Mateus



Introdução


     Como ler Mateus   
    
                        O Evangelho de Mateus é um manual catequético que quer ajudar uma comunidade a crescer na fé, enquanto faz a sua reflexão sobre o Senhor ressuscitado. O Apóstolo nos convida a aprofundar a nossa compreensão da Pessoa do Senhor, para viver a nossa vida na vigilância, enquanto esperamos a sua manifestação gloriosa.
 Com o martírio de João, Mt 14, Jesus se orienta para a sua imolação de cruz. A multiplicação dos pães sinaliza a Eucaristia que instituirá na véspera da sua Paixão. A tempestade apaziguada no intuito de proteger a sua Igreja, revela o seu poder. Os sinais das curas que se multiplicam, mostram a condição de salvação para quem nele confia. A atenção que Jesus presta à Cananeia avança em sinalizar a universalidade da salvação. A segunda multiplicação dos pães aponta para aquele que será o alimento que acompanhará o “novo povo que vai surgir”. Vemos, dessa forma, os temas que compõem a exposição de Mateus. Aquele que, realizada a Redenção, se revelou Senhor pela sua ressurreição, e que enviou os Apóstolos no mundo inteiro, é a Descendência anunciada pelas gerações dos patriarcas e a descendência de Davi, segundo a promessa. Caracteriza-se, desde a sua concepção, de condição divina, embora, no início, Mateus ressalte particularmente a sua condição messiânica. Na sua condição messiânico-divina Jesus, participa do rito de ablução de João, no Rio Jordão e, na condição de Novo Adão, vence as tentações no deserto. O discurso da Montanha é de autoridade divina. Os sinais desvendam seja a condição divina como messiânica de Jesus. O discurso da missão revela a condição de Jesus como Enviado à casa de Israel. O desdobramento da sua segunda parte, já é palavra do Filho, na condição de Senhor da Igreja. Mt 11-12 é uma vigorosa apresentação da condição profético-divina de Jesus que define quem são os seus verdadeiros discípulos e a culpa dos que negligenciam os ensinamentos da Sabedoria, do Filho, Alguém maior do que Jonas e Salomão. Mt 13 já é uma terceira forma pela qual Jesus fala do Reino. Isto define claramente qual era o tema da pregação de Jesus. O Reino, de fato, é anunciado em 4,17 , versículo que deve ser valorizado pelo comentário que temos dele em Mc 1,15. É apresentado como meta a todos os discípulos, enquanto são ditadas as exigências para conquistá-lo (Mt 5-7). É lembrado como dádiva concedida a todos os povos (Mt 8). É objeto da pregação dos Apóstolos enviados “às ovelhas perdidas da casa de Israel" (Mt 10). 
Diante da grandeza do Senhor, patenteia-se a condição de imperfeição em que se encontra cada fiel, e a necessidade de fazer todo esforço para implementar os ensinamentos do seu Mestre, para ser por ele reconhecido diante do seu Pai. Dessa forma o fiel acaba altamente motivado. O Senhor da Igreja revelou toda a sua glória pela sua Ressurreição. Quem, portanto, carrega a sua cruz e o segue terá a mesma glória. Nele se realizam as figuras do Emanuel, na condição de descendente de Abraão e de Davi, do Rei dos Judeus, destinado a reger todas as nações, do Filho que Deus chamou do Egito, do Resto de Israel que Deus reservou para si. Ele é o Guia que dita o perfeito caminho da vida, do Legislador que ensina o espírito da Lei, a verdadeira religião, o espírito de desprendimento. Ele é o  Messias que com os seus milagres indica as curas espirituais que pode realizar. É o  Enviado que envia. Ele nos dá o viático, salva a Igreja do mar tempestuoso, se transfigura.
                    Estamos longe da perfeição de Jesus. Não sabemos rezar, não estamos à altura da grandeza do Reino que somos chamados a anunciar. A fé não está em nós nem na quantidade de um grão de mostarda. A oração de Salomão (Sb 9) explica a nossa condição de fragilidade. Um trabalho imenso de crescimento nos espera não obstante o imenso dom que abraçamos diante do anúncio da Igreja, pela conversão que o Espírito operou em nós. Somos chamados a cultivar a fé, a viver a caridade para que despontem em nós os frutos do Espírito e a nossa esperança jamais seja confundida e sim, coroada pelo Justo Juiz. Anima-nos a Grandeza de Jesus que, antes de ser Modelo, foi para nós Salvador, pela sua Redenção. Tudo é alcançado quando o celebramos, nos aprofundamos nas Escrituras, comungamos da sua carne "dada". Tornamo-nos, então, capazes do testemunho da Palavra e de Jesus Cristo. A Palavra é, por si, catárquica: nos faz ver claramente a grandeza do Criador, a lei de crescimento da criatura, os desvios causados pelo pecado. O Memorial da sua Morte, torna presente a Redenção realizada por Jesus, uma vez por todas. A fé cultivada dessa forma nos torna vencedores do mundo porque, por ela assumimos o jugo suave daquele que se proclamou “manso e humilde” (Mt 11,29).

Mt 1-4 Apresentação da "origem" do Senhor da Igreja. Jesus é Aquele que realiza a Descendência que vence o Maligno, na condição de descendente de Davi, filho de Abraão. A genealogia, enquanto o define como o Salvador prometido a Israel, que portanto experimentará por primeiro a sua ação (Rm 1,16), aponta nele o Princípio da benção que Deus, pela descendência de Abraão, quer estender a todos os povos. Nasce da Virgem, segundo Is 7,14, por obra do Espírito Santo. É o Rei dos judeus, o Filho que realiza em si a figura de Israel que Deus chamou do Egito e a figura do Resto de Israel, na condição de Rebento da raiz de Jessé, consagrado ao Senhor. É testemunhado pelo profeta João Batista. Associa-se em tudo à sorte do seu povo pelo Batismo no Rio Jordão e é consagrado para a Cruz. Como perfeito Adão vence a tentação do Mal e, na condição de Primogênito dos mortos, dá origem à estirpe dos filhos de Deus. Ele é a Luz que brilha nas trevas.
Mt 5-7 Discurso programático. Pelas Bem-Aventuranças, Jesus se apresenta como Modelo. Em virtude da sua autoridade divina, interpreta a Lei e a leva à perfeição. Como Mestre corrige os comportamentos religiosos e mostra o caminho do desprendimento das riquezas. Tudo, para que os seus discípulos valorizem ao máximo o Reino dos Céus, que ele veio anunciar, e o alcancem.
Mt 8-9 Os sinais do Reino. As curas acompanham a pregação de Jesus, sinais do  mal que veio curar: lepra, possessão diabólica, paralisia. Destas enfermidades cura Mateus e os publicanos. Libera, também, da morte, da cegueira e do demônio.

            Unidade temática (Mt 1-9).
            No intuito de nos instruir sobre a Pessoa do Senhor da Igreja, Mateus abre o seu evangelho com uma reflexão sapiencial sobre a origem de Jesus. Ela sublinha a condição divina daquele que é concebido por obra do Espírito em Maria, a esposa de José. Nele se realiza a História de Israel, o Filho que Deus chamou do Egito, do Resto que Deus preservou para si. A sua missão, agora, é universal. O Batismo no Rio Jordão ilustra a condição divina do Messias, enquanto a sua vitória sobre o Diabo, no-lo revela o Adão verdadeiro que estabelecerá o Reino do Pai. Pelas bem-aventuranças se apresenta como Modelo para os seus. Enquanto leva à perfeição a Lei, interpretando-a segundo o seu espírito, revela ser a Sabedoria. As curas que ele opera indicam que nele se realiza a figura do Messias. O poder de dominar os ventos e o mar, de expulsar os demônios, perdoar os pecados e ressuscitar a filha de Jairo, mostram a sua condição divina.
            Esse Jesus terá que realizar a sua missão lutando contra a hostilidade das autoridades religiosas que se revelam perversas. Sem se deixar abater, realizará a sua missão para chegar a reunir as ovelhas dispersas de Israel. Por isso peregrina pregando o Reino de Deus.

Mt 10 Em vista da continuidade da sua obra, àqueles que representam o Israel de Deus, no poder que ele tem, Jesus confere os poderes de expulsar os demônios e curar os enfermos. Os judeus recebem por primeiro o anúncio da Boa Nova, “pelo evangelho que é força de salvação” (Rm 1,16). Os enviados terão a responsabilidade de anunciar o Reino provando, com o seu comportamento, o seu valor. Terão que sofrer perseguições por parte do mundo. Pela perseverança, alcançarão a salvação. Ele dará, então, testemunho deles diante do Pai. Carregar a cruz da vida cristã significa continuar a obra que Jesus iniciou.
            O primeiro envio que se limita às ovelhas perdidas da Casa de Israel ocorre segundo o plano de Deus que escolheu Israel para ser o seu povo. Visa tornar o seu Servo, sob a liderança do Filho do homem que o redime, o instrumento de irradiação da sua luz em todas as nações. O intuito da missão se limita ao anúncio do Reino de Deus: ele está presente naquele que pelos milagres patenteia a sua condição de Messias e que pelos exorcismos revela, também, a princípio, a sua condição divina. O envio definitivo acontecerá com a sua Ascensão ao Céu e implicará a sua messianidade, a sua divindade, o valor redentor da sua Morte, o memorial que ele instituiu a ser celebrado pela Fração do Pão, a sua condição de Senhor em virtude da sua ressurreição.
Mt 11 Jesus faz o elogio de João Batista, que os próprios judeus reconheceram como profeta.
Nele aponta o modelo do verdadeiro discípulo que adverte a originalidade do acontecimento porque Jesus age manifestando os sinais da sua messianidade e, ao mesmo tempo, surpreendendo com a sua divindade que parece subverter a própria instituição judaica. O compreendem aqueles que se tornam os menores no Reino dos Céus. Estes não se escandalizarão por causa dele. A geração do seu tempo não reage à altura dos sinais messiânicos, enquanto Sodoma e Tiro ter-se-iam convertido. Define, então a condição do verdadeiro discípulo (vv. 25-30).
Mt 12 Nem sequer os escribas estão à altura da sua pregação. Por não aceitar os sinais da sua divindade, as curas e os exorcismos em dia de Sábado, se tornam incapazes de acatar a proclamação que ele faz da sua divindade. Insurgem-se contra ele e até o insultam; o que merece a condenação de Jesus que, todavia, ainda anuncia o sinal que converterá a sua geração. A todos, enfim, proclama a nova condição segundo a qual terão que se relacionar com ele. Dessa forma, João Batista e Maria, sua mãe, se tornam os modelos dos verdadeiros discípulos.
Mt 13 Jesus ilustra, pela linguagem das parábolas, aquilo que ele tentou realizar pela ação taumatúrgica (Mt 8-9), testado pela missão dos Apóstolos “somente às ovelhas perdidas da Casa de Israel”, com os exorcismos e o anúncio do Reino dos Céus (Mt 10), e que em Mt 11-12 interpretou, quanto aos seus resultados, em relação à disponibilidade de cada um. Está se repetindo o que já aconteceu nos tempos do profeta Isaias. Bem-aventurados são, portanto, os que ouvem e vêem, porque eles são os pequeninos amados pelo Pai. O joio, os peixes maus serão lançados fora. Os justos resplandecerão como o sol na casa do Pai.
 O Reino que Jesus anuncia constitui-se como chave da unidade temática de Mt 1-13. O Emanuel, a Descendência, resgata, em favor do homem, a condição de realeza perdida pela desobediência. Ele é o Rei dos Judeus que estenderá o seu domínio sobre todos os povos (1-4). Dita as condições para nos tornarmos membros do Reino dos céus (5-7). Inaugura o Reino com sinais messiânicos e com sinais que apresentam a sua condição divina (8-9). Envia os discípulos com o poder de exorcizar para anunciar o Reino dos céus às ovelhas perdidas da casa de Israel e profetiza de que forma ele se atuará quando se estenderá a todos os povos (Mt 10). Mostra qual deve ser a atitude para acompanhá-lo na realização desse reino (11-12). Sintetiza a sua pregação do Reino dos céus em parábolas (Mt 13).
Mt 14 Jesus avança no seu programa messiânico. Esse novo momento é sinalizado pelo martírio de João Batista. A multiplicação dos pães anuncia o que será o memorial que deixará aos seus. O poder divino que manifesta apaziguando vento e mar deve tranquilizar os seus diante do mar tempestuoso da história (v.  27; cf. Jo 16). O seu poder se manifesta na naturalidade com que socorre quem o procura.
Mt 15 Diante da forma obtusa com que os judeus lidam com a religião, que reduziram a tradição humana, Jesus aponta, na fé da Cananéia que procura a cura da sua filha, a verdadeira forma de viver a religião. Trata-se da fé que Jesus já tinha elogiado no centurião (Mt 8). Uma segunda multiplicação dos pães sinaliza a forma pela qual Jesus nutrirá os seus ao longo da sua vida de fé.
Mt 16 Jesus abandona a iniciativa de se interessar pelos escribas e fariseus. No seu amor fiel reserva somente um último sinal que será o da sua ressurreição. Vai agir com aqueles que o acolheram. Eles serão testemunhas, pela ação do Espírito, da sua Pessoa, a começar da sua messianidade. Diante da profissão de Pedro, logo desenvolve o significado da sua condição de Filho do Homem. Os aspectos mais profundos da sua Pessoa, quais oferecidos pela compreensão da sua messianidade, pela sua Morte, e da sua divindade, pela sua ressurreição, alavancarão o reconhecimento, nele, da realização das Escrituras, Lei, Profetas e Salmos (Lc 24,44). 
Mt 17 A Transfiguração, que é um quadro catequético inspirado na narrativa da Ressurreição, (Mt 28),  é aqui inserida para interpretar os anúncios que Jesus faz da sua Morte. O episódio do estáter pago por Jesus e Pedro deve ser a ela relacionado, enquanto explica a condição de Pedro, associado a Cristo no novo Israel que este estabelecerá, na condição de Filho. O seu sentido está atrás, como num enigma, dos elementos que o compõem: Jesus e Pedro, o mar, a pesca, o anzol, o peixe, a moeda. 
Mt 18 Dita os ensinamentos morais de Jesus, destinados aos membros da sua Igreja: quem é grande; como deve ser exercido o dever de preservar a Igreja daqueles que cometem o pecado que conduz à morte; o perdão das ofensas, condição necessária para alcançar o perdão das ofensas praticadas contra o Pai que está nos Céus. 
Mt 19 dá continuidade aos ensinamentos morais que Jesus quer estabelecer para a sua Igreja: o matrimônio tem que ser indissolúvel, segundo o que está estabelecido desde o princípio; a perfeição  que agrada a Deus implica a perfeita caridade, unida ao exercício do perfeito amor a Deus, abertos ao convite daquele que é capaz de realizar em nós o querer e o poder (Fl 2,13).
Mt 20 caracteriza-se com a parábola em que Deus é visto  preocupado em chamar trabalhadores para a sua vinha, visando sempre o interesse de quem é contratado. Ele quer fazer da sua vinha uma condição de dignificação, não uma fonte de lucro para si. Trata´se de um conceito que contrasta com a expectativa do homem, sempre carente. A esta primeira atitude se associa aquela de Jesus que declara que o "Filho do Homem" não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate por muitos" (v.28). O ensinamento sobre a igreja conclui-se com a cura dos dois cegos, que nos representam.
Mt 21 Com a entrada em Jerusalém começa a temática relacionada ao povo que por primeiro deveria usufruir com a visita do seu Deus, pontuada pela purificação do templo, a execração da figueira estéril, denúncia da descrença dos fariseus que não aceitaram João Batista como não aceitam Jesus, a parábola dos dois filhos, a parábola dos vinhateiros homicidas.
Mt 22 se abre com mais uma parábola relacionada ao tema iniciado em Mt 21. São apresentadas, em seguida, tentativas de fariseus e saduceus de surpreender Jesus em erro; o que provoca a apresentação de um enigma por parte de Jesus, que muito nos ajuda a entender o recurso literário da genealogia, utilizados por Mt 1 para explicar a verdadeira "origem" de Jesus e estabelecer a sua relação com a história da descendência. do Israel de Deus.

Mt 1

Mateus abre o seu evangelho com dois capítulos que querem refletir sobre a Pessoa do Senhor à luz dos acontecimentos da sua infância. Os intitula: “Livro da origem de Jesus Cristo” (Mt 1,1). Jesus que nasce de uma virgem é o realizador da Profecia. Embora Maria “achou-se grávida pelo Espírito” (1,18), Jesus é da descendência de Davi porque “José, filho de Davi” (v.20) “o chamou com o nome de Jesus”. Por essa origem, Jesus é a Cabeça prometida ao povo de Abraão. Disso resulta a estreita união entre o povo de Israel e o seu Chefe. O que estabelece uma identidade de compromisso e de sorte (2,15).
É evidente a intenção de Mateus de apresentar o evento “Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão” (1,1) como um novo princípio de uma ação de Deus que só tem como termo de comparação a criação. Essa será, também, a intenção de Marcos ao abrir seu Evangelho assim: “Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1,1). Será, mais tarde, a intenção de João ao escrever: “No princípio era o Verbo” (Jo, 1,1), por quem “tudo foi feito”, o Filho do Homem que assim falou a Nicodemos: “Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito...” (Jo 3,3; 7,39; 19,34).
A genealogia, que segue o título, é um artifício literário pelo qual Jesus é inserido na história dos homens através da sua explícita ligação ao patriarca Abraão e ao rei Davi, a quem Deus prometeu que da sua descendência nasceria o Messias. A menção de Abraão, de quem também Davi descende, é uma aberta proclamação da universalidade da salvação, da qual o povo que Deus escolheu para si é o realizador. Notamos que, depois da citação dos Patriarcas, temos a explícita citação de Judá (v.2). Em Gn 49, quando Jacó abençoa Judá, profetiza que dele virá aquele que reina. Disso resulta que a genealogia tem o intuito de apresentar Jesus como a Descendência pela qual o Plano de Deus é atuado enquanto Jesus descende do primeiro ancestral do povo escolhido que, por sua vez remonta até Adão, como oportunamente, de forma explícita, Lucas anota no seu evangelho.
A estrutura de 3x14 gerações, declarada propositalmente pelo próprio Mateus, significa que chegou a plenitude dos tempos (6x7) e que Jesus é o realizador do Plano de Deus (Gl 4,4). Uma genealogia que não fracassa não obstante a condição estéril de Sara, Rebeca e Raquel, o incesto de Tamar com Judá. A descendência se perpetua através da prostituta Raab, a condição adúltera da mulher de Urias e a condição ímpia dos reis. É por ela que brilha ainda mais a fidelidade de Deus e a gratuidade da salvação. De fato, quando chegamos a José, o filho de Maria que é de descendência davídica, Jesus, é concebido por obra do Espírito Santo, no seio da virgem (Mt 1,22s). O Plano que já se revelava irrealizável, dependesse da capacidade humana, e, portanto, gratuito, enquanto Sara concebia por intervenção divina, por Maria se revela totalmente gratuito, enquanto até a humanidade do Cristo do Senhor é suscitada pela potência criadora do Espírito do Verbo que se faz carne, no seio de Maria, que dele se torna mãe. De fato quem concebe é Maria que, depois, gera o seu próprio filho, que é o Filho de Deus segundo a carne. O gratuito divino é relevado por João quando atribui a encarnação ao próprio Verbo que “se fez carne” (Jo 1,14).
A concepção de Jesus é anunciada por Mateus com o mesmo termo do título do seu evangelho: “origem”, exatamente para apontar à nova criação que o Filho de Deus atua ao entrar no mundo. O foco da atenção de Mateus é a forma extraordinária do acontecimento do qual exporá todo o conteúdo ao longo do Evangelho: Deus se fez carne. A grandeza desse mistério acaba envolvendo, no seu início, duas criaturas humanas, Maria e José, pelo fato que o Filho de Deus quer entrar na história através de uma geração humana e da descendência davídica. Será Lucas o evangelista que desenvolverá o mistério da maternidade divina de Maria. Para Mateus a sublimidade do mistério da “origem de Jesus Cristo” está no fato que “Maria achou-se grávida pelo Espírito Santo” (Mt 1,18). A nova criação é uma obra de exclusiva iniciativa divina que torna presente, na história humana, uma realidade divina que somente a onipotência criadora do Espírito de Deus podia realizar.
José não questiona a ação de Deus. Simplesmente a acata na sua grandeza e, reverente, “agiu como o Senhor lhe ordenara e recebeu em casa sua mulher” (1,24). José foi verdadeiro marido de Maria, não, porém, pai de Jesus, segundo a carne. Aliás, por ter recebido Maria, sua mulher, sabendo exatamente que “o que nela foi gerado vem do Espírito Santo”(1, 20) e, porque “não a conheceu  até o dia em que ela deu à luz um filho”(1,25), embora a pudesse conhecer, é claro que se associou plenamente à missão de Maria. Isso nos é revelado por Maria que, ao dirigir-se a Jesus, quando do reencontro dele no Templo, assim se expressa: “Meu filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu, aflitos te procurávamos” (Lc 2,48).
A condição virginal de Maria, que Mateus proclama real, e que Lucas, depois, comentará amplamente com a narrativa da Anunciação, permite ao próprio Mateus ver na situação em que Acaz se encontrava, a figura da situação de Israel no momento da Redenção que se atuava pelo seu Cristo. Isaias declarava a Acaz que Judá devia confiar no Senhor porque ele é o “Deus conosco”, presente contra toda esperança, que pode salvar. A formulação de Isaias era profética, tanto é verdade que Mateus a vê realizada somente em Jesus. A de Mateus é uma intuição sapiencial apostólica que interpreta, sob iluminação do Espírito Santo, uma profecia; não está fazendo uma mera pós-figuração. Isaias anunciava um mistério, não mais um sinal, sendo que Acaz o recusara. O mistério que só se explica depois que se atua é, por antonomásia, profecia.
O primeiro capítulo de Mateus é uma abertura digna da grandiosidade da sua obra. Mateus consegue nos colocar diante do Mistério divino que, ao envolver as criaturas humanas, as enobrece, chamando-as a cooperar com Deus.

Reflexão                                                        17-18 de 12, Tempo do Advento
Mateus escreve o seu evangelho para cultivar em nós a fé no Senhor ressuscitado, que abraçamos diante da pregação da Boa Nova. Utiliza, nesse caso a figura da descendência que a reflexão sapiencial criou, diante da constatação da vocação universal à salvação e a da descendência prometida a Davi. A descendência dos patriarcas que ressaltar a fidelidade de Deus. Acompanha a descendência de Caim. Enquanto essa leva à destruição do dilúvio, a de Set leva a Noé que salva a humanidade das águas da morte. Abraão é ligado a essa descendência. Disso resulta que Jesus, da descendência de Judá realiza em si, também, a figura de herdeiro do trono de Davi. Nesse caso, Jesus une em si a história da Descendência salvadora e a história da descendência davídica. Embora esta última esteja relacionada a uma continuidade de um herdeiro do trono de Davi, enquanto se realiza em Jesus faz de Israel o primeiro a usufruir de tudo o que a Descendência prometida à humanidade, pode oferecer de Graça pela redenção, justificação e santificação.
Também, vemos quanto a história da Encarnação transcende as figuras. A condição divina de Jesus explica a vitória da Descendência da Mulher sobre a Serpente. A concepção de Jesus Cristo por obra do Espírito Santo, justifica a afirmação de Paulo de que, em virtude da filiação adotiva, cessa o regime da Lei. A justificação não é alcançada pelas obras de Lei, mas pela fé em Jesus Cristo. A Encarnação explica a redenção e chama os judeus à herança do Reino.
Reflexão 19/Março                                                     Solenidade de São José        Ajuda-nos a entendermos melhor Mt 1, quando notamos que há uma genealogia que, na condição de enredo histórico, é pano de fundo para apresentar o mistério da encarnação. Jesus é a Descendência da Mulher que se manifesta, chegada a plenitude dos tempos, realizando a profecia de Is 7,14. Através da narrativa do sonho, gênero literário específico, são aprofundados os conceitos teológicos, inicialmente apresentados: a origem divina de Jesus e a sua descendência davídica.
A figura de José, na condição de esposo de Maria, levou a Igreja a ver nele o patrono da Igreja universal, sobretudo pelo fato de proteger o "recém nascido rei dos judeus" que Herodes quer matar. Com Maria e o menino foge para o Egito. Com eles volta para ir habitar em Nazaré da Galileia. Lucas lembrará José, na condição de pai, no momento do reencontro de Jesus no templo.
A figura de José nos inspira sentimentos de participação nos mistérios de Deus. O espírito generoso não se omite quando compreende a importância da sua vocação quando é chamado. A dedicação incondicional à sua missão enobrece toda a sua existência.                                                                       
Reflexão                                       08/Setembro Festa da Natividade de Maria
Mt 1 A "origem" de Jesus o Cristo
Jesus é filho de Davi, ligado à descendência de Abraão. Segundo a genealogia do ancestral dos hebreus, está relacionado a mulheres estéreis que sinalizam a gratuidade de Deus quanto à realização do seu Plano. Tamar, Raab, Rute, Betsabeia caracterizam a condição pecadora da descendência. Jesus se tornou, em tudo, membro desta estirpe, exceto o pecado. Ele é o Cristo que o Pai enviou ao mundo para remi-lo.
A sua "origem" é segundo a promessa que Deus, a Bondade que age no amor, desde sempre formulou na sua fidelidade (Gn 3,15), que a profecia de Is 7,14 inspirou.
Quando a Igreja relaciona esta doutrina à Maria, define a sua condição pelo dogma da Imaculada conceição que, por sua vez, considerada a perfeição da evolução da santidade em Maria, permite a proclamação da sua Assunção. Segue-se a convicção que ela reina com o Filho.


                                               

 Mt 2

No primeiro capítulo do seu Evangelho, Mateus tinha-se preocupado em nos transmitir a grandiosidade do evento que é Jesus Cristo. Sua origem é divina e nele se cumpre a Descendência profetizada pelas Escrituras. No segundo capítulo, Mateus quer apresentar o conflito que surge entre a nova realidade divina que se insere no mundo e a realidade perversa do Mal que domina as criaturas da terra. A Palavra que se faz carne, embora venha aos seus, encontra uma hostilidade que é provocada pelo próprio pecado que Ele vem tirar. O Mal é tipificado por Herodes, rei sanguinário, sequioso pelo poder, que vê uma ameaça até num acontecimento religioso, pelo simples fato que é caracterizado, nas palavras dos Magos do Oriente, através da figura humana do rei. De fato Jesus é rei, mas o seu Reino não é desse mundo pois nada tem a ver com a disputa de poder pela violência e a traição. Aliado ao Mal está o poder religioso submisso ao poder do Estado. Diante do claro sinal da Estrela messiânica que é anunciada pelos Magos do Oriente, o Sinédrio permanece numa prudente distância, para não provocar os ciúmes de um tirano terreno ao qual optou submeter-se. Estamos diante do drama da hostilidade do Dragão em relação à Igreja, que o Apocalipse desenvolve amplamente à luz das perseguições dos imperadores romanos e da Sinagoga contra a Igreja. Os falsos profetas se acovardam, porque não querem se comprometer, e, até, preferem submeter-se aos desmandos do Estado para não contrariá-lo (Ap 13). O Bem parece uma realidade tão frágil que a gente teme por ele. Mas, como acontece ao Dragão do Apocalipse, quando o Mal parece ter a situação sob controle, certo do desfecho final vitorioso em seu favor, a Revelação nos diz claramente que Deus humilha os soberbos, que seus planos serão confundidos e que Deus leva a termo o seu plano, infalivelmente. Todos os povos da terra conhecerão a salvação. Nunca haverá poder humano em condições de impedir que a salvação “do Rebento da estirpe de Davi, da Estrela da Manhã” (Ap 22,16) possa chegar a todos os povos da terra. Como ao Dragão do Apocalipse, que está em frente à Mulher para devorar-lhe o Filho (Ap 12,4), assim, a Herodes escapa o Filho de Deus, que ele tenta alcançar pela mediação dos Magos. O Filho de Deus escapa novamente de sua mão quando Herodes tenta matá-lo, eliminando sumariamente os meninos de Belém, assim como, sempre, escaparão do controle do Poder terreno os filhos da Igreja, não obstante que o Dragão tente alcançá-los através do poder da Cidade terrena, a Besta, porque eles são filhos de Deus, aos quais Ele prometeu uma Pátria gloriosa. Os que se aliam ao maligno no desejo de destruir a Igreja, deveriam compreender que eles poderão agir por um tempo, pelo tempo que Deus permite (Ap 6,11), mas nunca chegar a realizar seus planos. Aquele que queria matar o Menino morreu. Roma que perseguia a Igreja caiu. Caíram Napoleão, Hitler, Stalin... Porque não deveria cair qualquer outro perseguidor da Igreja?
Há um outro aspecto que Mateus quer apresentar com o seu midrash: a universalidade da vocação à salvação naquele que já proclamou ser a Descendência pelo fato que José, da casa de Davi, a ele dá o nome. Nele se realiza a profecia de Miqeias, pela qual Jesus deve ser considerado “o recém-nascido rei dos judeus”. A recusa dos judeus em aceitar o seu rei permite que povos do oriente e ocidente, norte e sul recebam em herança tudo o que foi pré-evangelizado de Jesus e cheguem à fé naquele que “abertamente manifestado Filho de Deus com poder pela sua ressurreição dos mortos em Espírito de santidade”(Rm1,4) se tornou a Cabeça do Novo Israel, fundamentado sobre o alicerce dos Apóstolos, o Resto que o acolheu juntamente com Maria e José, Zacarias e Isabel, Simeão e Ana. Os magos, com os seus dons, manifestam a sua fé na divindade de Jesus, a ele prestam culto e o reconhecem Salvador pela imolação de Cruz.
O segundo capítulo de Mateus termina lembrando a vida de Jesus no silêncio de Nazaré, por mais de trinta anos. É o tempo em que Ele, consagrado ao Senhor (= nazireu), cresce em idade, sabedoria e graça para que esteja pronto para quando o Pai o chamar para a ação messiânica. Jesus vive esse tempo com toda a intensidade da piedade para que sua ação seja objetiva, realizadora e agrade em tudo ao Pai. No fim de sua vida em Nazaré, quando Jesus se associa ao povo que escuta a palavra profética de João Batista, ele já é Aquele em quem "aprouve a Deus fazer habitar toda a Plenitude” (Cl 1,19), o Filho em quem “o Pai se compraz” (Mt 3,17), “Aquele que vem” com o Espírito (Lc 4,18), para realizar o Reino do Pai.
Trata-se de um capítulo constituído de narrativas midrashicas que querem apresentar Jesus na sua condição de Rei universal, porque é o Messias profetizado pelas Escrituras. Ele, na condição de descendente de Davi é o realizador da profecia de Mq 5,1. Tem a missão de estender o seu domínio sobre todos os povos. A estrita relação entre Jesus e o povo de Israel volta a ser descrita por Mateus através do quadro da fuga e da volta do Egito e do título de Nazoreu, que em sua raiz contém o termo Rebento (Hbr.:נֵצֶר) de Jessé e Resto de Israel, que Deus reservou para si.     


 Mt 3

O episódio central de Mt 3 é o Batismo de Jesus. No início do seu ministério messiânico, Jesus nos é abertamente manifestado Filho de Deus pela voz do Pai e nos é apresentado no mistério da sua relação trinitária enquanto recebe a unção messiânica por parte do Espírito Santo que o consagra, sobretudo, para o sacrifício. O rito lustral, isto é o batismo de purificação legal, que João Batista administra aos que a ele acorrem, reconhecendo-o como profeta do Senhor, para a remissão dos seus pecados, quer ser somente uma preparação para tudo aquilo que o Messias realizará, de quem  o próprio João diz  ser somente o arauto. De fato, ele proclama: “Eu vos batizo com água para a conversão...Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3,11). Importantíssima é, todavia, a pregação de João para ilustrar a Pessoa do Senhor e a sua obra. De fato ele é, por vontade de Deus, o Precursor (Lc 1,l7), o profeta (Lc 3,2), que, de Jesus Cristo, nos faz as revelações mais  profundas. Jesus é “o Reino dos Céus” (Mt 3,2). Isto significa que, com Cristo, Deus dá ao homem uma condição incondicional e gratuita de salvação. Jesus possui o Espírito sem medida. Nessas condições, Ele, único, possui o Espírito que renova o homem. O Espírito, de fato, é o dom supremo de Cristo Jesus aos homens no momento que funda o seu Reino (Jo 20,22s). Jesus é “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). Esse título, anunciado no início do ministério de Jesus, é a chave de interpretação do mesmo: Jesus vem para o sacrifício redentor; todos os seus gestos são uma antecipação de tudo aquilo que Ele merecerá com a sua morte (Jo 2,11). Jesus é “o Filho de Deus” (Jo 1,34). Diante d’Ele devem prostrar-se os homens e adorar em Jesus o  próprio Deus (Mc 1,7). A pregação de João é importantíssima, também, porque sublinha a característica fundamental da obra de Cristo: a escatologia. Essa categoria religiosa do cristianismo escapa demais à consideração dos cristãos, enquanto a voz profética de João e o querigma de Jesus a proclamam de saída: “Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo” (Mt 3,2), “O tempo está realizado e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” ( Mc 1,l5). A correta compreensão da escatologia nos permite visualizar o acostamento proposital dos seus dois aspectos: “Dia de luz”-“Dia de treva”. João Batista, o próprio Jesus, Paulo, mais tarde, os Evangelistas, João, no Apocalipse, o fazem magistralmente, na linha dos profetas, a partir de Amós. Não há equívoco neles. Nós é que estamos equivocados. A percepção das últimas coisas é tão viva em João Batista que ele não precisa se explicar quando junta a visão do Reino, que é Cristo, com a visão do julgamento final (3,11c-12).
Grandiosamente apresentado por João, eis que Jesus vem para associar-se aos pecadores, dos quais imediatamente se revela seu Redentor. Ele é Iahweh, na condição de Anjo de Deus, que, em forma humana, tendo-se tornado um filho de homem nascido de mulher, atua segundo a sua potência divina. A esperança do homem está no fato de saber que Ele não vem para destruir mas para edificar, não vem para julgar mas para salvar. Jesus é o Filho do Homem que toma a si a sorte dos homens como Filho. A partir do seu batismo no Rio Jordão ele é, diante do Pai, o próprio povo de Deus. Nele, o Pai, amará todos os homens. Consagrado pelo Espírito como “o amado, no qual o Pai se compraz”, Jesus é a vítima do sacrifício que se encaminha para a cruz sobre a qual se realizará o seu verdadeiro batismo, submergido nas águas da morte, para ressurgir para uma nova vida, arrastando na sua sorte toda a humanidade.





 Mt 4

No quarto capítulo de Mateus está esboçada toda a obra da Redenção. Jesus, na potência do Espírito, desbarata as forças do Mal e, livre de qualquer escravidão de pecado, firma definitivamente a perfeita relação de dependência do homem diante do seu Criador. O velho Adão sucumbiu às tentações do demônio, arrastando, na sua sorte, toda a sua descendência. Jesus, novo Adão, na sua condição vitoriosa, dá origem à nova estirpe dos filhos de Deus. Se apresenta, dessa forma, na condição de Princípio de uma nova vida que é oferecida aos homens e de Modelo que os seus irmãos devem imitar para se libertar da condição de miséria em que se encontram por ter abraçado o materialismo, a superstição e pretendido uma total autonomia do seu Criador. Jesus pôde sair vitorioso do embate contra o Mal porque, como Pessoa divina, consubstancial ao Pai, é também consubstancial ao Espírito que é Santo. Os quarenta dias que passa no deserto resumem e renovam a consagração da sua vida vivida até então no silêncio de Nazaré, para que o povo de Deus que Ele, agora, representa diante do Pai, na condição de Filho, aprenda a viver a sua existência guiado pelo Espírito. De fato, é somente pelo Espírito que o homem, a imitação de Jesus, pode chegar a sentir fome de Deus. O discípulo de Jesus compreende que para estabelecer, para si, as condições de liberdade que levaram o seu Mestre até a glorificação, deve isolar-se do mundo, mergulhar nas coisas de Deus, guiado pelo Espírito, para chegar a desejar se nutrir, para sempre, das coisas de Deus: “Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Dt 8,3). Guiado pelo Espírito, o discípulo de Jesus compreende que a religião é uma atitude reverente de adoração diante do Criador, não uma condição privilegiada para manipular a sua onipotência de forma descabida. Enfim, o discípulo do Senhor compreende que não deve cair na tentação suprema do Mal, qual é aquela de fundamentar a sua vida unicamente nas suas forças. A maioria dos cristãos é vítima dessa terceira tentação do Mal. Não tendo-se preocupado em não ser do mundo, os valores materiais tornam-se os seus deuses. Esquece-se que eles não podem dar a vida. De fato eles cessam de nos valer quando não podemos mais alimentá-los. Compreende-se, então, que a religião que Jesus quer nos ensinar se fundamenta numa vida guiada pelo Espírito de Deus que nos conduz à Palavra para que dela nos nutramos; que a constante da vida de religião é a confiança em Deus, ditada pela consciência da nossa total dependência dele; e que, ensinados pela Palavra, devemos tornar Deus o único centro do nosso culto, sem a remota possibilidade de prestarmos nossa adoração a falsos ídolos.
A vitória sobre o mal, esboçada na apresentação das tentações no deserto, encontra o início do seu desdobramento histórico com o início da pregação de Jesus na Galileia. É a Luz que tanta alegria já trouxe aos pastores e aos corações dos magos, que agora ilumina os que jazem nas trevas e na sombra da morte para guiá-los no caminho da Paz (a vida da ressurreição). Traz alegria porque Jesus é o Reino dos Céus, na potência do Espírito, com todos os benefícios da divindade. Mateus contempla tudo isso à luz do Senhor ressuscitado. Vê que desde o início da vida histórica do Senhor estava presente a alegria que a Igreja experimenta, agora, para sempre, desde a Ressurreição do Senhor e observa que anunciá-la é função da Igreja, chamada a ser pescadora de homens (v. 19). João Batista é o profeta que anuncia Jesus, dele dizendo que é o Forte que batiza no Espírito; e sintetiza toda a obra do Messias, anunciando o julgamento final, que será de condenação para aqueles que não produzirem frutos de vida eterna.


 Mt  5-7

Depois da grandiosa apresentação da Pessoa do Senhor pelos primeiros quatro capítulos, em que Mateus sublinhou a condição divina de Jesus e mostrou o estrito relacionamento que o Messias-Salvador tem conosco, o Evangelista nos convida a escutar o que a Palavra encarnada, o Filho que o Pai consagrou e enviou, quer nos dizer como Sabedoria divina. Jesus se apresenta como o Mestre e Guia que interpreta a Lei de Deus para que, pela sua observância, entremos no Reino dos céus. A sua doutrina é tão importante que, ao concluir o seu Discurso da Montanha afirmará categoricamente que quem ouve essas suas palavras e as põe em prática é como quem construiu sobre a rocha....quem não as põe em prática é como quem construiu a sua casa sobre a areia que as ondas do mar e o vento facilmente destroem. Quem quer ser discípulo desse Mestre divino compreende que Jesus está propondo o Caminho da Vida. Ele é árduo, estreito, mas conduz à Vida. O discípulo sabe que deve renunciar ao caminho largo e espaçoso que leva à perdição. Animado pelo exemplo do seu Mestre que propõe o Caminho da Vida e da verdadeira realização, o discípulo quer se abrir às riquezas de Deus, não querendo apegar seu coração, na cupidez, que é uma idolatria, aos bens materiais; quer ser um homem manso e misericordioso, abandonando qualquer violência contra o próximo e praticando o perdão incondicional das ofensas, afligindo-se por causa dos seus pecados, pedindo a Deus, insistentemente, a pureza do coração para poder amar as coisas de Deus. O discípulo, enfim, quer ser o homem da Paz, como o foi Jesus, que, ao praticar as bem-aventuranças, na renúncia total a si mesmo, abraçando os valores verdadeiros da santidade, chegou à glória da Ressurreição, tornando-se fonte de paz para todos os seus irmãos. Além do mais, Jesus nos ensina que a verdadeira religião promove os sentimentos mais profundos do coração: o espírito de reconciliação, de castidade, de longanimidade, de caridade irrestrita. A religião que vive de expedientes que promovem a vaidade do homem é ridícula, inútil: de nada adiantam a esmola, o jejum e a oração se são feitos para se mostrar. A verdadeira religião é a que promove em nós a perfeição que está em Deus. Quando Jesus, em Mt 6,9 nos ensina o Pai nosso, está nos revelando os sentimentos do verdadeiro Bem-Aventurado. E ele quer que sejam os nossos sentimentos: o desejo que se restabeleça a ordem na criação e que toda a criação, lidada pelo homem, seja santa. Aliás, essa é a condição para que o Reino de Deus possa se tornar a preciosa herança do homem que, enquanto vive perturbado nas suas paixões e no egoísmo, não consegue dar valor ao Reino de Deus que é a condição gratuita e incondicional de Salvação que o Pai oferece em Cristo Jesus, na potência do Espírito. Quem quer ser bem-aventurado como Jesus, deve compreender que não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus. O pão do discípulo de Jesus é portanto a Palavra, o Verbo encarnado com os seus preceitos e a Eucaristia, sacramento do seu sacrifício. Enfim, para Jesus, a condição fundamental da bem-aventurança deve ser a nossa disposição ao perdão das ofensas. Se o discípulo não é capaz de perdoar receberá o castigo do devedor implacável (Mt 18,23-35), segundo a parábola que termina com essas palavras: “Eis como meu pai celeste agirá convosco, se cada um de vós não perdoar, de coração, ao seu irmão”.

   As bem-aventuranças
As Bem-Aventuranças são o caminho que Jesus, na condição de Mestre e Guia da sua Igreja, que o adora ressuscitado e glorificado, indica aos seus discípulos para que neles se realize o crescimento da criatura nova na qual foram transformados pelo Batismo. O próprio Jesus se propõe como modelo enquanto, por primeiro, pôs em prática as Bem-Aventuranças. Ele é por excelência o pobre, o manso, o aflito, aquele que tem sede de justiça, o misericordioso, o puro de coração, o próprio autor da paz. Viver os ideais das Bem-Aventuranças significa, portanto, alcançar a condição de perfeição à qual chegou a Humanidade do Verbo encarnado.
Quando Jesus nos exorta a viver a pobreza quer que sejamos os pobres de Iahweh. Depois do exílio de Babilônia (587-538 a.C.), o Resto de Israel depositava toda a sua confiança em Deus e considerava sua riqueza os valores espirituais que eram indicados pela Escritura, palavra que sai da boca de Deus e que nutre espiritualmente o homem: o Caminho. Era segundo os ditames do Espírito que procurava conduzir a sua vida, valorizando a piedade e as obras de justiça. O pobre de Iahweh é portanto aquele que conduzido pelo Espírito ambiciona as riquezas do Reino de Deus, sabendo quanto delas necessita e que somente Deus lhas pode conceder.
Com a segunda bem-aventurança Jesus propõe ao discípulo um segundo degrau para que se aproxime da perfeição que Deus dele exige. Aquele que descobriu pelo espírito de pobreza que somente Deus pode enriquecê-lo, deve dispor-se à imolação de si à semelhança de Cristo Jesus que, como manso cordeiro foi levado ao matadouro sem abrir a boca (Is 53,7). De fato a imolação é a condição ideal para que Deus possa processar no homem a glorificação da forma que a atuou em Jesus Cristo. São Paulo lembra que Jesus não somente se fez pobre como também foi obediente até a morte e morte de cruz. Por isso Deus o exaltou (Fl 2,6-11). Aliás, o discípulo que vive em espírito de pobreza é instruído pela Palavra que lhe ensina que é pela obediência e a oferta da própria vida a Deus que se realiza a condição da sua perfeição espiritual. Em Ef 4,2, Paulo ensina que a nova criatura suscitada pelo Deus Criador, deve revestir-se de humildade, mansidão e longanimidade.
A terceira bem-aventurança é mais um degrau que o discípulo de Jesus deve galgar para chegar à perfeição que o Guia e Mestre lhe revela na sua condição gloriosa de Ressuscitado. “Jesus, nos dias de sua vida mortal, ofereceu clamores e lágrimas Àquele que podia poupá-lo da morte e foi atendido pela sua piedade” (Hb 5,7). O discípulo que compreende os valores das primeiras duas bem-aventuranças encontra na terceira a coroação do seu espírito de pobre e do seu espírito de imolação porque compreende que lhe falta a posse definitiva do Reino. Aflito, nas suas orações pede insistentemente a Deus que o console com a posse definitiva da Vida eterna. São os sentimentos da Esposa de Cristo do Apocalipse que insistentemente reza com o Espírito: “Vem Senhor Jesus”(Ap 22,20). O discípulo tem mais um motivo para se afligir; é aquele sugerido pela necessidade da sua contínua purificação dos pecados no Sangue de Cristo (2Jo 1.3)
A quarta bem-aventurança deve ser lida em paralelo com a primeira porque explica o significado do pobre de Iahweh que, no Espírito, procura os valores de Deus. Ele tem sede e fome de justiça. Os ricos, os que têm a sua consolação sobre a terra, serão despedidos sem nada, enquanto os pobres que têm fome e sede da justificação que vem de Deus, dos valores de uma vida virtuosa e da verdade e justiça que devem vingar na sociedade humana, serão saciados (Lc 1,53). Nisso o discípulo deve acreditar e lutar até o fim porque Jesus viu o triunfo da justiça somente na hora da Cruz quando proclamava: “Vós que temeis a Iahweh, louvai-o!...Sim, pois ele não desprezou, não desdenhou a pobreza do pobre...louvarão a Iahweh aqueles que o buscam” (Sl 22, 24-27). Ele tinha começado dizendo: “Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste?” (Mt 27,46).
A quinta bem-aventurança, também, deve ser lida em paralelo com a segunda. O espírito de imolação deve ser acompanhado pelo espírito de perdão das ofensas, à semelhança de Cristo Jesus que foi misericordioso na sua paixão a ponto de rezar pelos seus inimigos. Não teria sentido oferecer a nossa vida em sacrifício a Deus, à imitação de Cristo manso e humilde, se nos revoltássemos e odiássemos os que nos perseguem. Cristo Jesus, no mesmo discurso da Montanha, do qual as Bem-Aventuranças são o começo, nos diz: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”(Mt 5,44).
A sexta bem-aventurança é a coroação da terceira. Aquele que se aflige por não ter ainda alcançado a condição definitiva de glorificação sabe que deve libertar-se de qualquer diafragma que lhe impeça de ver a Deus. Não somente detesta o pecado, como também se aflige ao lembrar os seus pecados e faz de tudo para se purificar das seqüelas deles, sabendo que lhe provocaram a morte e a atrofia espiritual. Essa bem-aventurança resume todos os aspectos da ascética cristã, enquanto apresenta toda sua mais alta motivação. Ela propicia a condição de ver a Deus. Puro de coração é o homem que, mediante a procura constante de Deus, consegue, à semelhança de Jesus Cristo, em tudo igual a nós exceto o pecado, manter a relação ideal com o seu Criador, sempre fazendo a sua vontade. Quando o homem não vive à altura a procura de Deus, logo se apresenta o diafragma da idolatria que leva à rebeldia. O homem pensa que pelo caminho da autonomia, escolhendo outras fontes de realização, fora de Deus, pode chegar à sua condição de divinização. Esquece-se que é criatura e que a sua realização se dá exatamente segundo as leis da sua natureza. É o pleno reconhecimento da sua dependência do Criador que lhe permite o pleno desenvolvimento (Cl 1,). O que promove esse desenvolvimento é a procura de Deus: a descoberta dos seus atributos que o levam à exaltação, à gratidão, a impetração.
                                                                                                                                 Jesus revela possuir pleno conhecimento de Deus porque chega a nos ditar as Bem-aventuranças que, por primeiro vive na sua existência humana.
                                                                                                                               O fiel encontra na Missa a condição ideal de viver a pureza de coração porque, por ela, pode contemplar a suprema manifestação da Caridade divina, reconhece na Palavra que se fez carne a Palavra criadora e a Sabedoria que instruiu o povo de Deus e que, enfim, se tornou visível em Jesus de Nazaré.

 A sétima bem-aventurança constitui-se na proclamação, por parte do próprio Cristo ressuscitado, de quem é o cristão que o acompanhou ao longo de todo o caminho das Bem-Aventuranças. O cristão que promove a paz é aquele que em tudo se associou a Cristo pobre, manso, aflito, justo, misericordioso, puro de coração e está vivendo a imolação de si. Pelo vínculo da paz conseguiu a unidade do Espírito (Ef 4,3). Tornou-se “filho de Deus”.  
  A oitava bem-aventurança é uma explicitação da sétima que, por sua vez, inclui todas as outras porque é a sublimação de toda a vida cristã. O cristão é chamado a seguir a Cristo no caminho da Cruz (Mt 7,13). Deve, portanto, estar pronto a enfrentar as perseguições que vêm do mundo. O mundo é a terrível manifestação do que somos antes de nos convertermos a Cristo. Não é para desanimar se o mundo nos persegue porque isto significaria acovardar-se diante das dificuldades de dar testemunho da Palavra e de Jesus Cristo (Ap 12,17), isto é, voltar a aceitar o que nós éramos antes de ser de Cristo. Isto nos excluiria do “livro da vida do Cordeiro imolado”(Ap 13,8).

5,1: Vendo ele as multidões:  Aquele que Mateus descreve subindo a Montanha e que sentado promulga a sua Lei é o Senhor da Igreja. Realiza em si o tipo que foi Moisés, o legislador que subiu a Montanha para se aproximar de Deus e Dele receber a Lei. Jesus é superior a Moisés porque não recebe a Lei e sim, de autoridade (sentado) a promulga.
5,1: subiu ao monte: é em comunhão com Deus que Jesus, como Guia, de autoridade divina (Mt 23,10), dita o verdadeiro caminho da santificação. Por si, monte significa potência. Jesus, em comunhão com o Santo, na condição de Rei e Pastor, com as suas leis conduz o seu povo pelos caminhos da santidade (Sl 99,9).
5,1: ao sentar-se: é um gesto simbólico pelo qual Mateus quer apontar para a atitude de Mestre e Guia que Jesus está assumindo ao proclamar a sua Lei. “Os escribas e fariseus estão sentados na cátedra de Moisés” (Mt 23,2). Jesus agora simplesmente senta como Autoridade legisladora e como Sabedoria divina que, sentada no trono da Divindade, ensina com autoridade.
5,1: aproximaram-se dele os seus discípulos: são os que já descobriram a condição messiânica de Jesus e que estão sequiosos em aprender sempre mais as sua doutrina para podê-lo seguir sempre mais fielmente.
5,2: E pôs-se a falar: para Jesus o ensinamento, a pregação do Reino é a coisa mais importante. Aliás, ele mesmo o diz: “pois foi para isso que eu vim” (Mc 1,38).
5,2: e os ensinava: Jesus não somente anunciou a sua doutrina. Aos discípulos ele a transmitiu utilizando uma técnica de ensino que permitiu aos discípulos entendê-la perfeitamente e memorizá-la totalmente.

5,2: dizendo: dá para sentir, nesse pleonasmo, a forma literária de um hebreu: ‘vaiazzav...lemor’.
5,3: Bem-aventurados: As bem-aventuranças devem ser lidas em formas paralelas. Para isso nos alerta Lc 6,20-26. Temos assim a 1a relacionada à quarta:
Bem aventurados os pobres em espírito,
porque deles é o Reino dos Céus (Mt 5,3).
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,
porque serão saciados (5,6).

 A 2a está relacionada à 5a:
Bem-aventurados os aflitos,
porque serão consolados (5,5)
Bem-aventurados os misericordiosos,
 porque alcançarão misericórdia (5,7)

A 3ª está relacionada à 6ª:
Bem-aventurados os mansos
porque herdarão a terra (5,4)
Bem-aventurados os puros de coração,
porque verão a Deus (5,8)

A 7a bem-aventurança se refere a Cristo ressuscitado, autor da paz (Jo 20,19)
Bem-aventurados os que promovem a paz,
porque serão chamados filhos de Deus
É a plenitude da bem-aventurança, que é alcançada pela implementação das outras seis. Elas levam a aceitar as provações que, a semelhança de Cristo Jesus, tornam os seus discípulos autores da paz. Tendo sido fiéis até à morte no testemunho de Cristo, serão considerados filhos pelo Pai: “O vencedor receberá esta herança, e eu serei seu Deus e ele será meu filho”(Ap 21,7; cf Hb 10).
A 8a bem-aventurança é dirigida à Igreja perseguida. Assume toda a sua significação à luz das primeiras sete. Literariamente, constitui-se como inclusão em pandant com a 1a.
A 9a bem-aventurança é a explicitação do sentido exato da vida cristã que encontra na rejeição sofrida do mundo a condição de assemelhar a sua vida à de Cristo que foi rejeitado.
As bem-aventuranças são, assim, o caminho pelo qual o Cristo Jesus quer que os seus discípulos andem para que se tornem, em tudo, semelhantes a Ele.
O pobre, para Jesus, é o “pobre de Javé” segundo Sf 2,3: “Procurai a Javé vós todos os pobres da terra, que realizais a sua ordem. Procurai a justiça, procurai a pobreza: talvez sejais protegidos no dia da ira de Javé”.  O homem que vê na justificação que vem de Deus a verdadeira riqueza, chegando a considerar as riquezas materiais um nada, consegue ser contemplado por Deus como herdeiro do Reino dos Céus.  Trata-se da "tapeinofrosüne" (gr.: Ef 4,2) (a consciência da nossa pobreza diante de Deus que só pode ser enriquecida com o seus dons). O Caminho é a Palavra escutada que, enquanto revela os valores novos, transforma, em virtude do Espírito santificador que ela carrega. É, afinal, o Espírito que o Verbo encarnado mereceu com a sua imolação na Cruz.
O texto paralelo do AT é o Sl 37. “Para a Bíblia, o ‘POBRE’ é a expressão do despojamento total, da ausência de interesses pessoais e egoístas, além da pobreza que traz aflição e carência de bens materiais. ‘POBRE’ é sinônimo de HUMILDE, MODESTO, INOCENTE, TRANQUILO, SUAVE, MANSO, BOM, PIEDOSO, JUSTO, SANTO, PERFEITO, ÍNTEGRO.
"O Sl 37 é o retrato falado do Pobre, com uma longa série de sinônimos. Ali ele é representado em todas as situações possíveis. E para efeito de contraste, o mesmo salmo apresenta o seu oposto, o Retrato do Ímpio” ( Palavra, Parábola - Rômulo Cândido de Souza - Ed Santuário 1990)

O aflito é o discípulo que se angustia diante da sua miséria e dos seus pecados e pede a Deus que o purifique para que possa um dia vê-Lo, face a face.
 O manso é o fiel que escuta o seu mestre quando diz: Vinde a mim todos vós que estais fatigados e eu vos consolarei porque sou manso e humilde de coração. É aquele que reconhece na imolação a condição da sua perfeição (2Cor 1,5-7).
Em paralelo com o humilde está aquele que tem fome e sede de justiça. O fiel vê na justiça que Jesus nos alcançou a grande riqueza que vem de Deus.
O puro de coração é aquele que seguindo a Cristo na sua Paixão se purifica de todo diafragma que o impeça de ver a Deus.

Sal da terra e luz do mundo (Mt 5, 13-16).Jesus, nosso Mestre, depois de ter apresentado em si o Modelo das bem-aventuranças, agora nos exorta a imitá-lo porque os seus discípulos têm sentido de ser enquanto são os que dão continuidade à sua obra. Eles devem tornar a sua vida um sacrifício agradável a Deus, como carne bem salgada que exala um suave perfume quando queimada sobre o altar. As bem-aventuranças são o caminho para a realização desse sacrifício. A sua implementação é duplamente positiva: 1º. porque produz a plena realização da nossa semelhança com Jesus; 2º. porque consegue nos tornar fermento no mundo. É vendo as boas obras do cristão que os outros chegam a glorificar o Pai que está nos céus. Ser luz do mundo é a mesma coisa que ser sal da terra, acentuada, contudo, a nossa função profética, à semelhança de Jesus que, enquanto se encaminha para a cruz, para ser sal da terra, anuncia o Evangelho com credibilidade, porque a santidade da sua vida dá suporte à sua pregação.

Mt 5,13-16                                                                                        5o D TC A

Em Mt 13 Jesus compara o Reino dos Céus, que os seus discípulos são chamados a anunciar, a um mundo transformado por um fermento em que os seus discípulos são chamados a se transformar. Prova da sua eficácia será a glória que os homens prestarão a Deus Pai "que está nos Céus". Deste, o Nome será, então,"santificado". Como traduzir na prática aquilo que proclamamos com a primeira invocação do "Pai nosso"?  A resposta é: "Com um comportamento que nos glorifica". Is 58 no-lo descreve. De fato, a civilização cristã, já estabeleceu no mundo esta condição. Importa ser mantida. Isto, somente é possível quando os governantes estão imbuídos de espírito cristão. Na medida em que esse espírito é deixado de lado, o mundo acaba sendo novamente dominado pelo Maligno. O ateísmo ameaça frontalmente a ordem social da civilização cristã. A princípio, portanto, não podemos compactuar com as ideologias da social democracia leninista. Outra grave ameaça está na idolatria do ouro, porque dá origem  à mais perniciosa ladroagem que traz desordem social, que perpetua a  distribuição de renda e a falta de recursos na saúde, na educação, na habitação. O ponto de partida é a volta do cristão em santificar o dia do Senhor para entrar na política com a força do espírito cristão.            

A perfeição da Lei e dos Profetas (Mt 5,17-19).
5,17 Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas. Jesus vem cumprir a Lei e os Profetas (Dt 9,7-21.25-29). O quadro da Transfiguração o mostra: Moisés e Elias conversam com Jesus sobre a sua Morte. Além disso, Jesus leva à perfeição a Lei e os Profetas enquanto, com a sua Morte realiza a suprema manifestação do Amor de Deus. Ao praticar e ensinar com o seu exemplo a cumprir a Lei em toda a sua perfeição, revela ser o menor que se torna o Grande no Reino dos Céus. Se a circuncisão e as prescrições legais caducam é porque o Batismo e as leis de Cristo as substituem, superando-as plenamente. Os mandamentos permanecem, mas Cristo os leva à perfeição. Cessa, portanto, o tempo do regime da Lei, em si, boa, e dos preceitos, em si justos e santos (Rm 7,12), e começa o tempo da Nova Aliança. Não é mais a observância da Lei a condição da fidelidade de Deus, e sim o sacrifício do qual Jesus foi capaz. Ele cancela as culpas que se multiplicaram, diante da Lei que os homens não conseguiam observar. Leva a Lei à sua perfeição, em si mesmo, e se torna Princípio de santificação para todos os que se purificam, guardam os seus mandamentos, amam os irmãos. A Palavra que tem o Espírito, deve nos nutrir (Cl 3,16). Permanecendo em nós, nos faz permanecer em Deus, e nos torna vencedores do Maligno (1Jo 2,14c).
     Ninguém é Guia e Mestre mais seguro, quanto à interpretação da Lei, do que o seu Cristo [o próprio Deus que nos fala na Pessoa de Jesus, o Filho (Hb 1,1)], que se apresenta na condição de Filho do Homem (9,35). O Espírito Santo, que é o seu Espírito, dele já falou pelos Profetas (2Pd 1,20). O “Unigênito Deus”, ao se revelar, na condição de Palavra-Vida (1Jo 1,2), dela nos deu a explicação. Dela dá cumprimento ao realizar a salvação anunciada (que é redenção da humanidade na condição de Descendência e Servo de Iahweh) e ilustra a sua perfeição, dela  tornando-se Modelo e Princípio. É importante a observância de todos os mandamentos, o que é possível quando a Lei é vivida segundo o espírito da Palavra. A procura exacerbada da irrepreensibilidade quanto à letra cria distorções que levam à vaidade ou à hipocrisia, qual a de impor fardos sem tocá-los com um dedo (Mt 23). Tg 2,12-13 fala de misericórdia (é o ensinamento do Pai nosso que Lc 6,36s explica).
Inspirados pela grandeza do Desígnio divino (Ef 1,3-14) e pelo Modelo que é Jesus, assumimos a sua mensagem [palavras com o Espírito sem medida (Jo 3,34; 6,63)] e celebramos a Redenção que nos comunica a graça que o Filho do Homem, traído, nos mereceu (Mt 26,24) (Jo 6,53-58).

A nova justiça (5,20-48)  .
5,20 O versículo está ligado à perícope anterior (5,17-19). Entra no Reino dos céus aquele que vive a justiça que somente pode ser alcançada pela prática da Lei. Os escribas e fariseus, de fato, não praticavam a Lei (Jo 7). Lhes faltvam viver segundo o Espírito da Lei. A conheciam, impunham fardos pesados, mas não os tocavam com um dedo. Tinham-na tornado “preceitos humanos”. Não viam que o termo da Lei era o Cristo (Rm 10). Pela Lei, alcançariam a justificação pela fé em Cristo. Sem ter em si a verdadeira motivação, pelo conhecimento da Lei, procuravam somente a sua gloria. Não tinham em si o amor de Deus (Jo 5). Eram hipócritas porque ostentavam uma irrepreensibilidade legalista, pagando até o dizimo do cominho, do dendro e da hortelã, esquecidos da justiça, da misericórdia e da fidelidade (Mt 23). Por não querer abdicar à sua condição social, que se manifestava em filactérias e franjas, em quere ser chamados de mestres e guias, em procurar os primeiros lugares nos banquetes, opunham uma dura resistência ao ensinamento de Jesus que chegava a apelar e se manifestava no insulto, enquanto cultivava o ódio e a vontade de matá-lo.
Jesus, então ensina qual é a maneira de viver segundo a Lei. Ela é boa, justa e santa. Os mandamentos eram um código moral sapientíssimo. Quando observado dava glória a Deus. Para levar à perfeição a sua observância, Jesus o interpreta para levá-lo à perfeição. Quem o escuta e põe em prática a sua doutrina chegará a viver a perfeição da caridade qual ele demonstrou alcançar vivendo os ideais das Bem-aventuranças.
Mateus, em seguida, nos apresenta umas amostras da interpretação que Jesus dá da Lei.
5,21 O 5º mandamento tem sua perfeita observância quando praticamos o amor ao próximo evitando ceder à ira que, inicialmente leva à ofensa, ao insulto e ao desprezo. A admoestação é dada mediante uma imagem que apela ao templo com os seus sacrifícios e o seu altar (Essa tipificação corrobora a tese de que Mateus foi escrito depois de breve tempo da morte de Cristo e dirigido a pessoas ligadas à tradições da religião hebraica).  A ofensa impede que Deus se agrada com oferta apresentada sobre o altar do templo. Torna-se necessária a reconciliação
 A virtude de religião exige, para que a oferta ao Senhor provoque uma justificação por parte de Deus, que quem oferece algo a Deus esteja em paz com o seu irmão. Se nele está a ira, o ressentimento ou, pior, o desprezo, nele já não está o amor de Deus. Ainda não é um pecado que leve à morte. É contudo, algo de que devemos nos purificar (1Jo 3).
5,27 Da mesma forma, segundo o espírito da Lei, para evitar o adultério, deve ser praticada a mortificação.
5,31     A lembrança da indissolubilidade do matrimônio é um apêndice.
5,33     Se é condição de morte o falso testemunho nos tribunais, esse mandamento, interpretado segundo o Espírito, sugere que devemos sempre falar com sinceridade.
5,38    A lei do talhão tem, em Cristo, uma superação que nos surpreende e acaba revelando que a Lei é o caminho que Deus dita ao homem em vista da sua realização. Entendida no seu espírito, da forma que Jesus ensina, é o caminho que Deus, o criador que ama a sua criatura, dita para que seja perfeito, santo, como ele é santo


O amor aos inimigos (Mt 5, 38-48). Jesus não quer somente a superação de si para que, corrigindo distorções morais, nos posicionemos corretamente diante de Deus, mas para que, também, sejamos capazes de atos de virtude na paciência, generosidade e longanimidade (nisso Ele se revelará nosso Modelo na paixão). Quem chega a esse estágio será capaz de compreender o que é grandeza moral, aquela que nos leva a perdoar os inimigos, começando pela oração em favor deles: “como nós perdoamos aos nossos devedores”. A oração é a única forma para converter o nosso coração e o coração do nosso inimigo. Isto é uma grande conquista que realmente nos faz crescer. A vingança só provocaria desgaste em nós e maior ódio no inimigo que, então, teria motivo maior para nos odiar. Mas o perdão revela-se verdadeira grandeza por um segundo motivo, qual é aquele de nos tornar, de fato,  “filhos do Pai que está nos céus” (v.45). O amor não faz distinção de pessoas, quer o bem de toda criatura. Um terceiro motivo deveria nos induzir a perdoar os nossos inimigos: é para evitarmos de ver aplicado o mesmo rigor para conosco por parte de Deus, como ensina a parábola do servo iníquo (Mt  18,23-35). Na perspectiva de Jesus, quem sabe perdoar chega a ser perfeito como o Pai que está nos céus. Assistimos a uma escalada de virtudes que parte do necessário despojamento de si, para sermos enriquecidos pelas grandezas divinas; que passa pela interiorização da religião; que chega à prática das mais altas virtudes morais até o amor aos inimigos. E Jesus afirma: somente quem for capaz de praticar tudo isso entrará no Reino dos Céus.

Mt 6
6, 9-13 Jesus ensina a rezar e se torna o mediador da própria oração.
O Pai nosso deve ser interpretado dentro do contexto de todo o discurso da Montanha. Somos chamados a viver como filhos do mesmo Pai, junto com Jesus, e a sermos os que dão continuidade à sua obra. Devemos procurar a recompensa que o Pai quer nos dar quando damos esmola, rezamos e jejuamos. As nossas boas obras devem brilhar para que o Pai seja glorificado (cf. Jo 14,13).
Pai nosso - O seu sentido está nas palavras que o Senhor ressuscitado dirige à Madalena, figura da Igreja na qual o Senhor é agora o Primogênito dos mortos: “Não me retenhas, ainda não subi ao meu Pai e vosso Pai, ao meu Deus e vosso Deus”. Jesus, não obstante a sua condição gloriosa não abdicou à condição de ser um da estirpe dos homens; o seu Deus é o nosso Deus. Mas, agora, é também o nosso Pai, pela complacência que sente em favor do seu Filho.
Santificado seja o teu nome - Nm 20,12 nos diz que a santidade é a manifestação da Glória de Iahweh quando opera prodígios (no caso, o da água que sai do rochedo: naquele momento Deus revela a sua santidade). Ez 26,23 diz que a santidade de Deus se revela na volta de Babilônia. Is 29,23 fala da louvação que os santificados elevam a Deus agradecidos pelos prodígios que operou em favor deles. Deus, portanto, santifica o seu Nome quando opera prodígios, maxime quando realiza a obra da salvação, segundo o seu Plano de tornar todos os homens conformes à imagem do seu Filho). Santificam o Nome de Deus os homens, enquanto reconhecem o benefícios com que Deus os favoreceu e os promovem em si.
Reino - é a participação da Glória: “Vinde benditos do meu Pai, possui o reino. É o que mais Jesus deseja para os seus que ama e pelos quais reza: “Pai, quero que aqueles que tu me deste estejam comigo e tenham a mesma glória que possuo desde antes a criação do mundo” (Jo 17,24). Contra o domínio do Mal avança o Cristo Crucificado, a virtude, o conhecimento pelo Espírito da Verdade, a condição moral nova das bem-aventuranças. As parábolas ilustram o valor do Reino: é a Palavra comunicada pelo alimento pascal (Jo 6), as Núpcias do Rei.
Vontade - Jesus reza para que os seus sejam obedientes e se imolem como ele (Jo 8,28). Cumprida a vontade de Deus por aqueles que seguem a Cristo carregando a sua Cruz, eles realizam a Reino na terra e o possuem no Céu.
O Pão - É a Palavra que sai da boca de Deus. É Cristo, Aquele que desce do céu e dá a vida ao mundo. É a sua carne dada para a vida do mundo.
Perdão - Jesus, mediador da nossa oração, pede perdão em nosso favor, para que sejamos sempre mais purificados. Condição é a de amarmos os nossos irmãos perdoando as ofensas.
Tentação - O desânimo diante de uma realidade que não se revela poderia fazer-nos voltar ao mundo com as suas concupiscências.
6,19-21 Os bens materiais são uma condição valiosa para adquirir tesouros no céu. A escravidão às riquezas priva da posse do céu.
6,22-23 O nosso ser alcança as condições de "ver e conhecer Deus", quando nele tudo é luz (1Jo 3,6). Quando somos seduzidos pelas concupiscências, que cultivamos pela cupidez, estimulada pelo olhar, todo o nosso ser é envolvido pelas trevas. Temos que vencer o mundo combatendo "a concupiscência  da carne, a concupiscência dos olhos e o orgulho da riqueza" (1Jo 2,16) para que permaneça em nós "o amor do Pai" (2,15).
6,24-34 Deus e o dinheiro. Deus sempre atende a criatura que o a ama (1Jo 3,21-22). A confiança supõe a aceitação da forma de vida que vivo (Hb 13,5-6). A preocupação com o Reino de Deus e com a justificação que ele traz, propicia uma riqueza imensa para no nosso espírito. Deus, que quer que este seja estabelecido, é capaz de dar saúde e tudo de que precisam aos que cooperam, respondendo ao seu chamado.

Reflexão
            O ensinamento desta perícope está, necessariamente, ligado  à sentença de Mt 6,19, abertura de todo o discurso sobre o Reino. O sentido do ensinamento de todo o discurso pode ser encontrado no que nos diz Hb 13,5: “Que vossa conduta não seja inspirada pelo amor ao dinheiro. Contentai-vos com o que tendes, porque ele próprio disse: “Eu nunca te deixarei, jamais te abandonarei”.  O fiel acaba se prejudicando espiritualmente quando, não obstante possa viver uma vida tranquila, ainda se  preocupa (v.25) com os bens materiais. Estamos, portanto,diante de uma sequência de sentenças proverbiais, que querem nos levar a refletir sobre aquilo que custamos entender.
            O Reino de Deus é um valor que nunca conseguiremos apreciar à altura, enquanto para Jesus era o máximo daquilo que Deus está querendo dar aos homens.
            Para isto, temos que renovar as nossas mentes e captar a emoção de Jesus quando exclama: “Felizes vossos olhos porque veem e vossos ouvidos porque ouvem” (Mt 13,16). Estamos vendo a humanidade levada por Cristo Jesus ao máximo da sua glorificação. Estamos sabendo que, pela sua imolação Jesus se tornou princípio da nossa divinização. Como podemos nos descuidar dos valores eternos com os quais podemos nos revestir, porque queremos ainda nos preocupar, além do necessário, com a nossa segurança material?
Garante-se melhor aquele que, porque confia em Deus, se preocupa pelo Reino de Deus, uma vez que o próprio Jesus nos diz que o nosso Pai que está nos céus será a nossa providência, seja quanto ao nosso sustento como quanto à nossa vida. 

Mt 7
7,1-5.  Não julgar. O julgamento pertence somente a Deus. Ele conhece a pessoa porque dela é o Criador. E, porque a ama, o seu julgamento é sempre misericordioso. Nós não conhecemos o outro; por isso não podemos julgar. Talvez, o nosso julgamento nasça de insatisfação com o defeito em si. Lamentamos que somos tão imperfeitos. De fato, a imperfeição do outro sinaliza a nossa que dá origem a manifestações diferenciadas. Somos um material refratário. Por isso, paciência com os outros e consigo. E vamos nos dirigir a Deus para que nos molde. Matéria informe que mal saiu do anonimato da vida animal, ainda é barro, destinado a voltar ao pó e que somente Deus, com seu poder criador pode plasmar. Quando estivermos livres das graves imperfeições que nos dominam, então teremos sentimentos de misericórdia, compaixão porque nos lembraremos de quanto Deus foi misericordioso para conosco. A Mt. 1-5 corresponde Mt 18, 23-25: devo mil talentos. Não posso ser inflexível com os irmãos. Com a medida com que os medirmos, seremos medidos. O julgamento misericordioso é o mais correto porque tem em si o amor e o reconhecimento de que nós também precisamos de misericórdia.
Temos que lembrar que o cisco no olho do irmão nem se compara com a trave que está no nosso. O cisco é a ponta do iceberg da nossa imensa imperfeição, refletida no olho do irmão. A nossa vontade de tirar o cisco do olho do irmão somente será eficaz quando tivermos tirados a trave do nosso olho, porque então procederemos com sincero desejo de caridade com o irmão.
7,6 Quem despreza os valores da religião não merece atenção. Ele vai desprezar, também, os valores que queremos a ele oferecer. Chegam até a se revoltar. É uma conclusão à qual Jesus chegou ao lidar com as autoridades religiosas do seu tempo.  Paulo teve que parar de pregar aos judeus: só havia rejeição e revolta. Os judeus são chamados “inimigos de Cristo”.
7,7-11 A promessa que Jesus faz nessa sua exortação é para aqueles que vivendo o seu seguimento na purificação dos pecados e na observância dos mandamentos que os torna capazes de amar o próximo (1Jo3,21-22).
7,12 Jesus resume o maior dos mandamentos (22,34-40). A amor ao próximo é a manifestação da vida eterna que está em que ama a Deus, enquanto guarda o que a Lei e os Profetas ensinam. A ajuda necessária é um grande alívio. Quando a oferecemos, vivemos a caridade de Deus.
             Reflexão
19/02/2016
Mt 7,7-12 tem em Lc 11,9-13 o seu texto paralelo, que especifica quais são as “coisas boas” que, certamente,  o Pai do céu não nega a quem lhas pede. Trata-se do dom do Espírito que, no seu poder, realizará em nós o Reino. Os valores do Reino são as riquezas que os discípulos de Jesus devem ambicionar. Elas são certamente mais importantes das graças materiais das quais poderíamos estar precisando e que, certamente, quando pedidas pelos seus servos fieis, Deus não nega.
Entendemos que Jesus, ao nos exortar a “pedir” e a “bater na porta” está se referindo aos valores do Reino quando nos lembramos da oração do “Pai nosso” ditada por Jesus aos discípulos que lhe pediam que lhes ensinasse a rezar (texto que nos foi lembrado na 3ª feira desta primeira semana da Quaresma).
Temos, também, um outro texto, qual é aquele do 1º Domingo da Quaresma, que nos orienta a interpretar as “coisas boas” como o dom do Espírito e as riquezas do Reino. Trata-se das narrativas das tentações de Cristo. Ao diabo, Jesus responde: “Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”. Jesus, portanto, tendo se enriquecido da “palavra de Deus”, ao longo dos quarenta dias no deserto, chegou ao pleno amadurecimento de querer se alimentar com o cumprimento da vontade do Pai. Disto temos a explicação na resposta que dá aos discípulos no momento em que o convidam a se alimentar: “O meu alimento é fazer a vontade do Pai que me enviou e consumar a sua obra” (Jo 4,34).
O versículo final do evangelho de hoje, que, por sua vez está relacionado com Lv 19,18, texto que lemos na 2ª feira desta primeira semana da Quaresma, define qual deva ser o caminho que devemos percorrer para que o Espírito possa agir em nós: amar o próximo com a si mesmo. Trata-se de uma atitude de amor construído em nós segundo todas as implicações ditadas pela primeira carta de são João, que desde o início apresenta a pessoa de Jesus como modelo. Devemos “andar como ele andou” (1Jo 2,6).

Quando unimos os dois compromissos, quais aqueles de 1º) nos nutrirmos da Palavra de Deus e 2º) amarmos os irmãos, estamos realizando o programa da Quaresma, sintetizado na oração inicial do 1º Domingo da Quaresma: crescer no conhecimento de Jesus Cristo para correspondermos ao seu amor.

7,13 O chamado de Deus é universal. A resposta que determina a salvação ou a condenação é individual.
7,14 Enquanto utiliza os termos “caminho” e “vida”, Jesus está se apresentando como o Modelo. Quem quer segui-lo tem que carregar a sua cruz. Somente o caminho da imolação que conduz à Vida. ( Jo 14).
A porta estreita são os mandamentos de Cristo. Não são pesados porque nos fazem vencer o mundo com suas concupiscências. Difícil é se convencer disso. Não entendemos o valor daquilo que adquirimos: a Vida eterna; os mandamentos implementados nos fazem perfeitos como o Pai, à semelhança de Cristo. Vencemos o mundo enquanto conhecemos o Pai e o Filho; vivemos a Palavra; o testemunho do Espírito está em nós; esperamos a manifestação dos filhos de Deus.
7,15-20. Estamos diante de uma advertência profética cuja gravidade está patenteada em 1Jo 2,18-28. O falso profeta é aquele que vai além do ensinamento apostólico, sem ter em si o testemunho de Deus. Trata-se de um testemunho humano (4,1-6; 5, ).
. São uma preocupação para João que escreve denunciando os anticristos. É de Cristo quem adere à pregação dos Apóstolos e se atém ao testemunho do Espírito que neles despontou. Cultivado pelo fiel, produz toda a ciência que dispensa quem os ensine (1Jo 2,).
7, 21-28.
21. Senhor, Senhor. Palavra que refletem uma catequese a uma comunidade cristã que crê em Jesus manifestado Senhor pela sua glorificação.
Reino. Uma realidade que está presente (a Palavra vencedora sobre o Maligno, a remissão dos pecados, a vida divina comunicada no Batismo, o selo do Espírito para a ressurreição na carne), cuja manifestação gloriosa deve ser merecida pela implementação dos mandamentos que Jesus dita em nome do Pai. Eles não são pesados, ditam os exercícios espirituais para manter a liberdade do espírito do mal.
22. Profetizar (= anunciar a Palavra), exorcizar (= vencer o Maligno), fazer milagres (= mostar os sinais do Reino) não dão direito, por si, ao prêmio eterno. São carismas em prol da comunidade.
23. Praticar as palavras do Pai (Jo 12, )
24. Torna inabalável a sua casa que resiste às tentações das concupiscências.
25. A provação é contínua e exige o exercício da purificação no Sangue de Cristo (1Jo 1, ; 3,).
26. Constrói sobre a areia aquele que não pratica a Palavra que se apresenta como Mestre, Modelo e Princípio.
27. Chuvas, enchentes ventos preparam a derrocada final.
28. A escuta extasiada de Jesus se refere ao espírito da Lei que ele soube mostrar. A Lei deixava de ser um jugo e tornava-se um caminho de realização. Os ouvintes de Mateus, além disso, podiam ver como as Bem-Aventuranças tinham no próprio Jesus um Modelo.

Conclusão
7,29 O discurso da Montanha conclui-se com uma observação de Mateus que reflete a atitude de Jesus em relação aos escribas e fariseus. A novidade da pregação de Jesus está na convicção com que ele fala. Ela abre o espírito dos ouvintes que, afinal respiram uma explicação da Lei que lhes dá vida. Os escribas e fariseus, na sua hipocrisia, somente impunham preceitos, um fardo pesado que eles nem sequer tocavam com um dedo. 

Mt 8-9
Depois da figura do Legislador (Mt 5-7), Mateus quer nos apresentar Jesus no seu poder taumatúrgico. A potência do Rei-Ungido (o Messias) se manifesta, agora, por sinais de cura (Mt 8,1-17), de domínio sobre a natureza (8, 23-27) e de superioridade sobre o Mal (8,28-34).
Mt 8,1-4                                                                     6a feira 12a semana TC 
         Reflexão                                                                                   
     O leproso que se "aproxima" representa o discípulo que, após ter ouvido os ensinamentos do Mestre, quer ser curado. A cura implica a cooperação necessária para que Jesus possa agir, segundo o seu poder divino. Esta intuição é comprovada pela cura do cego, após o terceiro anúncio que Jesus faz da sua Morte.
Mt 8,5-13 Mensagem clara da universalidade da salvação
Mt 8,14-17 As curas apontam para a figura do Servo de Iahweh que Jesus realiza em si.
Mt 8,18-22 Desta vez, a pessoa que se "aproxima" de Jesus é um escriba. A resposta é de cunho proverbial e implica todas as exigências do discurso da Montanha. Nicodemos é a sua tipificação. Enquanto o fracasso das multidões será causado pelo despreparo quanto à compreensão, a hostilidade dos escribas e fariseus será fruto da "falta do amor de Deus e da procura da sua própria glória" (Jo 5,42.44). A segunda frase proverbial de Jesus quer sublinhar os valores incomensuráveis do seguimento de Cristo que o discípulo deve começar a apreciar, para que não fracasse como o jovem rico. Lc 9,51-62 junta estes ensinamentos à luz de Jesus que empreende o seu caminho para Jerusalém, onde será entregue à morte. 
Mt 8,23-27 A tempestade apaziguada faz parte de uma série de gestos da vida de Jesus que, todavia, adquiriram uma particular condição catequética com a pregação dos Apóstolos, enquanto relacionados à figura de Jesus que ensina de autoridade divina.
Quando relacionamos o evangelho de Mateus àquele de Marcos, vemos que podemos usufruir da forma solene pela qual Marcos apresenta Jesus para melhor entender os sinais que Jesus apresenta da sua pessoa, que ele apresenta logo após o discurso da Montanha.
O Jesus que o leproso chama com o termo "Senhor" é aquele que cura, o "Anjo da Aliança, o Sol de justiça que tem a cura em suas asas" (Ml 3,1.22).
O Jesus que cura o servo do centurião revela a universalidde do reino que veio estabelecer, fundamentado na conversão de quem está aberto ao seu anúncio, no fim dos tempos.
As cura sem fim, na tarde daquele dia, apontam explicitamente, através da citação de Isaias, à condição de Jesus como Servo de Iahweh.
Os ensinamentos de Jesus ao escrba que quer segui-lo e do discípulo que quer segui-lo, apontam ao intuito catequético dos episódios que são narrados.
A tempestade acalmada ao longo da travessia, fato que não impede de ser real, coroa a sequência dos episódios de Mt 8. A sua índole particularmente catequética será explorada quando o episódio será utilizado para completar a catequese sobre a Eucaristia: à sua Igreja, ameaçada pelo mar revolto, Jesus revela a sua condição divina,  para que ela compreenda, pelo memorial da sua morte, o sentido verdadeiro do seu reino.

Mt 8,28-34  A cura dos endemoniados
Estamos diante de uma evolução da catequese de Mateus. O Evangelho da Infância (Mt 1-2) é uma reflexão aprofundada sobre o Senhor ressuscitado. O Batismo e as Tentações no deserto são a apresentação de Jesus na condição de Messias (Mt 3-4). O discurso da Montanha é o primeiro dos seis discursos que pautam o evangelho de Mateus (Mt 5-7). Com o oitavo capítulo, Mateus começa a descrever a atividade messiânica. Fala das curas que Jesus realizou, sinais da sua messianidade, relacionando Jesus, particularmente, a Isaias. A cura dos endemoniados, todavia, não é um simples sinal da sua messianidade, é um ensinamento catequético de Mateus à sua comunidade sobre a específica missão que Jesus veio realizar, na condição de enviado do Pai.  Para isso, utiliza a dramatização como gênero literário. Há um suposto diálogo entre Jesus e os demônios. A manada que se lança ao mar é um gesto profético que ilustra a eficácia devastadora de Jesus em relação ao “Príncipe desse mundo que nada pode contra ele” (Jo 14,30).
No diálogo notamos que é mencionado o tempo da ação definitiva de Jesus em relação ao demônio, e que é exatamente o tempo da a imolação de Cruz de Jesus. A dramatização serve para ilustrar a importância da ação definitiva , da qual a cura dos dois endemoniados é uma antecipação.
Para ainda mais se convencer que não se trata de um simples milagre, sinal da messianidade de Jesus, é bom advertir que ele está estritamente ligado ao gesto de Jesus que acalma a tempestade no momento da travessia do mar, gesto que leva os Apóstolos a se perguntar: “Quem é este a quem até os ventos e o mar obedecem?” (8,27).
 Na intenção de Jesus, esses gestos extraordinários querem ser simplesmente sinais, uma antecipação daquilo que realizará com o seu sacrifício de Cruz, porque o seu poder divino visa à cura do homem da morte causada pelo pecado que deturpou totalmente a imagem de Deus plasmada nele pelo sopro do Deus criador (Gn 1,26; 2,7). É por isso que Jesus proclama o perdão dos pecados ao paralítico que lhe é trazido (9,2). É o Deus Criador que aplica toda a sua potência divina sobre o homem para que recupere a verdadeira vida. 

Mt 8,28-34                                                          4a feira 13a Semana TC                                                                         
                                                                                                    Reflexão
      Estamos diante da conclusão de Mt 8 que, por si, é um apêndice  do discurso da Montanha. O exorcismo apresentado, integra o tema da universalidade da salvação apresentado com o quadro da cura do servo do centurião (8,5-13). A doutrina aqui exposta está relacionada ao tema do Reino apresentado no querigma (1,15). Jesus estabelece uma condição de liberdade, segundo Gn 3,15, que o discurso das parábolas complementará. O Reino é aquilo que Jesus opera em favor de nós, seus irmãos, no poder do Espírito de Deus (Cl 1,12-14).



Os escribas, entendidos na Lei, captam logo a gravidade do pronunciamento de Jesus e acabam nos confessando a divindade de Jesus ao afirmar: “Ele blasfema! Quem pode perdoar os pecados a não ser o Deus único?” (Mc 2,5). A cura do paralítico torna-se, assim, sinal, aliás irrefutável, de que Jesus tem realmente o poder divino de perdoar os pecados. Estamos diante de uma proclamação tão aberta da sua divindade que ela nos permite de alimentar uma plena confiança no poder de Jesus. O interessante é ver como Jesus aplica em nós o seu poder divino através da sua humanidade porque declara que esse perdão nos é dado pelo Filho do Homem (9,6). Jesus voltará a usar esse título messiânico e a aplicá-lo a si quando anunciará a sua Paixão (17,22) e quando, diante do sumo sacerdote proclamará que ele é o Messias (26,64). A divindade de Jesus flui beneficamente até os homens através da sua humanidade que é o elo de ligação nossa com a divindade. Por ela nos advém uma salvação plena e que não pode mais falhar. Há até um profundo amor nessa salvação porque Jesus se proclama o Médico que veio salvar os pecadores (9,12). Entre eles está o próprio Mateus que é chamado por Jesus até para seguí-lo (9,9). Aí descobrimos toda a gratuidade da salvação e a grandeza do seu objetivo: um publicano e pecador, chefe de cobradores de impostos, é arrancado da idolatria do dinheiro, chamado a ser discípulo para ser, mais tarde, Apóstolo. Jesus tem esse poder de transformar um homem a ponto de torná-lo membro e arauto do Reino dos Céus. Mas Jesus é a manifestação do amor de Deus não somente porque é Salvador e Médico e sim, também, porque quer unir a si a humanidade como o Esposo a sua Esposa (9,15). Nesse sentido, todo o amor que Deus tem para com o homem é revelado sobre a Cruz. É o momento em que Jesus desposa a humanidade querendo-a para si sem mancha, nem ruga, mas santa e imaculada pelo lavacro do seu sangue (Ef 5,26). É por isso que Jesus quer que sintamos uma profunda alegria porque a sua presença é de um Deus que veio visitar o seu povo, do Santo que está  no meio do seu povo, da Luz que vence as trevas e as sombras da morte, do Novo Adão que dá origem à verdadeira estirpe dos filhos de Deus. Pelo amor que Jesus, como esposo, tem para a humanidade, sua esposa, ele efunde sobre nós, de forma irrestrita, todos os benefícios da sua divindade, a partir da filiação divina até à glorificação dos nossos corpos pela ressurreição na carne para participarmos, enfim, da sua glória divina, como uma Cidade santa que desce do céu com a glória de Deus (Ap 21,10). Os sinais dessa salvação gratuita e universal são as curas  e até a ressurreição dos mortos, como a da filha de Jairo (9,18-27). São os sinais dos profundos sentimentos de amor do coração de Jesus que, como Bom Pastor, ao nos ver como ovelhas cansadas e abatidas, sente uma profunda compaixão (9,36). Na sua potência divina, Ele está em condição de realizar plenamente o Plano de Salvação do Pai que, também, “graças ao seu misericordioso coração” (Lc l,78), no-lo enviou.

 Mt 9
Estamos diante de um texto capaz de retratar Jesus na sua condição de Cristo, Filho de Deus. A cura do paralítico, como sinal do poder que Jesus tem de perdoar os pecados, é a comprovação final  da apresentação da sua pessoa divina que já aflorou quando Jesus levou à perfeição a Lei declarando ser o Eu sou: "Foi dito aos antigos, mas eu vos digo". Condição divina voltou a aflorar quando acalmou com uma ordem dirigida ao vento e ao mar. Um terceiro sinal do seu poder divino tornou-se manifesto com a ressurreição da filha de Jairo. Segundo esta sua condição revela qual é o seu poder de curar o homem através do sinal da cura do leproso e do cego, porque, de fato ele veio para estabelecer o Reino de Deus, no poder do Espírito Santo.
Três título se apresentam para caracterizar a sua condição messiânico-divina: Ele é o Médico, Ele é o Esposo, ele é a Ressurreição e a Vida. De maneira indireta, a cura dos cegos aponta para ele como o Eu sou, luz do mundo.


Mt 10   O discurso do envio

Introdução
Jesus, o Enviado do Pai para estabelecer o Reino mediante exorcismos e cura dos enfermos, por sua vez, envia os discípulos para dar continuidade à sua obra. Primeiro a Israel, depois, pelo Novo Israel que dele brota, a todos os homens. Trata-se de uma iniciativa gratuita que oferece o Reino: para aqueles que Ele criou, Deus determina um destino de imortalidade, até para preservá-los de uma destruição à qual, necessariamente, os conduziria a sua cegueira. Os homens, por causa da sua condição de pecado, podem até chegar a recusar a misericórdia de Deus. Então, lhes será reservada a destruição no lago de fogo, até a morte eterna. A condição oferecida pelo Deus criador e misericordioso é excelente: o Filho, enviado, associa a humanidade à sua Pessoa divina, para ser princípio de divinização para aqueles que se tornaram, em virtude da sua encarnação, seus irmãos. Trata-se de um plano que parte da vocação de Israel para se estender a toda a humanidade, em Jesus, que resume em si o antigo Israel na condição de Emanuel que nasce da Virgem: uma obra criadora do Espírito de Deus que suscita o Messias, único capaz de cumprir toda justiça, porque é nele que os homens vencerão o Mal. Ele é a Luz que brilha para os que jazem nas trevas e dita, na sua pessoa, o Caminho da realização. Como Mestre fala da Lei que leva à perfeição. Como Guia nos previne do materialismo e nos orienta para as riquezas do espírito. Os sinais da sua grandeza divina são os milagres que indicam, ao mesmo tempo, o que ele pode curar no homem.
O discurso da missão se fundamenta no quadro de Jesus que pede aos seus discípulos de rezar para que o dono da messe envie operários para a sua messe (9,38). A messe é constituída por uma humanidade que experimentou todos os fracassos do caminho do pecado. Mas quem convida à oração é o Anjo de Iahweh que expulsa os demônios com o Dedo de Deus, cura o paralítico na condição de Senhor do sábado; é o Emanuel que é luz para os que jazem na sombra da morte, o Mestre que ensina o caminho da plena realização. É o Messias que estabelecerá o Reino na condição de Servo de Iahweh e que, ressuscitado, constituído Filho do Homem com poder, enviará a sua Igreja no mundo inteiro para salvar todos os que crerem no evangelho.
9,36 Jesus é o Rei-Pastor que atrairá todos a si quando elevado da terra. Em vista disso, pede aos discípulos que sejam seus cooperadores, para ceifar a messe que ele produzirá. Ele é o Rei compassivo capaz de levar a salvação aos cansados e abatidos, de conduzir às pastagens eternas os seus, qual Pastor, o seu rebanho.
9,37 A messe é grande. Deus a suscitará em virtude do Cordeiro imolado, no qual se compraz desde antes a criação do mundo (1Pd 1,20).
9,38 O sucesso da colheita depende do número dos trabalhadores e da sua capacidade. Estão com o poder de exorcizar e de curar. A visão da imensidão da colheita deveria despertar o desejo de pedir ao Pai que “envie operários para a sua colheita”.
      O convite é explicitado pela grandiosidade da instituição. Jesus escolhe os Apóstolos. O Israel de Deus é chamado a ser o núcleo de expansão do Reino no mundo inteiro. Os apóstolos devem mostrar todo o valor do Reino renunciando a tudo, menos ao tesouro daquilo que pregam e que mostra os seus valores enquanto é posta em prática a sua doutrina. Quando a visão paradigmática é aplicada ao anúncio do Evangelho no mundo, Jesus aborda o dever do testemunho nosso diante dos homens. A radicalização exigida dos apóstolos é exigida de cada fiel, para que sejam reconhecidos por Jesus diante do seu Pai.
     O ideal cristão atua-se com a cruz. Ela é fruto do ódio do mundo, mas, enquanto é aceita no testemunho da Palavra e de Jesus Cristo, prova a nossa radicalização pelo Cristo Jesus. O pronunciamento de Jesus é construído sobre uma simbologia numérica: "não é digno de mim" é a conclusão repetida 4 vezes. O homem é digno de Cristo quando renuncia ao pai e a mãe, ou, na condição de pai e mãe renunciam ao filho, tomam a cruz e optam perder a sua vida por Cristo.
     Estamos diante do segundo discurso de Jesus e, precisamente, do discurso sobre a missão confiada aos Apóstolos. A eficácia do anúncio do Reino dos Céus, como declara o próprio Jesus, é condicionada à autenticidade dos seus arautos. Antes de tudo, porque recebido gratuitamente, os Apóstolos devem anunciar o Reino gratuitamente. De fato, os dons da fé, da vida divina e da santificação do Espírito não podem ser avaliados em dinheiro. Em segundo lugar, os enviados devem mostrar, com a sua vida, em que realmente eles creem. É evidente que  eles não podem prescindir de necessidades primárias como uma roupa, um calçado, etc. Mas não devem dar a impressão de que estão preocupados com isso. Eles devem mostrar preocupação com o Reino de Deus e com o seu anúncio insistente e penetrante. Deus suscitará nos ouvintes a preocupação com as suas necessidades materiais. Nesse aspecto, São Paulo foi perfeito exemplo de equilíbrio: nunca se preocupou com os problemas materiais, somente evitando que se tornassem uma tragédia, por isso, providenciando o seu sustento com o trabalho de suas mãos. Isso evitou até as aparências de lucro que o ministro de Deus poderia apresentar ao aceitar o sustento dos seus fiéis. De sua parte, o fiéis devem lembrar que, contribuir às necessidades da igreja, é uma obrigação cobrada insistentemente pelo próprio Deus (Nm 18,24; Ml 3,10). Com a sua contribuição ao culto de Deus e ao sustento dos seus ministros, o fiel manifesta o seu reconhecimento pelos dons recebidos do Reino de Deus, dons infinitamente superiores a qualquer valor monetário. Pelo anúncio dos Apóstolos, os fiéis chegam ao conhecimento de um Redentor que é Jesus Cristo. Pelo intermédio deles lhes é concedida a remissão dos pecados e, com isso, a reconciliação com Deus; a luz da verdade brilha nas suas vidas, levando-os a conhecer  o plano de Deus e seu destino glorioso. A lei moral de Cristo torna-se instrumento pelo qual sua existência desenvolve harmoniosamente.
Acontece, e Jesus o prevê no seu discurso, que muitos não acolherão o Reino de Deus. Triste realidade que nos faz constatar o drama de que “a Luz brilhou nas trevas, mas as trevas não a acolheram” (Jo 1,5). A missão da Igreja torna-se difícil, também, por causa disso. O que, todavia, poderia levar, realmente, ao desânimo é a perseguição que brota dentre os mesmos que recusam a pregação. É o Mal que se insurge contra o Bem e tenta destruí-lo. A experiência dessa hostilidade que atingiu por primeiro o próprio Jesus, atinge, necessariamente, a Igreja. Mas, como o foi para Jesus, o momento que é dado ao Mal para prevalecer é a condição que, no plano de Deus, permite ao próprio Jesus e, consequentemente aos seus discípulos, realizar uma imolação capaz de dois altíssimos objetivos: a redenção dos próprios perseguidores e a glorificação dos mártires. A prova disso é a manifestação extraordinária do Espírito ao qual os adversários não podem resistir, enquanto, a força extraordinária dos mártires resiste a todo e qualquer tormento.
O discurso da missão  nos permite ver como à Igreja foi entregue o altíssimo dom da Verdade, a nobre vocação à qual são chamados os seus ministros para serem dignos administradores dos bens do Reino de Deus, o caminho árduo que a Igreja deve enfrentar, sendo que o mundo lhe é hostil e apático à sua pregação, a coragem que o Espírito infunde em quem, por um privilégio, é chamado a testemunhar o Evangelho nos tribunais.
Elementos:
1) O Senhor que envia. É o Senhor da Igreja que se revelou a Descendência, o Emanuel: Rei universal da descendência de Davi, o Filho, o Rebento de Jessé. Aquele que vem, que o Pai consagrou pelo Espírito para o sacrifício, como Servo de Iahweh; Vencedor do demônio. Mestre e Guia já expressou no discurso da Montanha o caminho que leva à salvação: Bem-aventuranças, a Lei levada à perfeição, a verdadeira religião, a oração, o desprendimento dos bens materiais, a confiança em Deus na procura do Reino, a compaixão. Pelos sinais revelou a sua condição messiânica e divina: curou o leproso, a hemorroíssa, a filha de Jairo, converteu Mateus curou o paralítico perdoando-lhe os pecados, apaziguou a tempestade, curou cegos e mudos.
2) Os Apóstolos. Chamados por Cristo são enviados para anunciar o Reino manifestando o poder de expulsar os demônios, curar os enfermos.
3) A casa de Israel. Merece uma prioridade porque povo escolhido. A Cidade tem uma responsabilidade grave.
4) Os Apóstolos devem valorizar a pregação vivendo o desprendimento e mostrando amor aos valores que anunciam.
5) O mundo é o adversário. O Sinédrio persegue a Igreja. Os apóstolos são arrastados diante de governadores e reis.
6) É salvo aquele que persevera no testemunho. O sinal é o fruto da alegria. Até o vínculo de sangue deve ser preterido (v. 23)

Mt 10,1-7
            Quem envia: É o Rei-Pastor que tem sentimentos de compaixão para os que acorrem a ele como ovelhas sem pastor e que pressente o triunfo da sua imolação que provocará uma ceifa imensa, à qual são convidados os que Deus chamar para ceifar (9,36-38). Revelou, por sinais, na condição de Messias e Senhor, que é capaz de curar leprosos, de ressuscitar os mortos, de dominar a natureza , de perdoar os pecados, de dar a vista aos cegos, de curar os mudos possuídos pelo demônio. Ele é o salvador universal, que, na fidelidade ao seu Plano, começa pela casa de Israel. Um privilégio grande que os judeus desmerecem. Mas nele age o Deus fiel ao seu amor. Historicamente, o processo se repete na nossa Igreja, o Israel novo, privilegiado com todos os benefícios da pregação apostólica. A Igreja vive alicerçada sobre os doze Apóstolos que receberam o poder sobre os espíritos imundos (uma graça desperdiçada desde o nosso batismo porque os pais, padrinhos e igreja não viveram a santidade da sua missão). Doenças e enfermidades curadas foram os sinais da ação apostólica que se repetem em quem recebe, com fé, o sacramento da unção dos enfermos. A plenitude da vida cristã depende da comunhão de fé com os Apóstolos. Israel é chamado a ser o povo fermento para todos os povos. O fracasso sinalizará a incapacidade do homem de merecer e fará brilhar a misericórdia divina (Rm 9-11). Os judeus não se converteram diante da maciça ação profética dos Apóstolos que anunciaram o Reino com os sinais das curas, da ressurreição dos mortos e dos exorcismos.

               Mt 10,1-7                                                      terça feira 14a Semana TC
               Reflexão

              À luz da ressurreição, a Igreja apostólica apresenta um quadro no qual Jesus é visto constituir, como alicerce da sua Igreja, os Apóstolos. Os poderes que os caracterizam são aqueles que demonstram ter, de fato, após a sua ressurreição. A missão restrita à casa de Israel quer ser a tipificação daquilo que será a atividade da Igreja no mundo. O Reino dos Céus é pregado enquanto é acompanhado por exorcismos e curas, como o foi para Jesus (cf. Mc 16,15-19).

Mt 10, 8-15
            O reino que os Apóstolos anunciam é aquele que Jesus realiza pela sua Morte e que se manifestará com a sua Vinda. Seus sinais são as curas, a ressurreição, os exorcismos. Realizados em favor de Israel, significam restauração na condição primitiva por um perdão incondicional das culpas cometidas. A grandeza do dom tem sua manifestação na gratuidade, porque a graça não é comerciável. Pregação, santificação pelos sacramentos são a caridade espiritual que os Apóstolos exerceram. Mas quando Jesus sugere o despojamento de tudo, está sugerindo que a comunidade se sensibilize. Em termos práticos, sabemos que Paulo trabalhava de dia e pregava de noite para não ser de peso. De fato, o Apóstolo deve sacrificar tudo por causa do Evangelho confiante que Deus vai suscitar fiéis nos lugares onde pregará a Paz da ressurreição. Nesse trecho (v. 14), está o reflexo do que aconteceu na diáspora e que obrigou Paulo a sacudir até o pó dos seus calçados. Jerusalém recebeu o sinal do seu castigo com a sua destruição, presságio do castigo eterno reservado a toda  e cada cidade que recusa o anúncio da salvação. A pregação do reino implica a conversão porque está em jogo a salvação eterna. Tem que viver o tempo do fim. Os sinais messiânicos apontam para a condição divina daquele que envia. O mesmo que proclama a excelência do dom, exorta os Apóstolos a viver as Bem-Aventuranças dentro da sua missão: os dons espirituais acima de tudo, o serviço. Está sendo anunciada a Paz da Ressurreição.


Mt 10,16-23
            Os enviados são como “ovelhas entre lobos”, aconselhados a viver na simplicidade das pombas e prudência das serpentes. A salvação eterna não é uma conquista fácil. João e Pedro, levados diante do Sinédrio, sofreram açoites. Estevão foi lapidado.Tiago foi morto por Herodes. Paulo foi levado acorrentado diante do imperador de Roma. A condição aviltante, de fato, é o momento da manifestação do Espírito e do fruto da sua alegria. Uma situação triste era reservada, também, a quem se convertia, permanecendo os familiares  no paganismo. Havia delações, revoltas por causa de confiscos de bens. Odiados, portanto, por todos, viviam fugindo de cidade em cidade, colocando sua esperança na vinda do Filho do Homem, do qual esperavam a justiça. Somente então não haveria mais morte nem dor.
Mt 10,24-33
            A dificuldade da Igreja está na rejeição que o mundo faz dela. Odiou a Cristo, odiará os discípulos. Jesus explica que o ódio do mundo brota da falta de amor de Deus e  da procura da Verdade. Não quer ir a Cristo para ter a Vida perscrutando as Escrituras (Jo 5). O ódio leva a perseguir e a matar. Todavia, atinge somente o corpo. A alma é protegida pelo Pai e será glorificada por Cristo diante do Pai. Jo 15,18-16,4 e Ap 12-13 comentam essa situação.
            O discípulo tem que ser fiel ao seu Mestre que carregou a Cruz, tem que suportar a incompreensão dos parentes e amigos. Isto, para ser digno dele. Dessa forma todos os que derem a sua adesão aos Apóstolos, receberão a mesma recompensa. Também os que cooperarem com os apóstolos, por mínima que seja a sua cooperação, receberão a sua recompensa.
12º Domingo TC Ano A
            Reflexão
            Estamos diante do núcleo central do Discurso da missão(Mt 10). Precede-o a descrição da atividade de Jesus e dos seus sentimentos diante da necessidade de sempre mais trabalhadores para que o Reino se realize.
            O enviado deve se preocupar, acima de tudo, com os valores do Reino. Além disso, ele deve dispor-se a enfrentar a hostilidade dos judeus e dos pagãos. Saiba, contudo que o Espírito será o seu Paráclito. Ele o tornará forte no testemunho(10,20; cf. Jo 14). No mundo “terá perseguições” (Jo 16). “Quem perseverar até o fim, será salvo”(ibid.). A perseguição terá breve duração.
            Em tudo isso, serão assemelhados ao seu Mestre e Senhor.
            Portanto, não tenham medo dos fariseus hipócritas. Eles serão desmascarados. Confiem no Pai, sem ter medo dos que matam o corpo. Deus consumirá os maus na Geena, enquanto os que tiverem dado testemunho de Cristo Jesus, serão por ele reconhecidos diante do Pai.
            As palavras de Mateus, confirmadas pelas palavras de Jo16, inspiraram o testemunho dos mártires.

Mt 10,34-11,1

Estamos no fim do discurso da missão. Notamos, pela insistência do evangelista, que este está redigindo uma pregação dos Apóstolos num contexto de incompreensão e de perseguição. Os seguidores de Jesus são hostilizados seja pela Sinagoga, como, também, no território do império, pelas autoridades romanas que viam nels uma ameaça a sua crença nos deuses do Olimpo que favoreceram o sucesso do império. 

Mateus lembra que essa condição da igreja já tinha sido profetizada por Jesus que dizia: “Perseguiram a mim, perseguirão a vós também”. A incompreensão da Sinagoga tinha como origem o não reconhecimento das autoridades religiosas da messianidade de Jesus.  Consequentemente, não compreendia o esforço profético de Jesus em querer convencè-los a viver segundo o espírito da lei, que tinha sido reduzido a uma mera interpretação humana da revelação divina ditadas pelos profetas e a reflexão sapiencial dos escribas que surgiram ao longo da história de Israel. 

É por isso que os Apóstolos, na sua pregação, lembram a exortação de Jesus a suportarem as tribulações das incompreensões, e até virem com orgulho o momento em que  seriam chamados a dar testemunho da Palavra e de Cristo Jesus.na sinagoga e diante de reis e governadores. A perseverança até o fim seria coroadao pelo reconhecimento de Jesus diante do seu Pai que está no céu.

Pelo Apocalipse e pela Carta aos hebreus vemos que a Igreja teve que suportar por muito tempo esta situação de sofrimento. A história, portanto, da origem da igreja nos leva a considerar qual é a preciosidade da nossa doutrina como, também, qual é a santificação que s alcançamos quando nos aprofundarmos na compreensão das verdades da nossa fé e, consequentemente, a santificação por todos os sinais sacramentais que Jesus Cristo instituiu, a partir do nosso batismo. Fomos configurados a Cristo pela ação do Espírito Santo. Somos iluminados pela Luz da Verdade em virtude da palavra que se fez carne, o Unigênito Deus que do Pai tudo nos deu a conhecer. Fomos sepultados com Cristo na sua morte e ressurgimos para uma vida nova ao longo da qual damos testemunho da nossa fé na condição de sal da terra e luz do mundo. O apocalipse fala da nossa condição gloriosa como de quem será guiado pelo Cordeiro que foi imolado até as pastagens eternas. Fala, também, da nossa condição de Igreja celeste que viverá continuamente iluminada pela luz de Deus e dp Cordeiro; que se descedentrará as fontes do Espírito, pelas águas que saem debaixo do Trono de Deus e do cordeiro.

 O fiel é chamado, portanto, a viver à altura da sua dignidade, de quem, enquanto sofre tribulações, vive com Cristo a sua condição sacerdotal e régia, como lembra João na abertura do Apocalipse, momento em que, por causa da sua perseverança no testemunho, lhe é dado de ver o Cordeiro imolado na condição de Filho do homem que, porque Glória de Iahweh tem como missão julgar a cidade terrena e condená-la; e na condição de Verbo de Deus, que venceu, exterminar os reinos da terra com seu cetro de ferro, como se fossem vasos de argila. Os que tiverem dado testemunho de Cristo Jesus terão o seu nome marcado na fronte e se tornarão colunas no templo de Deus no céu. 




Mt 11

Mt 11 está ligado à ida de Jesus para a Galiléia, após a prisão de João (4,12).
Jesus persevera na sua missão profética e percorre as cidades da Galileia, pregando o evangelho do Reino (Mt  9,35; 11,1). João, da prisão, envia discípulos a Jesus para perguntar: “És tu o Messias?” (11,3). A resposta tranquiliza o profeta. Todos os sinais messiânicos estão presentes: milagres, exorcismos, evangelização (11,4-5). Chegou o Dia do Senhor, dia de Luz. Tornar-se-á Dia de treva somente para os homens que optarem pelas trevas. A prisão de João é o seu primeiro sinal. João Batista resume em si toda a história dos santos e mártires que, até Jesus, deram testemunho da Palavra (Ap 12,17). João é apresentado pelo próprio Jesus como modelo de servo de Deus, fiel a Deus e vigilante, alguém que viveu a sua missão profética na condição de digno precursor do Senhor: “um facho que arde e ilumina e vós vos quisestes alegrar, por um momento, com sua luz”(Jo 5,35). Mas agora está aqui “o Sol de Justiça que tem a cura em seus raios” (Ml 3,20), “o Astro das Alturas para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte” (Lc 1,77s), “o Rebento da estirpe de Davi, a brilhante Estrela da manhã” (Ap 22,16), que é maior de João Batista. Com Jesus, agora é recompensada a esperança de todos os santos da Antiga Aliança, porque, Jesus, sofrendo a violência dos maus, resgata a esperança dos santos do AT pela sua ressurreição, tornando-se para eles princípio de ressurreição (Ap 20, 4-5). João, o precursor, com toda sua santidade de vida e o seu espírito profético, e Jesus, com a sua doutrina, milagres, amor aos pecadores, ambos são claros sinais dos tempos messiânicos. Chega de histerismos hipercríticos e de apatia disfarçada debaixo de uma atitude de escandalizados! Jesus admoesta severamente a nossa apatia diante de tantos sinais da presença do seu Reino entre nós (Mt 11,16-19). Os pequeninos são, portanto, os que, como João, se tornam capazes de realizar em si a revelação que Jesus proclama, a partir da manifestação da Luz para "os que jazem na sombra da morte (4,17) pelo discurso da Montanha e dos sinais divino-messiânicos (Mt 8-9). Aos Apóstolos ficará a tarefa de levá-la ao mundo, segundo o programa ditado por Jesus em Mt 10.
Mt 11,28-30 expõe a dinâmica da vida cristâ. O caminho para a vida é árduo (7,14). Exige o cultivo dos dons do Espírito. O desânimo é superado sempre que voltamos a Jesus mestre, guia e princípio. O que suaviza o jugo da "cruz de cada dia" é o memorial da Morte do Senhor" porque nos merece a graça de guardar a nossa comunhão com Deus pela vitória sobre o mundo (1Jo 2,17).

Tema
João Batista e Jesus                                                                          
A pregação dos Apóstolos teve que aprofundar a verdade que os discípulos de João, que se tornaram, também, discípulos de Jesus, puderam conhecer antes que a mesma fosse iluminada pela condição divina do Senhor, revelada pela sua ressurreição. O batismo de João, embora fosse um mero rito de ablução, adquiriu, então, uma significação mais específica: preparava uma conversão de valor decisivo naqueles que depois descobririam em Jesus o Cristo de condição divina. Puderam constatar que por ela, tinham alcançado uma condição de purificação pela qual se tornavam capazes de perseverar no seguimento de Cristo, a ponto de aceitar as palavras de “vida eterna”, embora vissem desmoronar todas as suas expectativas terrenas em relação ao Messias(Jo 6,68; 13,10; 17,6-8).
   Vemos, todavia, que muitos dos discípulos de Jesus abandonaram o seu mestre porque para eles as suas palavras eram muito duras, impossíveis de serem aceitas (Jo 6,60) e voltaram a se aproximar dos que nunca abandonaram João Batista por não aceitarem a ideia que Jesus, e não João, era o Messias.
Ao longo da sua missão profética, o Batista teve que enfrentar esse apego desordenado dos seus discípulos. Até depois Jesus ter iniciado a sua vida pública, lhe restava essa missão: persuadir aqueles que confiavam demais nele a seguir Jesus. Diante do episódio narrado em Mt 11,2-6, vemos que a situação persistia. Certamente o problema da adesão a Jesus não estava em João, e sim nos seus discípulos que, ao constatarem a condição desesperadora em que se encontrava o movimento suscitado pelo seu mestre, agora na prisão, não se conformavam. Esse apego dos discípulos de João é lembrado claramente quando se diz: “... e os seus discípulos vieram para retirar o seu corpo” (Mt 14,12a), após ter sabido que ele tinha sido decapitado.
   A incompreensão dos discípulos do Batista é muito bem ilustrada no evangelho de João. Querem envolver o próprio Jesus quando a ele relatam que Jesus estava batizando, quando, de fato, eram somente os seus discípulos que batizavam (Jo 3,26; 4,2). Lá, também, vemos que as convicções do Batista são firmes ao responder: “O amigo do esposo se alegra porque a esposa está com ele. É preciso que ele cresça e que eu diminua” (3,29-30). Constatamos que João assim se expressa quando o seu aprisionamento já é iminente. Não é possível pensar que tenha esmorecido diante da prisão. Depois de Jesus ter-se explicado aos enviados do Batista, declarou que João continuava a ser o maior dos profetas. O que teria acontecido se João se tivesse tornado “um caniço agitado pelo vento”? (Mt 11,7)
     A dúvida acerca da messianidade de Jesus não era do Batista, que a Igreja sempre exaltou até através dos grandiosos quadros que Lucas nos apresenta no momento do anúncio da sua concepção por parte da “estéril” e no momento da sua circuncisão. Vemos, também, com que solenidade Lucas fala da vocação de João ao profetismo (Lc 3,2). Ora, quem é o profeta? Não é aquele a quem Deus revela tudo, por primeiro, e a quem Deus tudo faz entender, para que depois anuncie fiel e integralmente as suas verdades e a sua vontade? A intuição profética é um carisma que permite que a verdade que Deus anuncia cale fundo na alma e no espírito do vocacionado. As provações só servem para que se torne “uma muralha de bronze” (Jr 1,18-19), consciente que, caso se acovarde diante dos homens, terá o desprezo de Deus.
      Quando desconsiderados todos os outros aspectos acima lembrados, a forma literária, segundo à qual Mateus se expressa, pode nos induzir a pensar que a incerteza e a dúvida tomaram conta de João. Poderíamos até pensar que, tendo cessado a sua missão profética, Deus tenha retirado dele o espírito da profecia. Isto, de fato, não aconteceu, porque a sua missão continuava exatamente perto dos seus discípulos que, do seu ponto de vista, deveriam afastar-se dele, para seguir Jesus, o que levaria à plenitude a sua alegria, na condição de amigo do esposo. Outros seus discípulos (André, João, Pedro) já tinham reconhecido ser Jesus o Messias (Jo 1,41). Sabemos que, de fato, o Batista, pela sua perseverança na tribulação, que ele suportou até o martírio, chegou a alcançar a conversão dos que continuavam apegados a ele, e evitou que o que tinha anunciado a Israel, na condição de profeta, sofresse abalos.
       As palavras finais de Mt 14,12 parecem confirmar tudo isso: “Em seguida, foram anunciar o ocorrido a Jesus” (Mt 14,12b).

Há mais um argumento que pode ser aduzido em favor da tese que sustentamos e que chega até a ser seu fundamento. Em Mt 17,12s, Jesus chega a declarar que em João se realizou a figura de Elias que as potências demoníacas do mundo hostilizaram e, sumariamente, executaram. Essa declaração projeta uma luz sobre a narrativa que abre Mt 11, enquanto nos faz ver que, propositalmente, o evangelista quer associar a sorte de João à sorte de Jesus. De fato,  Mt 11, é o início de uma atividade de Jesus pela qual este quer aprofundar o ensinamento acerca da sua pessoa, em relação ao seu destino, que, a final, os seus discípulos terão que aceitar. A sua geração se revela apática e sempre insatisfeita, a ponto de considerar João Batista um louco e a ele, um glutão. Os fariseus se determinam em querer matá-lo. Mateus, porém, nos diz que Jesus acabou justificando as suas obras, provando ser ele a Sabedoria de Deus, porque Jesus era o Servo de Iahweh sobre quem Deus pôs o seu Espírito para levar a Justiça e o Direito a todos os povos da terra, que porão nele a sua esperança (Mt 12). As parábolas do Reino de Mt 13 são parte desta atividade de Jesus, enquanto ilustram a natureza do Reino que ele veio implantar.
Diante disto, constatamos, que estamos diante da forma literária pela qual Mateus quis desenvolver um aspecto do ensinamento de Jesus, no intuito de fazer com que os seus discípulos compreendessem melhor a natureza da sua missão. Mateus abre a exposição propondo, propositalmente, o quadro de João na prisão. A condição profética do precursor de Jesus, ajuda a entender o sentido do desfecho desalentador do próprio Jesus, que o seu precursor já tinha apontado como o "Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo". A sua morte o alinha ao outros profetas, quanto ao seu destino final. Nisto o precede o próprio João Batista, o seu precursor, que toda a Judeia reconheceu como profeta.

Mt 11,20 está relacionado a 4,17: “A partir desse momento, começou Jesus a pregar e a dizer: Arrependei-vos, porque está próximo Reino dos Céus”. Mt 4,23-25 resume a atividade de Jesus: pregação e curas. Em 5-7 temos a síntese da pregação. Mt 8 estende a pregação a todos os povos (8,11) e apresenta os sinais da divindade do Filho do Homem: tempestade acalmada, exorcismos na região de Gadara, perdão dos pecados e ressurreição da filha de Jairo (Mt 9). Mt 9,35 repete 4,23-25. Mt 10 é o discurso da missão, dirigido a nós. Mt 11,2-6 João pergunta. Pela resposta de Jesus, estamos diante do Messias que repreende a sua geração. Mt 11,20-24 é a verberação profética de Jesus. Nínive, diante da pregação de Jonas se converteu. Assim seria de Tiro . Cafarnaum não reage. É preciso precaver-se da acomodação, reavivando a condição de impacto que Jesus provocou.
Caso não consigamos provocar em nós a conversão e a penitência, estamos expostos a um severo julgamento no Dia do Juízo (Mt 11,22.24). A angústia de Jesus é a de não nos ver aproveitando a sua divina mediação para chegarmos ao pleno conhecimento de Deus; um conhecimento que provocaria em nós, à semelhança do que acontece nele, sentimentos de louvação e a alegria de comunicar com a Perfeição divina (v. 25-27).

Tema   “Eu te louvo ó Pai”
Rejubila-se Jesus no Espírito. É o homem Cristo Jesus que entrou em contato com as realidades eternas. A sabedoria humana é uma insignificância comparada à ciência que é concedida àqueles que se fazem pequenos porque ambicionam a grandeza da sabedoria divina com as suas verdades eternas. Rejubila-se no Espírito, também, aquele que compreende a riqueza dos bens eternos. Comparados a eles, os valores terrenos são um nada. São os valores eternos que nos tornam bem-aventurados.
Jesus nos faz sentir o que é o homem quando chega a viver os valores que Deus oferece. Adão nem sequer começou a conhecê-los porque, desde o princípio, abandonou o caminho da obediência. Logo descobriu que estava nu. Privado da vida divina, conheceu somente o caminho da degeneração e da morte.
Com a Redenção, Deus, na sua misericórdia, volta a oferecer os seus valores. Até, facilita tudo, convertendo os homens pela ação do Espírito que os atinge pela Palavra,  Jesus, Verdade e Vida que se torna Caminho, o Deus que nos conduz tomando-nos pela mão. Mt 1,25 encontra a sua ilustração no Sl 118,129: "Vossa Palavra ao revelar-se me ilumina, ela dá sabedora aos pequeninos".
     O ponto de partida para viver os valores eternos é a contemplação da criação de Deus. A importância da sua pessoa nela tem a sua primeira manifestação.
Quem se acha já rico, quem tem a sua consolação sobre a terra e, por isso, nega a própria existência de Deus e está convencido de possuir a verdade, não precisa mais procurar a Deus. Consequentemente, não compreende o valor do que Deus oferece.
Tem sorte aquele que não é sufocado pela riqueza e pela soberba, porque chega a compreender como Deus possa realmente enriquecê-lo (v.25).
Diante daquilo que o Verdadeiro quer, o Filho professa a sua total adesão. Esse é o Amém no qual devem se espelhar os que nós pronunciamos. Jesus dá glória a Deus Pai ao compreender, admirado, toda a sabedoria que está nele. (v.26)
Jesus tem plena consciência de estar de posse da verdadeira sabedoria. Trata-se de uma posse pessoal, pelo conhecimento, isto é, plena comunicação de sentimentos. Nós somos objeto da atenção do Deus trinitário enquanto o Filho se torna nosso irmão e nos revela como alcançar a comunhão de vida, por Ele, com o Pai. É a vida do Espírito, que nos torna um com o Filho.

Mt 11,28-30
Jesus nos oferece uma condição de descanso, a nós, fatigados pelo peso de fardos que carregamos. Mt 23 especifica que estes fardos são os preceitos da tradição humana, que os mestres da Lei não tocam sequer com um dedo. 1Jo 5,3-4 alude aos pecados das concupiscências dos quais nos liberta o jugo suave dos mandamentos do Senhor da Igreja. A partir do momento em que advertimos que as palavras de Jesus: "aprendei de mim porque sou manso e humilde de coração" (v.29) evocam as Bem-aventuranças, entendemos que Jesus quer nos ensinar a viver a Lei segundo o seu espírito, "andando como ele andou" (1Jo 2,6), pela observância dos seus mandamentos.

Tema: “Vinde a mim vós todos...”
Jesus, nos dizem os Apóstolos, foi a manifestação da “Perfeição das infinitas virtualidades do Ser” que, por ele, se revelou Vida Trinitária. Sinal disso foi a sua concepção virginal, que realizava nele a profecia; momento em que a Palavra criadora que expira da boca de Deus dá a si mesma a natureza humana, na força do Espírito criador. O Deus criador vem e fala com a sua vida de Filho de Deus e de Maria. Possui uma compreensão única, que supera a compreensão dos profetas. A deles era circunstanciada e fruto de uma carisma. A sua é própria da Pessoa divina do “Unigênito Deus”, Vida eterna (1Jo 1,3), Deus verdadeiro (5,20).
     A sua condição divino-messiânica é por nós entendida pelas palavras que nos dirige. O querigma inicial (Mc 1,14) define as circunstâncias novas que Hb 1,1-2 ilustra. O domínio sobre os ventos e o mar, os exorcismos e o poder de ressuscitar os mortos (Mt 8-9) apontam para a sua condição divina. Consequentemente, a sua doutrina é ensinamento da Sabedoria divina.
     A sua obra redentora é própria de quem é Filho que vive essa sua condição como quem, sendo Pessoa divina, se tornou em tudo igual a nós. Então, nele, o Pai se compraz. Tem diante de si a criatura que se realiza na virtude e na ciência. O Adão verdadeiro.
Imbuído de verdadeira caridade, sente compaixão das ovelhas sem pastor. Semeia e suscita, ao mesmo tempo, os ceifadores (Jo 4,38; Mt 9,38): os que pregam e curam.
Ele é a Palavra, na condição de quem, sendo Deus, assumiu a natureza humana, realizando em si a profecia do Cordeiro que tira o pecado. É Aquele que faz renascer os irmãos pela Água e o Espírito. Realiza em si o “Eu sou”, quando elevado da terra.
O Espírito é doado a partir da sua ressurreição, momento em que Jesus se torna o Novo Templo do qual sai a Água que dá vida às árvores plantadas às margens do rio. 
Aos que o acolhem, dá o poder de se tornarem “filhos de Deus”. Ele é o Caminho, a Videira em quem devemos permanecer pela observância daquilo que nos manda fazer pelas bem-aventuranças e pela interpretação da lei segundo o espírito do Legislador.

Mt 12

À apatia do povo diante de Jesus junta-se a aversão das autoridades religiosas (Mt 12) que já recusaram a sua adesão a João Batista (Mt 21,25) e, agora, recusam Jesus para se manter dentro de um emaranhado de tradições humanas pelas quais chegaram até a subjugar aos seus interesses escusos o próprio Templo de Deus, tornando-o um “covil de ladrões” (Mt 21,13). Mas, aqui está agora o Senhor do Templo (Mt 12,6) anunciado pelo seu Precursor (Ml 3,1). Dessa forma, abre-se a confrontação entre Jesus e as autoridades religiosas, que o levarão à morte. As autoridades religiosas, todavia, mal sabem que estão se tornando o instrumento pelo qual o Messias, em virtude de sua Morte, consagrará o novo Templo de Deus, o seu corpo (Jo 2,19), declarando terminada a função do antigo templo (Ap 15,8.17). Em clima de confrontação, todas as vezes que fariseus, escribas ou sacerdotes se aproximarão de Jesus para interrogá-lo, será somente para procurar motivos para acusá-lo, no intuito de levá-lo à morte (Mt 12,9.14). Mais uma vez, não sabem que estão lidando com a Sabedoria que será “justificada pelas suas obras” (11,19): “A pedra que os edificadores rejeitaram, essa tornou-se a Pedra angular” (1Pd 2,6-8). Jesus é a realização da Profecia, da forma mais plena e inesperada! É sim o Messias que todos esperavam com seus poderes de cura, de domínio sobre os demônios, sobre a morte, com o poder de multiplicar os pães  (Jo 6,14-15). Todavia, Ele realizará o seu Reino como Servo de Javé, o Amado, o Unigênito, o Isaac imolado (Gn 22,7), o Cordeiro inocente levado ao matadouro (Is 53,7), “trespassado por causa de nossas transgressões” (Is 53,5), para difundir sobre os homens o seu Espírito para que profetizem e conheçam os caminhos dos Senhor (Mt 12,18-21; Jr 31,33-34). Os escribas deveriam ter valorizado a intuição do povo que viu em Jesus o Filho de Davi porque, expulsando os demônios, estava implantando o reino de Davi (12,23; 10,6s). Eles tinham todas as condições de ver, à luz das Escrituras, qual é a natureza do Reino que Jesus inaugura. Jesus lamenta a voluntária cegueira deles e se ergue a juiz, pronunciando uma severa condenação, mostrando, todavia, ao mesmo tempo, em que condição julga pessoas tão obcecadas por paixões terrenas: ele os condena como Filho do Homem (12,32), que um dia voltará  “sentado à direita do Poderoso, vindo sobre as nuvens do céu”(26,64). Até que persistirem em blasfemar contra o Espírito Santo, nem o Filho do Homem, que veio para salvar, poderá salvá-los, sendo que estão recusando aceitar o Espírito da verdade, o próprio dom que o Messias veio trazer aos homens, querendo doá-lo pelo supremo gesto de amor, o de sua morte de Cruz. Quando o Todo-Poderoso fará sentar à sua direita o Filho do Homem, tendo-o constituído Juiz dos vivos e dos mortos, serão definitivamente condenados pelo mesmo Jesus que nesse momento pronuncia a sua sentença, não como definitiva condenação, mas como advertência  (12,36-37). É admirável ver com que equilíbrio  se manifesta em Jesus a violência da palavra profética juntamente com a sua atitude salvadora. Ao mesmo tempo em que denuncia o âmago da perversão moral de quem tenta incriminá-lo para levá-lo à morte, Jesus nada deixa de inexplorado para realizar a sua missão salvadora. Nenhum sinal mais adiantaria para convencer uma geração má e perversa, porque até Jonas e Salomão se curvariam diante da sua Pessoa, depois de tantos sinais realizados. Que ao menos olhem para o sinal definitivo que o seu Pai lhes dará ao ressuscitá-lo dos mortos (12,38-42). Mas nós sabemos que nem este sinal serviu porque, depois de tê-lo constatado, os chefes dos sacerdotes corromperam, com dinheiro, os guardas testemunhas da ressurreição, persuadindo-os a mentir (Mt 28,13).

Mt 12, 38-42
 O pedido de um sinal tem a sua exegese em João 7-8. É mais uma tentativa para surpreender Jesus. De fato, os escribas e fariseus, diante da atitude de Jesus que se declarava de condição divina ao perdoar os pecados do paralítico, já tinham decido de encontrar a maneira de matá-lo (12,14). João trata de forma extensa essa atitude das autoridades religiosas. Ele, também, parte da atitude de Jesus em se proclamar Senhor do sábado e, portanto de condição divina. De fato os fariseus o acusam de curar o paralítico da piscina de Siloé em dia de sábado com a ordem do mesmo de carregar a sua cama. Lembra àquela altura que os fariseus decidem matar Jesus (5,18). A partir daquele momento, João expõe uma ampla doutrina sobre a condição divina de Jesus e apresenta todas as provas que fundamentam a sua declaração de ser o Filho. Nos capítulos 7 e 8, através de um extenso contraditório, prova a condição irresistível de Jesus em fundamentar a sua argumentação nas Escrituras. Ao longo dessa argumentação, Jesus se cansa de dizer que deu todas as provas. Os fariseus, simplesmente não querem aceitá-las porque não aceitam que desmorone todo um sistema religioso que está conduzindo os judeus. Um sistema que garante a sua posição de guias, não importa que seja segundo uma tradição humana de interpretar a Lei; que aos anciãos do templo garante a rendosa exploração do culto; que aos herodianos garante a proteção do tetrarca; e que aos sumos sacerdotes Anãs e Caifás garante um governo pacífico em relação às autoridades romanas.
Os escribas e fariseus, portanto, são tachados por Jesus de geração má e perversa. Contudo, nos explica João, porque Deus é a manifestação da Bondade que sempre age no amor e porque Jesus é o Filho que o Pai enviou para salvar o mundo, na fidelidade à sua missão, leva o diálogo até os seus extremos para que nada seja preterido de condição de salvação em relação àqueles que são, por excelência, os conhecedores da Lei. Aliás, é pelo diálogo com os escribas que Jesus tem a oportunidade de expor a sua doutrina com toda a profundidade que ela merece. Até quando os que dialogam com ele assumem uma condição de adversários e apelam ao pretexto ou ao insulto, Jesus é fiel à sua missão e tenta a salvação dos seus inimigos assumindo uma atitude decididamente profética. Acusa os seus interlocutores de filhos do diabo, homicida desde o princípio e, com uma argumentação “ad hominem” os desafia a acusá-lo de pecado.
Sempre na sua fidelidade à sua missão, revelando todo o seu amor pelos seus inimigos que, todavia, continuam a ser seus irmãos, a eles oferece como último sinal de salvação a sua ressurreição. Ela o revelará vencedor daquela morte que eles conseguirão, afinal, lhe infligir, provando, dessa forma, que ela realizava em si a Profecia e que eles tinham sido vítimas de uma sanha homicida. O proclamará Pedro no seu discurso de Pentecostes: “Vós matastes o autor da vida” (At 2,23;3,15).
Jesus anuncia a sua ressurreição citando o livro do profeta Jonas. A figura do profeta engolido pela baleia, em cujo ventre permanece três dias e três noites, é, para Jesus, a mais apropriada para definir a natureza divina da sua ressurreição, segundo o que lemos em Os 6,2 (a nota de rodapé da BJ é muito explicativa).
Nós que estamos de posse do tudo realizado, sentimos, nas palavras que Mateus aqui cita, toda a condição divina de Jesus. Ele é maior do que Jonas e  Salomão.
2a feira 16a Semana TC
Reflexão 
Mt 12,38-42
A indignação de Jesus é provocada pela recusa dos fariseus de reconhecer nele o "Filho do Homem". Esta prerrogativa foi manifestada quando da cura do paralítico e da cura do homem da mão ressequida, em dia de sábado. Estes sinais poderiam ter provocado neles a sua adesão a quem se revelava Messias, de condição divina. Pelo contrário, provocaram neles a vontade de matar Jesus.
A indignação de Jesus já tinha-se manifestado, também, contra as cidades de Betsaida, de Corazim, e de Cafarnaum, por não ter valorizado os sinais da messianidade de Jesus, diante dos sinais de numerosas curas e do seu ensinamento de autoridade.
Jesus é maior de Jonas, que converteu Nínive. É maior de Salomão, que até a rainha de Sabá quis escutar.
O sinal de Jonas, fundamento da nossa fé, nos leve a valorizar na pessoa de Jesus, as condições da sua divindade  e o peso do seu ensinamento, sintetizado no Discurso da Montanha, a fim de valorizarmos o tempo escatológico, o Reino, e vivermos  a purificação dos pecados, enquanto damos a nossa total adesão ao evangelho da Boa Nova. Com isto, construiremos em nós a imagem de Cristo Jesus, até chegar à sua estatura adulta.
Mt 12, 46-50
Não devemos estranhar a presença dos familiares de Jesus, incluindo a da mãe, diante de tudo aquilo que Mateus esteve narrando nos capítulos 11 e 12, a começar da titubeação do próprio João Batista que, da prisão, envia discípulos para saber de Jesus se é o Cristo. A ação de Jesus é literalmente profética. Surpreende a todos, sobretudo pelos sinais que apresenta e que apontam para a sua condição messiânico-divina. Aliás, se os milagres visam confirmar a sua condição messiânica é para que, reconhecido como messias, Jesus encontre aceitação na proclamação da sua condição divina (Mt 9-10). Na Anunciação, vemos que Maria aceita, confiando na palavra do Anjo, que se realize nela a vontade do Senhor. Ela refletiu sobre o anúncio, intuiu que nela estava se realizando a profecia de Is 7,14, recebeu a revelação de que precisava para ter a certeza que realmente Deus estaria nela. Aquele foi o começo de etapas que Maria era chamada a realizar e a concluir, mediante superações. À semelhança do Filho, era chamada a crescer “em idade, sabedoria e graça”. Lucas as lembra dizendo que: “Maria guardava todas essas coisas no seu coração e as meditava” (Lc 2,  ). Esta é mais uma das etapas em que Maria é chamada a se superar. Sabemos por Jo 7 que “os irmãos” não souberam superá-la porque interpretavam os acontecimentos com o despreparo do qual fala João quando comenta o povo dizendo que Jesus não pode ser o Messias porque dele todos conhecem a origem. Nem sequer a superaram os fariseus, embora por outros motivos apontados pelo próprio Jesus: a falta neles do amor de Deus e a procura da própria glória. Os Apóstolos, não obstante o seu entusiasmo, sobretudo após o sucesso da sua primeira missão, estavam estacionados numa visão infantil. Sabemos que Maria, pelo contrário a superou porque a vemos aos pés da cruz, até recebendo, naquele momento, a missão de ser Mãe da igreja, enquanto os Apóstolos fugiram. Não tinham compreendido ainda que o Filho do Homem tinha vindo “para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mt 20, 20-28).
                                                                                                                                              Também, a fala de Jesus é evidentemente de cunho profético, enquanto define qual é, de fato, a verdadeira condição para se relacionar com ele. Não é o parentesco carnal, e sim,  a relação filial com Deus. Quem como ele faz a vontade do Pai é para ele e irmão e irmã e mãe. Pela Anunciação, sabemos que Maria, naquele   momento, se qualificava como quem ligada ao Filho pela vida de fé, porque, desde os primeiros momentos da Encarnação da Palavra, era sua intenção fazer a vontade do Pai que está nos céus.


3a feira, 16a semana TC
Reflexão (Mt 12,46-50)
Este último trecho de Mt 12 apresenta, por contraste quais são os verdadeiros discípulos de Jesus. Deles compreendemos o privilégio enquanto os reconhecemos lembrados pela palavras que Jesus dirige ao Pai (Mt 11,25-27). Portanto, "fazer a vontade do nosso Pai que está nos Céus" é a condição necessária para usufruir da revelação que Jesus nos faz. Jo 8,31-32 a explica ainda mais: "Se permanecerdes na minha palavra...". 


O Evangelho de Mateus (13)
Discuso sobre o Reino em Parábolas

       Premissa
Não podemos esquecer que Mt 12 tem sido toda uma preparação quanto à instrução que Jesus dá acerca do Reino em Mt 13. Basta pensar na solene afirmação que Jesus pronuncia diante dos fariseus que persistem em não dar a sua adesão de fé: "Se é pelo Espírito de Deus que expulso os demônios, então o Reino de Deus já chegou a vós" (12,28). Não podemos esquecer, também, que Jesus apresentou o Reino dos céus como aspiração final, desde a abertura do Discurso da Montanha, ao proclamar as Bem-aventuranças" (5,3.10). Em terceiro lugar, Mt 12 especifica que Jesus é o 'Senhor do sábado' que se apresenta na condição de quem realiza em si a figura divino messiânica do Filho do Homem (12,8.32.40). Em Mt 13 estará nos falando aquele que é de condição divina, na condição de quem recebeu do Pai todo poder de julgar.

Técnica de leitura
Palavras chaves: Semeador – Semente – Campo
Semeador aponta para dignidade e grandeza daquele que quer realizar o seu Reino: é o Filho do Homem
Semente é a palavra que vem com o Espírito
Campo são os homens que,  beneficiados pela iniciativa gratuita de Deus, tem a responsabilidade de corresponder.
Objetivo:
Semeadura e Rede lançada ao mar contemplam a ação de Deus
Paulo a sintetiza em Rm 8, 28-30 e a celebra em Cl 1,12-20; Ef 1,3-14
 Joio e trigo consideram a condição em que se desenvolve o Reino.
Grão de mostarda e fermento na massa expressam a forma extraordinária segundo a qual o Reino se desenvolve.
Tesouro no campo e Pérola apontam para o valor em si do Reino.
Escatologia: Joio e trigo e Rede lançada ao mar apontam para o julgamento final.
Nesse capítulo, Mateus nos propõe a “Palavra do Reino” (v. 19), o discurso de Jesus em parábolas, para nos iniciar no conhecimento dos mistérios do Reino dos Céus. É a Sabedoria divina que, mais uma vez, oferece os seus ensinamentos para nos nutrir com verdades eternas. Sentado, Jesus assume a condição de Mestre. No discurso da Montanha, sentou-se no alto (5,1), como Legislador que dita a sua Lei; agora (13,1), Jesus senta-se à beira-mar, como Mestre, para explicar os mistérios do Reino a todos os que querem segui-lo. A parábola é uma aproximação (gr.: pará-ballo). Por meio de um quadro familiar da vida cotidiana Jesus quer nos introduzir na compreensão da complexa realidade do Reino dos Céus.
Mt 13,4-23 A parábola do semeador sublinha a iniciativa de Deus. É sua vontade enriquecer os homens, lançando nos seus ouvidos a sua Palavra (vv. 9.43) para que deite nos seus corações como semente e os homens se tornem terrenos fecundos em boas obras (v.8). Mas os homens não acolhem a Palavra da mesma forma: uns endurecem seus corações, outros não perseveram nos seus bons propósitos, outros, enfim, voltam a preferir as aspirações do homem velho e sufocam o Reino de Deus que está para germinar neles (v. 15). Há, todavia, quem acolhe o Reino de Deus e se alegra em produzir frutos de vida eterna: graça e paz que brotam do “conhecimento de nosso Senhor” (2Pe 1,2). Jesus Cristo é o próprio Reino, enquanto proporciona aos homens os dons da vida divina que o Pai quer doar aos homens. São felizes os que fazem de Jesus Cristo o seu tesouro, renunciando a tudo para possuí-lo, como fez São Paulo, porque a eles é concedido ver e ouvir o que “muitos profetas e justos desejaram ver e não viram, ouvir e não ouviram” (v. 17), os pequeninos a quem o Filho revela o Pai (Mt 11,25). A indignação de Deus é a de constatar a irresponsabilidade do homem diante da sua iniciativa tão desinteressada e enriquecedora. Podemos ter uma ideia  das consequências disso quando lembramos as palavras de Jesus contra Corazim, Betsaida e Cafarnaum (11,20-24). A indiferença do homem diante da iniciativa de Deus acarreta uma grave culpa moral que provoca, como primeiro castigo, a incapacidade de ouvir e de ver porque o coração se tornou insensível, o espírito apático e os olhos se fecharam à luz da verdade (13,14-15). O castigo definitivo será a exclusão da vida eterna, tendo o homem, como destino, a “fornalha ardente. Aí haverá choro e ranger de dentes” (v. 50).
Temos a impressão que Jesus está se expressando em parábolas sobre tudo aquilo que constatou na sua geração apática, não obstante o extraordinário acontecimento provocado pela sua Pessoa. Estavam os judeus diante do Messias, estavam diante de sinais que apontavam ser ele um Mestre enviado por Deus (Jo 3,2). Contudo, Corazim e Betzaida, como, também, Cafarnaum não se converteram. Nínive se converteu à pregação de Jonas. A geração de Jesus não reagia nem sequer diante de alguém maior do que Jonas e  Salomão, que a rainha de Candace veio visitar atraída pela sua sabedoria. Era como o terreno duro, sobre o qual o qual recochetea o grão semeado. Havia uma multidão  que vivia o entusiasmo, mas sem ter profundidade. Limitava-se a admirar os prodígios do taumaturgo. Havia o terreno com abrolhos e espinhos que não deixava crescer a plantinha, sufocada pela covardia de ser expulsos da sinagoga, embora reconhecesse nele o Messias. Resultava que se tornava sempre mais forte o partido dos que queriam matar a Jesus, obcecados pelo ódio.
Jesus interpreta a situação citando Isaias que fracassou na sua missão profética porque o povo, embora tendo ouvidos, não ouvia, embora tendo olhos, não via. Escapam desse fracasso os que acolhem os ensinamentos de Jesus. Esses são os que confortam o seu coração. São eles João Batista e Maria, sua mãe, sempre em compasso com a crescente e surpreendente manifestação de Jesus como Messias, os Apóstolos que, embora captassem de forma inicial a messianidade de Jesus, de fato, estavam acolhendo a sua palavra que provocava neles a purificação suficiente para um desenvolvimento, embora este deveria se realizar em condições trágicas (Jo 13). São os pequeninos, aos quais o Pai se compraz revelar os seus mistérios. São, portanto, bem-aventurados porque ouvem e vêem.
Os episódios que encontramos em Mt 11 e 12 nos ajudam a entender o prejuízo que causa para si aquele que, embora ouça, não entende, à semelhança das cidades da Galileia e dos escribas e fariseus. A atitude covarde de Nicodemos (Jo 3,2) e de muitos escribas e fariseus que, embora chegassem a acreditar em Jesus, não manifestavam a sua fé, por medo de ser expulsos da sinagoga (Jo 12,42), nos ajuda a entender como todos “aqueles que não perseveram até o fim não alcançaram a salvação (o terreno pedregoso). O jovem rico, o rico da parábola de Lázaro, que se banqueteava todos os dias, Judas, apegado ao dinheiro, a ponto de vender o próprio Jesus, nos dizem como poderemos ser excluídos do Reino por tê-lo preterido como algo insignificante. Alcançam o Reino dos Céus “os que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática”, como fizeram João, Maria e os Apóstolos, embora esses últimos precisassem crescer mais na sua fé. De fato, se acovardaram diante da Paixão do Senhor: voltaram a pescar. Pedro recuperou o amor por Jesus pela ação irresistível de quem o constituiu no pastoreio da Igreja. Jesus o tornou, então, capaz de confirmar na fé os seus irmãos (Lc 22,32).


Mt 13, 24-30 A parábola do joio focaliza a condição de hostilidade na qual se desenvolve o Reino de Deus sobre a terra. A perspectiva final é positiva para quem é trigo, mas é terrível para quem é joio. O fogo o queimará. Esta parábola é o tema de Ap 12-20: o Dragão, a Besta e o Falso Profeta tentam hostilizar o Plano de Deus; o Verbo de Deus os vence e os lança no lago de fogo. Os bons nada devem temer, a sua identidade com o Reino, que é Cristo, lhes garante um destino de glória, embora tenham que passar, à semelhança do seu Mestre, por grandes tribulações (Mt 10,17-25).
Mt 13,31-35 A parábola do grão de mostarda ilustra a maneira pela qual o Reino de Deus vai se firmando entre os homens. Não é um reino de violência que se impõe pela espada, é um Reino de serviço que se apresenta na humildade, à semelhança de um grão de mostarda que se torna um arbusto e abriga as aves do céu (v. 31-32). A parábola do fermento revela a força transformadora que o Reino dos Céus possui. Embora pequeno em volume, é capaz de fermentar a humanidade. Dessa forma, o Reino de Deus revela-se uma realidade complexa à qual podemos nos iniciar somente por comparações. Elas tentam nos falar das “coisas ocultas”, do Mistério escondido em Deus, o desígnio divino, que existe desde antes a criação do mundo (Ef 1,4). A parábola estimula a reflexão e acaba exigindo explicações para quem intui, além da comparação, a verdade que quer ser revelada. É por isso que os discípulos as pedem de Jesus. Jesus sintetiza tudo brilhantemente, mostrando a complexidade do Reino dos Céus: é uma iniciativa de Deus que envia o Filho que prega a condição gratuita e universal de salvação; há quem acolhe a Palavra, há quem a rejeita; os que praticam a iniquidade serão lançados “na fornalha ardente”.
A parábola do tesouro escondido nos revela a preciosidade do Reino e como deve ser por nós descoberto. O valor está na sua condição divina. Nós a ignoramos porque é um valor transcendente. Mas, uma vez que Deus no-la oferece, não é mais para titubear, tudo deve ser investido na compra daquele tesouro: é uma pérola de extremo valor, um tesouro que vivifica, nos dá luz, verdade e, até, grandeza moral. Deus, na sua prodigalidade, tenta alcançar todo e cada homem, lançando a semente, enviando os seus servos, lançando a rede. Se persistirmos na nossa apatia seremos excluídos como uns inúteis. O discurso das parábolas acaba de nos introduzir na descoberta do grande tesouro que é o Reino de Deus. Para chegarmos ao seu pleno conhecimento devemos nos familiarizar com o Novo e o Antigo Testamento (v. 52).
Mt 13,36-43
  O objeto da parábola é o Reino. Seja na parábola do semeador como na do joio e do trigo, o Reino é fruto de uma semente, a Palavra, aquela que Is 55,10 vê sair da boca de Deus. É Cristo, a Palavra que se fez carne, que anuncia, expulsa os demônios, cura as enfermidades, ensina e se doa. Quem dela come não terá mais fome, quem dela bebe não terá mais sede (Jo 6,35).
O campo é o mundo: a humanidade decaída que é escrava da vaidade, a partir da idolatria que troca a glória de Deus pela glória do homem, aves , répteis e animais. Ama as trevas, e vive segundo as concupiscências da carne, do ouro e da soberba (Jo 15,18; Rm 1,18; 1Jo 2)
Os filhos do Reino são os que assimilam a vida da boa semente (fé, dons do Espírito; seus frutos; o serviço).
Os filhos do Maligno são os que amam a mentira, não têm e si o amor de Deus, procuram sua própria glória.
O juízo final determina o Reino definitivo dos eleitos, por uma ação do Filho do Homem que se fez semeador pela Encarnação. O destino dos maus é o extermínio. A glorificação dos eleitos é a sua participação da luz de Deus. O quadro está em paralelo com Ap 12 que acrescenta as condições de embate entre o Diabo e o Filho do Homem. A grave advertência final ecoa nas Cartas às igrejas (Ap 2-3) que relembram as responsabilidades a serem assumidas por elas em vista do seu reconhecimento por parte de Cristo, diante do Pai.

Reflexão                                                                      Terça-feira, 17ª semana TC
A explicação de Jesus apresenta conteúdos fundamentais da Boa Nova: o Reino de Deus, o mundo, o Filho do Homem, o Maligno, a separação final dos bons dos maus, o destino dos justos.
O Filho do Homem purificará tudo como se purifica o ouro no cadinho e lançará “na fornalha ardente os que praticam a iniquidade”. Herdará com ele o Reino “a boa semente” que terá produzido frutos. Os homens que se deixam dominar pelo Mal, iludidos pelas concupiscências, serão lançados no fogo eterno e serão consumidos, “os justos brilharão como o sol no Reino do seu Pai”  (v.43).
Mt 13, 44-46
A parábola do tesouro escondido nos revela a preciosidade do Reino e como deve ser por nós descoberto. O valor está na sua condição divina. Nós a ignoramos porque é um valor transcendente. Mas, uma vez que Deus no-la oferece, não é mais para titubear, tudo deve ser investido na compra daquele tesouro: é uma pérola de extremo valor, um tesouro que vivifica, nos dá luz, verdade e, até, grandeza moral. Deus, na sua prodigalidade, tenta alcançar todo e cada homem, lançando a semente, enviando os seus servos, lançando a rede. Se persistirmos na nossa apatia seremos excluídos como uns inúteis. O discurso das parábolas acaba de nos introduzir na descoberta do grande tesouro que é o Reino de Deus. Para chegarmos ao seu pleno conhecimento devemos nos familiarizar com o Novo e o Antigo Testamento (v. 52).
O Reino dos céus é uma realidade preciosa.  Sugere-o o tesouro no campo e a pérola de grande valor.
Ele o é porque foi estabelecido pelo Filho que o Pai enviou, mediante a purificação dos pecados.
A vinda ao mundo implicou a kénosis de Jesus (Fl 2,6) e a sua obediência até a morte de Cruz. Podemos, agora, aspirar a fazer parte da assembléia celeste dos santos. Fomos libertados da servidão do Maligno e do temor de sermos condenados à morte eterna.
Somos irmãos de Jesus, o Sumo Sacerdote que entrou no santuário do Céu com o seu Sangue e que intercede por nós.
Desde já somos bem-aventurados porque nossos olhos vêem e nossos ouvidos ouvem o que muitos profetas e justo desejaram ver, isto é, conhecemos o Pai pelo Filho que quer no-lo revelar.
Pela forma segundo a qual Mc 1,14 específica os momentos do querigma inicial (Mt 4,17), compreendemos a urgência da nossa resposta ao apelo de Jesus. Marcos sublinha o aspecto escatológico e a importância da Boa Nova.
Por isso, devemos acatar a exortação de Hb 3-4 de não endurecermos o nosso coração.
Não basta acolher com entusiasmo a Palavra, temos que abraçar todos os mandamentos ditados por Jesus para chegar a possuir o Reino dos Céus.

Reino

     Reino era a condição político-social à qual aspiravam os hebreus, no tempo dos Juízes. Naquele momento, manifestavam que estavam se afastando da teocracia. Deus o permitiu e o rei se tornou o seu filho, ungido para reger na justiça e no direito o povo de Deus e ser o seu sacerdote. A realeza, infelizmente degenerou. Após a volta de Babilônia, acabou, prevalecendo a autoridade dos sumos sacerdotes e dos fariseus. A nação começou a aspirar para uma autonomia política.
 Enquanto as Escrituras falavam de um Redentor, o povo esperava o descendente da realeza.
A situação, no tempo de Jesus era: domínio do império romano, do tetrarca, filho de Herodes,  governo dos sumos sacerdotes, anciãos do templo e liderança espiritual dos fariseus.
Os revoltosos que pegavam nas armas encontravam aceitação.
Jesus quis atuar segundo a linha ditada pelas Escrituras. O seu programa de ação é definido pelo título de “Filho do Homem” segundo Dn 7,14. Quando anuncia a sua Morte atribui a si o título de Servo de Iahweh, que realiza segundo a figura do cordeiro pascal. Dela deixa o memorial com a instituição da Eucaristia.
Quer restabelecer a condição segundo a qual Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, realizando em si os ideais de obediência e submissão e, dessa forma, segundo o Desígnio do Pai, resgatar do domínio do Maligno os seus irmãos.
     A condição de rei,contudo, assumida sempre de forma análoga, diz respeito a Jesus  enquanto, na condição de descendente de Davi, deveria assumir o comando do povo escolhido para anunciar a salvação a todas as nações. Jesus atribui a si esse título diante de Pilatos, embora especifique que o reino que vai estabelecer não é segundo a ordem deste mundo. Ele é aquele que faz reinar sobre o Mal para que os homens reinem para sempre com Ele (Mt 25).
Mt explica esse Reino pelo discurso da Montanha (Mt 5-7), ao descrever a ação divino-messiânica de Jesus (Mt 8-9), mostrando quem são os que o anunciam e como deve ser testemunhado (Mt 10) e descrevendo os que, de fato,  dele se tornam dignos (Mt 11-12), explicando-o, enfim, com parábolas (Mt 13).
1º - Definição
O Reino tem sua explicação analógica nos reinos da terra, instituições que implicam uma condição hierárquica . Temos um chefe que governa e os súditos que obedecem. No comando, temos Cristo que é superior a nós pela sua dignidade e condição divina. Enquanto os súditos dos reinos desta terra são explorados pelos que os governam, que nada têm de superior a não ser a ambição desmedida, os fiéis da Igreja são beneficiados porque Deus reina pelo serviço e a comunicação dos dons da sua condição divina. Dessa forma, resulta que o Reino de Deus difere dos reinos desta terra, no sujeito que o atua e nos benefícios que proporciona. Fl 2, 6-11 fala de Jesus que assume a condição de Servo; o que lhe permite realizar em si os ideais da criatura. Hb 1,1-3 mostra Jesus que realiza a Redenção em virtude da sua condição divina e se torna princípio da nossa glorificação pela sua entronização.
Pela nossa fé na condição messiânica e divina de Jesus e no valor da sua morte, participamos da sua vida, na condição de filhos de Deus Pai, pelo Espírito que a ele nos configura como sacerdotes, profetas e reis. Está em nós o penhor da nossa imortalidade e ressurreição na carne. O Reino é, portanto, uma condição de salvação na fé naqueles que esperam a sua manifestação gloriosa, o que dar-se-á quando verão Deus com ele é. Quem se purifica dos seus pecados já o vê e o conhece porque nele já está a vida de Deus. É o ensinamento de 1Jo 3; 2Pd 1 3-10; Rm 5.
Os canais desta graça são o anúncio apostólico, o batismo, a confirmação, a Eucaristia, o serviço, a salvação final que Cristo oferece a quem é constante na provação e se abre a uma esperança que não será confundida.
2ª Atuação
Deus ama de tal forma o homem que não para de lhe oferecer vantagens, esquecido de suas culpas, aliás, na sua sabedoria, explorando a culpa para, na misericórdia, aumentar o dom para quem se deixa atrair. O amor de Deus é manifesto na criação que, contemplada, leva o homem a prestar culto ao Deus onipotente, sábio, glorioso e bom. O homem chegaria ao conhecimento da forma perfeita segundo a qual Deus o plasmou. Após o pecado, dentro da economia da salvação, Deus manifesta o seu intuito de divinizar o homem. Podemos afirmar, que Deus permitiu a culpa para nos tornar “conformes à imagem do seu Filho” pela justificação, para nos levar a uma glória perfeita que somente a imolação proporciona.
Vale a pena investir nesse tesouro, a partir do entendimento do Plano de Deus, o que já é uma riqueza em si. Atuando a etapa intermediária, superamos a visão instintiva, capacitados de entender o valor relativo do aliciamento dos sentidos e a superioridade dos bens do espírito. A glorificação só pode ser intuída e o é da forma sempre mais profunda para quem vive a moral ditada pela Revelação. Ninguém a entendeu como Cristo, Maria Ssma., Pedro, Paulo, João e, ao longo dos séculos, os santos. Pela vida de Paulo, entendemos como isso se processa: 1º) de grande valia é o esforço humano, qual Paulo realizou pelo estudo das Escrituras; 2º) na base da convicção iluminada pela Revelação interpretada pela Profecia, considerou tudo um nada para conquistar a Cristo; 3º) viveu o serviço a Jesus Cristo pregando o Evangelho de Deus sem desânimo, ensinando e suportando toda espécie de sofrimento; 4º) perseverando até experimentar os frutos do Espírito numa esperança que já não podia ser confundida.

Mt 13, 47-53
A rede lançada indica a forma indistinta e universal da vocação à herança do Reino. A qualidade dos peixes se refere à condição definitiva, quando há o julgamento: nem todos corresponderam à ação de Deus. A rede cheia não é um fato da pesca, é uma forma para passar da imagem para a situação real. Depois que a todos tiver sido anunciada a vocação ao Reino, haverá um julgamento. Deus quer corresponsabilidade por parte do homem. Os imprestáveis serão jogados fora.
O fim dos tempos é o que mais esta parábola sublinha: especifica o lugar dos maus, a fornalha; o mesmo lugar do joio. A parábola do joio descrevia o dinamismo do Reino ao longo das vicissitudes terrenas; a da rede considera o juízo final. Trata-se de uma ação divina que os anjos executam.
Pelas parábolas do Reino Jesus tentou nos fazer compreender a importância da ação de Deus pelo Filho, a Palavra que saiu do Pai e veio ao mundo; as condições em que pode se desenvolver a graça em cada um; o sofrimento no testemunho; a consistência do Reino; a sua importância; o seu valor; a condição final. Todos têm que se tornar mestres da Lei para dominar a Profecia e, por ela, falar do Cristo, acatar seu ensinamento divino e viver os valores do Reino.

Consideração final - Reino dos Céus é a condição gloriosa à qual Deus destina o homem que vive a liberdade dos filhos de Deus, pela obediência e imolação que lhe permitem prevalecer sobre as tentações das concupiscências. De fato, o homem facilmente desvia do seu caminho de louvação motivada pela contemplação da criação que lhe faz reconhecer os atributos divinos. Ilude-se de possuir condições divinas. Consequência disso é a desordem moral.
Modelo de vida de criatura é Jesus. Vemo-lo  superar as tentações no deserto. Ele, em virtude da condição divina da sua Pessoa, segundo a condição humana assumida pela encarnação, serve na obediência. A sua humanidade não é vítima da ambição desmedida, da cobiça do ouro, da concupiscência da carne. O homem virtuoso que vive nele é por ele descrito pelas Bem-Aventuranças. Para ele, também, traça o caminho pela interpretação das Escrituras e pelos conselhos da verdadeira esmola, jejum e oração, de fazer um tesouro no céu, procurar o Reino, não julgar.
Em Mt 10 Jesus lembrou o testemunho de vida que os seus enviados devem dar ao pregar o Evangelho e o testemunho diante do mundo. A parábola da semente que cai nos diferentes lugares faz a ligação entre a natureza do Reino enquanto é plantado e as obrigações morais dos que o acolhem, apresentadas pelo Discurso da Montanha e o Discurso da Missão.
A parábola do joio e do trigo retrata a situação grave dos cristãos no mundo (Jo 15,18-16,4; Ap 11-13).
A motivação para chegar a brilhar como o sol no Reino do Pai é a importância daquilo que nos é proposto: equilíbrio na virtude, vida divina em nós pelo serviço, esperança que não será confundida de uma vida em Deus.
Ef 1,3-14 nos permite considerar a importância do Reino porque é um cântico espiritual que celebra Deus, o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo que nos abençoou no Amado para que nos tornássemos seus filhos adotivos. Para isso, em Cristo nos remiu e fez transbordar em nós toda sabedoria e ciência. Em  Cristo, tudo recapitulou, nos tornando nele co-herdeiros, se tivermos chegado a uma esperança que não será confundida porque, então, o amor terá sido derramado nos nossos corações. Em Cristo, fez de nós o povo da sua conquista, chamado a viver a purificação dos pecados.
O Reino contempla, em primeiro lugar, Deus no seu desígnio, que age na sua benevolência, nos enche de graça e nos leva a toda verdade, em Jesus Cristo. Uma determinação estabelecida desde o princípio, ditada pelo amor.
Em segundo lugar, mostra como, pela Palavra, nos é transmitida a graça. Ela carrega o Espírito da verdade, que nos leva a toda verdade. É a Palavra do Filho que o Pai consagrou e enviou ao mundo.
Em terceiro lugar diz em que os homens se tornam: são configurados a Cristo, sacerdote, profeta e rei. Participarão da Glória para a qual Deus os destinou.
17o Domingo TC Ano A
Reflexão (Mt 13,44-52)
Com esta perícope, terminamos a leitura do 3o Discurso de Jesus, em Mateus. Por meio de parábolas, Jesus quis nos apresentar o tema da sua pregação messiânica seja como semente que o semeador espalha, campo onde, junto com o grão, cresce também o joio, árvore que aninha pássaros, fermento da massa, e, hoje, como tesouro, pérola preciosa e rede lançada ao mar. A diversificação das imagens ressaltam ora a ação divina, ora a eficácia que o Reino possui, ora a sua preciosidade e, enfim, o desfecho final, extremamente trágico para todos os que forem rejeitados. Esses temas foram tratados, todos eles, seja quando o evangelho de Mateus falou do Emanuel, a Luz que resplandece nas trevas e nas sombras da morte, seja quando Jesus falou ser ele Aquele que no Espírito de Deus cura os doentes, liberta os prisioneiros e que envia os Apóstolos, tornando-os capazes de dar testemunho no Espírito. São Paulo nos diz, também, que,  pela pregação dos Apóstolos, o "Evangelho é força de salvação" (Rm 1,16). A sua preciosidade foi proclamada por Jesus ao exclamar: "Felizes os vossos olhos porque vêem e os vossos ouvidos porque ouvem. Muitos profetas e justos desejaram ver e não viram, ouvir e não ouviram" (Mt  13,16).
O Reino dos Céus é um tesouro porque a Descendência prometida vence o Dragão, é dado aos homens revestir-se do homem novo na justiça, santidade e verdade e ressurgir para participar com Cristo da herança reservada aos santos.

Mt 13, 54-58
Terminada a secção dedicada às parábolas, Mateus volta a falar da atividade messiânica de Jesus que Marcos assim resume: “Vamos a outros lugares, às aldeias da vizinhança, a fim de pregar também ali, pois foi para isso que eu saí. E foi por toda a Galiléia, pregando em suas sinagogas e expulsando os demônios” (Mc 1, 38-39).
Os discursos da Montanha, o da Missão e o das Parábolas são sínteses sobre temas que Jesus tratou ao longo da sua ação profética que Lc 4, 16-24 descreve quando da visita do mesmo à sua cidade natal. Pregação curas e exorcismos eram os sinais da sua divindade e messianidade.
Em Nazaré se apresenta o obstáculo da incredulidade provocada por uma suposta segura informação que o povo achava ter acerca da origem de Jesus. Dela trata de forma extensiva João, no seu evangelho (Jo 7-8).
Quando Mateus lembra os irmãos e irmãs de Jesus,  o faz utilizando o termo com o qual, na Igreja apostólica eram lembrados os parentes dele que tinham uma posição de destaque por ser consanguíneos do Senhor. Quando ignoramos essa origem, introduzimos a questão dos filhos que Maria teve.
Em relação à maternidade virginal de Maria, dizemos que, a princípio, ela é uma figura teológica, na esteira da condição estéril das mulheres dos patriarcas. Quer sublinhar, antes de tudo, a intervenção de Deus na história da salvação para que sobressaia a sua total gratuidade. Em segundo lugar, uma vez que a Igreja apostólica proclamava que Jesus era a Palavra, Aquele que vinha depois de João, mas existia antes dele, a concebia como o Filho que assumia por si mesmo a condição humana, criando para si o seu corpo na potência do seu Espírito. Todavia, pela premissa de Mateus à narrativa da aparição do anjo, em sonho, a José, para que recebesse Maria como esposa, vemos que a mesma Igreja professava a concepção virginal da Mãe de Jesus. A reflexão sapiencial, disso, encontra a explicação na profecia de Isaias (7,14). A concepção virginal e a vocação à paternidade se tornam, respectivamente, para Maria e José a motivação da sua dedicação, na fé, à missão de cuidar do menino. De  Maria, no que diz respeito à vida pública de Jesus, sabemos, pelos evangelhos, que acompanhou o Filho até os pés da Cruz, momento em que recebeu a missão de ser a Mãe da Igreja (Jo 2,12; 19,25-27).
A maternidade virginal de Maria é, para a Igreja, após a ressurreição do Senhor, mais um sinal que ajuda a interpretar a condição messiânica de Jesus. Isto permite ver em Jesus a Pessoa divina do Filho agindo segundo a Profecia. É a Palavra criadora que assume a condição adamítica e realiza em si a obra que Deus prometeu pela Descendência da Mulher, o Menino que é Grande, Conselheiro admirável, Pai eterno, Príncipe da paz, sobre o qual repousa o Espírito. É o Filho do Homem que recebe todo poder do Ancião, que participa ao povo dos santos do Altíssimo. É o Filho que se tornou “Dia”, que, pelo sofrimento, alcançou a condição gloriosa, sentando à direita de Deus, e, para nós, a libertação do Maligno. É o nosso Sumo Sacerdote que entrou no céu com o seu sangue e intercede por nós.
Lucas, com o quadro da Anunciação (Lc 1,26-38), nos dá a ilustração da maternidade virginal de Maria.  

                                                                                                                                              O Evangelho de Mateus (14-15)

   Mt 14,1-21                                                                                                                                           A hostilidade contra Jesus vai se acentuando. O povo, ao mesmo tempo, responde com apatia (Mt 11,21), entusiasmo superficial (13,54) ou interesse, todavia logo sufocado pelas preocupações do mundo (14,1: Herodes). A ignorância religiosa é a causa de tudo isso, de forma que, até para Jesus, torna-se impossível agir. Está diante de um povo que ouve, mas não entende, enxerga, mas não vê (13,13). A morte de João Batista (14,10) é o prenúncio daquilo que acontecerá a Jesus. Quando o mundo prefere as trevas à luz, é porque quer, afinal, se desfazer da luz, primeiro tentando cerceá-la, depois eliminando-a. É o poder que o próprio Deus concede àqueles que são chamados a se tornarem instrumentos do mal para a realização do seu desígnio. João é o último  dos  profetas do AT a ser martirizado por causa “da Palavra de Deus e do testemunho que dela tinham prestado” (Ap 6,9). A Besta (Herodes) e o falso profeta [os escribas que não querem reconhecer a missão profética de João Batista (Mc 11,30s)] voltam a aplicar o critério da violência iníqua, revelando-se “filhos daqueles que mataram os profetas” (Mt 23,31), a ponto de os mártires do AT elevarem a Deus a sua prece “até quando?”(Ap 6,9). Será no martírio infligido a Jesus que os santos serão vingados (Ap 11,18). Sodoma e Egito crucificarão, sim, o seu Senhor (11,8), mas este os vencerá pisando-os no “lagar do vinho do furor da ira de Deus” (19,15). A Morte de Cristo é a resposta à esperança de João Batista e de todos os profetas do AT. Porém, não tendo chegado ainda a sua hora, prudentemente, Jesus se afasta, indo para um lugar deserto, longe da turbulência das paixões desenfreadas.  Para ir ao encontro da necessidade da sua presença na Igreja, que cessará com a sua morte, Jesus anuncia qual será a nova maneira da sua presença. Ao multiplicar os pães para uma multidão de cinco mil homens, com os seus gestos, evoca a função de Moisés que deu o maná ao povo de Deus, no deserto. A atenção que, naquela hora, Jesus dispensa aos doentes, indica a compaixão que teve para conosco ao nos dar, como viático, nesta terra, a Eucaristia. O alimento que ele dá é fruto exclusivo da sua ação, na hora da tarde, a hora do sacrifício vespertino no templo e, mais tarde, a hora do seu sacrifício na Cruz. É um alimento que não se encontra nas fontes terrenas para a sustentação do homem. Um alimento que, por ordem de Jesus, os Apóstolos devem providenciar para as multidões. Missão humanamente impossível. Tudo o que eles puderam catar e oferecer ao Mestre foram cinco mais dois alimentos, isto é a totalidade do esforço da sua procura, sete elementos entre pães e peixes. Pela onipotência de Jesus, a insignificância oferecida pelos homens manifesta a plenitude da vida divina que por Jesus é distribuída entre os homens. É a Páscoa do Senhor (Jo 6,4). A vítima do banquete pascal é imolada, o pão partido é distribuído aos convivas para que se saciem e, tendo-se levantado, voltem a enfrentar a caminhada do deserto, a vida de fé, até a vitória definitiva sobre o Mal (Ap 7,16; 21,3-4).
Somente nos dias festivos se comia o peixe, especialmente os pequenos peixes do tamanho de uma sardinha, abundantes no mar da Galiléia que se salgavam como conserva. O banquete de Jesus foi, pois, um banquete de pobres (Site: Presbíteros, Ano A, 18º Domingo TC).


18o Domingo TC Ano A
Reflexão
Mt 14,13-21
            Estamos diante da catequese de Mateus sobre a Eucaristia, enquanto como que anunciada neste momento da vida do Senhor. Será, de fato, instituída na Páscoa judaica.
            A sua significação depende de uma primeira informação histórica sobre a morte de João Batista (Mt 14,1-12)
            Isto nos indica que Jesus dá início a uma nova fase da sua vida messiânica. Mateus completou a apresentação de Jesus, quanto à sua condição divino-messiânica: a Luz dos que jazem nas trevas, o Mestre e Guia, o Taumaturgo, a Sabedoria que muitos profetas e justos desejaram ver e ouvir, o Senhor do Sábado, o Filho do Homem, o Servo de Iahweh.
Com Mt 14 temos o início da explicação que Jesus dá da sua Morte. Precede-a a morte de João Batista. A sua Morte acontecerá na mesma linha. Jerusalém mata os profetas. Os fariseus completarão esta obra levando à morte Jesus.
 A Eucaristia será o memorial que perpetuará a instrução da Sabedoria, desta vez apresentando o Caminho que o Verdadeiro, que é, também, Vida, apresenta com a sua imolação de Cruz.
 A narrativa catequética de Mt 14 tem a sua evolução em Jo 6 e o seu sentido para nós em Jo 21
 A simbologia numérica é intensa. Cinco pães, plenitude dinâmica. Dois peixes explica a condição humana da Vida que se fez carne, para nos alimentar. Doze cestos, condição de perfeição na Eucaristia, entendida como alimento que nunca faltará. Instituição divina para todo e cada homem. 
 O sinal foi realmente realizado por Jesus, que o lembra numa travessia, no momento em que os Apóstolos lamentam não ter providenciado o pão. Jesus, então, pergunta: “Quantas pessoas foram alimentadas, quando da multiplicação? Quantos cestos recolheram?" (Mc 8,18-19).
Instituída a Eucaristia, prevalece o sentido alegórico do fato, diante da importância que ela adquire para a Igreja que a chama exatamente “Fração do Pão”  (1Cor 10,16)
É o Alimento que Is 55 recorda: aquele que a Sabedoria (Pv 9,1-6) oferece. É a Palavra que desce do Céu, que somente lá volta depois de ter produzido o alimento para o agricultor.
A Eucaristia sempre nos recordará os ensinamentos de Jesus e será princípio de vida eterna para os que dela comem, porque “é a carne dada para a vida do mundo” (Jo 6,51).

Mt 14, 22-36
Depois da multiplicação dos pães, os Apóstolos empreendem a travessia, por insistência de Jesus. No meio da noite enfrentam um mar revolto que lhes mostra a sua impotência. Temos, então, mais uma intervenção de Jesus. Na sua catequese, os Apóstolos foram lembrando as ações prodigiosas que, enquanto ao longo da vida do seu Mestre, tinham a finalidade de levar os discípulos a ver nele o Messias, tinham, então, a finalidade de ilustrar a condição divina do Senhor da Igreja, o ressuscitado. O testemunho do Espírito era, então, nutrido nos fiéis que se fortaleciam na fé. Estava repetindo-se nos fiéis o que a eles tinha acontecido, exatamente da forma que Jesus lembra a Pedro que está para afundar. Quando a fé amadurece em nós, nem fosse no tamanho de um grão de mostarda, ela se torna a condição da ação irresistível do Senhor da Igreja que não deixa nem barco, nem marinheiro algum afundar. O constatamos na história da Igreja apostólica. Pedro é libertado, não obstante quatro piquetes de quatro soldados cada. Paulo ressuscita depois de uma lapidação. Enfermos são curados pela mediação dos santos.
A fé fez muitos santos superar as condições mais adversas, não excluídas as do seu martírio.
Mt 14,34-36
Estamos diante de um quadro que está em paralelo com tudo aquilo que, de forma negativa, os habitantes de Nazaré dizem de Jesus que se apresenta na sua condição de Messias (13,53-57). Este quadro estabelece uma inclusão que define o tema específico tratado na mesma: a condição messiânica de Jesus. Ela quer, contudo, sinalizar um aspecto diferente daquele contemplado até Mt 13. Se até este capítulo, o evangelista falou de Jesus como Messias, o fez apresentado-o na condição de Mestre e taumaturgo. A partir de Mt 14, o evangelista quer apresentar Jesus na condição de Messias, enquanto realiza em si a figura do "Filho do Homem" (Dn 7,14) pela sua imolação, segundo o desígnio do Pai. João Batista a anuncia com o seu martírio (14,1-12). A Eucaristia perpetuará a memória do seu "Corpo, entregue para a salvação do mundo" (14,19b; 26,26-28). A aparição sobre as águas do mar lembra a presença de Jesus na história da sua Igreja, que sempre terá que voltar à refeição que ele oferece (Jo 21,12-13).

                                                                                                                                              Se Mt 14 retoma os temas de Mt 11, Mt 15 retoma os temas de Mt 12. A confrontação com as autoridades religiosas recrudesce. Elas têm perdido o sentido espiritual da Lei e dos Profetas e só defendem tradições humanas. Pisam um terreno equivocado que dá pretexto para uma auto-convicção de retidão moral. De fato os escribas e fariseus invertem de tal forma o sentido da Lei que acabam admitindo um disparate: aceitam a violação de um mandamento porque ela favorece, monetariamente, o templo. Isto provoca uma aberta condenação de Jesus que, diante do escândalo farisaico por causa das suas palavras, declara escribas e fariseus guias de cegos (15,14). Jesus reverte a posição equivocada dos fariseus com um ensinamento muito simples: é o que de impuro sai do coração do homem o que contamina, não o que entra pela boca sem ter lavado as mãos!
                                                                                                                                              Da forma com que já tinha-se afastado da fúria demente de Herodes que tinha mandado matar a João (14,12), agora, Jesus se afasta do território da Palestina para evitar a fúria das autoridades religiosas que  querem matá-lo (12,14), fingindo-se escandalizadas (15,12). Na região de Tiro e de Sidônia, embora conceda a graça à mulher cananéia, Jesus mantém a fidelidade a sua missão, revelando assim seu espírito de obediência ao Pai. A volta para a Galiléia é a volta à missão pela qual foi enviado: Israel pode ver em Jesus a manifestação suprema do amor de Javé e do próprio Jesus para o seu povo (10,6). Jesus é realmente o Profeta do qual falou Moisés (Dt 18,18), com os sinais das curas.
Mt 15,21-28: a Cananeia
É um quadro construído que retoma o tema da universalidade da salvação (Magos [2,1-12], servo do centurião [8,5-13]), mantida, contudo, a prerrogativa de ter sido Israel chamado por primeiro, em vista de se tornar o arauto da salvação. Jesus é visto em território pagão. É procurado porque a sua fama chegou até lá (4,24). Ele se revela, com os Apóstolos que dele aprendem, o Novo Israel, para a salvação de todos. A sua atitude com a cananeia visa aumentar a fé.
Tema  A universalidade da salvação
A universalidade da salvação é um conceito claro na religião judaica. É fruto de uma reflexão sapiencial que descobre na história de Israel o paradigma da história do homem.
Tudo o que Deus cria é bom. O mal entra no mundo pela rebeldia. Deus que é a Bondade que age no amor, manifesta a sua magnanimidade e benignidade na misericórdia. O  Plano se realiza pela escolha. Abrão será pai de muitas nações. O Salvador é da estirpe de Davi, descendente de Abraão. A sua concepção é virginal e a sua origem se fundamenta na livre determinação da vontade divina. Nasce da Mulher para ser o primogênito dos mortos. É a Palavra da Vida, a Vida, Vida eterna para  todos.
Segundo o processo histórico da salvação, os judeus são objeto inicial da sua atenção, até porque será pelo Israel de Deus que a salvação chegará até os confins da terra. Sinal disso é a cura do servo do centurião com a solene declaração de Jesus. Esse episódio inspirou o midrash da visita dos magos.
No episódio da Cananeia somos ensinados sobre a fé. Ela é fundamental para a salvação.
O mandato da Ascensão é a revelação plena.
                                                                                                                                              Mt 15 termina com uma segunda narrativa de multiplicação de pães. A simbologia é a mesma da primeira narrativa (14,13-21): está a significar que a economia da Nova Aliança se alicerçará na participação do povo de Deus à Eucaristia, memorial da Morte de Cristo e que esse Pão da Vida será administrado pela Igreja ao longo de toda a caminhada da vida dos fiéis.

                                                                                                                                              O Evangelho de Mateus (Mt 16)
                                                                                                                                              Desde Mt 12,14 está determinado o embate entre Luz e Trevas. Mt 15,1 apresenta o seu recrudescimento: da capital religiosa, onde residem o sumo sacerdote e o sinédrio, e vivem os maiores especialistas da Sagrada Escritura, chega gente para interrogar Jesus. Continuarão a interrogá-lo, mas nunca enxergarão a luz: “São cegos conduzindo cegos!” (15,14). Nem sequer serão capazes de reconhecer o sinal do céu (16,4) na luz da ressurreição (28,11-15). É por isso que Jesus os deixa (16,4b), da forma que já tinha aconselhado os discípulos a fazer (15,14). Fariseus e saduceus são uma Sinagoga de Satanás (Ap 2,9) que do Dragão, homicida desde o princípio, receberam o trono (Ap 13,2b; 2,13). São iguais à Besta que “abriu a boca em blasfêmias” (Ap 13,6; Mt 12,24.31) e quer guerrear contra os santos” até chegar a crucificar o seu Senhor (Ap 11,8). Jesus conhece bem essa raça de víboras (Mt 23,31-33) e gostaria tanto que os discípulos escapassem da influência do fermento dela! (Mt 16,6). Mas os Apóstolos são ainda “homens fracos na fé!” (v.8). Vai ser preciso que o Messias instaure o Reino dos Céus e que, pelo Espírito, fermente toda a massa (Mt 13,33). Na perspectiva da sua ressurreição (16,4), diante da obstinada recusa de Israel (11,16), Jesus decide instaurar o Reino dos Céus aceitando a vontade do Pai: que as autoridades religiosas, seduzindo o povo, sejam os instrumentos da sua morte! Dá início ao seu programa de imolação, revelando a sua messianidade pela boca de Pedro (16,16) e a sua divindade pela sua Transfiguração (17,1-8).
                                                                                                                                              Diante da presença do Pai que revela e do Filho que é revelado, os Apóstolos são chamados a assumir uma condição de serviço que os dignifica grandemente diante de Deus e os coloca numa posição de autoridade na Igreja. É Cristo, o Filho do Deus vivo, que os chama a uma função de serviço dentro da sua Igreja, mediante o exercício de funções de pastoreio que ele lhes atribui. A Igreja de Cristo apresenta-se admiravelmente estruturada com o poder de Cristo visivelmente representado. As chaves abrem e fecham não somente as portas do céu para os fiéis, como, também, as Escrituras Sagradas, na sua correta inteligência. Está aqui esboçado todo o mistério do Reino. É algo que Jesus começa a desenvolver primeiro esclarecendo aos que acabam de proclamá-lo Messias, que o Reino messiânico terá seu início sim, em Jerusalém, mas pelo sofrimento (haverá uma coroa de espinhos, não de ouro, e um manto real, porém embebido de sangue (Ap 19,12). Jesus pensa como Verbo de Deus, mas é ouvido pelos filhos dos homens que não entendem o caminho da glorificação: é por isso que lhes proíbe terminantemente de divulgar a sua messianidade (Mt 16,20). Em segundo lugar, Jesus declara, com todas as letras, que reinarão com ele somente os que sofrerem como ele, tornando sua vida um sacrifício, mediante uma total renúncia a si e às ambições terrenas. O reino messiânico em que os Apóstolos estão pensando não é o certo, porque as conquistas materiais proporcionam um triunfo e uma prosperidade material que não são capazes de dar a vida. É preciso entrar na perspectiva de Deus, que Jesus agora tenta explicar, para desenvolver a intuição sobrenatural que o Pai concedeu aos Apóstolos acerca da sua Pessoa: Ele é destinado à morte porque é por ela que reinará; os discípulos terão que assumir a imolação de si para reinar com o Cristo do Senhor. Iluminados pela perspectiva de Deus; os homens devem abandonar a perspectiva terrena que não é capaz de resolver o problema existencial. A vida se conquista pela renúncia a si mesmo. Jesus reconhecerá como seus e os chamará a reinar com ele somente aqueles que tiverem praticado isso. Nesse momento (16,28) Jesus vê, profeticamente, que os Apóstolos serão dignos dele: não conhecerão a morte porque a vencerão pelo martírio e reinarão para sempre com Ele.

                                                                                                                                              Mt 16,21-27
                                                                                                                                              Estamos num momento crucial da catequese apostólica de Mateus.
O  homem descobriu, pela filosofia, que é pela interação que chega ao conhecimento. Quanto à religião, a interação deve acontecer com a História. O próprio Deus escolheu este caminho para se revelar. Por si, o homem teria conseguido conhecer o Criador a partir da criatura, mas foi traído pelo próprio processo cognitivo e acabou na idolatria. O Deus misericordioso, então, tomou a iniciativa de se revelar a partir da vocação de Abraão. Vemos, contudo que esse processo é lento e, sobretudo, que é advertido somente pela reflexão sapiencial. Vemos, também, com quanta dificuldade o povo hebraico procede na prática da sua religião. No tempo de Cristo Jesus recebe até o elogio de São Paulo: ele é um povo zeloso. Contudo, a rejeição que fez do Messias do Senhor, indica quanto o homem precisa crescer na religião para se encontrar com Deus (cf. Jo 6, 41-51). Esta experiência se manifesta, mais uma vez, no Novo Israel que Jesus inaugura com a vocação dos doze. São homens zelosos que se abrem à Messianidade de Jesus, mas a interpretam  de uma forma imprecisa (cf Jo 13: eles são puros porque acolheram a palavra de Jesus, mas ainda não entenderam o serviço e a imolação (Rm 12,1; Ef 5,1; 1Jo  3,1: nós, também, devemos dar a vida pelos irmãos). Jesus sabe que deve polir a profissão de Pedro. Vemos, então, no processo pedagógico com que Deus conduziu Israel e no processo pedagógico que Jesus utiliza em relação aos seus discípulos, qual é o processo pelo qual nós, também, devemos passar, embora tenhamos acolhido Jesus no nosso coração. Em nós vive o homem carnal da ambição e do materialismo, enquanto Jesus quer promover em nós o homem espiritual que nos leva a conquistas de valores morais e nos introduz no Reino da justiça e da verdade, da santidade e da graça, do amor e da paz. Para a igreja apostólica, esse progresso no homem que abraçou a fé deve acontecer olhando para Jesus que é o homem que age guiado pela sua própria natureza divina. Ele se apresenta Caminho enquanto dita as Bem-aventuranças que, por primeiro, implementa. Mas aquele que os Apóstolos nos apresentam como modelo, nos é apresentado, para a nossa máxima motivação, por 'Aquele que é'. Não é somente o realizador da profecia, segundo a qual já devemos definir a natureza do Reino que nos anuncia, é a própria divindade que se revela a nós mediante a encarnação daquele que em Deus é a Palavra. Aparecendo na condição de homem, porque é a Palavra que assumiu a natureza humana, nos fala de Deus como aquele que Dele é o Filho. Por esse processo nos revela não somente a sua condição divina, como, também, a Vida Trinitária do Deus único que se revelou a Israel. Estamos diante de uma riqueza infinda de verdades que se constituem no patrimônio da religião e que são revelação de Deus no que diz respeito àquilo que é Deus em si, ao destino do homem, ao processo de crescimento do homem, à maneira sublime de como  Deus o realiza pela Encarnação da Palavra.
 Quando Jesus, após o reconhecimento da sua messianidade começa a desenvolver a noção de Messias, somando a todas as outras interpretações sugeridas pelas profecias até então citadas aquela de Filho do homem que será entregue, e que, por sua vez, deve ser interpretada pela profecia do servo de Iahweh, ele convida os apóstolos a recapitular tudo aquilo que até então lhes foi ensinando para que se torne o fundamento da visão plena quanto à maneira segundo a qual se concretiza o Reino. Nós temos que estar abertos a esta evolução de conceitos porque chegou o momento crítico: ou nós abraçamos o verdadeiro caminho da nossa realização, ou teremos fracassado por causa do desânimo que terá tomado conta de nós. De fato, não há outro caminho de realização do homem a não ser aquele que lhe condiz e que Jesus escolheu para a sua humanidade, exatamente porque se tornou um de nós, em tudo igual a nós. A criatura humana deve se submeter ao seu Criador e, na manifestação suprema da sua obediência, apresentar a sua vida em sacrifício de imolação. Cristo Jesus facilita esta opção radical ao assumi-la por primeiro, para se tornar fonte de consolação para nós pela instituição do Memorial da sua imolação de Cruz, e  Princípio de força.
A celebração da Palavra se torna, então, ponto de partida da nossa vida cristã. Quanto mais assumirmos o compromisso de seguir a Cristo, carregando a cruz de cada dia, tanto mais descobriremos que teremos encontrado o Caminho da vida. Diante da perspectiva de comparecermos diante do tribunal de Cristo, sentiremos o consolo de quem, tendo vivido para tornar a sua vida um sacrifício espiritual agradável ao Senhor, sabe que dele receberá a coroa da vida e que dele ouvirá as palavras que o convidarão a participar do Reino do Pai: “Vinde benditos de meu Pai, possuí o Reino preparado para vós”. O encontro com Cristo acontecerá da forma que é apresentada no Apocalipse. Enquanto a Esposa, no Espírito, invoca: “Vem Senhor Jesus”, o Esposo responde: “Aqui estou”.
                                                                                                                                              O Ano Litúrgico vivido em toda a sua intensidade é, portanto, a forma pela qual vivemos a expectativa jubilosa da vinda do Senhor  nos admoestando com toda sabedoria pela Palavra proclamada, que deve ser escutada e meditada; celebrando a Morte do Senhor enquanto ele vem e vista como principio de realização do Reino; dando testemunho pela nossa vida, na força do Espírito que a Celebração Litúrgica dos Mistérios do Senhor nos comunica.


21o Domingo TC Ano A
Reflexão (Mt 16,13-20)
Desde o momento em que teve que se afastar para ir "para lugar deserto" (14,13), Jesus iniciou uma catequese direcionada a ilustrar a sua Morte, que o seu precursor, João Batista, acabara de anunciar, como profeta, com o seu martírio. A multiplicação dos pães está aí para nos explicar o sentido do Memorial da sua Morte, que Jesus instituiu na véspera da sua Paixão (14,13-21; 26,26). A sua aparição aos Apóstolos que labutavam em vão na tentativa de conduzir a barca a um porto seguro, ilustra a condição de Jesus, tornado, pela ressurreição dos mortos, Senhor da Igreja, de poder irresistível (14,22-35). 
É esta aparição de Jesus, que já incutiu nos Apóstolos a convicção de estar conhecendo o Messias, por tudo o que de extraordinário estava realizando, quando se deu uma primeira vez (8,23-27), que leva Pedro a professar, em nome de todos os seus companheiros, não somente a sua crença na messianidade de Jesus, como, também, na sua divindade: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo" (16,16). Esta profissão de fé é o início de um processo que culminará com as palavras de Tomé, diante do Senhor ressuscitado que apresenta as chagas da sua Paixão: "Meu Senhor e meu Deus" (Jo 20,28).
A Fração do Pão será o Memorial que perpetuará esta fé (Jo 21,13).
Para Mateus, este episódio da profissão de Pedro, torna-se um claro fundamento para explicar a condição de Pedro na Igreja que vinha se manifestando gradativamente. Pedro não se distingue pelas suas prerrogativas, mas pela iniciativa de Jesus, que os seus companheiros nos relatam: Pedro procura Jesus, dando o primeiro fora, não obstante todo o seu entusiasmo (Mc 1,36), logo no segundo dia da atividade messiânica de Jesus que, todavia, no fim do primeiro dia, Jesus o tinha distinguido com a cura da sua sogra (Mc 1,29-31). Na segunda travessia, Jesus salva o atrevido (Mt 14,30-31), que voltará a sê-lo com os seus perjúrios  de fidelidade (Jo 13,17), por quem Jesus, todavia, rezará, para que confirme na fé os seus irmãos (Lc 22,32). A Pedro, enfim, o Senhor ressuscitado confiará o pastoreio do seu rebanho (Jo 21,15-17). Será alguém que voltará a aparecer, na vida da Igreja, em toda a sua importância, dentro dos limites da sua índole (At 2,14; 10,5; 12,5; Gl 2,14).


Sexta feira 18a Semana TC A ímpar
Reflexão (Mt 16,24-28)
Jesus tem a mais profunda convicção que a sua imolação o levará à glorificação. Em Jo 12,24 temos a explicação: produz frutos o grão que morre debaixo da terra. Aqui temos uma reflexão sapiencial fundamentada sobre o Sl 49: ninguém pode comprar a vida com dinheiro. Ganha a vida quem sacrifica a vida presente por causa do Evangelho e de Jesus Cristo. São Paulo mostra de ter compreendido perfeitamente quando proclama: "Combati o bom combate, guardei a fé. Está reservada para mim a coroa da justiça que o Senhor, o justo juiz, me dará naquele dia, não somente a mim, mas a todos os que tiverem esperado com amor a sua manifestação (2Tm 4,7-8). Ele é um daqueles 'alguns' que Jesus previu, além dos onze dos seus Apóstolos que, por ter perdido a sua vida por causa de Cristo, a encontrou para sempre pelas mãos do justo Juiz, que o chamou a fazer parte do seu Reino. Judas é o símbolo daquele que, exatamente por causa do apego desordenado ao dinheiro, fracassou.


Reflexão (Mt 16,13-23) 
A pergunta inicial de Jesus: "Quem dizem os homens ser o Filho do Homem" abre uma catequese sobre o Senhor da Igreja, depois que este título tem sido lembrado no momento em que Jesus perdoa os pecado ao paralítico, em que Jesus se declara Senhor do sábado. Trata-se portanto de um aprofundamento, como o sinaliza a condição dos Apóstolos que, não obstante a profissão de Pedro, ainda não chegaram a compreender a messianidade de Jesus. Precisamos, nós também, compreender que existe um plano de Deus que deve ser realizado, em vista da plena glorificação do homem. Deus quer levar o homem ao máximo da sua glorificação, por ter em si as condições de ser divinizado. Porque é a Bondade, no seu amor, quer explorar a sua culpa, para que seja revelado o seu extremado amor que Jesus está disposto a viver mediante a sua imolação. Is 53,10 é o texto no qual Jesus se inspira. O título de Filho do Homem, à esta altura, deve ser compreendido em toda a sua significação, a partir do fato que inclui, inicialmente a simples noção de um simples membro da estirpe humana. Ungido rei, se torna o protegido por parte do Deus de Israel, posto em condição de reger, jugar e lidar o povo no culto. Com Dn 7,14, se torna aquele que vem sobre as nuvens para receber, do Ancião dos tempos, a realeza, para governar para sempre. Através de João que o relaciona particularmente a Ez 1,28, Jesus resulta ser a Glória de Iahweh que vem pra julgar a cidade e condená-la, enquanto constrói para si um templo novo do qual jorra a Água do Espírito. 
Tudo aquilo que a catequese apostólica ensinou, a partir do querigma deve ser relembrado, para que Jesus seja compreendido, enquanto nos surpreende porque "não temos em mente as coisas de Deus, e sim, as dos homens" (Mt 16,23).

O Evangelho de Mateus ( Mt 17)
                                                                                                                                        A A ação redentora se realizará no sexto dia. É portanto no sexto dia que, também, o evangelista nos antecipa os seus efeitos. É o dia da criação do homem. É portanto o dia em que deve ser apresentado recriado. O mistério do Novo Adão é manifestado a Pedro, Tiago e seu irmão João, isto é aos homens que crerem nele, porque isso lhes diz respeito. Revela o que Jesus, pela sua paixão será capaz de alcançar para os seus irmãos. É uma visão que só pode se realizar em “um lugar à parte, em um alto monte”, da mesma forma que João vê, no Apocalipse, a visão da “ Cidade santa, Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus, com a glória de Deus”, “ arrebatado em espírito sobre um grande e alto monte” (Ap 21,10). A Transfiguração é um momento que Jesus julga necessário para confirmar, pela visão, aquilo que o seu Pai que está nos céus revelou a Pedro acerca da sua messianidade. A Igreja adquire a absoluta certeza da divindade e da messianidade de Jesus, colocando-se assim na condição de anunciar essa fé como testemunha qualificada (At 10,40). A transfiguração comunica à Igreja uma outra certeza: a de que ela chegará certamente a uma condição gloriosa se seguir a Cristo na paixão. Cristo transfigurado é a representação fiel daquilo que o homem será. A transfiguração não é uma condição definitiva porque, embora seja a mesma de Cristo transfigurado após sua ressurreição dos mortos, ela deve ser, todavia,,conquistada para nós mediante a Paixão e Morte, isto é a imolação do Servo de Javé da qual falam a Lei e a Profecia. É o Espírito que conduz a Igreja ao conhecimento de tudo isso e dos valores que esses mistérios contêm. É por isso que a nuvem, símbolo do Espírito, envolve Pedro Tiago e João, tornando-os capazes de ver e ouvir verdades sobrenaturais e conhecer o seu sentido. Quando portanto a visão e a voz do Pai desaparecem temos que nos lembrar que Jesus, que sempre fica conosco em virtude da sua Encarnação, carrega em si a mesma glória que os Apóstolos contemplaram sobre o monte. Devemos a ele uma adoração incondicional. Devemos reconhecer nele a revelação do Pai, atuando no Espírito.
                                                                                                                                              A explicação que Jesus dá sobre João Batista, ao descer do monte, indica que é nele que devemos procurar a explicação das Escrituras. A interpretação humana é falha. Consequentemente, explica Jesus, divulgar a transfiguração seria expor a uma interpretação humana um mistério que seria esclarecido adequadamente, somente pela Ressurreição. As Escrituras têm um sentido que só Cristo, com o seu Espírito, pode revelar.
                                                                                                                                              A cura do epilético revela que os Apóstolos estão ainda sem a potência da Jerusalém celeste. Ainda não conhecem a nuvem do Espírito, que é a força da fé, única capaz de vencer as forças adversas, simbolizadas pelos montes que devem ser transpostos. A Igreja chega a ter o poder de Cristo de vencer o mal se ela assume os ideais que Cristo apresenta com a sua Paixão. Até quando ela persistir, equivocada, em triunfos de cunho terreno, como revelam pensar os Apóstolos até Pentecostes, não será capaz de ser o instrumento do Reino que Cristo veio implantar sobre a terra.
22-27: O Reino messiânico se atuará mediante a imolação do Filho do Homem
22: O Filho do Homem: Jesus, atribuindo a si a figura de Dn 7, anuncia que o Reino messiânico se realizará mediante a sua pessoa.
22 vai ser entregue às mãos dos homens: a forma é desconcertante
23: eles o matarão:a morte do Filho do Homem será uma aparente vitória dos seus inimigos. Para Jesus, a sua morte será a atuação da sua imolação como Servo de Javé, o Cordeiro de Deus.
23:  no terceiro dia ressuscitará: é a glorificação que estabelece uma condição de realeza, segundo os planos de Deus
23: ficaram muito tristes: os Apóstolos conseguem acompanhar somente o lado humano do anúncio. Não captam o lado profético, o anúncio da ressurreição que é o objetivo final da campanha militar que Jesus está empreendendo. Sobretudo não atinam que Jesus será o novo Templo que ele reerguerá no terceiro dia.
24: os coletores da didracma: se aproximam para cobrar o imposto do Templo
24: Pedro respondeu: é a resposta de quem ainda não entendeu o sentido da Morte anunciada por Jesus. Por ela realizar-se-á o Reino.
24: Sim: para Pedro Jesus é o próprio Messias, mas sempre um israelita servo de Iahweh. 
25:  Jesus antecipou-se-lhe: é o gesto de quem é profeta capaz de dar uma interpretação profética aos acontecimentos humanos. Começa, portanto, um ensinamento profético.
25: de quem recebem: o tributo é uma coisa sempre odiosa enquanto é exigida
25: os reis da terra: são os que tem poder e que impõem tributos e impostos
25: dos seus filhos: todos aqueles que são filhos participam da realeza, é impensável que paguem impostos
25: ou dos estranhos: são os que não pertencem à família real.
26: como ele respondesse: Jesus acaba de colocar na boca de Simão, para que seja o Pedro que ele constituirá, a resposta certa que deveria ter dado aos cobradores de impostos: “Ide cobrar dos estranhos, não do Senhor do Templo que estais para matar”.
26: logo, os filhos estão isentos: Jesus não está falando somente de si, pensa em todos aqueles que reinarão com o Filho do Homem que não serão mais uns estranhos e, conseqüentemente, não terão que pagar os tributos impostos
27: Para que não os escandalizemos:  a geração de Jesus ainda não recebeu o sinal de Jonas, pelo qual poderia reconhecê-lo Senhor do Templo e Filho do Homem. Com o gesto que Jesus ordena a Pedro de realizar, Jesus indica que ele e os seus não pagam o tributo e sim, o recebem, porque ele, como rei ( seu símbolo é o anzol) tem este direito sobre os súditos (os peixes fisgados).
               27: Vai ao mar joga o anzol: são gestos que fazem parte do quadro apresentado por Jesus que começa a falar "em provérbios" (cf. Sl 49,5). O gesto simbólico tem uma clara relação com os reis da terra que faziam dos homens sua presa. Pedro, por vontade de Jesus, é chamado a reinar com ele.
27: O primeiro peixe: é algo que Deus vai lhe entregar para lhe indicar uma realidade nova.
27: segura-o: é exatamente isto que Deus quer lhe entregar.
27: abri-lhe a boca. Acharás aí:  enquanto Jesus prediz, significa que é ele que realizará tudo isso.
27: um estáter: é o tributo de Jesus e de Pedro. O estáter era uma moeda grega que correspondia a quatro dracmas que eles vão pagar para não escandalizar a ninguém. Todo e cada judeu oferecia, cada ano, para a manutenção do templo de Jerusalém, o valor do trabalho de duas diárias (dois denários=duas dracmas).
27: Pega-o e entrega-o: subentende-se: "para que não os escandalizemos". A simbologia da narrativa é evidente. Tinha uma finalidade catequética para os Apóstolos que falavam aos fiéis das comunidades fundadas por eles. Esclarecia sobre condição do Novo Israel que "se edificava em templo de Deus no Espírito Santo tendo como alicerce os Apóstolos e como pedra angular Jesus Cristo" (cf. Ef 2,19-22). Esta narrativa está em paralelo com aquela da tempestade apaziguada de Mt 14,25-33.
2a feira 19a Semana TC
Reflexão (Mt 17,22-27)
A leitura de Ez 1 (1a leitura), nos ajuda a ver em Jesus a Glória de Iahweh que vem para julgar a Cidade e condená-la. Ela interpreta o título de "Filho do Homem" que Jesus atribui a si, enquanto anuncia, pela segunda vez, a obra que o Pai quer que realize: a da sua imolação que acarretará a sua glorificação e a salvação dos seus, no "terceiro dia" (Os 6,2).
A presença dos cobradores do imposto do templo é introduzida propositalmente pelo evangelista. Logo, tornar-se-á manifesto quem é Jesus: não mais um simples judeu que cumpre a sua obrigação com o templo de Jerusalém, mas o Senhor que reconstruirá em três dias o templo do seu corpo, em favor do qual todos os povos da terra pagarão o tributo.
A didracma valia gr 7 de prata e correspondia a dois denários, 
 imposto anual e individual para as necessidades do templo. O estater valia gr 14 de prata.

Mt 14-17 Visão global
Jesus nos ensina, nestes quatro capítulos, quanto ao sentido da sua Morte. Instruídos por Mateus temos que entender que ela ocorre dentro de um processo histórico. Serão os escribas e fariseus hipócritas que darão continuidade à sanha assassina de Jerusalém, que mata os profetas, levando a termo o seu propósito. Com esta sua atitude devem ser vistos associados a Herodes que executa João Batista. As duas bestas de Ap 13 caracterizam as condições em que Jesus realizará o Plano do Pai. A narrativa da multiplicação dos pães é a descrição do Memorial que Jesus quis instituir para que a sua Morte se tornasse para sempre o alimento vital da sua Igreja. O gesto da sua aparição andando sobre as águas do mar e conduzindo de forma segura a barca até à praia, está na linha dos gestos dos profetas. A Transfiguração de Jesus é mais uma demonstração de preparar os discípulos a interpretar a sua Morte, após a sua Ressurreição.
A cura da filha da cananeia, em quem encontra uma "grande fé" (15,28), nos revela que, no fundo, Jesus procurava fortalecer a fé nos seus discípulos. "Homem fraco na fé" é Pedro (14,31). "Homens fracos na fé" são os discípulos preocupados com o alimento material (16,8). "Por causa da fraqueza da sua fé" (17,20), os mesmos não conseguem expulsar os demônios. Vivem escravos de pensamentos humanos, tomados pela tristeza todas as vezes que Jesus anuncia que vai realizar a vontade do Pai. 


O Evangelho de Mateus (Mt 18) Discurso à Igreja
    
Os pequeninos são os verdadeiros membros da Igreja (11,25)
O mundo com seus escândalos pode desviar uns deles. Por isso a obrigação de viver evitando o escândalo.
O Pai ama os pequeninos, à semelhança do pastor que procura com amor a ovelha que se perdeu.
O irmão deve corrigir o seu irmão, movido, todavia, pelo sentimentos que a perfeita caridade sugere.
A Igreja deve ser interpelada para que o mau fermento não contagie toda a massa. Ao mesmo tempo, a Igreja deve viver para produzir muitos frutos para que o Pai seja glorificado pelo Filho. 
Estamos diante do discurso de Jesus à sua Igreja. O primeiro ensinamento que Jesus nos transmite diz respeito ao sentimento que deve nortear o nosso comportamento dentro da comunidade: é maior aquele que serve. O segundo ensinamento diz respeito à atitude da verdadeira caridade que visa edificar os outros a partir de um policiamento sobre nós mesmos. A esse respeito Jesus nos ensina que cada homem é filho de Deus. O terceiro ensinamento quer nos lembrar o quanto Deus ama cada criatura que ele quer que se salve. O quarto ensinamento diz respeito à correção fraterna que deve ser efetuada com sentimentos de afeição, com extrema prudência e seguindo regras bem precisas. O quinto ensinamento diz respeito ao perdão incondicional em relação a quem nos ofendeu. As atitudes morais que Jesus nos ensina, embora difíceis de serem aceitas, se revelam extremamente positivas. Jesus é o primeiro a viver em espírito de serviço e, enquanto vive o seu amor aos homens manifestado na sua obediência à vontade do Pai, é nosso modelo de santificação. Não há nenhuma grandeza em exigir que os outros estejam ao nosso serviço, enquanto cresce na caridade quem gasta as suas energias visando o crescimento dos outros. Evitar o escândalo é uma questão de autodisciplina pela qual evitamos induzir os outros a cometer uma culpa, que nós, por primeiros, estamos proibidos  de cometer. Jesus, de fato, nos diz que nem a nós mesmos devemos escandalizar. A motivação profunda para evitarmos o escândalo é o risco de perder a chance de entrar na vida eterna, caso o pratiquemos. Além do mais, Jesus está insinuando, também, que por causa do escândalo teremos que nos ver com o seu Pai que está nos céus, que, continua nos dizendo Jesus, ama com um amor incomensurável cada uma das suas criaturas, como um pastor que deixa as noventa e nove ovelhas no aprisco para ir à procura da ovelha perdida: ai de quem foi a causa do seu desencaminhamento! Quem tem sentimentos de serviço, sensibilidade em não escandalizar, respeito para cada membro da Igreja, que reconhece ser filho do Pai que está nos céus, é certamente acometido por séria preocupação quando vê o irmão enveredar caminhos errados. A correção fraterna é uma grande caridade. Quem, porém, é chamado a corrigir deve lembrar a si mesmo, antes de mais nada, que quem muda os corações é Deus. Não pode se aproximar do irmão pensando que ele é chamado para ser o autor da correção. Suas palavras devem comunicar uma correção, como se viesse do próprio Deus. O motivo deve ser grave, de outra forma a correção seria sugerida mais por uma animosidade do que por uma séria vontade de salvação. Devemos nos lembrar que, em primeiro lugar, temos uma trave no nosso olho. Em comparação, o cisco do nosso irmão é uma insignificância! Parece que, para Jesus, o mais importante é que cada membro da sua Igreja perdoe as ofensas. Se a parábola dos “dez mil talentos” não conseguir nos convencer, devemos pensar seriamente numa rejeição por parte de Deus a nosso respeito:  “como meu Pai celeste agirá convosco, se cada um de vós não perdoar, de coração, ao seu irmão” (18,35). É só pensarmos ao quanto nós devemos a Deus que acharemos uma barganha perdoar a quem nos ofendeu em troca do perdão das nossas culpas. É como se Deus nos estivesse propondo o perdão de uma dívida do valor de trezentos e sessenta mil quilos de ouro ( = dez mil talentos) em troca de três salários e meio (= cem denários). A vida cristã tem, portanto, como base, o espírito de serviço, a prática de uma vida virtuosa e a correção fraterna em vista da edificação dos irmãos; e como condição para continuar a existir em nós, o perdão incondicional das ofensas. É no meio de discípulos animados por estes sentimentos que Jesus está, quando se reúnem para rezar, porque somente então estarão reunidos em seu nome (18,20).

Mt 18,1-14
18,1-4 O tema do 1o ensinamento de Jesus à sua Igreja é determinado pela pergunta dos discípulos: "Quem é o maior no Reino dos Céus?". O seu conteúdo está na conclusão: "Aquele, portanto, que se tornar pequenino como esta criança".
O pequenino para Jesus não é a criança que, nesse caso é somente um termo de comparação, é aquele do qual ele fala em Mt 11,25: aquele a quem é dado entrar em plena comunhão com Deus porque, segundo o espírito de discernimento, reconhece que os verdadeiros valores são aqueles pelos quais o seu espírito suspira, que, contudo, somente o Pai celeste pode dar. Sente-se, portanto, como uma criança, necessitada de tudo e, ao mesmo tempo impotente quanto à condição de chegar a possuir estes valores. Jesus proclama feliz quem vive estas convicções (5,3) porque está em condição de compreender "as coisas de Deus", os "mistérios do Reino" (13,11) e, consequentemente, ser com eles enriquecido pelo seu Pai. Este é o verdadeiro 'maior no Reino dos Céus; maior do próprio João Batista (11,11).
18,5-7 É o 2o ensinamento que tem a sua explicitação em 1Jo 2,18-28. Os "pequeninos" que têm como termo de comparação as "crianças", são os que, tendo acolhido a revelação do Filho, diante da pregação dos Apóstolos, poderiam ser "desencaminhados" (2,26) pelos anticristos, que são do mundo e que negam ser Jesus Cristo, o Filho, . É deles que procedem os escândalos. O texto em questão se presta, enquanto dele fazemos uma leitura edificante, para uma séria admoestação dirigida àqueles que escandalizam, com a sua conduta, as crianças.
18,8-9 É o 3o ensinamento, ligado ao que o precede por uma palavra gancho: "escândalo". Enquanto está relacionado a Mt 5,29, por tudo aquilo que é dito do "olho" (18,9), dizemos que estamos diante de um ensinamento moral que diz respeito ao dever da mortificação dos sentidos, para evitarmos de ser levados a pecar. O pé, de fato, lembra o homem que se torna ímpio quando vai "ao conselho dos ímpios" (Sl 1,1). Não podemos, todavia, esquecer que, por si, é somente uma forma elucidativa, relacionada àquilo que foi dito anteriormente. Jesus quer ressaltar a gravidade do pecado daquele que tenta arrancar das mãos do Pai os que são dele e que o mesmo Pai lhe deu.
18,10-14 Estamos diante da conclusão da argumentação iniciada com 18,5 que, por sua vez, se refere ao "pequenino", "grande" no Reino dos Céus. Ela é delimitada por uma inclusão: "Pai que está nos céus" (18,10)... "Pai que está nos céus" (18,14). Os "pequeninos" são importantes para Deus, porque bem representados na corte celeste (estamos diante de uma expressão idiomática). A sua importância pode ser ilustrada pela figura do pastor que procura uma ovelha perdida. Ninguém se atreva a arrebatá-los da mão do Pai (Jo 10,29).

3a feira 19a Semana TC 
Reflexão (Mt 18,1-14)
Estamos diante do "Discurso de Jesus à Igreja". Ele se apresenta dividido em temas. O primeiro deles é sobre "o maior" no Reino dos Céus. A pergunta dos discípulos sobre "o maior" é equivocada, porque pensam nos "grandes da terra" (Mt 20,21). Jesus, todavia, vale-se da pergunta para ensinar. Os termos que ele utiliza estão relacionados a Mt 11. No Reino dos Céus, "grande" é aquele que entende que é um "anav" (necessitado), um "ptokós"  (insignificante) que, na sua "tapeinofrosune" (espírito de discernimento), convicto que os verdadeiros valores são as verdades divinas, aspira pelos valores que a compreensão das obras da Sabedoria oferece (Mt 11,19): "Felizes são os vossos olhos..." (13,16). Se João Batista é "maior" que qualquer nascido de mulher, em virtude do seu carisma profético, aquele que se faz "pequenino" o supera na "graça". Para esses servos humildes olha o Senhor e lhes concede a bem-aventurança do Reino dos Céus.  No Reino do Pai, portanto, o "pequenino" será o "maior". 
A importância daquele que é verdadeiramente grande está no fato de que o Pai os ama, porque deram a sua adesão de fé a Jesus (v.6). Ai do mundo com os seus escândalos! Pelos termos que Mateus utiliza, nos é dado lembrar 1Jo 2,18-28: os anticristos, que  pelos seus ensinamentos revelam ser do mundo, induzem os fiéis a negar ser Jesus o Cristo, o Filho de Deus. 
A partir de 18,10, temos a motivação final, relacionada ao tema do escândalo: "Não é da vontade do vosso Pai que está nos céus que um destes pequeninos se perca". Em João 10 temos um paralelismo quando Jesus exclama: "Ninguém as arrebata das mãos do meu Pai. Eu e o Pai somos um" (Jo 10,29-30).

Mt 18,15-20
18,15 Se o teu irmão pecar Em 1Jo, o Apóstolo afirma que "todo pecado é iniquidade". Além de exigir de cada fiel a "purificação no Sangue de Cristo", a vida cristã nos obriga à prática da correção fraterna, em vista do bem da Igreja.
18,15 ... vai corrigi-lo a sós Trata-se de uma forma adequada, que corresponde às exigências do respeito que devemos ter uns com os outros, além de provar a nós mesmos que não estamos agindo por animosidade.
18,15 Se ele te ouvir Isto acontece quando Deus pode contar com um instrumento à altura, isto é, com um discípulo de Jesus que expeliu do seu coração qualquer temor, por ter alcançado a perfeita caridade. Deus sempre escuta aquele que o ama.
18,15 ... ganhaste o teu irmão O sucesso provocará grande alegria, igual à do pastor que reencontra a sua ovelha. Será uma alegria motivada pela constatação de que "aquele que estava perdido foi reencontrado, aquele que estava morto voltou à vida" (Lc 15,32).
18,16 Se não te ouvir Isto acontece no caso daquele que se afastou da Igreja "porque não era dos nossos" (1Jo 2,19).
18,16 ... porém, Este advérbio de modo aponta para uma obrigação diante da  qual não podemos nos omitir. De fato, está em jogo, de novo, o bem da Igreja. Temos um dever de caridade, agora, com a comunidade.
18,16 ... toma contigo mais uma ou duas pessoas As testemunhas, nesse caso, são uma condição exigida porque se trata de um problema da comunidade.
18,17  Caso não lhes der ouvido A presença de mais pessoas acaba comprovando a obstinação daquele que não quer ouvir.
18,17 ... dizei-o à Igreja Estamos diante de palavras que refletem uma situação real que ocorreu desde o início da Igreja. A 1Jo chega a nos falar de anticristos, de apóstatas, pelos quais nem sequer se deve rezar, uma vez que se negaram a estar em comunhão de fé com os Apóstolos.
18,18 Em verdade vos digo: tudo quanto,,, Estas palavras de autoridade, que o próprio Jesus pronuncia, dizem respeito a uma Igreja considerada na sua estrutura hierárquica. Nela, os fiéis encontram o fundamento doutrinal seguro, diante dos que, também, proclamam estar falando segundo o Espírito.
18,19-20 Estamos diante de mais um pronunciamento doutrinário de Jesus, que deve ser entendido à luz de tudo o que foi dito acima. A Igreja, aquela constituída dos que se fizeram os menores através do processo da sua tapeinofrosúne, e que, por isso, são grandes diante de Deus, gozarão sempre da presença de Jesus. Tudo lhes será concedido pelo Pai, porque Jesus será o seu Mediador. 

 4a feira 19a Semana TC 
Reflexão (Mt 18,15-20)
A correção fraterna, para ser realmente um gesto de caridade, deve ter em si as características que somente se tornam presentes no homem que chegou a não ter em si nenhum temor quando eleva o seu pedido a Deus, porque tem a certeza que será ouvido. De fato, o primeiro passo que deve ser dado diante de um irmão que peca é aquele de rezar por ele. Por este gesto, aquele que pretende corrigir o irmão, chegará a ver claramente quanto, de fato, ele é puro. Isto o levará a proceder com extrema calma e prudência; procedimento que será  correto exatamente porque nele vive a perfeição da caridade (cf. Gl 6,1-5). De outra forma, as palavras de Jesus: "hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho" ecoarão nele como prudente admoestação. Deduzimos este ensinamento pela leitura de 1Jo 5,14-16. Quando a correção procede segundo a linha da perfeita caridade, não alcança o seu objetivo somente quando o irmão que peca se põe numa posição de confrontação com Deus. Deus, de fato,  escuta a oração dos "perfeitos". Os passos de uma segunda tentativa com duas testemunhas e da denúncia à Igreja, justificam-se pela caridade que os fiéis devem ter com a comunidade, que deve ser preservada do mau fermento (1Cor  5,6-8).
O ensinamento que encontramos em 1Jo, quanto à oração que certamente Deus escuta, nos alerta que não necessariamente a oração deva ser atendida pelo simples fato de dois ou três se juntarem. Jesus se torna o mediador da oração dos fiéis quando a comunidade se engaja na observância dos seus mandamentos, como ensina Jo 14. O próprio Jesus, então, fará questão de realizar as obras dos fiéis para que, por ele, o Pai seja glorificado.


5a feira 19a Semana TC 
Reflexão (Mt 18,21-19,1)
O "Discurso à Igreja" termina com o mesmo ensinamento contido na invocação do Pai nosso que diz: "perdoai-nos as nossas ofensas como nós perdoamos aos nossos devedores". É a condição mínima para que o Pai nosso nos beneficie com o privilégio de continuarmos a ser membros da sua família. Nós nos tornaríamos irreparavelmente indignos dele, se o Rei constatasse que fomos irredutíveis com uns dos seus súditos, nossos irmãos, por não termos perdoado uma dívida insignificante depois de termos recebido o perdão incondicional de tudo o que devíamos a Deus.

O evangelho de Mateus (Mt 19)
                                                                                                                                              Mt 19 é a direta continuação dos ensinamentos que Jesus dita à Igreja em Mt 18. Do  questionamento sobre o divórcio acaba brotando um princípio novo de ascética cristã, porque Jesus reconduz o matrimônio à sua condição original pela qual a instituição do Criador, vivida em toda a sua grandeza, é condição de glorificação de Deus por parte dos fiéis que a abraçam. Abolido o divórcio, cessa a condição despótica do homem diante de uma instituição que visa criar uma aliança indissolúvel, no amor, entre marido e mulher, fundamentada num compromisso moral de recíproca e incondicional aceitação em vista de uma realização plena dos seus seres pelo mútuo auxílio, fidelidade e companheirismo. Quando os discípulos, chocados, objetam que nessas condições “não vale a pena casar-se” (v.10), Jesus reafirma que o matrimônio deve ser reavaliado, a ponto de ser admirado em toda a sua grandeza como condição de glorificação de Deus por uma vida santa, acrescentando que, nessa linha, os fiéis da Igreja poderiam até  considerar uma forma ainda mais alta de glorificar a Deus, tornando-se “eunucos por causa do Reino dos Céus” (v. 12c). Ele é o exemplo vivente de tudo isso, ao consagrar toda a sua existência ao Pai. Fica estabelecido que todos, na Igreja, devem trabalhar para o Reino dos Céus, seja que os fiéis sejam chamados ao matrimônio, seja que sejam chamados, por uma vocação peculiar, a consagrar a sua vida a Deus de uma forma exclusiva.
Argumentação.
O Deutoronômio fala de divórcio. Já é uma lei que restringe a arbitrariedade dos homens. Falar de indissolubilidade naquela época seria inconcebível: havia uma “dureza de coração” intransponível: sensualidade desenfreada que tornava o prazer do sexo o objetivo final do relacionamento entre macho e fêmea; machismo que reduzia a mulher a objeto de prazer; perda portanto da visão dos verdadeiros valores do matrimônio; não apreciação da grandeza da sua vocação à doação, segundo a missão de educadores de novas vidas.
Jesus fala evocando a visão ideal de Gn 2,18-25 seja em Mt 19 como em Mc 10 e Lc 16.
A exceção que encontramos em Mt 5, repetida em Mt 19 se refere ao direito da separação por causa da infidelidade. Só há um caso de segundas núpcias: um cristão que abraça a fé, constatada a impossibilidade de convivência, não só pode se separar, como casar novamente (1Cor 7,15). Parece, contudo, que a discussão entre Jesus e os fariseus, visa esclarecer o que determina Dt 24,4, não em relação àquela que serà a vida de um casal cristão, mas em relação a um dever sugerido pela legislação judaica de o esposo não mais voltar a se unir à esposa que repudiou e que foi se unir a outro homem. Jesus reafirma a santidade desse artigo da Lei, enquanto leva a própria Lei à sua perfeição revogando o que a legislação da tradição judaica estabeleceu em vista de minimizar a profanação do matrimônio por parte dos judeus influenciados pelos costumes devassos do paganismo. De autoridade divina, Jesus, para aqueles que o reconhecem na sua condição de Filho de Deus, abroga uma lei que se tornou circunstancial e claramente inferior em santidade à lei originária. Nele, como Ef 5 explicará claramente, devem se espelhar os maridos cristãos (Ef 5,28-29)                                                     
O episódio das crianças que são acolhidas por Cristo enquanto são repreendidas pelos discípulos (vv. 11-15), indica quão distantes são os pensamentos desses dos de seu Mestre: continuam pensando de forma humana porque querem ser os “maiores no Reino dos Céus” (18,1), não aceitando a condição de serviço; entendem que no Matrimônio deva permanecer o despotismo masculino, visando somente os interesses do homem, não a grandeza da instituição do Criador que “os fez homem e mulher” (Mc 10,6). Enquanto isso, Jesus insiste em afirmar que “se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus” (18,3). O cristianismo exige uma radicalidade que, talvez, não tenhamos ainda descoberto, mas que o episódio do jovem rico vai mostrar de forma peremptória.
Embora os textos paralelos de Lc 9,14-16 e Mc 10,13-16 nos levem a pensar no termo "criança" como figura metafórica que ilustra a condição dos "pequenos" diante de Deus, os textos sinóticos, incluído à essa altura Lc 18,15-17,  mostram claramente que Jesus se interessa por "crianças que lhe eram trazidas". A pedido dos que as companham, Jesus as abraça e, em seguida, impõe as mãos sobre elas.
É, também, significativo que Mateus registre este fato como apêndice da discussão dos fariseus com Jesus sobre o Matrimônio. Por tudo isso, podemos deduzir que devemos considerar, também, esse aspecto da vida matrimonial. Ele aponta para as obrigações dos cônjuges em relação aos filhos, que devem ser levadas em consideração quando eles pensam em se separar.

                                                                                                                                              Mt 19, 16-22
Texto
19,16 Um jovem rico (v.22), tendo-se aproximado de Jesus, disse: "Mestre, o que de bom terei de fazer para alcançar a vida eterna"? Pelo contexto da narrativa que se segue, entendemos que o jovem está à procura de uma maneira de viver que lhe garanta a conquista da vida eterna. O jovem revela ter bons sentimentos, religiosamente preocupado em dar à sua vida o correto sentido. A riqueza não o corrompeu. Cogita encontrar um caminho de salvação, mantendo, contudo a convicção de que não o tirará da sua condição social.
19,17 Ao que Ele responde: "Por que me perguntas sobre o que é bom? Um só é o Bom. Se, portanto, queres chegar, duma vez, à vida, guarda os mandamentos. "Já te foi dito, ó homem, o que deves fazer para ter a vida: - responde Jesus - guarda os mandamentos ditados por aquele que é a Bondade".
19,18-19 O jovem rico indaga: "Quais"? Ao que Jesus responde: Não matarás, não adulterarás, não roubarás, não levantarás falso testemunho; honra teu pai e tua mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo". O jovem pergunta, não porque não esteja conhecendo quais são os mandamentos, mas para verificar se está no caminho certo, uma vez que, segundo sua própria declaração, ele está observando-os desde sempre (v.20). É por isto que Jesus continua dialogando com ele.
19,20 O jovem lhe diz: "Tudo isso tenho guardado. Que me falta ainda?". Há sempre uma incerteza, até quando o homem procura servir a Deus observando os seus mandamentos. Isto acontece porque a vida eterna se torna conquista definitiva somente  quando Deus chama o homem para recompensá-lo pela sua fidelidade. Enquanto isto não acontece, Deus está provando o homem através do chamado a sempre maiores desafios, em vista de uma recompensa sempre maior.
19,21 Falou-lhe Jesus pra valer : "Se queres ser perfeito, vai, vende o que possuis e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Depois vem e segue-me".
Paulo nos explica quem é o perfeito: é o homem guiado pelo Espírito, capaz de todo conhecimento de Deus; uma condição que é alcançada quando tudo é deixado para trás, para conquistar a Cristo, aceitando, segui-lo porque "devemos andar como ele andou" (1Jo 2,6). O jovem rico está numa condição privilegiada porque, caso distribua as suas riquezas aos pobres estará dando o último passo para alcançar a virtude da caridade (2Pd 1,3-5), e porque, atuando esta condição, poderá seguir a Jesus que está convidando-o.
19,22 Quando o jovem acabou de ouvir o que Jesus lhe tinha dito, foi embora tomado por tristeza, pois era dono de muitas possessões. O jovem não estava preparado para um discurso tão sábio. Mostrou ter um apego infantil a bens materiais que ainda não sabia devidamente administrar, até porque a sua espiritualidade era ainda, por sua vez, infantil.

O jovem rico (v.22) procura Jesus, que está se revelando na condição de Cristo  de Deus, e que, portanto, deve ser assumido como Guia (23,10), para ouvir dele uma orientação segura para "ter a vida eterna". "Guarda os mandamentos!", responde Jesus. A resposta está dada. A insistência do jovem acaba criando uma obrigação moral que, quando não cumprida, se torna uma ofensa a Deus e causa de condenação, pena a exclusão do Reino de Deus. A atitude que entristece a Deus é a forma mesquinha de quem renuncia a ser "perfeito", esquecido da confiança que deveria continuar a depositar no seu Mestre, não obstante o pedido surpreendente que lhe faz. Enquanto se afasta pesaroso, o jovem rico está perdendo a oportunidade de investir num "tesouro nos céus" (v.21).  
 A riqueza, em si, não é um mal. No AT é até considerada sinal de benção de Deus. Se torna um mal quando o homem não sabe utilizá-la para o seu próprio bem. Jesus oferece ao jovem rico essa oportunidade. No momento em que este se recusa a trocar os bens materiais por uma perfeição moral que lhe adviria mediante a distribuição dos mesmos aos pobres, a riqueza material se torna a sua definitiva herança, quando ele poderia chegar a seguir Jesus Cristo como discípulo seu e alcançar uma perfeição moral de valor incomparável. O rico que deposita nos bens materiais toda a sua confiança a ponto de recusar uma oferta por parte do próprio Deus que em troca lhe daria riquezas infinitamente superiores àquelas que possui, caso as investisse em amor ao próximo, é um pobre homem que um dia voltará à terra de onde veio, nu, da mesma forma que entrou no mundo. Igualmente, pobre de espírito é o homem que não é capaz de aceitar os dons de Deus, simplesmente porque não tem bastante confiança em Deus a ponto de se convencer que pela conquista dos bens espirituais terá adquirido uma riqueza capaz de suprir qualquer necessidade material. A atitude acovardada do rico leva Jesus a uma dura sentença: a riqueza, pelo apego que cria no coração do homem, é um imenso obstáculo diante das oportunidades que Deus oferece, a partir do desprendimento dela em favor dos pobres (Rm 12,8). 
Seguir a Cristo é um caminho árduo. Um rico não está disposto a começar tudo de novo, uma vez que está de posse de algo que foi duro de se alcançar. Quais as garantias de conseguir um novo sucesso? Fica difícil trocar vantagens adquiridas por um futuro ainda fundado em promessas. Pedro, diante das palavras do rico e da observação de Jesus diante da recusa do mesmo a o seguir, fica perplexo e exclama: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos. O que é que vamos receber?” (19,27). Ele estava vendo que o jovem rico estava se garantindo. Ele poderia ter feito o mesmo, preferindo as redes de pesca e os barcos a seguir  Jesus. A Pedro, Jesus responde, embora Pedro ainda não esteja seguindo o seu Mestre na perfeição, que o destino dos seus seguidores será o de reinar com ele. Quem se despoja de tudo para seguir a Cristo, quem se torna o último de todos para servir, quem assume o radicalismo do Evangelho de Cristo em vista de uma recompensa eterna, será o primeiro. É uma promessa que Deus faz e que vai cumprir.


2a feira, 20a Semana TC 
Reflexão (Mt 19,16-22)
Jesus provoca confiança nos ouvintes. Um jovem rico, então, movido pela admiração, dele se aproxima. Embora despreparado, quer, todavia, atingir a perfeição do Mestre que faz da pobreza um meio para ser rico espiritualmente (Mt 5,2). Resultado, o rico de bens materiais não sabe investir. Perde a oportunidade fácil de ter um "tesouro no céu" e de poder desfrutar condições reservadas aos perfeitos.
Ao rico de bens materiais é dado adquirir a condição de discípulo do Filho do Homem (8,20). Jesus dele pede que invista distribuindo seus bens entre os pobres. O amor aos irmãos praticado dessa forma, cria as condições da caridade no coração. Era aquilo que faltava (cf. 1Pd 1,3-5) e que era a prática do último dos mandamentos que Jesus estava lembrando: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (v. 19).
A observância dos mandamentos que promovem a caridade que expele o temor, cria as condições de tudo alcançarmos, porque terá expelido do nosso coração todo temor (1Jo 4,18). Paulo nos ensina que distribuir os bens aos pobres é um gesto carismático valioso (Rm 12,8). Torna-se imperativo quando Jesus apresenta o convite. Isto é por nós entendido diante de Jesus que considera pecaminosa a atitude do moço que dele se afasta pesaroso. 
O jovem rico prova que o caminho da realização escapa à nossa compreensão imediata. Torna-se compreensível quando cada passo é realizado sob o impulso do Espírito. Os Apóstolos fracassam porque fogem diante da perseguição. Tornar-se-ão capazes de seguir a Cristo Jesus somente pela graça do Espírito. A condição para não fracassarmos diante do ensinamento do nosso Mestre e Guia é aquela de percorrermos o caminho da purificação (2Pd 1,3-11).





3a feira 20a Semana TC 
Reflexão (Mt 19,23-30)
O texto se abre com uma declaração de autoridade divina: o apego à riqueza neutraliza a iniciativa de Deus que quer salvar o homem porque, a riqueza, em si é um empecilho quase que intransponível. A impossibilidade de um camelo passar pelo buraco de uma agulha mostra que, praticamente, um rico se salva somente se Deus o salva (v.26). Mas isto acontece para qualquer um de nós! Estamos diante de uma demonstração da gratuidade da salvação e de quanto o homem dela é indigno. Quem o salva é a fidelidade que Deus tem consigo mesmo, a Bondade que sempre age no amor.
Pedro e os outros Apóstolos conseguiram se superar porque tiveram a oportunidade de viver condições ideais, quais uma educação religiosa mais articulada e o exemplo de João Batista. Eles porém, foram salvos pela mediação de Jesus que rezou por eles para não serem tragados pelo Mal (Lc 22,31-32).
Feitas as devidas considerações, podemos dizer que nós estamos em bem melhores condições para corresponder à ação da Bondade divina porque temos o máximo da compreensão da Pessoa de Jesus e o conhecimento claro da riqueza da herança dos santos. Nós somos os primeiros na lista dos candidatos à salvação e a reinar com Cristo. Atenção para não nos tornarmos os últimos, merecedores de exclusão.
A 2Pd 1,3-11 permite avaliarmos a riqueza da graça que alcançamos quando praticamos o amor fraterno. Aquele que o pratica pela distribuição dos seus bens, atua segundo um carisma do Espírito. Exercido na caridade, promove no fiel a vida de amor que é a própria vida de Deus. O fiel promove, então, em si, a disposição a seguir o Modelo, a Glória de Iahweh que se tornou "um filho de homem". Nós que compreendemos toda a grandeza da imolação de Cristo e a perfeição à qual Jesus conduziu a sua humanidade, movido pela caridade que desenvolveu nele a partir do total despojamento que praticou (8,20), podemos entender porque o jovem rico desanimou por completo. Ao mesmo tempo, podemos compreender porque Jesus apreciou a conduta dos Apóstolos, uma vez que não desistiram diante do anúncio da sua Paixão. Estavam ligados ao seu Mestre por uma amizade que tinha amadurecido a ponto de querer subir a Jerusalém para acompanhá-lo naquilo que ele queria realizar. Estavam disposto a perder a sua vida por causa dele, segundo o ensinamento que Jesus proferiu depois do primeiro anúncio da sua Morte (16,24). 




O Evangelho de Mateus  (Mt 20)
                                                                                                                                              Este capítulo pode ser considerado um prefácio a Mt 21-28 que nos falará da instauração do Reino do Pai, por obra do Filho enviado à casa de Israel como filho de Davi. Mt 20 abre-se com uma parábola que retoma o conceito de Reino amplamente apresentado em Mt 13 pelas sete parábolas lá contidas. Deus chama o homem a reinar com Ele mediante a comunicação da sua vida divina, por meio da Redenção que Jesus realizou. Neste Reino, Deus nos dignifica, querendo-nos seus cooperadores para poder nos presentear com a participação ao seu gáudio, como recompensa do nosso trabalho. Parece que Israel não gostou da liberalidade do Dono da vinha, querendo reivindicar a exclusividade do chamado. Por isso, ele, que foi o primeiro, acabou sendo o último. Mas, qual poderia ser a pretensão de Israel, se, depois de todos os cuidados que Deus, o vinhateiro, lhe dispensou, em lugar de produzir cachos doces só deu uvas azedas? À parábola do Reino dos céus segue-se o anúncio de como ele será instaurado (v.17-19). A própria viagem até Jerusalém tem um sentido teológico, implícito em Mateus, explicitado por Lc 9,51- 19,28 com os apelos de 13,22 e 17,11: dez capítulos cheios de ensinamentos que brotam de uma alma que caminha para a imolação. Pela sua morte, Jesus realizará a profecia de Dn 7. Os chefes dos sacerdotes e os escribas serão os instrumentos da sua morte. Acontecerá que Jesus se sairá vencedor pela sua ressurreição, dessa forma vingando o sangue dos profetas e fazendo com que caia sobre os seus inimigos “todo o sangue dos justos derramado sobre a terra” (23,35). Jerusalém, Jesus Filho do Homem, sacerdotes e escribas, paixão, morte e ressurreição são todos temas do drama que se desenvolverá a partir de Mt 21, sumariamente apresentados, aqui, em Mt 20. Parece que ninguém está compreendendo o ensinamento de Jesus. As autoridades religiosas o hostilizam desde o início da sua pregação, o povo e os apóstolos ainda pensam em termos terrenos. A demonstração cabal de tudo isso é a cena ridícula da mãe que apresenta seus filhos a Jesus, recomendando que sejam primeiros ministros do reino que ele vai instaurar (v.20-23), seguida pela cena patética dos outros dez  morrendo de ciúmes (v.24). Jesus explica que o Reino não será fruto de uma conquista e sim de um sacrifício de redenção que o Pai determinou que se cumpra. Se há portanto uma participação no Reino do Pai, esta dar-se-á bebendo do mesmo cálice da sua Paixão. Então, os seus discípulos serão associados ao seu triunfo sem mais rivalidades, ambições e ciúmes, num gáudio comum. À essa altura, Jesus volta a reprisar o conceito de humildade que foi o primeiro dos seus ensinamentos no Discurso à Igreja (Mt 18): o maior é aquele que se faz o menor: “aquele que quiser tornar-se grande entre vós seja aquele que serve” (v. 26). O Reino do Filho do Homem dar-se-á por uma imolação, à semelhança do Servo de Javé que “dá a sua vida em resgate por muitos” (v.28; Is 53,11).
  É evidente, portanto, o sentido catequético da cura dos cegos de Jericó (v. 29-34). Eles nos representam diante do mistério do Reino. Esse Reino se concretiza num contexto terreno, segundo uma expectativa nacional, pelo “Filho de Davi”, mas a sua natureza é divina, visa fazer dos homens, não povos que “os grandes tiranizam”, e sim criaturas redimidas da sua condição de treva por causa do pecado, divinizadas pelo dom da filiação, o povo dos santos do Altíssimo que tem o Filho do Homem como seu Senhor.
4a feira 20 Semana TC 
Reflexão (Mt 20, 1-16)
A parábola de hoje termina com o mesmo ensinamento que encontramos no fim do episódio do "Jovem rico" (19,16-30). Ela nos apresenta mais um aspecto  do Reino dos Céus, objeto central da pregação de Jesus (4,17) que, agora, no-lo descreve enquanto nos sinaliza a atitude de Deus Pai. Este está interessado com o seu Reino como o é um dono com a sua vinha. Os sentimentos de Deus em relação à sua vinha são descritos em Is 5,1-7, onde podemos ver que Israel é figura paradigmática do Reino que Jesus quer inaugurar, na condição de enviado do Pai. 
A iniciativa que Deus toma de procurar entre nós "trabalhadores para a sua vinha", nos explica o gesto de Jesus que, desde o início da sua atividade messiânica, convida homens para que estejam com ele, para que, por ele preparados, deem continuidade à sua obra. Isto significa, desde já, enquanto consideramos o primeiro gesto de Deus Pai, que os trabalhadores da vinha não devem ser diferenciados em relação ao trabalho que eventualmente realizarão ao longo da sua jornada, e sim, em virtude do seu chamado. De fato, no fim do dia, Deus se revelará como aquele que é "Bom" e que que quer ser "bom para com todos". A atitude invejosa e descontente é fruto da condição mesquinha do homem que não sabe ver na alegria de ver os seus irmãos poder usufruir da generosidade do dono da vinha, uma grandeza moral muito superior a qualquer vantagem material. Que riqueza é esta de poder dispor de um maior número de bens, adquiridos com o dinheiro de uma compensação maior, por ter tido a sorte de ter sido chamado a trabalhar desde as primeiras horas do dia, enquanto tripudia sobre a desgraça dos seus companheiros?
O ensinamento final, embora formulado com as mesmas palavras que encontramos no fim do episódio do "jovem rico", tem toda outra conotação. Ele é muito importante porque nos ensina a ter os pensamentos de Deus, infinitamente superiores aos nossos (Is 55,9).


O vangelho de Mateus (Mt 21)
                                                                                                                                              Aquele que Pedro tinha reconhecido como “Messias, o Filho de Deus vivo” (Mt 16,16), faz questão de entrar em Jerusalém com claros sinais da sua messianidade. Como Salomão foi claramente reconhecido sucessor de Davi para reinar em Israel pela mula do rei que ele montava (1Rs 1,33.38), assim Jesus é reconhecido pelo povo como “Filho de Davi (v.9), ao montar um jumento que Ele, propositadamente tinha mandado buscar. É por isso que o povo o aclama como rei repetindo os gestos com que os reis Salomão (1Rs 1,39-40) e Jeú (2Rs 9,13) foram aclamados. Jesus é, todavia superior aos reis de Israel, é “o Senhor do Templo” (Ml 3,1) que vem ao seu Templo depois de ter sido anunciado por João Batista (Ml 3,1) até na sua morte (Mt 17,12-13). O Templo de Jerusalém será substituído porque tem se tornado um “covil de ladrões” (21,13), e, sobretudo porque “os chefes dos sacerdotes e os escribas” não querem reconhecer em Jesus “o profeta” (v.11): obstinam-se diante das advertências de Deus, optam pela perpetuação da profanação ao ponto de defendê-la matando o seu Senhor (Ap 11,8). O Sl 118 pode ser assumido como  digna inspiração e celebração deste episódio da vida do Senhor. Jesus reage profeticamente amaldiçoando a figueira que Ele encontra sem frutos. É uma aberta declaração de que Deus rejeitou Israel porque é como um filho que diz que vai fazer a vontade do pai, mas não a cumpre. Contra as autoridades religiosas está o testemunho dos publicanos e das prostitutas que acolheram a pregação de João Batista, enquanto elas, que tinham todas as condições de se aperceber se era “do céu ou dos homens” (v.25) não a acolheram. A rejeição de Israel, profeticamente anunciada pela maldição da figueira, torna-se uma denúncia direta pela narração da parábola dos vinhateiros homicidas. “O Reino dos Céus lhes será tirado” (v.43) porque os judeus abusaram demais dos servos que Deus lhes enviava: “espancaram um, mataram outro e apedrejaram o terceiro” (v.35). Sobretudo, chegaram ao atrevimento de agarrar o Filho do dono da vinha, lançá-lo para fora da vinha e matá-lo (v.39). Antes mesmo que a sua morte seja consumada pelos “chefes dos sacerdotes e fariseus” (v.45) Jesus revela todo o sentido que ela tem (voltará a revelá-lo a João no Apocalipse, desenvolvendo amplamente o seu significado sobretudo como julgamento de Israel): será a reconstrução do novo, verdadeiro Templo que eles terão tentado profanar. A desolação que com isso terão provocado será o sinal do Tempo do Fim . Um Novo Israel surgirá qual nova Vinha, capaz de produzir “seus frutos” (v.43).


27º D TC A
Reflexão (Mt 21,33-43)
                 A parábola dos vinhateiros homicidas lembra a figura da Vinha que nas Escrituras Sagradas do AT era uma metáfora para designar Israel, o povo que Deus escolheu no seu amor e que cercou e protegeu com todo o seu carinho. Infelizmente, em lugar de uvas boas produziu uvas azedas seja abraçando a idolatria como transgredindo os preceitos do Senhor, a ponto de merecer os castigos da sua devastação. A geração que surgiu depois do exílio de Babilônia, por sua vez conheceu o endurecimento do seu coração, a ponto dos sumos sacerdotes profanarem com a sua conduta o seu cargo e os doutores da Lei tornarem a tradição da Lei preceitos humanos que eles nem sequer tocavam com um dedo. A dureza do seu coração acabou levando-os a hostilizar o próprio Filho do Dono da vinha e, tendo-o levado fora da cidade, a crucificá-lo. Tendo com isto preenchido a medida dos seus pecados, Israel viu a sua vinha retirada das suas mãos e entregue a  outro povo, tendo como pedra angular o próprio Cristo de Deus e como alicerce do templo chamado a construir, os doze Apóstolos.
                 Contudo, se o novo povo não procurar ter em si o Espírito, pela observância dos mandamentos de Cristo Jesus, conhecerá a mesma sorte à qual foi condenado Israel.
             O Resto que permanecerá do antigo e do novo Israel será a “multidão de todas as nações, tribos, povos e línguas” (Ap 7,9), constituída por todos aqueles que tiverem andado como Cristo andou (1Jo 2,6): os que, ao longo da Antiga Aliança, agradaram a Deus  esperando em Cristo e, segundo esta esperança, praticaram a Lei segundo o seu espírito, e os que, na Nova Aliança, alcançaram a vida eterna fazendo a vontade de Deus pela prática dos mandamentos de Cristo Jesus (Mt 7,21).
                  Disso resulta que o Herdeiro da Vinha, o Filho, é a única garantia válida para nos tornarmos dignos da herança do Reino.

              Jo 15 nos explica a forma. Sabendo que sem “Jesus nada podemos fazer”, a nossa preocupação é aquela de nos mantermos unidos a Ele como ramos à Videira Verdadeira. Esta nossa amizade com ele é diretamente proporcional à observância dos mandamentos que ele nos deixou (Jo 14,21) e que expressam a vontade do Pai que está nos céus. Jesus, então, dará testemunho de nós diante do Pai se deste tivermos cumprido a vontade. As palavras conclusivas do ensinamento de Jesus a esse respeito são: “Meu Pai é glorificado quando produzis muito fruto e vos tornais meus discípulos” (Jo 15,8.17).

O Evangelho de Mateus (Mt 22)
                                                                                                                                              Jesus continua o seu ensinamento no Templo. Temos mais uma parábola que explica o motivo da rejeição de Israel enquanto apresenta a perspectiva da universalidade da salvação. Na mente de Deus, Israel era o convidado preferencial para ser o povo do seu Filho pelo qual se estabeleceria uma aliança eterna que tornaria Israel a nação à qual todos os povos acorreriam. O descaso pelo convite torna-se uma culpa moral que merece o castigo da destruição (v. 7). Não frustra, todavia, o plano de Deus porque, esse, pelos seus servos, convida todos os povos a participar do banquete das núpcias do seu Filho. A todo e cada convidado, como é costume dos reis orientais, Deus dá as roupas e a veste nupcial para a festa. É dever de cada convidado conservar limpa a veste do Batismo e de torná-la resplandecente pela prática das boas obras (Ap 19,8), porque ela foi lavada e alvejada no sangue do Cordeiro (Ap 7,14). Quem for encontrado sem a veste nupcial, porque a sujou por falta de vigilância, terá a sorte das cinco virgens imprudentes, do servo que não investiu o seu talento e do joio lançado ao fogo (Mt 13,40).

5a feira 20a Semana TC 
Reflexão (Mt 22,1-14)
Com esta parábola, Jesus apresenta, mais ainda, novos aspectos do Reino dos Céus, centro de toda a sua pregação (4,17. Cf. nota de rodapé BJ). O Rei dos séculos deve ser considerado, pelos judeus, em primeiro lugar, e pelos outros povos, em toda a sua dignidade. Os homens, também, devem levar em conta a magnanimidade com que Deus os trata, uma vez que envia o seu Filho para restabelecer, com o sacrifício da sua vida, a aliança, rompida pela rebeldia e profanada por muitos crimes, a ponto de tornar a humanidade, à semelhança daquilo que aconteceu a Israel, cuja história é paradigmática quanto à história de toda a humanidade, merecedora de destruição total. Ainda mais, na sua bondade infinita, Deus pensou tornar participantes da sua vida todo e cada homem, numa comunhão plena, qual a figura das núpcias é capaz de descrever.
Através desta parábola, Mateus quer denunciar o descaso de Israel que chegou até a maltratar os profetas que Deus enviava, enquanto alerta o fiéis da sua Igreja a preservar a veste nupcial que receberam ao abraçar a fé.
Apresenta, até, como motivação última, a ira divina que se manifestará contra todos aqueles que terão provado, pelos seus atos, a sua total displicência, não obstante as provas de atenção e amor , por parte de Deus, ao longo de toda a sua vida. 

 Em lugar de acolher as gravíssimas advertências que Jesus, como Senhor do Templo, lhes dirige, as autoridades religiosas procedem no seu plano de prender Jesus (21,46). Tentam jogá-lo contra o povo ou contra Pilatos propondo a questão do tributo. Jesus aproveita o ensejo para lhes lembrar que ainda não deram a Deus o que é de Deus. Está na hora de produzir frutos de vida eterna, de ser uma figueira, uma vinha que produz frutos. Outra tentativa banal é a questão do matrimônio na vida eterna e a da ressurreição da carne. Jesus responde afirmando que existe uma vida após a morte em que todos são “como os anjos no céu” (22,30) e que os que passam para a outra vida, mantendo a sua identidade, vivem para Deus. Uma terceira tentativa vê os fariseus perguntando o óbvio a um hebreu. Jesus aproveita para esclarecer aquilo que, do óbvio, ainda não advertiram: o mandamento do amor a Deus somente é cumprido quando se ama o próximo. Coisa que os fariseus estão bem longe de realizar, sendo que querem matá-lo. 
6a feira 20a Semana TC 
Reflexão (Mt 22,34-40)
Mateus abre a narrativa do episódio desta perícope lembrando a dissenção entre fariseus e saduceus que não acreditavam na ressurreição dos mortos. Achando-se os fariseus serem eles mais competentes, quanto à interpretação da Lei, dirigem a Jesus uma pergunta "a fim de pô-lo à prova". A resposta que Jesus dá nos oferece a  argumentação que explica a sua aceitação incondicional da Lei dos antigos (5,17). Com a sua pergunta, que por sua vez fará após ter respondido à questão dos fariseus (22,41-46), nos dará a prova cabal de que a última interpretação da Lei é aquela que ele dá. É nele que devemos procurar o nosso Mestre e Guia, para alcançarmos, pela observância da Lei, segundo o Espírito, a justiça que nos permitirá entrar no Reino dos Céus (5,20). Encontraremos, por Ele, as condições de "amar o próximo" da forma à qual leva o amor incondicional a Deus, mediante a observância do "maior mandamento da Lei". O jovem rico, não obstante todo o seu entusiasmo motivado pela admiração de Jesus, que ele reconhecia como "Mestre" (19,16), tinha fracassado. Não tinha conseguido ver em Jesus o "Bom" , que teria tornado possível a sua salvação, "ao homem impossível", quando deixado a si só.
Com  este quadro, Mateus, na sua catequese, esquematiza a dinâmica da santificação dos fiéis: encontrar a motivação válida do serviço a Deus na compreensão da Pessoa divina de Jesus que se revelou capaz do maior amor pelos que ama ["os seus amigos" (Jo 15,13)]. Isto acontece quando Jesus é celebrado pelo seu Memorial. Este permite entender de que forma a sua Pessoa divina, "Verdade-Vida", é Caminho, porque nele, Modelo e Princípio, está a condição da plena realização do homem.

Mt 22,41-46
Por uma quarta questão (22,41-46) que, desta vez, é Jesus que a propõe, o Mestre  declara ser o próprio Iahweh pelo fato que assim o chamou Davi, sob inspiração do Espírito: “O Senhor disse ao meu Senhor”. E é nessa condição que Jesus fala às autoridades de Israel (Mt 23). 
Para todos os que o consideram “filho de Davi”, uma vez que ele se invocação do Nome de Deus, enquanto subsiste ao longo dos séculos o Israel que invoca o verdadeiro Deus.apresenta na condição de Messias, o Cristo do Senhor, Jesus, ao citar o Sl 2,1 : “Disse o Senhor ao meu Senhor”, questiona a sua verdadeira condição. Ele mesmo a resolve propondo um enigma: “Se Davi o chama de Senhor, como pode ele ser seu filho?” (v.45). Não explica este texto aquilo que Mateus quer dizer quando fala das ‘origens de Jesus’? (1,18). Concebido pelo Espírito, Jesus é a Vida-Verdade que se fez carne. Neste caso, ele é, literalmente, “o Resplendor da Glória de Deus, Imagem do seu ser”.

A descendência de Davi é aquela que garante o perpetuar-se da invocação do Nome de Deus, enquanto subsiste ao longo dos séculos o Israel que invoca o verdadeiro Deus.

Evangelho de Mateus (Mt 23)
Esgotados todos os meios para obter a conversão das classes dirigentes, Jesus as denuncia em toda a sua perversão, assumindo a condição de profeta enviado a um povo renitente. A sua palavra testemunhará a justo castigo. São mestres que abusivamente ocupam a cátedra de Moisés. Frustrados na sua espiritualidade, tentam disfarçar o seu fracasso mostrando-se rígidos intérpretes da Lei: impõem pesados fardos aos outros sem eles nem, sequer, tocá-los. A sua religiosidade é só ostentação de uma falsa piedade por meios de estojos, filactérios e franjas. Procuram o reconhecimento dos homens. Contra todo esse fracasso da religião judaica insurge-se a personalidade de Jesus, verdadeiro homem de piedade, que encontrou a sua plena realização na implementação da vontade de Deus. Não teme sequer perder a vida pela causa da justiça e da piedade. Parem com toda a farsa. Todos se considerem irmãos diante de um único Pai, que é Deus, e de um único Guia,  que é Cristo. E que a lei entre os irmãos seja o serviço.

Exegese Mt 23,1-12
23,1 Jesus então dirigiu-se às multidões e aos seus discípulos Com a autoridade de quem já se declarou "Senhor do sábado" (12,8) e que acaba de citar o testemunho de Davi que, profeticamente o chamou de "Senhor" (22,43), Jesus, diante dos seus discípulos e das multidões, se pronuncia quanto às autoridades religiosas do seu tempo.
23,2 "Os escribas e fariseus estão sentados na cátedra de Moisés" Jesus reconhece o conhecimento que as classes dirigentes tês da Lei.
23,3 "Portanto, fazei e observai tudo quanto vos disserem A competência faz dos fariseus e escribas interpretes autorizados das Escrituras Sagradas. São eles que devem ser escutados.
23,3b "Mas não imiteis suas ações pois dizem mas não fazem" Infelizmente, diz Jesus, o seu comportamento não corresponde ao seu conhecimento.  
23,4 "Amarram fardos pesados e os põem sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos nem com um dedo se dispõem a movê-los" . Esta explicitação está em paralelo com 23,3b e o define. É a denúncia de um primeiro defeito.
23,5 "Praticam todas as suas ações com o fim de serem vistos pelos homens" Segundo defeito que vai ilustrando a hipocrisia dos fariseus e escribas.
23,5b Com efeito usam largos filactérios e longas franjas (cf. nota de rodapé BJ).
23,6-7 "Gostam do lugar de honra nos banquetes... de que os homens lhes chamem de 'Rabi'" Trata-se de um terceiro defeito: uma vaidade ridícula, quando praticada na vida de religião.

23,8 "Quanto a vós, não permitais que vos chamem 'Rabi', pois um só é o vosso mestre e todos vós sois irmãos" Primeiro alerta de Jesus: ninguém, entre os seus discípulos deve pensar que está em condições de substituí-lo na condição de Rabi. Rodos têm que viver segundo a convicção que os outros são seus irmãos.
23,9 "A ninguém na terra chameis 'Pai', pois só tendes o Pai Celeste" Segundo alerta que até ajuda a compreender melhor o primeiro: Jesus e o Pai são, ambos, autoridade divinas.
23,10 "Nem permitais que vos chamem 'Guias', pois um só é o vosso guia, Cristo" Ensinamento catequético de Mateus de suma importância.
23,11 "Antes, o maior dentre vós será aquele que vos serve" Jesus não está negando a autoridade hierárquica que ele mesmo institui (Ef 4,11). Está, todavia, afirmando que ela deve ser exercida como um serviço (4,12).
23,12 "Aquele que se exaltar será humilhado, e aquele que se humilhar será exaltado" A disposição ao serviço é princípio de grandeza diante de Deus. Cristo Jesus, nisto, é Mestre e Modelo (Mt 11,29-30).
                                                                                                                                              Os Ais que se seguem querem definir qual será o instrumento de Deus para a realização do seu plano na História. Na verdade, no coração dos fariseus impera o demônio. A sua conduta  impede a propagação do Reino. Seu coração está cheio de cobiça: enganam as viúvas para apossar-se de sua herança. Direcionam os auxílios financeiros, que os filhos deveriam oferecer aos pais, para o templo. Sua religiosidade é feita de minúcias, enquanto ignora a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Estão cheios de rapina e de intemperança. São sepulcros caiados. Neles está uma vontade homicida contra os profetas de Deus. É por eles que se chegará a praticar a morte do próprio Senhor. Os profetas que Deus tinha enviado foram açoitados e mortos pelos seus pais. Com a morte de Jesus eles chegarão a encher a medida de suas culpas diante de Deus. Então, deles Deus se afastará porque provocaram a desolação no templo, pela abominação perpetrada contra Jesus. A isto seguir-se-á a rejeição do próprio povo de Israel por parte de Deus, já lembrada por Cristo quando da parábola dos vinhateiros homicidas (21,43). Para o povo de Israel fica aberta só uma esperança: voltarão a ver o Messias quando o tiverem reconhecido em Jesus. 
Exegese (Mt 23, 13-32)
23,13 Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas As hipocrisias foram sumariamente apontadas em 13,4-7: incoerência, ostentação, vaidade e presunção. Por causa delas os que teriam podido ajudar os irmãos pelo conhecimento que tinham das Escrituras, se tornaram o pior dos empecilhos.
23,13 ...porque bloqueais o Reino dos Céus diante dos homens! Estamos diante de uma acusação que segue-se à denúncia da hipocrisia.
23,13 Pois vós mesmos não entrais, nem deixais entrar os que querem A hipocrisia é um pecado que provoca o desencaminhamento dos que os consultam, porque os doutores da Lei são desleais no trato com a Lei.
23,14 Por meio de uma falsa piedade, os fariseus devoram os bens das viúvas (Mc 12,40 e Lc 20,47). Texto extirpado porque atribuído a Marcos pelos exegetas que aderem à hipótese, nunca provada, de Graff e Wellausen (início séc. XIX). Os oito ais (que são as oito acusações que especificam a denúncia inicial) estão em paralelo com as oito Bem-aventuranças que Jesus pronuncia para exortar as multidões e os seus discípulos a procurar uma "justiça que ultrapasse a dos escribas e a dos fariseus, para entrar no Reino dos Céus" (5,20<>23,13).
23,15 Fazem prosélitos que se tornam 'duas vezes mais dignos da geena'.
23,16-22 Ligam o juramento ao valor daquilo que é prometido ao templo. Não advertem que jurando pelo templo é como se jurassem pelo céu que implica o trono de Deus e Aquele que nele está sentado. É mais importante o templo do que o ouro do tesouro.É mais importante o altar do que a vítima sobre ele colocada.
23,23-32 Seguem mais quatro tipificações:1) escrupulosidade inútil, quando o importante é a prática da justiça, da fidelidade e da misericórdia. 2) Obsessão inútil pela limpeza exterior, quando é necessário esvaziar o interior da sua podridão tipificada na rapina e intemperança. 3) Justiça aparente que esconde "hipocrisia e iniquidade" (v.28. Cf  23,2b-7). 4) Vontade homicida escondida por trás de um discurso cheio de falsidade.

       Nota. Paralelismo entre os Ais de Mt 23 e as Bem-aventuranças de Mt 5. 
Nas Bem-aventuranças, Jesus, na condição de Mestre e Guia, apresenta o caminho para chegar a possuir o Reino dos Céus. Os Ais de Mt 23 denunciam quanto os falsos guias desencaminham os que neles confiam porque são homens sem o espírito de piedade, perversos, cegos, cheios de escrúpulos inúteis, obsessivos, frustrados, homicidas. "Bloqueiam o Reino dos Céus diante dos homens" (23,13). Enquanto Jesus, pelas Bem-aventuranças, se apresenta como Modelo, é, também, capaz de desmascarar os podres do homem frustrado, que se esconde atrás de uma falsa piedade, um falso zelo, pretensa competência quanto à interpretação da Lei; atrasado na prática da justiça, fidelidade e misericórdia, negligente quanto à podridão que está nele, preocupado somente em esconder sua podridão, cheio de propósitos homicidas.
É por tudo isso que Jesus declara, dirigindo-se à multidões e aos seus discípulos (23,1. Cf. 5,1-2): "Se a vossa justiça não ultrapassar a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos céus" (5,20).

Mt 23,33-39 Verberação final
Quem fala nestes últimos versículos de Mt 23 é Jesus que se declarou Senhor, conforme a  profecia de Davi (Sl 110,1) (22,43-45). Retoma as palavras de João Batista (3,7) que mostram, de um lado a vontade de Deus que cumprida salva da ira, enquanto, de outro lado, descumprida, como é o caso dos escribas e fariseus hipócritas, torna-se causa de condenação eterna
Deus nunca deixará de trabalhar para a salvação dos pecadores. Infelizmente, tendo escribas e fariseus negligenciado as advertências de João Batista e de Jesus que anunciavam, respectivamente, a iminência do julgamento e o castigo que se seguiria, conheceram a vingança divina. Aqui é preciso evitar a interpretação reducionista das palavras proféticas de Jesus, que de forma alguma querem indicar o tempo do castigo divino!
O castigo acontece quando a Cidade terrena enche a medida dos seus pecados (Ap 18,5). A sua salvação somente aconteceria se ela reconhecesse em Jesus o seu Senhor.


Comentário
O discurso de Jesus contra os fariseus nos apresenta o lado profético da Pessoa de Jesus. Por ele estendemos a nossa atenção, também, ao seu lado messiânico. Dotada por dois carismas, portanto, a humanidade de Jesus era a de um Mestre e a de um Guia perfeito. A sua humanidade tinha chegado ao momento da sua missão messiânica preparada pelo silêncio de Nazaré do hebreu que repassava a Lei dia e noite e que fazia dos salmos a sua oração. A Pessoa divina do Filho conduzia à perfeição, pelo seu Espírito, a Humanidade assumida pela encarnação, segundo um desenvolvimento harmônico. Foi por isso que venceu as tentações no deserto. Fez isto na condição de Israel, o filho que Deus chamou do Egito. O nosso entendimento da Pessoa de Jesus se aprofunda quando vemos que ele atua em si as figuras da Profecia, particularmente a do Filho do Homem e a do Servo de Iahweh. À luz da sua ressurreição, os Apóstolos, através de uma continuada reflexão sapiencial sobre a vida de Jesus, iluminada pela Profecia, chegaram a ver nele o Messias e Filho de Deus. Somente ele foi capaz de realizar em si o homem perfeito.
            Contrastam com a sua pessoa as classes dos escribas e fariseus. Deles, Jesus não despreza o conhecimento da Lei. Mas eles se revelam proselitistas, meros teóricos da religião. Apegam-se ao prestígio que a sua posição lhes propicia. Despreparados, são guias cegos, apegados à casuística que, no caso dos votos feitos ao Senhor, aconselha uma implementação toda equivocada. Não possuem o espírito da Lei. Isto se manifesta na meticulosidade inútil de pagar o dízimo da hortelã , do cominho e da arruda, de lustrar copos e jarros. Diríamos, de forma proverbial, que estão filtrando o mosquito e engolindo o camelo. São limpos por fora, mas estão podres por dentro. Jesus, no seu equilíbrio moral, aconselha a se purificar por dentro para estar limpos, também, por fora. Têm que ser procuradas, em primeiro lugar, a justiça, a misericórdia e a fidelidade: a justificação que vem de Deus, a longanimidade com os irmãos e a fidelidade à Aliança com Deus. O vazio espiritual consome escribas e fariseus, na falta do amor a Deus. Amam a si mesmos. São levados a procurar sua própria glória com a agravante de instrumentalizar a religião para enriquecer. Além de guias cegos, são sepulcros caiados.
            Contra a tradição humana ergue-se as voz profética do Messias que se propõe como Mestre e Guia enquanto vive segundo o espírito da Lei e a leva à perfeição (Mt 6,17). É natural que a impiedade de homens perversos se manifeste no ódio contra o justo. Estremecem diante da perspectiva de serem contraditos na interpretação da Lei. Os fariseus veem-se desmascarados. Seus propósitos são homicidas. Enquanto aguardam a 
oportunidade de levar Jesus à morte, o insultam e caluniam. Neles se repete a condição moral que levou seus pais a matar os profetas. Jesus conhece esta condição do espírito deles em virtude do espírito profético que está nele. Vê que nele se repete a condição do profeta chamado a testemunhar contra a iniquidade de uma geração que não quer a conversão, dessa forma plenamente justificando o castigo de Deus.
            Mt 23 nos leva a advertir que a condição dos escribas e fariseus pode se repetir em cada um de nós. João, no Apocalipse, anuncia que o castigo recai sobre a Cidade terrena à qual pertencem os reis, os perseguidores e os que aceitam o número ou o nome da Besta.
            No Apocalipse, as posições se invertem: Jesus se torna o Juiz e a Cidade terrena é julgada. Aquele que esteve morto está vivo e tem as chaves do Inferno e do Hades. Glorificado, condena os que se negaram a acolhê-lo e o combateram com mentiras (Mt 28,11-15). Jerusalém é assumida como Cidade emblemática: a Mulher, por si destinada a ser a esposa de Iahweh, se tornou idólatra e perseguiu os profetas do Senhor, até matar o seu Senhor fora da Cidade (Ap 11,8).
            É importante viver o Modelo que o Mestre e Guia propõe para não cair numa degeneração que nos associa ao mundo com as suas concupiscências (1Jo 2,15) e aplaudir os que matam os profetas. A motivação é alimentada pela contemplação da Pessoa do Senhor que vem, a primeira vez, para corrigir os erros da tradição humana do seu povo, constituir o Israel novo, realizar a salvação prometida. Nele se realiza a profecia numa condição eminente qual é aquela de ser Pessoa divina. Realmente, ele é o Emanuel, que é Luz em virtude dos benefícios da libertação das trevas, pela sua doutrina, das curas dos males que sinalizou como taumaturgo e perpetuou pela Igreja. Sabedoria eterna, estendeu a sua Misericórdia até realizar o sinal de Jonas para que os homens reconhecessem a gratuidade do dom. Ensinada por Jesus, a Igreja reconhece nele a realização do Messias profetizado e o valor redentor da sua Morte. A sua condição última está na figura do Ressuscitado que sentou-se à direita da Majestade.


O Evangelho de Mateus  (Mt 24)
                                                                                                                                              Jesus sai do Templo. É um gesto de abandono. Ele tinha vindo ao seu Templo como Senhor do Templo. Diante da sua ação profética, os que tinham tornado o Templo ‘um covil de ladrões’, em lugar de se converter têm pensamentos homicidas contra ele. O abandono significa, portanto, que chegou o tempo do fim. Jesus, então, explica aos apóstolos como deverão viver após a sua morte: lo) a Igreja deve procurar ater-se ao verdadeiro Cristo; 2o) guerras, fome, mortes constituem o contexto da vida em que os fiéis deverão continuar a viver, não obstante pertençam ao Reino que ele vai inaugurar; 3o) a fé no verdadeiro Messias acarretará perseguições, instigadas até por falsos profetas; 4o) a perseverança na tribulação proporcionará aos fiéis o prêmio eterno; 5o) é nesse contexto que a Igreja deve exercer a sua missão profética.
                                                                                                                                              Depois dessas premissas, Jesus explica claramente que a sua Morte é ‘a abominação da desolação de que fala o profeta Daniel’. É por isso que Jerusalém será rejeitada porque chegará a matar o seu Senhor. Com os mesmos termos com que os profetas falaram do fim de Jerusalém, quando da sua destruição, Jesus fala, agora, da sua definitiva rejeição. A Igreja deve entender que é chamada a viver, por sua vez, a paixão do seu Senhor que, em virtude da sua Morte, a sustentará nas provações, das quais abreviará os tempos para que os eleitos cheguem à salvação. Não existe outro caminho de salvação fora desse. Enganam-se os que seguem falsos messias apoiados por falsos profetas. A prova definitiva da verdade das suas palavras “que não passarão” (v. 35), será a sua ressurreição. O relâmpago que fulgurou naquele momento (Mt 28,3) é sinal permanente e inconfundível para a Igreja de que Jesus foi constituído Filho do Homem, com poder. À essa altura, Jesus volta a afirmar que a sua Morte será, para Jerusalém como a desgraça que caiu sobre ela quando foi destruída por Nabucodonosor, mas, para os eleitos será  condição da sua glorificação. A sua própria geração verá todos esses sinais. Que ela saiba reconhecê-los da mesma forma que pelo ramo tenro de uma figueira se reconhece que o verão está próximo, reconhecendo que, com ela, já chegou o fim dos tempos. O julgamento deste mundo já está em ato. Inútil é qualquer especulação cronológica porque ‘o fim dos tempos’ é uma categoria moral. Na base do exposto, Jesus nos exorta à vigilância, única condição válida para nos anteciparmos à sua vinda. No discurso escatológico de Jesus temos uma Apocalipse em miniatura. É interessante ver como João desenvolverá todos os seus temas: a necessidade da integridade da doutrina (vê Cartas as Igrejas -Ap 2-3), a perseverança nas provações, a fidelidade nas perseguições, o surgimento de falsos profetas apoiando falsas potências (Ap 13), Jesus, novo Templo, consagrado pela sua Morte (Ap 15-16). Estabelecido o paralelismo entre o discurso escatológico em Mt 24 e o Apocalipse resulta que o discurso de Jesus é uma interpretação teológica, expressa em termos proféticos, da sua morte que será narrada, logo em seguida, segundo as Escrituras.

Exegese   "Eis que vossa casa ficará abandonada" (23,38)
 A saída do templo constitui-se num gesto profético de Jesus, que diz respeito a toda a cidade de Jerusalém, figura paradigmática da Cidade terrena (Ap 18,2ss). Jesus assume, como figura, as construções que tanto impressionavam os seus discípulos. A sua destruição, enquanto, certamente, se realizará, tornar-se-á o fundamento de credibilidade daquilo que Jesus está para ensinar. A pergunta dos discípulos, portanto, não diz mais respeito ao tempo histórico da destruição de Jerusalém, e sim ao fim dos tempos e da vinda do "Filho do Homem". O Apocalipse tem a resposta própria da Catequese Apostólica. Estamos diante de uma escatologia. A sua linguagem é apocalíptica, em plena sintonia com a linguagem de Mateus. Ambos estão em plena sintonia com a mais pura tradição das Escrituras Sagradas.
Tempo e sinal da Vinda do Filho do Homem, não são categorias humanas. São conceitos teológicos. Dar ouvidos a explicações humanas é querer ser enganados. Os termos da linguagem apocalíptica servem somente para determinar a situação real que os discípulos terão que enfrentar (Mt 10,17-23).
Os falsos doutores, os que não guardam a sua comunhão de fé com com os Apóstolos, são o pior dos males na Igreja. São cegos guiando outros cegos.
Apesar de perseguições e da arrogância dos anticristos, a Igreja de Pedro levará o Evangelho do Reino a todas as nações.
Quando aconteceu o sinal da "abominação da desolação", isto é a destruição do corpo de Jesus por parte dos seus adversários, sinal anunciado em Dn , terminou o tempo da missão de Israel de ser o "servo de Iahweh", porque encheu a medida dos seus crimes.
Não haverá uma repetição daquilo que aconteceu com a Morte de Cristo. A destruição de Jerusalém tornou-se um sinal da destruição da Cidade terrena, como nos explica o autor do Apocalipse.
A vigilância torna-se o imperativo moral em relação a um julgamento que teremos que enfrentar para escaparmos da condenação no dia da ira. Seremos felizes se não estaremos entre os malditos destinados ao fogo eterno.
A vinda do Filho do Homem é como o "relâmpago". Surpreende os incautos, os que não vigiam. Os que vigiam sabem reconhecer os tempos pelos sinais. O exemplo dos "ramos tenros e das folhas que começam a brotar numa figueira" (24,32) mostra quão fácil é prevenir a vinda do Senhor: tanto quanto é fácil para os abutres detectar onde está um cadáver.
Jesus já está às portas, porque "as coisas devem acontecer em breve". Chegam com o fim de cada geração que cada um dos seus membros conhece com a sua morte. É o tempo desta que determina o conceito metafórico do "fim". 
 24,37-44 Introdução. Os homens se acostumam de tal forma com a sua vida que esquecem completamente o Plano que Deus quer realizar. Uma vez que Deus é fiel ao seu Plano, formulado segundo uma sabedoria infinita e a sua própria natureza, que é a bondade, acaba surpreendendo os homens pela gloriosa ação do seu Filho, o homem Cristo Jesus. Sem faltar com a paciência própria de um pai que tenta corrigir o filho através de repetidas advertências, esgotada a medida, ao encher, pelo contrário, o homem a medida dos seus crimes, envia o castigo, surpreendendo-o, como quando lampeja o raio do relâmpago, nos céus, a partir do oriente até o ocidente.
             Somente a atitude de vigilância é aquela que impede que sejamos           surpreendidos. Isto nos precaverá sermos engolidos pelas águas do dilúvio.
       24,37-39 A “Vinda do Filho do Homem” é descrita com o quadro do Dilúvio. A destruição surpreende os que vivem interessados somente com a sua vida terrena.
        24, 40-41 A “Vinda do Filho do Homem”, de fato acontece com a morte, aqui descrita como alguém que é tirado enquanto o outro é deixado. É portanto algo que acontece ao homem, não a Jesus. Ele não vem. É o homem que se apresenta ao tribunal de Cristo.
           24,42-43 O homem tem que estar preparado para o Dia da “Vinda do Senhor”.
        24,44 Porque convencidos que devemos viver, não conseguimos nos convencer o bastante que certamente teremos que morrer. Temos que cultivar de tal forma os valores do espírito que eles se tornem a nossa preocupação principal por termos descoberto que eles são os verdadeiros valores, aqueles que nos garantem, desde já, uma vida imortal.
               
          Escatologia
         A partir do momento em que Jesus proclama: "Arrependei-vos porque está próximo o Reino dos Céus" (4,17), podemos dizer, enquanto nos valemos de Mc 1,15, que estamos diante de um primeiro momento do "tempo do fim". É o tempo em que se realizam as profecias acerca de um Redentor, isto é, como nos diz Paulo em Gl 4,4, "do Filho, nascido de mulher...a fim de que recebêssemos a adoção filial". É o tempo da manifestação daquele que é Misericórdia até para a pior genia de pecadores quais "os escribas e fariseus hipócritas" que seja João Batista, como Jesus apelidam de "raça de víboras" (3,7; 23,33).
          Esgotados todos os recursos, incluído o "sinal de Jonas" (Mt 12,39), somente então Deus decretará o castigo eterno para os malditos que serão lançados no Fogo eterno da geena. A sentença divina que o Filho do Homem pronunciará, determinará o início de uma realidade final, qual a do Reino celeste.

                                                                                                                   
                                                                                                                                                O Evangelho de Mateus (Mt 25)
Estamos diante de uma trilogia de parábolas que querem incutir o sentido de responsabilidade diante das riquezas do Reino anunciado e comunicado por Jesus Cristo, o Emanuel, cuja luz resplandeceu para os que jazem na sombra da morte, para que os beneficiados não sejam lançados no fogo do inferno, onde há trevas e ranger de dentes, desconhecidos pelo próprio Senhor, por não ter guardado o óleo consigo, não ter multiplicado os talentos, não tê-lo servido nos seus pequeninos.
1-13. As virgens prudentes e as virgens imprudentes.
Não levar óleo consigo significa omitir-se na vigilância. De nada valerá tentar providenciar, de última hora, o que devia estar disponível no tempo certo. Enquanto temos tempo, operemos o bem, nos diz São Paulo. Quem não atua dessa forma, quando chega o Dia do Senhor, em lugar de ser um dia de orgulho, de alegria, ele vai se tornar um dia de vergonha e de tristeza porque, não obstante a insistência em querer entrar na vida eterna, a resposta será: “Não os conheço”.
A parábola das dez virgens quer falar do Reino, aquele que Jesus anunciou como próximo a se manifestar, no qual entra os que põem em prática as suas palavras. Sublinha, portanto, a responsabilidade pessoal diante da iniciativa de Deus que, pelo Filho enviado, anuncia e realiza a salvação.
            O óleo para a lâmpada são tudo o que os dons do Espírito cultivados produzem. Enquanto eles se desenvolvem evitam que o joio das concupiscências nos faça voltar a praticar as concupiscências do mundo. Pelo entendimento tomamos conhecimento do Plano de Deus que se atua na misericórdia, pela Descendência, o Rebento da estirpe de Jessé, que, pela sua imolação, fez de nós um reino e sacerdotes para Deus Pai. Por causa de tão grande graça, da doutrina apostólica que abraçamos vivemos na piedade e esperamos a manifestação gloriosa do Grande Rei e Senhor Jesus Cristo. Este reino do qual já participamos pela fé em Cristo se torna o Banquete nupcial do Adão novo que quer unir a si a Eva redimida.
            É triste a exclusão, todavia merecida dos que não puseram em prática as palavras daquele que veio para desposar a humanidade e lhe ensinou as riquezas do Reino. Pelo contrário degeneraram como os escribas e fariseus hipócritas (Mt 23), ou voltaram às concupiscências do mundo (1Jo 2), ou se acovardaram na provação e aceitaram o nome da besta na sua fronte.
            O fiel tem que resistir até a morte para ter a coroa da vida e receber o nome novo. Para isso, deve viver à altura da sua vocação, o serviço na Igreja, seguir a verdadeira fé. Somente então entrará onde Cristo está e será coluna, com seu nome inscrito, no Templo de Deus que está no céu.
6a feira 21a Semana TC 
                   Reflexão (Mt 25,1-13)
                   A parábola das dez virgens resume, em si,  os elementos que explicam o "Reino dos Céus". O noivo representa a iniciativa de Deus. Ampla é a utilização da figura das núpcias no AT, que visa ilustrar a natureza da relação de Deus com o seu povo. No NT é significativamente citada pelos Evangelhos e Cartas de Paulo e apropriadamente utilizada pelo Apocalipse. As dez virgens representam os indivíduos do povo que podem ser divididos em insensatos e prudentes (gr.: phrónimoi). As prudentes, à semelhança dos servos que se dedicaram ao seu trabalho (24,45), enquanto, vigilantes, esperavam o seu senhor que tardava chegar, se preocuparam em levar consigo uma reserva de óleo; as insensatas, não. As que não foram vigilantes acabaram perdendo a condição de entrar na sala do banquete, classificadas pelo noivo de desconhecidas.
                  A sentença final (25,13) mostra que a parábola da dez virgens ilustra o "quando vai ser isso?"  do discurso escatológico de Mt 24. Não há dia e hora que possa ser conhecida. Há somente a indicação clara que não será surpreendido aquele que for encontrado vigilante. É temerário se lançar numa vida devassa (Lc 15,13).


14-30.  A parábola dos talentos
Trata-se de uma parábola que quer nos ensinar a responsabilidade pessoal diante do Reino que nos foi anunciado: a Pessoa de Cristo, Sabedoria de Deus, a Redenção, o Caminho moral da nossa santificação. Os dons são diferentes e correspondem à missão que Deus Pai determinou que cumpríssemos na Igreja do seu Filho. Trata-se de valores imensos, quais poderiam ser indicados por talentos de ouro. Não é possível uma atitude passiva dentro da Igreja porque a salvação está ligada a uma cooperação necessária, por vontade divina. Os dons do Espírito recebidos pelo dom da fé devem ser desenvolvidos em vista da santificação individual e da edificação da Igreja. É pela caridade que a Igreja é edificada. O exercício da fé e da caridade deve ser prolongado ao longo de toda a vida, isto é da forma de existência que Deus nos concede sobre esta terra. Quando chegar o momento de prestar conta, serão, então, exigidos os frutos dos talentos recebidos. Devemos sentir o orgulho de poder apresentar a Deus o fruto do nosso trabalho, com o sentia Paulo, no fim da sua existência. Por parte de Deus haverá certamente o reconhecimento e a recompensa: ‘Muito bem, servo bom e fiel!’. Pelo contrário, reprovável é a conduta do omisso que será execrado pelo seu Senhor: ‘Servo mau e preguiçoso!’. Notamos que a recompensa é a mesma para os servos que dobraram o capital: ‘Muito bom, servo bom e fiel. Entra no gáudio do teu senhor’. O que importa é ter desfrutado dos talentos recebidos, independentemente do seu número (cf. 20,15). Viver a vida cristã com responsabilidade significa receber recompensa em ‘abundância’. Omitir-se nas tarefas às quais fomos chamados significa ser privados de tudo e ser lançados fora ‘na escuridão’.
31-46. O juízo final. Quem vai julgar todo e cada homem é o Filho do Homem, isto é, aquele que assumiu a condição humana e que, segundo a sua condição de Pessoa divina, a conduziu à perfeição. É capaz de julgar porque, além de ser Modelo de vida criatural, dela é Princípio, na condição de Cordeiro imolado que o Pai contemplou desde a criação do mundo (1Pd 1,18-20). Ap 19,11 o descreve como um cavaleiro que vem sobre um cavalo branco, com uma coroa com muitos diademas, um manto purpúreo. O acompanham os exércitos do céu. Ele é o rei dos reis e Senhor dos senhores que governa as nações com cetro de ferro. O Sl 45 o descreve como o Rei que cinge o flanco com a espada da justiça e da verdade. É a espada de dois gumes que sai da boca do Filho do Homem contra o hereges de Pérgamo (Ap 2), a Palavra de Deus que penetra todas as coisas (Hb 4,12-13). O Filho do Homem será a alegria dos santos e a desgraça dos perversos.
Julga pela confrontação do livro de cada homem com o Livro da vida. A vida de cada homem deve corresponder à Vida que Deus dele exige. Pelas obras de misericórdia relacionadas por Jesus, entendemos que a purificação dos pecados atua-se pelo serviço. Tem em si o amor de Deus aquele que desenvolve em si os dons do Espírito enquanto, ao mesmo tempo, se preocupa com o irmão que socorre nas suas necessidades corporais e espirituais. É então que está nele o amor de Deus (1Jo 4). Esta é a condição de possuir, desde já, a vida eterna e de poder vê-lo e conhecê-lo como Ele é. Temos que lutar em defesa dessa vida espiritual contra as concupiscências, porque estas, satisfeitas, oferecem somente uma recompensa imediata, lembrados do que 1Jo 2,14 diz: quando a Palavra permanece em nós, então temos a vida eterna; as concupiscências se perdem no nada (v. 17).

A trilogia tem um ensinamento progressivo: o dever da vigilância (v.13); a maneira de realizar uma vida vigilante que obtém o reconhecimento de Deus (vv. 20s;22s); a articulação da maneira, que consiste nas obras de misericórdia entendidas, também, como obras necessárias para a edificação da igreja (cf. Rm 12,3-8).

O Evangelho de Mateus (Mt 26-27)
Divisão
Traição - Julgamento - Morte de Cruz
No momento da traição, Judas e os outros Apóstolos abandonam Jesus, enquanto esse institui a Eucaristia. Ao longo do julgamento se revela o Iníquo nas pessoas dos sacerdotes e de Pilatos, enquanto Jesus professa a sua realeza. Na Paixão se reapresentam as tentações do deserto, enquanto Jesus se revela o adão verdadeiro que chega à glorificação pela obediência, a fé em Deus, a entrega total de si mesmo ao Pai.
A Narrativa da Paixão de Jesus se fundamenta  nas premissas colocadas desde Mt 16. É mais do que evidente que não se trata de uma fatalidade na qual teria incorrido Jesus e sim de uma realização do Plano de Deus. Desde o momento em que Pedro afirma a messianidade de Jesus, esse explica qual é o verdadeiro sentido dela anunciando a sua Paixão e Morte como condição do seu triunfo, contido na sua ressurreição. A Paixão de Jesus irá esclarecer também o verdadeiro sentido da realeza de Cristo, profeticamente anunciada pela solene entrada em Jerusalém. A Morte explicitará a profecia que Jesus fez de si como Templo do Pai. Jesus abraça a Morte de Cruz de livre vontade, ardentemente desejando de ser por ela batizado porque sabe que lhe proporcionará a suprema glorificação. Com o quarto anúncio da sua Paixão, Jesus abre a narrativa em Mt 26,1: “Sabeis que daqui a dois dias será a Páscoa e o Filho do Homem erá entregue para ser crucificado.” Ao mesmo tempo, Mateus define o inimigo que atentará contra a vida do Cristo do Senhor: são os “chefes do sacerdotes e os anciãos do povo” (v. 2). É o poder do Mal, a  Sinagoga de Satanás, à qual se aliará o poder religioso materializado, Judas, o qual, prevendo o iminente fracasso político do reino messiânico por ele esperado e pelos outros apóstolos, decide entregar Jesus por “trinta moedas de prata” (v.15). Tudo está previsto nas Escrituras, de forma que nada abala a alma de Jesus que chega extremamente preparado para esse embate final com o Maligno, a ponto de interpretar a unção da mulher na casa de Simão como claro sinal da sua sepultura (v.12). A sua Morte será a nova Páscoa, que, para sempre, será celebrada pela Eucaristia que institui, Memorial da sua imolação. O seu sangue será “derramado por muitos para remissão dos pecados” (v.28). No Horto das Oliveiras Jesus ilustra, com a sua atitude vigilante qual deverá ser a vida ascética dos seus discípulos para que possa repetir neles o caminho que ele está para empreender e que conduz à glorificação. Pela oração é que se conhece e se é capaz de por em prática a vontade do Pai na nossa vida. Com o seu exemplo, Jesus resume tudo o que expôs no discurso escatológico: o conhecimento do verdadeiro Cristo, a aceitação das tribulações da vida como caminho necessário de crescimento, a determinação no testemunho, não obstante as perseguições. Preparado pela oração, enquanto os apóstolos fracassam, todos eles fugindo, Jesus enfrenta com segurança os tormentos da sua Paixão. Enquanto os seus inimigos afundam sempre mais na iniqüidade, tornando-se sempre mais escravos do Mal, Jesus triunfa, não cessando de exercer a sua missão profética, corrigindo a uns e admoestando a outros. Ele é a Testemunha fiel diante do Sinédrio, anunciando a sua Morte como momento supremo da manifestação da sua realeza: “...de ora em diante, vereis o Filho do Homem sentado à direita do Poderoso e vindo sobre as nuvens do céus” (v.64), enquanto os seus inimigos afundam sempre mais na falsidade, no arbítrio e na hipocrisia. Não sabem que, por ter chegado ao âmago da iniqüidade, eles se tornaram instrumento de Deus para a realização do seu Plano, pensando de triunfar sobre Jesus Cristo, enquanto somente “completam a medida dos seus pais” (23,32). Pedro, juntamente com Judas, nos representam, ambos fracassando por não ter vivido a vigilância exigida pelo seu Mestre. Além do mais as perspectivas terrenas deles tornavam impossível o heroísmo que a imolação de Cristo exigia. A ambos, todavia, Jesus oferece a chance de se recuperar, explorada por cada um deles de forma diferente. A Judas Jesus lança um último apelo no momento em que é traído: “Amigo, para que estás aqui?” (26,50). O apelo denuncia que Jesus rezará por ele ao longo da sua Paixão. O efeito dessa mediação que não deixa de perseguir o homem para salvá-lo é a confissão de Judas, no Templo, enquanto se desfaz das moedas manchadas de sangue: “Pequei, entregando um sangue inocente”(27,4), embora o castigo seja a loucura do desespero que o leva a se enforcar. Pedro pode continuar o seu seguimento de Cristo, não obstante a sua negação porque foi mais vítima das circunstâncias e da sua fragilidade do que levado por uma determinação positiva da sua vontade a trair o seu Mestre. O seus sentimentos eram de generosidade: “Mesmo que tivesse de morrer contigo, não te negarei” (26,35). Mas não possuia ainda o Espírito, não tinha ainda iniciado a por em prática as regras que tornam vitorioso o discípulo de Cristo. De nada lhe valeu o seu entusiasmo. Amargou o sentimento da derrota na covardia, conhecendo quanto o homem é frágil diante dos desafios de Deus. Foi uma experiência que devia conhecer para ser, mais tarde, aquele que confirmaria os seus irmãos na fé.
                                                                                                                                              Quando Jesus é levado a Pilatos ele tem que enfrentar mais uma investida da Iniquidade. Arbitrariedade, violência falsidade, hipocrisia tinham sido as características dos “chefes dos sacerdotes e dos anciãos do povo”(26,47). Oportunismo político e desmando são agora as características da autoridade romana. Mais interessado em evitar um motim do que fazer justiça, Pilatos entrega Jesus para ser crucificado (27,26b). Embora entre deboches, a realeza de Jesus é continuamente gritada: enquanto é coroado de espinhos, os soldados gritam: “Salve, ó rei dos judeus!” (27,30); depois de tê-lo crucificado colocam “acima da sua cabeça, por escrito, o motivo da sua culpa: “Este é Jesus, o Rei dos judeus.” (27,37). “Do mesmo modo, também os chefes dos sacerdotes, juntamente com os escribas e anciãos, caçoavam dele: “A outros salvou, a si mesmo não pode salvar! Rei de Israel que é, que desça agora da cruz e creremos nele!” (27,42) Tudo isso vem a significar que realmente Jesus tinha-se proclamado o Messias e que a sua morte explicitava qual seria a forma pela qual reinaria, embora ela não fosse, no momento, entendida. É o Pai que conhece os sentimentos do Filho que Ele está glorificando. Ao Pai, portanto, Jesus se dirige, rezando os Sl 21 que, depois de analisar tudo o que acontece contra o Servo de Javé pelas mãos dos iníquos, celebra o triunfo daquele que se tornou o Redentor de Israel, destinado, também, a ser rei de todas as nações porque, pela sua imolação realizou uma condição de justiça para todos.
                                                                                                                                              Numa rápida pincelada, Mateus descreve o julgamento de rejeição contra Israel que se dá com a Morte de Cristo, tema que João desenvolve amplamente no Apocalipse. O corpo de Cristo, agora consagrado pela sua imolação, se torna o novo Templo. O antigo cessa na sua função porque os que o administravam praticaram a abominação que o deixou desolado. Ao mesmo tempo, a Morte de Cristo resgata e vinga os que foram mortos por causa do Testemunho. Em virtude da sua ressurreição, conhecem a glorificação na Cidade Santa, a Nova Jerusalém, a celeste. É o triunfo de Deus, do madeiro da cruz.

O Evangelho de Mateus (Mt 28)
                                                                                                                                              Com a Morte de Cristo cessa o tempo de Israel. O Sábado passa a sua condição de Dia do Senhor ao “primeiro dia da semana” isto é ao início de uma nova era que tem origem com o “raiar” do “Sol nascente que nos veio visitar, para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte, para guiar nossos passos no caminho da paz” (Lc 1,78). É o princípio de uma nova criação tão superior à primeira quanto o número 8 (símbolo de duas perfeições somadas, dois círculos do sol unidos oo) é superior ao 7,  símbolo da simples plenitude). Os discípulos fiéis são chamados a conhecer, de forma plena, o mistério que a condição humilde assumida pelo Messias escondia, de forma que ao lembrarem os fatos históricos da sua vida poderão reconhecer que ele era “o Senhor Deus de Israel, que visitou e redimiu o seu povo” (Lc 1,68): “O povo que jazia nas trevas viu uma grande luz; aos que jaziam na região sombria da morte, surgiu uma luz” (Mt 4,16). Diante do sepulcro vazio, sinal de Deus, porque a quem se pergunta “Quem rolará a pedra da entrada do túmulo” (Mc 16,3) Deus apresenta a pedra rolada, Maria Madalena e Maria mãe de Tiago entendem estar diante de um sinal, que Mateus tenta descrever com as figuras clássicas do terremoto e da visão do Anjo de Javé, com a descrição da figura de Jesus da forma que fora vista por Pedro, Tiago e João, no alto monte. Os guardas, despreparados, não podem entender. Mas as fiéis discípulas “que haviam acompanhado Jesus desde a Galiléia, a servi-lo” (Mt 27,55), que “estavam ali sentadas em frente ao sepulcro” (Mt 27,61) após a sua sepultura, estão aptas para receber a extraordinária comunicação do Anjo, com, até a missão de ir “já contar aos discípulos que ele ressurgiu dos mortos” (Mt 28,7). “Medo e grande alegria” (v. 8) se misturam no coração das duas Marias. São os sentimentos de todos os que recebem mensagem do Anjo de Javé, cheias de temor diante da visão de Deus e, ao mesmo tempo, cheias de alegria por possuir, na fé, uma mensagem que certamente vem de Deus. Não importa que os outros não acreditem, será por causa do seu despreparo, nunca motivo de dúvidas para elas. É o grande ensinamento da Ressurreição. Não são, necessariamente, os que estão constituídos em autoridade, os beneficiários da santificação que nos advém dos mistérios de Deus. É para aqueles que estão preparados. Os que estão constituídos em autoridade poderão, também, se beneficiar dela. Por si, a sua tarefa é de serem a estrutura da comunicação da graça de Deus aos homens, que decretou que fosse a Igreja hierárquica a intérprete da sua Revelação. Aos apóstolos Jesus outorgará o mandato de ir e pregar o evangelho. Mas ao compartilhar a piedosas mulheres, por primeiro, o mistério da sua Ressurreição, indicava a superioridade da caridade sobre a autoridade da instituição, ao mesmo tempo em que proclamava que, sem distinção hierárquica, todo e cada membro da Igreja é chamado a partilhar da santidade por ele merecida pela sua Redenção, merecendo a partilha por um seguimento fiel qual mostraram de praticar as piedosas mulheres. Os Apóstolos não foram dignos da mesma graça em virtude da sua fidelidade, mas somente em virtude da sua vocação, embora, mais tarde se tornassem dignos dela, com as suas conseqüências de glorificação, pela fidelidade e pelo martírio.
                                                                                                                                              No topo do Monte das Oliveiras, chamado Galiléia,topônimo que designa, também a região situada no norte da Palestina, Jesus dá início à sua ação de Ressuscitado, na condição de Cabeça da Igreja, seu Corpo. Na condição de quem possui toda  a autoridade, envia os seus discípulos para que todos os homens de todas as nações se tornem membros do seu Reino, recebam a graça da Redenção pelo Batismo e, aprofundadas no conhecimento dos seus preceitos, cheguem à perfeição da sua glorificação. A ação da Igreja é irresistível porque a sua força é determinada pela presença de Cristo Jesus, tornado de “alma vivente, Espírito vivificante” (1Cor 15,45).
                                                                                                                                              A ascensão do Senhor
                                                                                                                                              O Ressuscitado, que ascende ao Pai, seu Deus e nosso Deus, manifestado aos Apóstolos no 1º Dia da Semana, com o dom do Espírito para a inteligência das Escrituras, Aquele que, do Pai, recebeu o poder de dar a vida e de retomá-la, porque Um com o Pai (Jo 10,30), Aquele a quem, para sempre, os Apóstolos terão que voltar pela Eucaristia (Jo 21,12), Aquele que nos prometeu o Espírito como fruto da sua Páscoa, envia a sua Igreja com o poder de pregar e batizar.
                                                                                                                                              Temos um líder que glorificou a sua humanidade pela sua Paixão, a quem o Pai entregou todo poder. Nele habita corporalmente a plenitude da Divindade. Por ele os homens podem se unir à Divindade, tornando-se “filhos adotivos no Amado” (Ef 1,6). É o Filho do Homem sentado no trono do Pai que, do Pai, recebe todo poder de julgar. As figuras da condição gloriosa de Jesus são a Glória de Iahweh (Ez) e o Filho do Homem (Dn).
                                                                                                                                              Na sua Morte, imolação do verdadeiro Adão, somos sepultados. Por ele entramos em comunhão de vida com a Trindade Santa.
                                                                                                                                              Pela assistência do Espírito Santo, a Igreja prega o Evangelho da graça: revelação dos Mistérios de Deus dos quais participamos pelos sacramentos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário