2ª Carta aos Tessalonicenses

2Ts 1
1,1-2. O exôrdio da carta tem o mesmo endereço e saudação da 1Ts.
1,3-4. A ação da graças tem a mesma motivação daquela que encontramos em 1Ts logo após o exôrdio, embora Paulo aqui reconheça que os Tss crescem sempre mais na sua fé e amor fraterno, sempre mais capazes de suportar, com perseverança, perseguições e  tribulações.
1,5. Dessa maneira, se tornam sempre mais dignos de herdar com Cristo o Reino. Certamente o Deus justo os reconhecerá como seus.
1,6-8. Diante da persistente perseguição dos judeus contra os fiéis da Igreja de Tessalônica, Paulo vislumbra o julgamento final quando os inimigos do Evangelho serão exterminados pelo fogo da chama ardente que envolverá o Senhor Jesus, que virá do céu, “com os anjos do seu poder”.
1,9-10. Paralela à imagem do fogo exterminador, Paulo lembra a condição de ruína eterna dos réprobos que consistirá na privação da visão de Deus e do envolvimento em sua glória, enquanto os que tiverem servido ao Senhor, a conhecerão e contemplarão. Essa condição fará com que os santos se tornem o peã do seu poder e da sua vitória, na condição de reis e sacerdotes que com ele reinarão para sempre. Estamos diante de termos técnicos da linguagem apocalíptica (Tema 4). Os conceitos que Paulo aqui expressa são os mesmos que encontramos no Apocalipse, em relação aos que sofrem perseguições e a morte por causa de Cristo.
1,11. Na sua oração, Paulo eleva a sua impetração para que os fiéis de Tessalônica sejam perseverantes nas tribulações, realizando todo o bem para o qual foram chamados e intensificando sua fé.
1,12. Na condição de sofrimento verão triunfar o poder do Senhor Jesus e serão glorificados nele. Será uma manifestação do triunfo da graça que Deus nos concedeu em Jesus Cristo nosso Senhor.

Tema

4) Apocalíptica
            A apocalíptica é um gênero literário que vemos despontar, na Sagrada Escritura, quando os profetas anunciam o que acontecerá a Jerusalém em decorrência dos seus crimes. Como primeiro símbolo do castigo, Isaias apresenta a espada. Para sublinhar a gravidade do castigo, os elementos da natureza são incluídos na narrativa: sol que se escurece, lua que perde o brilho, estrelas que caem, terremotos, relâmpagos, tempestade de granizo, desmoronamentos de cidades. Nenhum desses elementos entra na execução do castigo porque fazem parte de uma linguagem figurativa. Acontecerá o que esta anuncia mediante as imagens que utiliza.
            Os profetas utilizam a linguagem apocalíptica, também, para descrever o castigo que atingirá aqueles que Deus escolheu como instrumentos da sua punição contra Israel. Eles se excederam e assumiram uma atitude afrontosa em relação a Deus. O castigo da destruição atingirá toda cidade orgulhosa que achou que poderia desafiar o próprio Deus.
            A linguagem apocalíptica volta a ser utilizada no tempo em que é escrito o livro de Daniel. Dessa vez serve para narrar o embate das forças do Mal com Deus. Há uma personificação do Mal, representado por um homem que se ergue contra Deus, que atribui a si prerrogativas divinas e que ameaça levar à morte todos os que não prestam culto divino à sua imagem e não aceitam o seu nome ou número em sua fronte ou na sua mão.
            A narrativa apocalíptica de Daniel é utilizada de forma extensiva pelos Evangelistas. Ela se presta perfeitamente para interpretar a Morte do Senhor pelas mãos dos ímpios. Aliás, eles vêem na Morte de Cristo, a própria realização daquilo que Daniel anunciou.
            Paulo a utiliza seja para descrever o julgamento de Jesus em relação a cada homem, como, também,  o mistério da luta na qual a Igreja deve viver a sua fé.
            O Apocalipse de São João assumirá todos os aspectos da narrativa apocalíptica, aplicada ao julgamento que os fiéis terão que enfrentar, como, também, à vinda vingadora do Filho do Homem que fará justiça aos seus santos, fazendo desaparecer o ímpio, queimado pelo fogo.
            A apocalíptica é, portanto, uma linguagem assumida por autores sagrados para apresentar, através de imagens, a problemática e o desfecho da sorte dos justos. O livro da Sabedoria a trata através de uma análise teológica. Os outros autores preferem carregar as tintas, querendo seguir o exemplo de Jesus que dessa forma se expressou quando falou da sua Morte. Ela determinará as condições do julgamento definitivo de cada homem e do julgamento do mundo que perseguiu os seus santos e profetas.
            A partir do momento em que advertimos que Paulo está se expressando, quanto à escatologia, segundo os termos da apocalíptica, não podemos atribuir ao quadro que ele apresenta a condição de informação profética daquilo que acontecerá. Estamos diante de uma forma descritiva que adotou figuras para apresentar o que de fato está acontecendo. Os ímpios que se acham em condição de exigir para si um culto divino quase que possuidores de um poder soberano sobre todos os homens, iludem-se de ter esse poder, porque são simples homens. O prova o tempo breve no qual eles agem. Por isso aquele que crê, deve confiar que Deus sempre triunfará e que ele mesmo será chamado a reinar com Deus.

Comentário

Não estamos diante de uma mera repetição de conceitos expressados em 1Ts 1, e sim de uma exposição resumida de uma condição de vida que é como uma moldura de um quadro que retrata a visão da Vinda do Senhor que castigará os maus e premiará os bons. Trata-se de uma complementação da escatologia exposta na 1Ts. Enquanto lá Paulo tinha tratado da sorte dos que morrem e da necessidade da vigilância, diante da maneira inesperada com que se apresenta a Vinda do Senhor, aqui, trata da maneira com que a iniqüidade age e de que forma Deus a combate. Paulo enfrenta o tema mediante novas figuras da apocalíptica, certamente mais difíceis quanto à sua interpretação, mas que ele entende perfeitamente. A compreensão dos termos se torna mais complicada quando o leitor não sabe advertir que as figuras da linguagem apocalíptica não são parte da doutrina. São somente imagens criadas por gênero literário . Gênero, esse, adotado com conforto pelos Profetas  como também, pelo sábio que escreveu ao Livro de Daniel.
Depois da vinda de Cristo, vemos que Mateus o utiliza com extrema propriedade formulando uma escatologia harmonicamente estruturada, nos permitindo avaliar o seu, valor. Por ela, Mateus consegue dar todo o peso e importância ao julgamento que espera cada homem no fim da sua existência terrena. Consegue fazer brotar o empenho em cada fiel de viver a vigilância. Feliz, também é a escatologia de Mc 13, embora de mais difícil compreensão devido a sua formulação em espaço mais reduzido. Extremamente feliz na formulação da sua escatologia é o autor do Apocalipse que a ela dedica todo um livro. Estamos diante de um autor que mostra ter um domínio total das Escrituras e que delas faz o seu vocabulário; permitindo-o expressar a sua doutrina com a linguagem apocalíptica que os autores do A.T. levaram à perfeição. A sua exposição é, literariamente bela e chega a ser poética. Não precisa de esforço algum para criar a sua linguagem. O seu mérito está em saber mostrar a realidade nova mediante as figuras antigas, oportunamente modificadas. Paulo, utiliza a apocalíptica, atendo-se aos termos que ela oferece. Ele entende perfeitamente a sua significação, sempre atendo-se fielmente à natureza literária da qual brotam. Parece que, nem de longe, adverte a possibilidade dos ouvintes se equivocarem, assumindo como informação aquilo que a linguagem apocalíptica, simplesmente quer utilizar como imagem.
            O ouvinte que tem uma experiência meramente inicial da linguagem apocalíptica, adverte que os cataclismos da natureza evocados pelo autor, são ficções, mas não consegue se abster de perguntar acerca do tempo desses acontecimentos. Quando Paulo explica a escatologia com as figuras da confrontação dos ímpios com Deus, embora ele esteja expondo uma situação que continuamente se repete na história do homem, a sua terminologia leva até exegetas a pensar em termos cronológicos a respeito  de quando se manifestará o ímpio e a considerá-lo, dessa forma, um sinal decisivo da iminente Vinda do Fim do mundo.

2Ts 2  A vinda do Senhor

2,1-2 A Vinda do Senhor é uma imagem da apocalíptica. Paulo acaba de aplicá-la aos maus que perseguem os fiéis de Tessalônica. Infelizmente, há pessoas religiosas que se atribuem o carisma da profecia. Mas, quem tem espírito de discernimento (1Tss 5,21) logo vê que não merecem consideração: estão simplesmente criando fantasias sobre o pouco que apreenderam de forma errada. Quando os Profetas falam do Dia do Senhor estão anunciando uma doutrina de importância máxima para o fiel, a escatologia. Corretamente aplicada à vida de fé, determina à conquista da definitiva sorte feliz. Ela incute a vigilância. O tempo da Vinda não entra em questão porque, na linguagem apocalíptica é uma figura. A reflexão sobre ela quer promover a nossa purificação para que, irrepreensíveis, sejamos contados entre os eleitos, no Dia em que O Filho do Homem nos chamar para o julgamento. Aquele que não vigia será surpreendido e o seu fim será a sua perdição.
2,3-4. Quatro decênios depois dessa carta de Paulo, João escreve que o anticristo já veio e que a preocupação dos fiéis deve ser a de não trair o testemunho do Espírito que está neles. É dessa maneira que não serão surpreendidos pela Vinda do Senhor (1Jo 2,18-28). O advérbio de tempo “primeiro” não quer dizer que logo depois será o fim. É uma expressão que sugere a idéia de que temos que conviver com a impiedade  praticada pelo homem que chega a uma aberta confrontação com Deus “querendo passar por Deus”. O Apocalipse trata de tudo isso de forma extensa quando apresenta a primeira besta à qual o Dragão entrega “seu poder, seu trono e uma grande autoridade” (Ap 13,2). Lá, também, se fala de um tempo breve deixado ao ímpio. Fica, todavia, claro que a sua brevidade é a limitação de tempo que Deus a ele concede de agir. Não está necessariamente relacionada  a um fim que a seguiria. O Fim é a condição definitiva em que se encontrarão os homens: glorioso, se tiverem praticado o bem; de perdição eterna, se tiverem praticado o mal. Será no momento em que, terminado o curso de sua vida terrena, serão, individualmente, levados diante de Deus para serem julgados.
2,5. O ensinamento de Paulo, quando em Tesslônica, era nesse sentido, expressado numa linguagem rabínica que não podia negligenciar o aspecto didático da linguagem apocalíptica, muito oportuna quanto aos ensinamentos dos pontos da escatologia.
2,6. O poder que a Besta pensa ter, de fato, é por ela exercido porque Deus o permite. Ele é o verdadeiro Poder que a “detém”. Enquanto os profetas de Deus vivem a sua missão evangelizadora são intocáveis. A Cidade a Grande, que é chamada, também, Babilônia e Egito, somente tripudia sobre os profetas quando Deus quer torná-la instrumento da glorificação dos mesmos, enquanto associados a Cristo Jesus na sua Morte. De fato, terminado o tempo do fim, tendo preenchido a medida dos seus pecados, é ela que é destruída para sempre enquanto os mártires são glorificados (Ap 11).
Para Paulo, para João, como aliás para todos os Apóstolos e Profetas, a linguagem apocalíptica era clara. Retratava através de figuras uma situação em que são envolvidos bons e maus. É uma situação que continuamente se repete. Os bons devem confiar que Deus fará justiça, certos que os maus tem um tempo breve para agir. O desfecho final será triunfo para os bons, embora tenham que sofrer violência por parte dos ímpios, e extermínio dos maus que serão lançados no fogo inextinguível.
2,7-8. O mistério da impiedade, desde sempre, está agindo contra o Desígnio de Deus. Quando Deus decidir que se completou o tempo dos seus profetas ou o testemunho dos seus mártires, então será dado ao ímpio se manifestar. Contudo, mal aparecerá o Senhor na sua glória “no meio de uma chama ardente para vingar-se daqueles que não conhecem a Deus” (1,8) e eles serão destruídos “com o sopro da sua boca”.
            Fica claro, que a lógica da confrontação dos homens ímpios com Deus é expressada pela reflexão sapiencial dos Apóstolos e dos Profetas do N.T. através da linguagem figurativa da apocalíptica, simulada dentro de uma cronologia, cujos termos, todavia, são metafóricos. O tempo de Deus é um tempo pleno. O tempo dos ímpios é um tempo incompleto. A ação de Deus, portanto, é destinada ao triunfo. A ação dos ímpios é destinada ao fracasso.
2,9-12. Agora, Paulo sintetiza a sua argumentação descrevendo a essência do embate do Bem e do Mal. Os ímpios se fundamentam sobre o erro (p.e. a idolatria, com suas crenças). As suas práticas estão todas contaminadas pela falsidade e induzem ao erro, pelo engano (dessas coisas, Paulo procurou sempre fugir,1Ts 2,3). Delas são vítimas todas as pessoas que, tendo podido “acolher com amor a verdade”(v.10), “acreditaram na mentira” (v.11). Dessa forma se tornaram vítimas do “poder da sedução” e merecedores de condenação: “não creram na verdade, mas antes consentiram na injustiça”(v.12).

Comentário

Forçado pela persistente, mas equivocada, preocupação dos fiéis em relação à Vinda do Senhor, Paulo acaba nos oferecendo, por escrito, mais uma amostra do seu ensinamento.
A escatologia é um ponto doutrinal fundamental porque é a própria motivação da vigilância, com tudo o que ela exige de cultivo da fé, da caridade e em relação à perseverança no testemunho, para se abrir a uma esperança que não poderá ser confundida.
O quadro apocalíptico da vinda do Senhor, que se inspira à figura do Filho do Homem que vem sobre as nuvens  para receber do Eterno o poder de reinar para sempre, tem, por si só, uma força motivadora única. De fato, vemos que Paulo o utiliza na explicação da sorte daqueles que vieram a falecer (1Ts 4,13-5,11) o retomando em 2Ts 2 para explicar de maneira mais aprofundada a escatologia.
Paulo sabe que o leitor e os ouvintes da sua carta terão que superar a informação à que são induzidos pela figura que se estampa em sua imaginação quando ouvem a narrativa apocalíptica do Senhor que vem sobre as nuvens. Trata-se de um desafio para um rabino que sempre leu Dn 7 entendendo que o reino não vem para substituir reinos que desmoronam, mas formas de reinos que não têm em si a condição de existir para sempre. Por isso a substituição nada tem a ver com o “quando”, mas com o “como” se dá. Acontece, diz ele, no contexto que se apresenta em todas as gerações. Vemos que nelas sempre impera a impiedade e a injustiça que, naturalmente combatem a verdade, propagandando o erro, promovendo formas contaminadas de culto, de doutrina, dessa maneira, enganando a muitos.
 Sem abdicar aos termos da narrativa apocalíptica, Paulo vai sempre mais precisando a doutrina que ela transmite. O ímpio que se apresenta por primeiro é o Mal que hostiliza a pregação do Evangelho e que parece ser capaz de destruir aquilo que Paulo, na condição de Apóstolo foi enviado a fundar. De fato, ele poderá até fazer perecer pela espada os que anunciam o Evangelho, mas se estes perseverarem até o fim, eles serão aqueles que Deus fará triunfar, enquanto os que Satanás entronizou na terra desaparecerão.
A vitória sobre os ímpios, que acontece pela decapitação, é alcançada através de um duro combate que implica um crescimento na fé, como puderam testemunhá-lo os que se santificaram na esperança e a exemplo de Cristo (Hb 11-12).
Paulo tem consciência que nada poderá separá-lo do amor de Cristo, tendo chegado a merecer a transbordante efusão do Espírito no seu coração, a ponto que nem a espada nem a morte conseguirão. Os fiéis devem chegar a essa mesma condição.

2,13-14. Nos termos da ação de graças que dirige a Deus, vemos repetir-se os mesmos conceitos de 1Ts. Os fiéis de Tessalônica podem ser considerados entre os eleitos porque conheceram a santificação do Espírito e possuem o Verdadeiro. Isto, pela pregação de Paulo. Estão no caminho da Glória porque acreditaram (1Ts1,10).
2,15. Aos indícios da eleição deve-se somar o fato de estar correspondendo com fidelidade ao que ele lhes transmitiu.
2,16-17. Paulo impetra de Deus essa graça em favor dos Tessalonicenses que conhecem a consolação das verdades e a graça da esperança.

 2Ts 3

3,1. Nessas palavras encontramos a convicção de Paulo sobre a importância do anúncio do Evangelho: é a palavra do Senhor capaz de suscitar o Reino.
3,2 Os obstáculos são grandes porque existem homens “ímpios e perversos” que se recusam à obediência pela fé.
3,3. A confiança de Paulo está depositada naquele que é o Fiel com aqueles que o confessam. Ele é capaz de fortalecer os seus contra todas as manifestações do mal. Assim, também, Jesus se pronunciou no fim do seu discurso sacerdotal (Jo 16,33).
3,4. Uma das condições para não desencaminhar é a fidelidade à tradição das diretrizes traçadas pelos Apóstolos (cf. Gl 1,8; 1Jo 2,24).
3,6. Quando um irmão que professa a mesma fé não a vive se torna uma rêmora. Por isso torna-se necessário afastar-se dele.
3,7. Em Paulo, os fiéis tem um modelo de vida seguro que demonstrou enquanto esteve entre eles (1Ts 2,10).
3,8. Devem imitá-lo, também, no empenho em ganhar o seu sustento (1Ts 2,9).
3,9. O alimento era um direito do Apóstolo. A esse direito ele abdicou para dar exemplo.
3,10-12. A vida ociosa, com a desculpa da iminência da Vinda, é reprovável porque não corresponde à doutrina ensinada.
3,13-15. O isolamento em que deve ser posto aquele que não observa o ensinamento da tradição apostólica deve ter uma função corretiva, não punitiva.
3,16. A paz deve ser procurada pela observância dos mandamentos de Cristo, causa da comunhão com Deus.
3,17. Estamos diante de um elemento, ostensivamente apresentado, que deveria garantir a autenticidade da carta e estabelecer o seu autor.
3,18. Esta deveria ser a resposta ao desejo de que o Senhor esteja conosco: “que a graça do S.J.C. esteja conosco”, porque sincero é o nosso esforço de amar a Deus. De fato, queremos andar como ele andou (1Jo 2,6).

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