que-era e Aquele-que-vem, o Todo-poderoso” (1,8). O vocábulo teológico que João utiliza para expressar toda a dignidade divina de Jesus Cristo é o da “Glória de Iahweh”, tirado de Ezequiel e que Daniel desenvolve. Em Ez 1, a Glória de Iahweh é o próprio Deus que vem para julgar a Cidade (Ez 10,2), enquanto se manifesta como núcleo de fogo numa nuvem grande, tempestuosa. O seu poder, representado pelas figuras do homem, do leão, do touro e da águia, se estende sobre toda a terra. O acompanha o Espírito de Deus, que está nele como fogo, do qual se desprendem luzes que vão e voltam como fagulhas e que são semelhantes a olhos que vigiam sobre toda a terra. Ez 1,26-28 vê essa Glória de Iahweh, enquanto relacionada com a vida do próprio Deus no céu, como a figura de um Filho do Homem, fogo dos quadris para baixo, fogo dos quadris para cima, sentado sobre um trono de safira. Daniel desenvolve a figura de Ez 1,26-28 gancheada a Ez 40,3, e a torna o Anjo Gabriel que lhe explica as Escrituras: “Um homem revestido de linho, com os rins cingidos de ouro puro, seu corpo tinha a aparência do crisólito, e seu rosto, o aspecto do relâmpago, seus olhos,  como lâmpadas de fogo, seus braços e suas pernas como o fulgor do bronze polido, e o som de suas palavras como o clamor de uma multidão” (Dn 10,5s). Em Dn 7, a Glória de Iahweh é vista na condição de Filho do Homem que vem sobre as nuvens, para receber do Pai todo poder, que é, também, comunicado aos santos do Altíssimo (v.27). João, à luz de tudo aquilo que lhe foi dado conhecer do seu Mestre, particularmente em virtude da sua ressurreição, modifica a figura profética da Glória de Iahweh, Filho do Homem, por meio da conotação do Cordeiro imolado que venceu, para ilustrar a Pessoa divina do Senhor Jesus em todas as suas prerrogativas, enquanto o contempla na Vida Trinitária (Ap 4-5). Ap 4 é o máximo da visão de Jesus Cristo na glória da vida trinitária porque, aquele que, pela carne assumida, se fez homem, no céu recebe a mesma adoração com Deus Pai.   
         O Cordeiro imolado é, portanto, o Filho que o Pai enviou ao mundo e que, elevado da terra, atrai todos os homens a si. Essa é a condição daquele que vem sobre as nuvens (1,7): resume em si a condição humana de Jesus e a condição de Glória de Iahweh, com o poder de julgar, porque foi glorificado em virtude da sua imolação. De fato, a sua morte de Cruz, não foi somente o meio pelo qual Jesus Cristo nos purificou dos nossos pecados e fez de nós um reino e sacerdotes para Deus Pai; foi, também, a condição pela qual a sua Humanidade alcançou toda a Glória do Pai, a sua Glória (Hb 2,3), “possuída desde antes a criação do mundo” ( Jo 17,5), e a efusão plena do Espírito sobre os seus irmãos.
         Perguntas para uma reflexão:
1ª) Qual é a figura profética que anuncia Jesus como Glória de Iahweh-Filho do Homem?
2ª) Qual é a outra figura que completa a primeira e que João adota para descrever Jesus na sua condição definitiva, no céu?
3ª) O que Jesus mereceu para si com a sua Morte de Cruz, além de merecer para nós a Redenção?
        
Cristologia (21) - O Cristo do Apocalipse (II)

         O Cordeiro imolado que é o Filho do Homem, a Glória de Iahweh manifestada na carne (Jo 1,14), e que, agora senta no trono da majestade divina “com o aspecto de uma pedra de jaspe e cornalina, e um arco-íris envolvendo o trono com reflexos de esmeralda” (Ap 4,3), é o Senhor das igrejas que os fiéis devem escutar quando lhes fala pelo seu Espírito.
         Ele é Deus Criador, Senhor do mundo. Nessas condições, além de ser o Senhor das igrejas é Aquele que julga os homens: condenará a Cidade terrena e as cidades das nações, enquanto glorificará os santos. Já manifestou o seu poder ao retirar do Antigo Israel a missão de anunciar a salvação para entregá-la aos Apóstolos, constituídos novo Israel (10, 8-11). Ao termo de todas as provações que a Igreja tem que sofrer pela ação do Dragão, “a antiga serpente, o chamado Diabo ou Satanás, sedutor de toda a terra habitada” (12,9), glorificará os santos, enquanto esmagará os maus no lagar da ira de Deus (14,19;19,15).
         Em Ap 15-16 Jesus, Glória de Iahweh, se apresenta na sua condição de Rei-Sacerdote para fazer conhecer aos seus servos qual é o poder pelo qual a sua Morte vinga os mártires. Por ela os maus têm que beber o cálice do furor de Deus, os reis da terra são vencidos, enquanto o Templo que está no céu é consagrado para que nele entrem os que venceram o Dragão “pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho, pois desprezaram a própria vida até à morte” (12,11). É a visão atualizada de Dn 7 onde o Filho do Homem recebe do Pai todo Poder (v.14) do qual, a final, participa o povo dos santos do Altíssimo (v.27).
         Ap 19,11-21,8 está em paralelo com Ap 15-16 porque representa a mesmo triunfo de Jesus Cristo na condição de Verbo de Deus, revestido com o manto embebido de sangue, enquanto o acompanha a Glória do seu poder, simbolizada por exércitos do céu, vestidos de linho resplandecente. Desta Glória se revestirão os mártires aos quais foi concedido de “vestir-se com linho puro resplandecente” (19, 8.14), porque lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro. Participarão, também, do seu Espírito, porque, à semelhança da natureza da Glória de Iahweh (Ez 1,13), “no tempo de sua visita resplandecerão e correrão como fagulhas no meio da palha” (Sb 3,7).
         O Cordeiro imolado que, no fim do Apocalipse resume em si, de forma incontestável, todas as prerrogativas da Glória de Iahweh, é a figura que mais plenamente inclui em si, todos os aspectos d´ “Aquele que nos ama, e que nos lavou de nossos pecados com seu sangue e fez de nós uma realeza de sacerdotes para Deus, seu Pai” (1,5). É por ele que se realizam os esponsais que o Deus de Israel prometeu ao seu povo, por meio de Oséias (Os 2,20-22). Para a Cidade santa, no céu, ele se torna, com Deus Pai, a Lâmpada, a fonte da água viva que sai do trono onde está sentado com o Pai. Esse é o Senhor ao qual a Igreja quer unir-se. Prepara o seu encontro movida pelo Espírito, enquanto celebra o seu Senhor em cada dia de domingo, contempla a sua grandeza pelas Escrituras e vive no fervor da caridade, na sã doutrina, na prática das boas obras e no testemunho.

Perguntas para uma reflexão:
1ª) De que forma João caracteriza a condição divina de Jesus?
2ª) Qual é a função do Filho do Homem em relação à Igreja e à Cidade terrena?
3ª) O que são os esponsais do Cordeiro com a Nova Jerusalém?

Cristologia (22) - O Cristo do Apocalipse (III)

         O Cristo do Apocalipse é uma figura amadurecida e ditada pelo amor profundo que João sente pelo seu Mestre. O fundamento da teologia da Pessoa daquele que, em virtude da sua vitória sobre a morte é, agora, Senhor, é sempre a experiência histórica que dele o apóstolo teve. Aliás, é ela a motivação do hino que a Igreja na terra eleva ao seu Senhor, juntamente com a Igreja celeste: “Àquele que nos ama e que nos lavou dos nossos pecados com o seu sangue, a ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos” (Ap 1,5s). Nessa linha, a primeira característica que João lembra de Jesus é aquela de ter sido a ‘Testemunha fiel’. Assim é celebrado o Senhor da Igreja em cada primeiro dia da semana. Mas, porque se tornou Senhor, ele é, também, o Filho do Homem que venceu e que, portanto, está sentado no trono da majestade com o Pai. Em Jesus glorificado se realiza a figura da Glória de Iahweh de Ezequiel. Nessa condição, no céu, recebe, com o Pai, a mesma adoração e, em relação à Cidade terrena se torna o Juiz que a condena. A figura do Filho do Homem e do Cordeiro se identificam. De fato, quem lida o culto das Igrejas aos domingos é o Filho do Homem descrito com as prerrogativas régias e sacerdotais e a sua condição de Deus; quem ceifa e esmaga os maus é ainda o Filho do Homem, o mesmo que, na condição de Cordeiro imolado, na sua ira destrói a Cidade terrena. Jesus é a Glória de Iahweh, o Filho do Homem que julga a História e o faz com a sentença que pronuncia do alto da Cruz: ‘Está consumado’. É o Servo de Iahweh que, glorificado por ter dado a sua vida em resgate de muitos, vinga os seus mártires destruindo definitivamente a Cidade das nações. O julgamento já está em ato, o que é de grande consolo para os fiéis chamados a suportar uma tribulação superior às suas forças. E eles têm o Senhor que os admoesta pelo seu Espírito enquanto acena à recompensa destinada àqueles que ouvem o que o Espírito diz às igrejas: a árvore da vida, a coroa, o nome na pedrinha branca, a Estrela da manhã, a veste branca, a morada no Templo do céu, o trono do Pai. Na condição de Cordeiro, Jesus desposará a Igreja, tornada a Nova Jerusalém, revestida de linho resplandecente.
         O ápice da condição gloriosa de Jesus Cristo, Senhor da Igreja é apresentado pelo título de Verbo de Deus (19,13), que inspirará, mais tarde, o prólogo do Evangelho de São João. De fato, tudo o que diz respeito a Jesus Cristo está resumido na alegoria do Cavaleiro que vem montado sobre um cavalo branco, com a espada da verdade, a coroa com muitos diademas, o manto embebido de sangue, o nome de ‘Verbo de Deus’ inscrito na sua coxa. Ele esmaga as nações com seu cetro de ferro e as entrega em pasto às aves do céu.
         Num crescendo que partiu da condição humana de Jesus Cristo, a ‘Testemunha fiel’, Jesus foi, aos poucos se revelando o ‘Primogênito dentre os mortos’, esperança dos que morrem por causa da Palavra, e ‘Príncipe dos reis da terra’, porque o Pai lhe entregou o poder de julgar. A sua condição divina que o título ‘Verbo de Deus’ ilustra de forma única, porque o representa como a Palavra criadora, a Sabedoria, desde sempre voltada para o Pai, a ‘Expressão do seu Ser’ (Hb 1,3), se desdobra nos títulos de Filho do Homem e Cordeiro que ilustram a condição de Jesus como Verbo de Deus que se fez carne e que deu a sua vida sobre a Cruz. Pela sua Morte consagrou o Templo que está no céu, onde entram os que praticam a justiça, e condenou os maus ao lago de fogo.
         Cada comunidade local está em condições de celebrar todos esses mistérios e renovar a sua vigilância, na expectativa da vinda do seu Senhor, a cada domingo, meditando a Profecia e fazendo memória daquele que esteve morto, mas que agora está vivo e tem as chaves da Morte e dos Hades.
         Perguntas para uma reflexão:
1ª) Por que João começa a celebração do Senhor com o título de “Testemunha fiel”?
2ª) Qual é a função do Senhor, na condição de Filho do Homem-Glória de Iahweh, em relação ao mundo?
3ª) Por que o título de “Verbo de Deus” é o ápice do reconhecimento de Cristo Senhor?

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